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Meios Autônomos de Impugnação no Processo Civil Brasileiro


Autoria:

Elcio Silva Ribeiro Filho


Estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Texto enviado ao JurisWay em 15/05/2014.

Última edição/atualização em 21/05/2014.



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INTRODUÇÃO

 

O objetivo deste trabalho é tratar dos meios impugnativos autônomos presente no atual sistema processual brasileiro. Destarte, far-se-á análise dos meios impugnativos existentes, à luz da doutrina e da jurisprudência atual sobre a aplicabilidade desses institutos, cuja compreensão é um pré-requisito para que se possa entender a matéria central. Não obstante, faz-se mister versar sobre as ações autônomas sob o olhar do projeto do novo Código de Processo Civil.

 

Em sendo assim, o presente texto divide-se nas seguintes seções: (i) meios autônomos como sucedâneos recursais; (ii) o mandado de segurança; (iii) a ação declaratória de inexistência (actio nullitatis ou de querela nullitatis); (iv) a ação rescisória, relativização da coisa julgada.

 

Meios Impugnativos como Sucedâneos Recursais

 

A diferença entre os meios impugnativos autônomos e os recursos consiste na criação de relação processual diversa da instaurada no processo da decisão proferida a ser impugnada, em contrapartida aos recursos, como leciona PONTES DE MIRANDA, caracterizados como “impugnativa dentro da mesma relação jurídica processual da relação judicial que se impugna”.

 

Apesar da evidente diferenciação entre os mecanismos processuais, no meio causídico utiliza-se largamente a expressão “sucedâneos recursais” para denominar os remédios de impugnação diversos dos recursos. A doutrina aponta, aludindo a esta denominação, por via demasiada prática, que as ações autônomas teriam por fim cumprir o mesmo papel dos recursos, dando-nos a falsa impressão de que somente estes poderiam ensejar o exame de um ato jurisdicional. Assim o faz NELSON NERY JÚNIOR, ao afirmar que as ações autônomas de impugnação “fazem as vezes de recurso (por isso denominadas sucedâneos recursais), já que se dirigem contra decisões judiciais”.

 

Entende-se ser de inteira impropriedade, pois sugere a idéia errônea de que todo meio de ataque a um decisório terá natureza de recurso ou o mesmo conteúdo. Nesta primeira crítica, poderíamos afirmar que o que pretendem os autores que se utilizam da denominação “sucedâneos recursais” é promover a distinção entre recursos e ações impugnativas baseando-se unicamente no critério da taxatividade, o que seria de evidente inadmissibilidade. Seria dizer: todo meio de impugnação não previsto em lei como espécie de recurso, assim não pode ser considerado, mas fará as vezes deste, ou seja, terá o mesmo conteúdo. É o que podemos extrair do entendimento de NELSON NERY JÚNIOR, que afirma:

 

“Como nem o CPC nem a CF dão a essas ações autônomas de impugnação a natureza jurídica de recurso, não as colocando no rol do art. 496, CPC, tem-se que não poderão ser consideradas como recurso por direta aplicação do princípio da taxatividade ora examinado”.

 

Em segundo lugar, a expressão afronta sobremaneira os princípios inerentes aos recursos, principalmente no que toca à questão da unirecorribilidade e da taxatividade. Como vimos, a enumeração das espécies de recursos é assunto de política legislativa, tendo-se em conta os altos interesses coletivos em confronto: segurança nas relações jurídicas e maior alcance à justiça.

 

Admitir que outros remédios lhes façam as vezes, desempenhando as suas mesmas funções, implicaria em aumentar, injustificadamente, o elenco dos recursos já delimitado pelo legislador processual.

 

Em suma, faz-se evidente a diferença entre ambas as figuras, terminologicamente imprópria, ao menos, o utilizar de tal termo. O Direito é ciência, e não se pode permitir a confusão de institutos de natureza e características distintas.

 

Assim, entendemos que todo meio impugnativo tipicamente previsto por lei, que não conste no rol taxativo que esta atribui às espécies de recursos, denominar-se-á ação autônoma de impugnação, sendo imprópria, portanto, qualquer analogia terminológica com os recursos.

 

O mandado de segurança

 

A utilização do mandado de segurança como sucedâneo recursal sempre ocorreu, na medida em que o sistema não oferece meios recursais eficazes, contra decisões judiciais. Um exemplo disso era quando o recurso de agravo não era provido de efeito suspensivo, e sua interposição era realizada no juízo a quo para formação do instrumento. A utilização do mandado de segurança veio a se tornar cada vez mais específica, com o advento das reformas aperfeiçoadoras do sistema recursal.

 

Na conjuntura atual, como normatizado no art. 5°, II da Lei 12.016/2009 deixa claro que o mandado de segurança não substitui recurso taxativamente previsto pelo sistema (art. 496 do CPC), apenas se fazendo possível o impetrar em hipóteses que não possa ser a decisão judicial atacada por outro remédio processual, além da exigência de direito líquido e certo.

 

Nesse sentido, pode-se ver no MS 25.340/DF, julgado pelo Min. Marco Aurélio “A admissão de mandado de segurança contra decisão judicial pressupõe não caber recurso, visando a afastá-la, e ter-se como a integrar o patrimônio liquido do impetrante como direito líquido e certo ao que pretendido”.

 

Sob esse prisma, o mandado de segurança poderá ser manejado contra decisão judicial sempre que o sistema não oferecer mecanismo recursal eficaz para afastar os efeitos da decisão recorrível.

 

O parágrafo único do artigo 527 do Código de Processo Civil trata da questão de decisões proferidas pelo relator nos ditames do incisos II e III do mesmo artigo, da conversão do agravo de instrumento em retido e da atribuição de efeito suspensivo ao agravo interposto no tribunal. A questão vem a expor a tendência de atravancamento da impetração do mandado de segurança, que deveria ser analisado apenas pelos tribunais de origem. Em se tratando de garantia constitucional, no entanto, não há que se restringir o cabimento do writ em tais circunstâncias.

 

De modo que a conversão do agravo de instrumento em retido e atribuição de efeito suspensivo é irrecorrível, apenas pela via impugnativa do mandado de segurança faz-se possível a reforma de tal decisão.

 

Faz-se mister dizer também sobre a utilização de tal meio impugnativo contra decisões oriundas de juizados especiais. A lei 9.099/95 está voltada a promoção da celeridade no processamento de causas cíveis de complexidade menor. Por conseguinte, foi sedimentada a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias. O Supremo Tribunal Federal posiciona-se contra a utilização do writ contra as decisões interlocutórias de juizados especiais. Já o Supremo Tribunal de Justiça admite tal ação, tendo sumulado a matéria. A Súmula 376 determina que “compete à turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial”.

 

Deve-se atentar que a competência para julgamento de mandado de segurança contra ato de juizado especial, que não será de turma recursal, mas de competência originária dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados, pois, como bem mencionou, no julgado RMS 26665/DF, o Min. Herman Benjamin do Superior Tribunal de Justiça, “em que pese a jurisprudência iterativa citada, na hipótese sub judice, o mandado de segurança não visa à revisão meritória de decisão proferida pela Justiça especializada, mas versa sobre a competência dos Juizados Especiais para Conhecer da lide;inexiste na lei 9.099/95 previsão quanto à forma de promover o controle a competência dos órgãos judicantes ali referidos; as decisões que fixam a competência dos Juizados Especiais – e nada mais que estas – não podem ficar absolutamente desprovidas de controle, que deve ser exercido pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais e pelo Superior Tribunal de Justiça”.

 

O enfrentamento de decisão transitada em julgado pelo mandado de segurança é ponto sumulado pelo STF (Súmula 268), em que diz “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado”. Em tempos recentes, no caso de sentenças que não existam sob a ótica jurídica, como o mandado de segurança impetrado por quem deveria figurar como litisconsorte necessário no processo, ou por réu não citado regularmente.  

 

Ação declaratória de inexistência (querela nullitatis insanabilis)

 

         Para que se possa entender o objeto da querela nullitatis, constitui-se de suma importância entender o que viria a ser sentença juridicamente inexistente. O exemplo mais comum seria o da sentença proferida sem que tenha sido citado o réu. Não há que se dizer em sentenças inexistentes como sentenças nulas. As sentenças nulas, embora viciadas, transitam em julgado, objeto de ação rescisória. Ambas as ações tratam de uma “relativização” da coisa julgada, assunto a ser tratado na questão da ação rescisória.

 

         O pedido de declaração de inexistência de sentença não possui procedimento próprio previsto pelo CPC. Contudo, não há confusão de que tal pleito deva ser apresentado ao próprio juízo prolator de tal decisão.

 

         Pode-se alegar inexistência da sentença por meio de ação civil pública (mas apenas no caso de querela nullitatis, não se aplicando o mesmo entendimento para a ação rescisória) conforme entendeu a Ministra Eliana Calmon no REsp 445.664, em 15 de abril de 2004.

 

A ação rescisória: relativização da coisa julgada?

 

         Em sendo meio impugnativo de intrínseca relação com a questão da coisa julgada e sua “relativização”, importa fazer algumas considerações sobre a coisa julgada antes de adentrar-se a analise da ação rescisória.

 

         De início, é necessário considerar as fases do rito processual em que o juiz faz seus pronunciamentos acerca da lide, o momento em que há a decisão principal de acolher ou rejeitar o pedido do autor. São estas fases a sentença (em primeiro grau de jurisdição) e o acórdão (em grau de recurso). Uma vez proferida a sentença, serão produzidos efeitos entre as partes, e entre estas e terceiros. Caso uma das partes não concorde e fique insatisfeita com a declaração do juiz e com o efeito produzido pela sentença e queira modificá-los, é possível recorrer da decisão, interpondo o recurso cabível para o provimento e a situação em questão.

 

         No entanto, existe um prazo para que sejam interpostos estes recursos. Findo este período previsto em lei, a matéria que foi decidida não mais poderá ser questionada. Diz-se, então, que ocorreu trânsito em julgado, isto é, o mérito já foi apreciado e, com a preclusão do prazo para interposição de recurso, não poderá mais ser discutido. Transita em julgado, também, a matéria que recebeu a última decisão possível, após a interposição e proferimento do último recurso cabível. Se o processo tiver percorrido todas as instâncias e tiver obtido sua última decisão possível, ocorre o trânsito em julgado. De acordo com Eduardo Talamini, “com o trânsito em julgado, constitui-se situação jurídica de indiscutibilidade judicial do comando contido na sentença”. Portanto, o dispositivo da sentença é que transita em julgado, sendo esta a parte da sentença que contém a decisão do magistrado em relação à lide apresentada e levada a juizo.

 

         Do trânsito em julgado tem-se a coisa julgada que, portanto, é a qualidade dada à sentença de mérito para indicar que a decisão não poderá ser questionada, reapreciada ou sofrer alterações. Esta imutabilidade é decorrente da impossibilidade de recorrer da decisão, seja em razão da preclusão do prazo para impetrar o recurso cabível, seja em razão da exaustão do sistema recursal.

 

Não se pode considerar coisa julgada aquela sentença da qual ainda cabe apelação, tampouco o acordão do qual cabe recurso, já que o entendimento acerca da lide em instância recursal poderá ser diverso do entendimento da instância anterior, e assim poderá haver modificação da decisão e dos efeitos produzidos por esta.

 

O princípio da coisa julgada, além de não permitir que aquela matéria seja apreciada novamente no mesmo processo em que ocorreu o proferimento da sentença, proíbe que se dê início a outro processo para tratar deste mesmo mérito já apreciado. A causa somente poderá ser reproposta se o processo tiver sido extinto sem julgamento de mérito. Estes dois efeitos da coisa julgada são diferenciados e classificados em coisa julgada formal e coisa julgada material.

 

         A coisa julgada formal corresponde à impossibilidade de haver outra apreciação do mérito no mesmo processo. Diz respeito ao esgotamento das vias recursais no mesmo processo em que a sentença foi proferida. Trata-se de um fenômeno endoprocessual, porque a imutabilidade da sentença restringe-se ao processo em que houve provimento da sentença.

 

         A coisa julgada material, por sua vez, está relacionada à imutabilidade do mérito, tanto naquele processo, como em qualquer outro. Seu efeito é, portanto, erga omnes. Pressupõe-se que a lide está solucionada em caráter definitivo. Para que se tenha coisa julgada material é necessária a existência da coisa julgada formal.

 

         Note-se que a coisa julgada material tem um alcance muito maior que o da coisa julgada formal. Esta tem efeito restrito ao processo em que foi dada a sentença; aquela tem efeito sobre o processo em que houve trânsito em julgado e sobre qualquer outro processo que as partes tenham a pretensão de iniciar.

 

         Três considerações a serem feitas. Primeiramente, deve-se ter em mente que a coisa julgada surge em momento posterior à sentença, uma vez que, para que haja incidência da característica de imutabilidade, é necessário o trânsito em julgado, e este não ocorre imediatamente à sentença. Também a ser destacado que o escopo deste trabalho não se restringe às classificações da coisa julgada, e que adiante serão consideradas as exceções à imutabilidade da decisão, uma vez que o Código de Processo Civil brasileiro permite que a ação rescisória, como a denominação deste instrumento indica, rescinde a decisão, impugnando a ação judicial que transitou em julgado. Finalmente, importante notar que, para discutir ação rescisória e relativização da coisa julgada, proceder-se-á ao uso da coisa julgada em seu sentido material, porque, como será dito mais adiante, a ação rescisória constitui uma ação autônoma, isto é, tem-se um novo processo.

 

         A coisa julgada é decorrente da lei, e não da sentença, tanto que somente é identificável em momento posterior ao proferimento da sentença. A previsão legal do princípio da coisa julgada pode ser encontrada tanto no Código de Processo Civil como na Constituição Federal. O art. 467, do CPC , define a coisa julgada como a eficácia de uma sentença. Nesta definição constante no artigo, o legislador incorreu em erro, uma vez que a eficácia de uma sentença refere-se à eficácia, por exemplo, declaratória, condenatória, mandamental, isto é, às respostas à demanda.

 

Ainda que, após determinado período, toda sentença produza coisa julgada(já que, mesmo não havendo preclusão dos prazos recursais, haverá o esgotamento dos recursos cabíveis), não é este o efeito imediato de uma sentença, sendo estes a “concreta repercussão do decisum sobre a situação objeto de julgamento” . Enrico Tullio Liebman, jurista italiano cuja doutrina é de ampla influência para o Direito Processual Civil brasileiro, rejeita o entendimento da coisa julgada como um efeito da sentença, considerando-a uma qualidade que é atribuída a estes efeitos.

 

         Outra previsão a ser destacada do Código de Processo Civil é a da coisa julgada material. O art. 267, inciso V , orienta o juiz a extinguir o processo, sem julgamento de mérito, quando reconhecer que aquele mérito já constitui coisa julgada, ou seja, já houve trânsito em julgado. Esta orientação é decorrente da imutabilidade, uma vez que não há mais o que se decidir ou considerar em relação àquela matéria, mesmo que em outro processo, porque seu mérito não é passível de questionamento e posterior alteração.

 

         Por fim, dentre as previsões legais a serem mencionadas neste trabalho, cabe assinalar que a Constituição Federal reconhece a importância do princípio da coisa julgada, ao prever, em seu artigo 5º, inciso XXXVI , que nenhum dispositivo legal poderá prejudicar a coisa julgada.

 

         Todos estes dispositivos reforçam a ideia de necessidade da coisa julgada para que possa haver segurança jurídica. Não houvesse um princípio como tal, os provimentos judiciais estariam eternamente sujeitos aos recursos, e os entendimentos acerca do mérito de uma lide poderiam ser sempre modificados, de forma a produzir um efeito distinto do anterior. Notável a instabilidade das relações jurídicas em uma jurisdição como tal, havendo o risco de, sobre uma mesma lide, haver discussão ad eternum. A coisa julgada, portanto, figura como o instrumento processual através do qual é possível evitar a perpetuação da incerteza e garantir a estabilidade, promovendo o princípio da segurança jurídica.

 

         Além da estabilidade, é desejável que a sociedade tenha confiança na jurisdição estatal. Sendo dada ao Estado a competência de solucionar conflitos de modo pacífico, caso não fosse possível confiar em sua atuação, poderia haver uma migração entre os modos de solução de conflitos. Sem a segurança de que os provimentos judiciais são imutáveis e de que seus efeitos são assegurados, é possível que a sociedade deixasse de recorrer ao Estado e passasse a solucionar conflitos de outras formas para garantir que aquela questão fosse solucionada em definitivo.

 

         Apesar de o objetivo do princípio da coisa julgada ser proporcionar segurança jurídica à sociedade e evitar que um litígio perdure indefinidamente no tempo, é possível que seu poder de imutabilidade possibilite a eternização de uma injustiça. Isto é, uma vez que tenha ocorrido o proferimento de uma decisão de forma injusta e que tenha ocorrido o trânsito em julgado desta, as partes e os terceiros afetados pela decisão terão de conviver com a eficácia e os efeitos injustamente produzida por tal decisão.

 

         Ademais, é discutível a eficiência do instituto da coisa julgada para atingir sua finalidade. Para garantir a estabilidade das relações jurídicas de uma sociedade, não é preciso enrijecer suas instituições a ponto de possibilitar a perpetuação de um vício, de uma decisão que contrarie os entendimentos do ordenamento jurídico nacional. Neste sentido, é observável a análise de Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ministra do Supremo Tribunal Federal, que acredita que “a segurança [jurídica] não é imutabilidade” . Mais aprofundadamente, diz que “o que é seguro pode não ser justo” . Nestes dois enunciados, a Ministra reconhece que a coisa julgada pode produzir um resultado injusto, já que pode imobilizar decisões incompatíveis com o ideal de justiça. Reconhece, ainda, que a intangibilidade de uma decisão pode não ser o melhor método para tornar as relações jurídicas mais seguras e estáveis.

 

         Identifica-se, portanto, que há uma conflito entre as pretensões para que haja uma adequada e eficiente aplicação da ordem jurídica. Ao passo que a coisa julgada figura como instrumento para evitar a perpetuação da incerteza e da lide, poderá atingir a pretensão de evitar a eternização de uma injustiça. E então, a partir deste conflito, surge a discussão acerca da existência de preponderância de uma pretensão em detrimento de outra e também acerca do caráter absoluto dos princípios, quer dizer, se o princípio da segurança jurídica (juntamente com a coisa julgada) é um princípio absoluto e se sobrepõe aos demais.

 

Tendo em vista os problemas supracitados em relação aos efeitos da coisa julgada, o legislador reconheceu que algumas situações devem ser consideradas como exceção à regra de imutabilidade, sendo possível, portanto, desconstituir este caráter aferido à sentença, podendo seu mérito ser novamente avaliado e decidido.

 

Ainda que já tenha ocorrido o trânsito em julgado, nada obsta que, posteriormente, uma das partes interessadas (logicamente, a parte vencida) consiga provar que aquela matéria não poderia ter sido decidida daquela forma, seja por problemas relacionados ao juiz, aos instrumentos utilizados no processo que foram decisivos na sentença, por exemplo.

 

         O Código de Processo Civil apresenta, entre suas previsões de ação, a ação rescisória, o instrumento, ou remédio jurídico, através do qual é possível desconstituir a coisa julgada. A ação rescisória não consiste em recurso (uma vez que, se o fosse, seria incoerente tornar uma matéria imutável, uma vez que ainda caberia este recurso). É, na verdade, uma ação autônoma, considerada uma ação desconstitutiva, ou constitutiva negativa, em razão da desconsideração da coisa julgada para possibilitar a reapreciação do mérito.

 

         Como dito, constitui-se um novo julgamento acerca do mérito. Excepcionalíssima, a ação rescisória somente é cabível em determinadas situações, previstas no art. 485, inciso I e seguintes, do CPC . Interessante que, dentre as previsões para a interposição desta ação autônoma, está elencada a possibilidade de rescindir uma sentença que ofenda a coisa julgada.

 

Isto significa que, caso um juiz tenha desconsiderado a imutabilidade da sentença decorrente da coisa julgada, e tenha reapreciado um mérito do qual já havia descisão, pronunciando uma sentença, esta segunda sentença acerca da lide poderá ser desconstituída.

 

         O exemplo é oportuno para explicar que esta ação comporta dois pedidos, que serão chamados de juízo rescindente e juízo rescisório. O juízo rescindente está relacionado ao pedido do autor da ação rescisória de desconstituição da coisa julgada da sentença proferida anteriormente, para possibilitar uma nova apreciação. O juízo rescisório, por sua vez, é o pedido para que ocorra este novo julgamento.

 

         É possível, então, que haja apenas o pedido rescindente, sem o pedido rescisório. O contrário (haver pedido rescisório e não haver pedido rescindente) não é possível, porque não haveria desconstituição da coisa julgada. No exemplo da interposição da ação rescisória contra decisão que ofendeu a coisa julgada, tem-se apenas o pedido rescindente, isto é, de desconsideração da segunda decisão, para que os efeitos sejam produzidos apenas pela primeira, a que transitou em julgado e que, portanto, é considerada imutável.

 

         Sob uma outra ótica, inicia-se a análise de Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria com o seguinte título: existe coisa julgada inconstitucional? Então, propõe as seguintes demandas em face do problema: (i) se a inconstitucionalidade significa inexistência da lei e/ou ato, poder-se-ia falar em Coisa Julgada Inconstitucional, se esta encontra-se fundamentada em algo que não existe; (ii) sendo a resposta negativa, indaga-se: a decisão judicial que contrarie a Constituição faz coisa julgada? ; (iii) se a resposta continuar sendo negativa (o que é imperativo face a primeira questão), não há que se falar em relativização ou flexibilização da Coisa Julgada Inconstitucional, visto que não se pode flexibilizar (repita-se) o inexistente; (iv) como a Argüição de Inconstitucionalidade poderá ser feita em qualquer tempo. em qualquer instância ou Tribunal, neste caso não se aplicaria o elemento tempo, ou seja não se há de falar em Decadência, Preclusão e/ou ainda Prescrição; (vi) se, por qualquer motivo, a Ação Rescisória for apontada como ilegítima em razão do tempo.

 

A saída, nesse último caso, seria o uso do Mandado de Segurança ou ainda a velha Querela Nullitatis defendida por Pontes de Miranda, cujo prazo de interposição seria de 20 (vinte) anos, e não de 2 (dois) anos, como é no caso da Ação Rescisória.

 

Nesta última hipótese, via Ação Declaratória de Nulidade Absoluta de Sentença, buscar-se-ia a nulidade da sentença calcada na norma, posteriormente declarada inconstitucionalidade e, portanto, inexistente; (vii) não se há de falar, neste caso, em atentado à segurança jurídica, vez que esta não poderá assentar no nada, no inexistente; (viii) dizendo de forma objetiva: lei ou ato eivados de inconstitucionalidade não geram direitos nem deveres, pelo que o ato judicial inconstitucional não faz coisa julgada.

 

Não obstante o exposto pelos autores, vimos acima o paradoxo com o entendimento jurisprudencial dos Superiores Tribunais, tornando esta posição doutrinária enfraquecida.

 

         Por fim, cumpre observar que o prazo para a interposição da ação rescisória é de dois anos após o trânsito em julgado da decisão a qual é objeto de rescisão. Podem propôr ação rescisória as partes da ação judicial em que houve proferimento da sentença, o Ministério Público ou terceiro interessado.


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_______. “Reflexões a respeito do mandado de segurança contra ato judicial”. RePro 48/64.

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