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Resumo:
Nota Sobre o Art. 1º do Novo CPC
Texto enviado ao JurisWay em 14/01/2016.
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Nota Sobre o Art. 1º do Novo CPC
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
Apertem os cintos! No próximo dia 18 de Março deste Ano (2016) entrará em vigor o Novo Código de Processo Civil brasileiro, com os seus 1.072 artigos, trazendo consigo grandes inovações e inéditos institutos jurídicos.
Pois bem. Nestas brevíssimas notas faço uma advertência ao apressado leitor do Novo Código, sobre o seu Art. 1º. Talvez esse dispositivo conduza à maior transformação que se espera da nova ordem processual a ser instalada pelo Novo CPC.
Antes de tudo, para se compreender o inestimável Art. 1º do Novo CPC, importante não esquecermos: o Novo Código de Processo Civil é um Código de Processo Civil! Sim, uma aparente lição mais que banal ou redundante. Mas que se olvidada trará grandes confusões à melhor exegese do Art. 1º do NCPC.
É que o Novo CPC será o primeiro Diploma processual do Brasil criado após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Ou seja, nosso ainda vigente CPC de 1973 ainda sobrevive sob uma falsa ou quase nenhuma recepção frente à atual Constituição Cidadã.
Tudo que aprendemos e sabemos de Direito Constitucional desde 1988 até o presente é nada mais e nada menos do que a sua aplicação no plano substancial, seu uso frente às relações jurídicas de direito material.
Jamais o Direito Constitucional moderno fora parâmetro maior ou conveniente para a aplicabilidade do velho Código de Processo Civil de 1973. Parece que o CPC ainda vigente padeça de alguma imunidade ou indiferença frente à nova ordem constitucional instalada a partir de 1988.
De modo contrário, curiosamente, o muito mais velho revogado Código Civil de 1916 fora duramente rechaçado pelas inovações trazidas pela Constituição de 1988. O que confirma a tradição brasileira pela sua preferência pelo Direito Constitucional sob a ótica eminentemente substancial.
Talvez seja essa a razão de muitas críticas – indevidas! –, inclusive de renomados juristas, acerca do Art. 1º do Novo CPC. Ouve-se muito que tal dispositivo seria como “chover no molhado” ao prescrever sua submissão ao texto da Constituição Federal. Ainda, desabafam alguns dizendo: “até parece que o Novo CPC poderia dizer algo em sentido contrário, divorciando-se da Constituição!”.
Tal raciocínio talvez possa ser explicado, como dito, pelo desprestígio do Direito Constitucional em seu sentido instrumental no Brasil. Afinal, tanto o vigente CPC, assim como o CPP, foram diplomas redigidos Décadas antes da instalação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987.
E o Art. 1º do Novo CPC está aí para ser um divisor de águas. Sua vigência a partir de 18 de Março de 2016 pretende inaugurar na cultura jurídica brasileira o verdadeiro sentido do Direito Constitucional Processual, em toda a sua amplitude e alcance, à luz da Constituição de 1988.
Em verdade, o Art. 1º do Novo CPC veio tarde, muito tarde, mas é bem-vindo. Bem-vindo pela necessidade imperiosa e inadiável de se consagrar no plano processual os direitos e garantias constitucionais sob o seu prisma instrumental. Banindo os ideais, ou nenhum ideal, do velho CPC frente às conquistas humanísticas e democráticas atingidas pela promulgação da Constituição de 1988.
Não determina o Art. 1º do Novo CPC aos juízes que “os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil” sejam sopesados e ministrados às relações jurídicas de direito material submetidas à sua apreciação. Isso já o faz e é papel do Código Civil de 2002 e demais diplomas substanciais (Código Tributário, de Trânsito, do Consumidor etc).
O que bem prescreve o Art. 1º do Novo CPC é que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil.
Vamos a um breve exemplo. O juiz ao despachar uma petição inicial, versando sobre ação de alimentos, tendo como autora uma criança de quatro anos portadora de microcefalia, percebe que não há pedido de deferimento de tutela antecipatória liminar. Indaga-se: poderia o magistrado deferir a tutela liminar de ofício?
Sob a ótica do ainda vigente CPC de 1973 posso imaginar até alguns expertos dizerem que, acaso concedida a tutela antecipatória de ofício no exemplo acima, esse juiz deveria ser representado na Corregedoria ou até mesmo no CNJ, exigindo-se sua punição exemplar. Não duvido aparecerem alguns poucos mais exaltados exigindo sua aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais.
Até mesmo a determinação judicial, de ofício, para que o autor emende sua inicial, formulando seu pedido de liminar, poderia importar na excomunhão do subscritor do r. Despacho.
Pois é. É contra esse propósito, ou melhor, contra esse despropósito, contra essa falta de humanidade e iniquidade que se propõe o Art. 1º do Novo CPC. Esse dispositivo finalmente permitirá que o juiz seja um sensor do postulado da dignidade da pessoa humana e demais valores inerentes ao cidadão e ao Estado Democrático de Direito dentro do processo.
O Art. 1º do Novo CPC fará que o juiz deixe de ser um robô, um autômato. Tal dispositivo proclamará a alforria dos juízes frente à etiqueta da inércia e da debilidade processuais desejada pelo CPC de 1973.
O Novo CPC, assim, pelo seu Art. 1º, determina que o processo civil brasileiro seja ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil.
Destarte, voltando ao exemplo acima. Claro que o deferimento de ofício de medida liminar antecipatória de alimentos a uma criança de quatro anos portadora de microcefalia atende ao Princípio da Absoluta Prioridade ou Superior Interesse, em seu sentido processual, inscrito no Art. 227 da Constituição.
O contrário, permitir a morte ou a eterna desgraça da pobre jurisdicionada acima é que seria negar vigência aos valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República. Ignorar o direito à vida é que seria o pecado imperdoável do magistrado.
Claro, o direito ao contraditório e à ampla defesa por parte do devedor de alimentos é indiscutível. Inclusive seu direito ao duplo, triplo grau de jurisdição. E é inclusive o que prescreve o próprio Art. 1º do Novo CPC.
Não serão poucas as quebras de paradigmas a serem estabelecidas pelo Art. 1º do Novo CPC. Perceba-se que no exemplo dado o Princípio da Absoluta Prioridade ou Superior Interesse, até então apenas considerados no aspecto substancial, ganham nova coloração sob a roupagem instrumental no processo civil moderno.
E isso acontecerá muito com os demais postulados, princípios, direitos e garantias fundamentais depositados na Constituição Federal, pensados e repensados até hoje apenas e tão-somente sob uma visão puramente material.
Vamos a outro exemplo. O Congresso Nacional cochila na sua missão de introduzir em nosso ordenamento jurídico o instituto do “depoimento sem dano”, no que se refere à oitiva judicial de crianças vítimas de violência ou crueldade de qualquer natureza. Enquanto isso, a pobre e indefesa vítima menor fica adstrita a uma nova sessão de seu próprio pesadelo quando convocada para depor em juízo.
O Art. 1º do Novo CPC permitirá, se assim desejar o juiz à luz dos princípios constitucionais menoristas, que o relato da criança ofendida ou molestada seja confeccionado unicamente via equipe multidisciplinar formada por psicólogos, assistentes sociais e demais profissionais especializados a reduzir a termo, em relatório oficial, a dor e o sofrimento da pequena vítima, eximindo-a do constrangimento de um perverso e caviloso quiz show na sala de audiência. Tudo em reverência à dignidade da pessoa humana em fase de desenvolvimento aplicada em seu viés instrumental.
Como se vê, ainda nem começamos a engatinhar sobre a aplicabilidade do Direito Constitucional aplicado ao processo civil. Passados quase vinte e oito anos de vigência da Constituição de 1988 volta e meia ainda se extrai de seu texto regras materiais inéditas ou que inovam nas relações jurídicas de direito material.
Todo esse Século XXI será marcado pela nossa aprendizagem geral do País em torno da aplicabilidade dos “valores e as normas fundamentais” estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil ao processo civil.
Perceba-se a sutileza e amplitude do legislador ordinário. Ele vai muito além da literalidade da Constituição. O Art. 1º do Novo CPC também fala de “valores estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”. “Valores”?!! Quanto amplíssimo e infinito o é essa expressão.
Adeus, CPC de 1973! Bem-vindo, Novo CPC!
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público no Estado do Espírito Santo
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