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Resumo:
O presente trabalho consiste em uma revisão literária que perpassa os principais tópicos que abarcam o tráfico de mulheres. Busca-se uma compreensão ampla, abrangendo aspectos conceituais, internacionais e os reflexos nacionais sobre o tema.
Texto enviado ao JurisWay em 23/05/2016.
Última edição/atualização em 24/05/2016.
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Tráfico de mulheres
Resumo
O presente trabalho consiste em uma revisão literária que perpassa os principais tópicos que abarcam o tráfico de mulheres. Busca-se uma compreensão ampla, abrangendo aspectos conceituais, internacionais e os reflexos nacionais sobre o tema. Por meio de uma visão crítica, faz-se uma revisão histórica demonstrando o caminho trilhado e a luta travada contra a exploração sexual feminina até os dias de hoje.
Conceituação
Existe uma grande discussão em torno da conceituação desse fenômeno, qual seja, o da exploração sexual comercial, resultando em uma grande imprecisão não apenas semântica, mas de cunho epistemológico. Primeiramente, é importante ter em mente a categoria “violência” para toda ação que venha a se referir como Exploração Sexual (Faleiros, 2000). Caracteriza-se “violência” como o uso de força e poder para se aniquilar, abusar e excluir o outro (Mello e Francischini, 2010). Estando ela ligada a uma relação de poder, quando numa relação de desigualdade, o agente ativo utilizasse de força (física, política, psicológica) para conseguir vantagens pré-definidas.
Essa imprecisão dificulta a compreensão das categorias de violência, demonstram apenas uma falsa aparência de uniformidade, sendo em verdade manifestações peculiares e específicas, entre elas: abuso sexual, prostituição, exploração sexual, etc. Essa dificuldade acaba por gerar problemas em se atacar pontualmente esses tipos de violência, com estratégias e programas adequados pra sua erradicação ( Mello e Francischini, 2010).
No Brasil, deu-se inicio a uma preocupação mais acentuada em torno desse assunto após o recrudescimento do turismo sexual no país. A ampliação do turismo sexual, aliada a fatores de grande expansão dessa prática, como a internet, foram fatores que serviram de alavanca para impulsionar pesquisadores, políticos e juristas a trabalharem nessa área.
Na década de 90, notou-se um grande avanço nesse sentido, acontecendo, em 1996, em Estocolmo, o Primeiro Congresso Mundial contra a Exploração Comercial, onde figuraram diversos países e entidades não governamentais (Mello e Francischini, 2010). Nessa ocasião, tentou-se classificar as formas de violência em quatro categorias, que seriam:
Prostituição: seria a atividade de negociação em troca de pagamento, não necessariamente monetário, incluindo alimentício, vestuário, etc.
Tráfico e venda de pessoas para fins sexuais: seria “o movimento clandestino e ilícito de pessoas por meio de fronteiras nacionais, principalmente dos países em desenvolvimento e de alguns países com economias em transição, com o objetivo de forçar mulheres e adolescentes a entrar em situações sexualmente ou economicamente opressoras e exploradoras, para lucro dos aliciadores, traficantes e crime organizado ou para outras atividades (por exemplo, trabalho doméstico forçado, emprego ilegal e falsa adoção)”, conforme Faleiros e a Assembleia das Nações Unidas. Esse tipo de atividade está ligada, na maioria das vezes, a enganos e fraudes que expõe o indivíduo a situações análogas à escravidão.
Pornografia: seria a divulgação e consumo de materiais ligados à representação de pessoas em situação sexual de maneira ampla ou a representação das partes genitais, como forma de proporcionar prazer sexual ao consumidor.
Turismo sexual: seria a saída de pessoas de seu país ou região de origem, com o objetivo de praticar qualquer forma de exploração sexual comercial.
O Mercado do Sexo
Quando se fala nesse amplo mercado do sexo, é sempre importante ter em mente a natureza econômica da relação. Inserido no modelo capitalista, o tráfico de pessoas nada mais seria do que uma exploração da força física de trabalho por aqueles que detém o poder e os meios necessários para tanto. Assim, a parte dominadora concederia uma espécie de “proteção”, entendida como “condições de sobrevivência, que se expressam em forma de salário, alimentação, habitação, entre outros, como acontecem em contratos trabalhistas” ( Mello e Francischini, 2010). Como sistema comercial, haveria a produção e comercialização de mercadorias, nesse caso, serviços e produtos sexuais. Seguindo uma ideia de contrato sexual, poderíamos colocar as pessoas que oferecem esse serviço numa posição de dominadas, onde são postas de forma forçada na própria condição de mercadoria a ser negociada num mercado negro. Por agirem na ilegalidade, os abusadores funcionam sob uma cobertura jurídica, trabalhando por meio de nomes fantasia em redes articuladas. Essas redes funcionam por meio de diversos atores e organizações, com ações em conjunto e responsabilidades compartilhadas (Mello e Francischini, 2010).
A exploração sexual vem se mostrando inserida em diversas redes ligadas ao tráfico de mulheres, de drogas, falsificação de documentos, indústrias pornográficas. Tais redes possuem um grau de complexidade muito amplo e variado, sendo alguns de seus atores: “aliciadores, proprietários de estabelecimentos comerciais, empregados, prestadores de serviços – por exemplo, taxistas –, dentre outros tipos de intermediários” ( Mello e Francischini, 2010), com uma forte ligação com o mercado de crime organizado em nível internacional.
Pateman indica que, nesse mercado, o contrato sexual abarca fenômenos do próprio mundo capitalista, dentre eles a pobreza e a exclusão. Compreender esse mercado seria compreender a própria sociedade em que ele está inserido, observa-se assim que “a formação econômica, social e cultural da América Latina, assentada na colonização e na escravidão, produziu uma sociedade escravagista, elites oligárquicas dominantes e dominadoras de categorias sociais inferiorizadas pela raça, cor, gênero e idade” (Faleiros, 2000, p. 19). Esse tipo de formação gerou estratos sociais completamente excluídos e marginalizados que acabaram se vendo dominados pela população que ascendeu ao poder.
Tratados Internacionais: perspectiva histórica
No que concerne ao tráfico de pessoas e às maneiras buscadas pela humanidade, ao longo dos anos, para tratar desse problema ainda presente nos dias atuais, observa-se que diversos tratados foram firmados, em diferentes contextos, visando chegar-se a uma solução.
Referido esforço culminou, finalmente, no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Palermo, 2000), o qual refere-se à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, com foco nas Mulheres e Crianças.
Considerando-se o contexto histórico da escravização dos negros e negras e de seu tráfico, os primeiros tratados internacionais elaborados visavam defender referido grupo de pessoas, remetendo a 1814 com o Tratado de Paris entre Inglaterra e França, o qual acabou convertendo-se em uma Convenção, firmada pela Sociedade das Nações e pela ONU, em 1953. Posteriormente, com a Convenção de Genebra, em 1956, houve uma corroboração de referida tentativa protetiva, ampliando-se o objeto de defesa do acordo para situações relacionadas à escravidão, concedendo, assim, maior visibilidade à questão.
Com relação, especificamente, aos direitos das mulheres, fundamental a análise do Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, firmado em Paris, em 1904, tendo posteriormente sido transformado em Convenção. Referido acordo, apesar de deveras restrito, na medida em que excluía diversas mulheres de seu âmbito de proteção, contribuiu imensamente para uma maior divulgação do tráfico como crime, tendo sido o ponto de partida para diversos tratados acerca do tema, dentre eles a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, em Genebra, em 1921, e a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, em Genebra, em 1933.
Acerca dos primeiros tratados ratificados pelo Brasil, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Convenção Belém do Pará, aprovada pelo Decreto nº 1.973, de 1º de outubro de 1996, colaborou no sentido de definir e especificar o conceito de tráfico de mulheres, atuando de maneira mais particular na conceituação do que seria violência.
Em 2002, contribuindo para o combate ao tráfico de mulheres, observou-se avanço considerável nesse tema no ordenamento jurídico brasileiro, considerando-se a incorporação à legislação do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação Contra a Mulher, por meio do Decreto nº 4.136, sendo posteriormente, no mesmo ano, aprovada a própria Convenção citada, pelo Decreto nº 4.377.
Apesar disso, se deu em 15 de novembro de 2000 um dos maiores avanços mundiais concernentes ao combate ao tráfico de pessoas. Tal benfeitoria ocorreu uma vez que a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, mais conhecido como Protocolo de Palermo, ou ainda, Protocolo Antitráfico de Pessoas da ONU.
Pela primeira vez na história houve a definição do tráfico de pessoas de maneira universal, tendo sido o Protocolo de Palermo promulgado no Brasil em 12 de março de 2004, por meio do Decreto nº 5.017.
Tráfico de pessoas e conceituação específica de tráfico de mulheres
Dentre as inúmeras vantagens consequentes da implementação do Protocolo de Palermo e sua implementação pelo Brasil, uma delas seria a conceituação exata do que seria o tráfico de pessoas, ideia essa disposta a seguir:
“Artigo 3
Definições
Para efeitos do presente Protocolo:
a)A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;”
Nessa perspectiva, nota-se tratar de um conceito deveras amplo, abarcando uma grande quantidade de condutas típicas e visando, dessa forma, atuar de maneira mais efetiva e completa em referida repressão.
Dessa feita, buscou-se proceder com a construção de um conceito mais particular acerca do tráfico de mulheres, na medida em que este possui especificidades que o diferem do tráfico de pessoas como um todo. Referidas especificidades acabam por exigir do ordenamento uma política de repressão focada em aspectos que vão além dos genéricos, necessitando uma atenção maior aos direitos humanos das mulheres, para que produza resultados mais eficientes.
Assim, positivo o conceito utilizado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República do Brasil –SPM/PR, o qual esquematiza o tráfico de pessoas, com foco nas mulheres, com base em três premissas:
1)Trata-se de um movimento de pessoas, dentro do território nacional ou entre fronteiras;
2)O qual utiliza-se de engano ou coerção, incluindo o uso ou ameaça da força ou abuso de autoridade ou situação de vulnerabilidade;
3)Com finalidade de exploração (exploração sexual; trabalho ou serviços forçados, incluindo o doméstico; escravatura ou práticas similares à escravatura; servidão; remoção de órgãos, casamento servil, dentre outros).
A análise do conceito supracitado enseja algumas conclusões que merecem atenção. Vamos a elas.
Primeiramente nota-se que o tráfico de pessoas, em especial o de mulheres, abarca, indubitavelmente, o uso de qualquer situação de vulnerabilidade na qual a vítima se encontre. Dessa feita, o engano ou a coerção de mulheres com o fim de explorá-las de qualquer forma, corresponderia ao tipo descrito.
Isso quer dizer que qualquer tipo de possível consentimento dado pela vítima será sempre irrelevante no que concerne à tipificação do tráfico de pessoas. Ou seja, o fato de a mulher ter concordado em ser deslocada de um lugar a outro, considerando-se sua inicial situação de vulnerabilidade, a qual tende a impulsioná-la a buscar melhores oportunidades, não pode ser utilizado como escusa para a realização do crime, o qual se materializa independetemente de tal circunstância.
Referido argumento pode ser claramente observado pela análise do artigo 3º, alínea “b”, da Convenção de Palermo, o qual afirma:
“O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a);”
Esse fato se corrobora com a análise de algumas notas dos trabalhos preparatórios do Protocolo de Palermo, as quais definem o abuso de uma situação de vulnerabilidade como
“qualquer situação em que a pessoa em causa não tem outra alternativa real e aceitável senão submeter-se ao abuso em questão”.
Afinal, o fato de uma mulher ter consentido em se deslocar para outro lugar para exercer a função de empregada doméstica ou prostituta, em razão das péssimas condições sociais em que vive, não significa, em absoluto, ter a mesma concordado em ser explorada e violentada, vivendo situações degradantes as quais violam diversos direitos humanos que possui.
Dessa forma, evidencia-se o caráter duplo do tráfico de mulheres na perspectiva da violação de direitos humanos, uma vez que atua tanto como causa, quanto como consequência de tal transgressão.
Atua como causa na medida em que degrada a dignidade humana em diversos aspectos, proibindo a vítima de exercer o seu direito de ir e vir, bem como a explorando de formas desumanas e tolhendo toda e qualquer possibilidade do exercício da liberdade instrínseca ao ser humano.
Por outro lado o tráfico de mulheres, acaba se mostrando uma consequência cruel de sistemas jurídicos e sociais extremamente falhos, os quais permitem que mulheres vivam em condições de extrema desigualdade econômica, carentes de qualquer oportunidade de crescimento pessoal e profissional. Dessa forma, acabam por enxengar em oportunidades suspeitas e com poucas garantias a única maneira de alcançarem melhores condições de vida, caracterizando, evidentemente, as referidas situações de vulnerabilidade das quais os traficantes se beneficiam.
Tais desigualdades estão tão arraigadas a inúmeras sociedades maternas das vítimas do tráfico de mulheres, dentre as quais se inclui a brasileira, que muitas vezes as mulheres que passam por toda essa exposição, violação de direitos e abuso, não se veem como vítimas. A busca por uma qualidade de vida maior é impulsionada por questões sociais tão intrínsecas, que as próprias vítimas acabam, muitas vezes, não se reconhecendo como tais, julgando terem algum tipo de culpa por terem sido “ingênuas”.
Naturalmente, trata-se de uma visão contaminada pelo olhar de pessoas as quais não somente vivenciaram traumas imensuráveis na posição de vítimas do crime de tráfico, como acabaram por se conformar com a situação muitas vezes degradante que viviam antes de serem traficadas.
Legislação Brasileira e programas nacionais de enfrentamento ao tráfico
Primeiramente, é válido trazer pra discussão o nosso Código de Processo Penal. Por meio das mudanças trazidas pela Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005 e pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, passou-se a criminalizar especificamente o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, na sua modalidade internacional, por meio do artigo 231, e o tráfico interno, artigo 231-A. Esses artigos deixam de tutelar a moral pública sexual, para pertencerem à Parte Especial, Título VI, “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual” (SPM/PR).
In verbis:
“Tráfico Internacional de Pessoa para Fim de Exploração Sexual
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador; da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Tráfico Interno de Pessoa para Fim de Exploração Sexual
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.”
Apesar do esforço dos artigos acima mencionados, o Código Penal Brasileiro ainda se apresenta deficitário na tipificação e definição dos crimes que envolvem o tráfico de pessoas. Conforme o Protocolo AntiTráfico de Pessoas, ainda ficaram de fora outras finalidades da exploração, como: “o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, à servidão ou à remoção de órgãos, casamento servil, trabalho doméstico forçado” (SPM/PR). Para os demais crimes que permeiam a exploração sexual comercial, deve-se utilizar em conjunto as demais normas presentes na Constituição Federal e no Código Penal.
Para além do Código Penal, foram aprovados outros decretos com o intuito de conter o crime em questão, tais decretos serão melhor explicados abaixo, mas, adiantando, dentre eles temos: a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Decreto nº 5.948, de 26 de outubro de 2006); o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Decreto nº 6.347 de 08 de janeiro de 2008) e o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (Decreto nº 6.387, de 05 de março de 2008) (SPM/PR).
Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
Tal iniciativa se propõe a firmar ações com o intuito de erradicar o tráfico de pessoas e dar assistência às vítimas. Aqui conseguiu-se caracterizar como tráfico de pessoas todas as práticas elencadas no Protocolo Anti-Tráfico Humano da ÔNUS, como a exploração sexual e a prática de trabalho forçado, em situação análoga à de escravidão.
Os princípios apresentados foram: “respeito à dignidade da pessoa humana; não-discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, atuação profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou outro status; proteção e assistência integral às vítimas diretas e indiretas, independentemente de nacionalidade e de colaboração em processos judiciais; promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos; respeito a tratados e convenções internacionais de direitos humanos; universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; e transversalidade das dimensões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, raça e faixa etária nas políticas públicas.” (SPM/PR).
Dividiu-se as diretrizes em três formas:
“Diretrizes específicas de atenção às vítimas do tráfico de pessoas: Proteção e assistência jurídica, social e de saúde às vítimas diretas e indiretas de tráfico de pessoas; Assistência consular às vítimas diretas e indiretas de tráfico de pessoas, independentemente de sua situação migratória e ocupação; Acolhimento e abrigo provisório; Reinserção social com a garantia de acesso à educação, cultura, formação profissional e ao trabalho; Reinserção familiar e comunitária de crianças e adolescentes; Atenção às necessidades específicas das vítimas, com especial atenção a questões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, raça, religião, faixa etária, situação migratória, atuação profissional ou outro status; Proteção da intimidade e da identidade; e levantamento, mapeamento, atualização e divulgação de informações sobre instituições governamentais e não-governamentais situadas no Brasil e no exterior que prestam assistência.
Diretrizes específicas de prevenção ao tráfico de pessoas: Implementação de medidas preventivas nas políticas públicas, de maneira integrada e intersetorial, nas áreas de saúde, educação, trabalho, segurança, justiça, turismo, assistência social, desenvolvimento rural, esportes, comunicação, cultura, direitos humanos, entre outras; Apoio e realização de campanhas de conscientização nos âmbitos internacional, nacional, regional e local, considerando as diferentes realidades e linguagens; Monitoramento e avaliação de campanhas com a participação da sociedade civil; Apoio à mobilização social e fortalecimento da sociedade civil; e Fortalecimento dos projetos já existentes e fomento à criação de novos projetos de prevenção ao tráfico de pessoas.
Diretrizes específicas de repressão ao tráfico de pessoas e de responsabilização de seus autores: Cooperação entre órgãos policiais nacionais e internacionais; Cooperação jurídica internacional; Sigilo dos procedimentos judiciais e administrativos, nos termos da lei; e integração com políticas e ações de repressão e responsabilização dos autores de crimes correlatos.” (SPM/PR).
I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – I PNETP
Referido plano foi um trabalho conjunto do Estado por meio de suas secretarias e ministérios, bem como do Ministério Público Federal e do Trabalho e da sociedade civil, por meio de organizações não-governamentais e organismos internacionais. Tal plano foi de suma importância para aprofundar a política de combate ao tráfico de pessoas já existente no governo e se baseava em três pilares básicos:
1º) Prevenção ao tráfico de pessoas – levantar informações e experiências sobre o tráfico de pessoas. Capacitar e formar atores envolvidos direta e indiretamente com o enfrentamento do tráfico de pessoas, através de cursos e oficinas para profissionais e agentes específicos;
2º) Atenção às vítimas – articular os serviços e redes existentes em um sistema nacional de referência e atendimento às vítimas de tráfico; e
3º) Repressão ao tráfico de pessoas e responsabilização de seus agressores - Aperfeiçoar a legislação brasileira. Fomentar a cooperação entre órgãos da Segurança Pública em matéria de investigação. Aperfeiçoar o conhecimento sobre o tema nas instancias e órgãos de repressão. Fomentar a cooperação internacional para repressão do tráfico de pessoas.
O II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres ainda se encontra em fase de elaboração, mas vem com o intuito de avançar nas conquistas por meio de uma maior interação da comunidade com o tema.
Para além dos planos já mencionados, foi criada ainda o Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres, que serviu como um dos principais instrumentos para se colocar em prática as propostas governamentais. Tal pacto coloca como um dos seus enfoques o tráfico de mulheres, o que serviu para se conseguir dar visibilidade ao tema.
Agora o Estado toma para si a responsabilidade de atendimento das mulheres colocadas em situação de tráfico de pessoas, trabalho esse que era exercido exclusivamente por ONGs e pela sociedade civil. O Pacto buscou estratégias de empoleiraremos feminino, trabalhando aspectos de vulnerabilidade da mulher, como a questão da renda, além de melhorar o atendimento às mulheres vítimas do tráfico de pessoas.
Por fim, o Pacto ainda tornou possível diversos acordos e parcerias com os países classificados como destinos das mulheres brasileiras traficadas, para trabalharem em conjunto em estratégias de solução desse problema global.
Considerações Finais
O tráfico de pessoas, em especial o de mulheres, configura-se como um problema de dimensões que perpassam as meras fronteiras dos Estados, atuando como um dos crimes internacionais de maior incidência, perdendo somente para o tráfico de drogas e armas.
Dessa feita, os diversos tratados e convenções até os dias de hoje realizados em inúmeros países representam essa necessidade atual de se combater tal prática criminosa.
Na perspectiva brasileira, nota-se evidente avanço no âmbito jurídico com a implementação do Protocolo de Palermo e dos Planos e Política Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas pelo Estado. Afinal, ao definirem o conceito de tráfico de pessoas e ao buscarem, de maneira prática, soluções e vias de enfrentamento desse tipo penal, acabam por configurar-se como instrumentos essenciais para o combate a esse crime, o qual assola um número altíssimo de mulheres e possui como consequência uma violação de direitos humanos que não pode, de forma alguma, ser tolerada.
Carolina Simões Figueiró
Natália de Castro Zacariotti
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