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O AGRAVAMENTO DA PENA POR REINCIDENCIA NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO


Autoria:

Ceila Sales De Almeida


Mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Especialista em Processo Penal e Direito Constitucional - UGF. Advogada das áreas de Direito Penal e Direito de Família. Professora.

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TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS
Direitos Humanos

Resumo:

O presente artigo tem como problema questionar se: se há convergência no entendimento acerca do agravamento da pena por reincidência na jurisprudência da Corte Interamericana e na jurisprudência do STF.

Texto enviado ao JurisWay em 17/09/2015.



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O AGRAVAMENTO DA PENA POR REINCIDENCIA NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO

 

 

 

THE ESCALATION OF PENALTY FOR RELAPSE INTO JURISPRUDENCE OF INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS AND THE FEDERAL SUPREME COURT BRAZILIAN

 

 

 

RESUMO: O sistema interamericano, representado pela Organização dos estados Americanos (OEA) é complementar ao sistema global e ao direito interno dos Estados. Para o monitoramento, controle e promoção dos direitos humanos possui como órgão a Corte Interamericana de direitos humanos, órgão facultativo de natureza consultiva e contenciosa, cujas decisões vinculam os Estados-partes que tenham aceitado se submeter a sua jurisdição. No julgamento de seus litígios a Corte Interamericana vem formando uma ampla jurisprudência internacional em matéria de direitos humanos. O presente artigo tem como problema questionar se: se há convergência no entendimento acerca do agravamento da pena por reincidência na jurisprudência da Corte Interamericana e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal? Como objetivos o artigo vai discorrer sobre o sistema internacional de direitos humanos, a Corte Interamericana e o Supremo Tribunal Federal.

 

 

 

Palavras chaves: jurisprudência; Corte Interamericana; Supremo Tribunal Federal.

 

 

 

ABSTRACT: The inter-American system, represented by the Organization of American States (OAS) is complementary to the global system and the domestic law of States. For monitoring, control and promotion of human rights has as organ American Court of Human Rights, optional organ consultative and contentious nature, whose decisions are binding on States Parties that have accepted to submit to its jurisdiction. In judging their disputes American Court has been forming a broad international jurisprudence on human rights. This article has the problem question: if there is convergence in the understanding of the aggravation of the penalty for repeat in the jurisprudence of the Court and the jurisprudence of the Supreme Court? As objectives the article will discuss the international human rights system, the Inter-American Court and the Supreme Court.

 

 

 

Key words: case law; Inter-American Court; Federal Court Of Justice.

 

 

 

 

 

SUMÁRIO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 1 SISTEMA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. 1.1 SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS. 1.2 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. 2 O STF E A GUARDA DA CONSTITUIÇÃO. 2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E OS DIREITOS HUMANOS. 3 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DA CORTE INTERAMERICANA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: possibilidade de agravamento da pena em razão da reincidência. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

 

O sistema internacional de direitos humanos é uma instância internacional de proteção e promoção dos direitos humanos que atua de forma complementar a jurisdição interna dos Estados.

 

Apresenta um sistema de âmbito global representado pela ONU que abrange países do mundo inteiro e uma instância regional que engloba países de determinadas regiões a exemplo do sistema regional interamericano formado por países das Américas.

 

O sistema interamericano possui como mecanismo de monitoramento de controle um órgão jurisdicional e facultativo denominado Corte Interamericana de Direitos Humanos. Com função consultiva e contenciosa a Corte tem se tornado um importante instrumento de jurisdição em questões de direitos humanos nas Américas.

 

No Brasil O Supremo Tribunal Federal é o órgão a quem incube constitucionalmente a guarda da Constituição e a proteção dos direitos humanos fundamentais nela consubstanciados.

 

Não há qualquer hierarquia entre o sistema internacional, seja ele global ou regional e o direito interno dos Estados, sendo todas instâncias independentes e complementares na proteção e promoção dos direitos humanos.

 

Essa atuação, no entanto pode se dar de forma isolada ou inter-relacionada, como por exemplo, por meio do diálogo de fontes, tratados e jurisprudências, visando a construção de um sistema mais homogêneo em matéria de direitos humanos.

 

Para buscar compreender melhor a relação existente entre a jurisprudência do STF e da Corte Interamericana o presente artigo irá analisar o entendimento dessas Cortes acerca do agravamento da pena em razão da reincidência, importante tema de direito humanos que envolve princípios e garantias fundamentais de natureza processual penal.

 

A pesquisa realizar-se-á por meio da analise e interpretação de livros, artigos e demais documentos, bem como de decisões jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema abordado.

 

Como objetivo geral o artigo irá avaliar o entendimento jurisprudencial da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de agravamento da pena em razão da reincidência. Como objetivos específicos irá discorrer sobre o sistema interamericano de direitos humanos, a Corte Interamericana em sua competência jurisdicional e consultiva, a competência do Supremo Tribunal Federal enquanto guardião da Constituição e por fim aferir se há convergência no entendimento acerca do agravamento de pena por reincidência na jurisprudência da Corte Interamericana e na Corte Suprema do Brasil.

 

 

 

1 SISTEMA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

 

 

 

O sistema internacional de direitos humanos é um conjunto de normas e organismos internacionais, criados para a promoção e proteção dos direitos humanos, visando manter a paz no mundo.

 

Representado pela Organização das Nações Unidas (ONU) o sistema internacional de direitos humanos é fruto do pós-segunda guerra mundial, como resposta encontrada por alguns países contra as violações aos direitos da pessoa humana cometidas pelos Estados envolvidos nos conflitos.

 

Acerca da internacionalização dos direitos humanos preceitua Flávia Piovesan:

 

A internacionalização dos direitos humanos constitui, assim, um movimento extremamente recente na história, que surgiu a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a Era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana...[1]

 

 

 

A segunda guerra mundial foi marcada pela descartabilidade e reificação da pessoa humana, milhares de indivíduos tiveram seus direitos violados e suprimidos pelos Estados envolvidos no conflito.

 

Embora em períodos anteriores existam inúmeras inciativas relevantes em matéria de direitos humanos que extrapolaram a fronteira dos Estados a exemplo da criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919, um sistema amplo e consolidado só surgiu após a segunda guerra mundial.

 

A 2ª guerra se consolidou como um momento de ruptura com os direitos humanos:

 

No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da negação do valor da pessoa humana como valor fonte do direito. Diante dessa ruptura, emerge a necessidade de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral.[2]

 

 

 

Após o término da guerra surge a necessidade de criação de um sistema de normas e órgãos de fiscalização aptos a garantir um rol mínimo de direitos imprescindíveis a dignidade da pessoa humana. A efetivação desse sistema se dá por meio da criação da Organização das Nações Unidas.

 

A criação da ONU foi um marco importante no processo de internacionalização dos direitos humanos. Nesse sentido afirma André Ramos de Carvalho:

 

O passo decisivo para a internacionalização da temática dos direitos humanos foi a edição da Carta de São Francisco em 1945, que, além de mencionar expressamente o dever de promoção de direitos humanos por parte dos Estados signatários, estabeleceu ser tal promoção um dos pilares da Organização das Nações Unidas (ONU), então criada. No preâmbulo da Carta, reafirma-se a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos de homens e mulheres.[3]

 

 

 

A criação da ONU foi consequência direta da segunda guerra mundial e do interesse dos Estados vencedores de reorganizar o mundo e evitar novos conflitos, entre os objetivos a serem alcançados por meio da criação da ONU merece destaque a promoção da dignidade humana, o respeito aos direitos fundamentais, a promoção do progresso econômico e social e a proibição do uso da força nas relações internacionais.[4]

 

Entre os objetivos que serviram de base à criação do sistema internacional de direitos humanos, merece destaque ainda, a expansão da proteção à pessoa humana para além dos limites do Estado, relativizando a soberania estatal em prol da proteção e promoção dos direitos humanos.

 

Sobre o tema preleciona Flávia Piovesan:

 

A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os direitos humanos.[5]

 

 

 

Com a criação de um sistema internacional de direitos humanos, a soberania dos Estados, que antes era absoluta, passa a sofrer certa relativização, não obstante continue a ser um dos pilares da ordem internacional, surge para os Estados à obrigação de garantir aos indivíduos um catálogo de direitos consagrados nos tratados internacionais.[6]

 

O sistema internacional de direitos humanos é complementar e subsidiário e visa ampliar a esfera de proteção da pessoa humana. Seus órgãos de monitoramento e controle devem ser provocados quando o Estado falhar ou se omitir na proteção dos direitos humanos, sendo o Estado o sujeito passivo do direito internacional dos direitos humanos.

 

Acerca das Características do sistema internacional Flávia Piovesan preceitua:

 

Atente-se que o Direito Internacional dos Direitos Humanos, com seus inúmeros instrumentos, não pretende substituir o sistema nacional. Ao revés, situa-se como direito subsidiário e suplementar ao direito nacional, no sentido de permitir sejam superadas suas omissões e deficiências. No sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o Estado tem a responsabilidade primária pela proteção desses direitos, ao passo que a comunidade internacional tem a responsabilidade subsidiária.[7]

 

 

 

O sistema internacional apresenta duas instâncias complementares de proteção, a instância global representada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e as instâncias regionais como, por exemplo, o sistema europeu, o sistema africano e o sistema interamericano de direitos humanos.

 

 

 

    1. Sistema Interamericano de Direitos Humanos

       

 

Os sistemas regionais de direitos humanos visam atender as especificidades de cada região em matéria de direitos humanos, priorizando a cultura e história dos Estados-partes que compõem o sistema.

 

As especificidades e afinidades existentes entre os Estados-partes que compõem os sistemas regionais permitem uma maior eficácia e agilidade na proteção e promoção dos direitos humanos.

 

Na mesma linha segue o pensamento de Portela:

 

O objetivo dos sistemas regionais é reforçar a estrutura internacional para a proteção dos direitos humanos por meio da associação entre entes estatais que reúnem maiores afinidades entre si, o que facilitaria o consenso ao redor de interesses comuns e a aplicação das normas que esses mesmos estados elaboraram, bem como fortaleceria a tutela de valores importantes apenas em algumas regiões do mundo.[8]

 

 

 

Os sistemas regionais se situam ao lado do sistema global, atuando de forma complementar a proteção dos direitos humanos, em especial os sistemas americano, europeu e africano, esses sistemas oferecem a vantagem de apresentarem legislações e mecanismos de monitoramento mais homogêneos e que atendem melhor as especificidades das regiões que representam.[9]

 

Entre os sistemas regionais se encontra o Sistema Interamericano de direitos humanos que é representado pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Esse sistema é composto pelos países das Américas e do Caribe e apresenta vários tratados internacionais, voltados à promoção da dignidade humana, possui ainda órgãos competentes para monitorar e exigir o cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados-parte, dentre os quais se destacam a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.[10]

 

Ao discorrer sobre as características do sistema interamericano Piovesan dispõe:

 

Cada um dos sistemas regionais de proteção apresenta um aparato jurídico próprio. O sistema interamericano tem como principal instrumento a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, que estabelece a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana..[11] 

 

 

 

A Convenção Interamericana de Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica é o principal tratado do sistema interamericano. Quanto aos direitos previstos a Convenção enumera uma serie de direitos civis e políticos, direitos de primeira dimensão que se caracterizam em regra por obrigações de não fazer por parte do Estado. Embora não enuncie direitos sociais, econômicos e culturais, estabelece a obrigação dos Estados de garantir progressivamente a efetivação desses direitos.

 

Em matéria penal e processual penal a Convenção elenca uma serie de princípios considerados imprescindíveis à garantia da dignidade da pessoa humana e que representam uma limitação ao jus puniendis do Estado, a exemplo do princípio da legalidade, presunção de inocência e vedação do bis in idem.

 

Como órgãos de monitoramento e promoção dos direitos humanos, esse tratado constitui a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão de natureza obrigatória a quem incumbe à promoção e proteção dos direitos humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão de natureza facultativa que possui competência jurisdicional e consultiva.

 

 

 

    1. Corte Interamericana de Direitos Humanos

 

 

 

A Corte Interamericana de direitos humanos é o órgão jurisdicional do sistema regional interamericano. Apresenta competência consultiva e contenciosa. A primeira competência, de natureza consultiva, é relativa à interpretação das disposições da Convenção Americana, assim como das disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos; a segunda, de caráter jurisdicional, se refere à solução de controvérsias que se apresentem acerca da interpretação ou aplicação da própria Convenção.[12]

 

No plano consultivo, qualquer membro da OEA — parte ou não da Convenção — pode solicitar o parecer da Corte em relação à interpretação da Convenção ou de qualquer outro tratado relativo à proteção dos direitos humanos que faça parte do sistema interamericano.[13]

 

No plano contencioso, a competência da Corte para o julgamento de casos é, por sua vez, limitada aos Estados-partes da Convenção que reconheçam tal jurisdição expressamente, nos termos do artigo 62 da Convenção. Reitere-se que apenas a Comissão Interamericana e os Estados-partes podem submeter um caso à Corte Interamericana, não estando prevista a legitimação do indivíduo, nos termos do art. 61 da Convenção Americana. Ainda que indivíduos e ONGs não tenham acesso direto à Corte, se a Comissão Interamericana submeter o caso perante a Corte, as vítimas, seus parentes ou representantes podem submeter de forma autônoma seus argumentos, arrazoados e provas perante a Corte.[14]

 

A Corte possui competência para processar e julgar casos relativos á interpretação e à aplicação das disposições do Pacto de São José, pode ainda apreciar consultas dos Estados relativas à interpretação das normas do sistema e emitir pareceres a respeito da compatibilidade entre leis internas e os tratados do sistema exercendo o controle de convencionalidade. No exercício de ambas as competências, produz jurisprudência que tem contribuído para elucidar questões que envolvam a aplicação das normas do sistema e ampliar a proteção dos direitos humanos no continente americano.[15]

 

A Corte Interamericana de direitos humanos, não obstante seu caráter regional atua em muitos momentos de forma dialogada com a Corte Europeia, se utilizando do diálogo de fontes, e em especial da jurisprudência recíproca de seus tribunais.

 

Sobre a atuação dialógica dos tribunais internacionais Cançado Trindade dispõe:

 

A coordenação e o diálogo entre os tribunais internacionais são de suma importância, pois em muitos aspectos são complementares os trabalhos de tais tribunais. Cada tribunal internacional tem sua importância, dependendo do domínio do Direito Internacional de que se trate. O que, em última análise, realmente importa, é a realização da justiça internacional, e não a busca estéril de protagonismos sem sentido. Não existe uma hierarquia entre tribunais internacionais, e cada um deles deve preocupar-se, antes de tudo, com a excelência de suas próprias sentenças e não em tentar exercer ascendência sobre os demais. [16]

 

 

 

A jurisprudência da Corte Interamericana de direitos humanos, bem como da Corte Europeia vem se tornando uma importante fonte de produção e interpretação em matéria de direitos humanos, ampliando e construindo um sistema mais forte e efetivo de proteção aos direitos da pessoa humana.

 

Importante ressaltar que a jurisdição da Corte não é superior á jurisdição dos Estados-partes, mais complementar e subsidiária ao sistema interno visando a ampliação da proteção à pessoa humana.

 

Assim cabe em primeiro lugar ao direito interno dos Estados promover e proteger os direitos humanos fundamentais dos indivíduos por meio de seu ordenamento jurídico e em especial pelo arcabouço de proteção normativo das Constituições.

 

 

 

  1. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A GUARDA DA CONSTITUIÇÃO

 

 

 

No ordenamento jurídico brasileiro a Constituição Federal é a norma suprema, Lei Maior que serve de parâmetro de validade para as demais normas do ordenamento. Apresenta os princípios basilares e os fundamentos e objetivos que regem o Estado em âmbito interno e em suas relações internacionais.

 

A Constituição Federal de 1988 rompendo com o modelo vigente no período ditatorial inova o ordenamento jurídico e apresenta um novo modelo de Estado, o Estado Democrático de Direito, fundado na dignidade da pessoa humana.

 

 Sobre a positivação dos direitos humanos nas Constituições Canela Júnior preleciona:

 

A consagração constitucional dos direitos fundamentais, tornando-os direitos constitucionais, assenta a limitação do poder estatal. O limite ao poder é traçado pela realização efetiva dos direitos fundamentais, interpretados em conformidade com a ética. Logo, qualquer ato produzido pelas formas de expressão do poder estatal estará limitado pelo princípio da efetivação dos direitos fundamentais, decorrente do sistema ético de referência.[17]

 

 

 

Entre os princípios basilares da Constituição Federal de 1988 está o princípio da separação, por meio do qual a Lei Maior reparte competências e funções entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, todos independentes e harmônicos entre si, conforme preceitua em seu artigo segundo.

 

O princípio da separação dos poderes, que teve como um de seus idealizadores Montesquieu, foi criado visando limitar a atuação do Estado, conforme lição de Osvaldo Canela Júnior:

 

A teoria da separação dos poderes objetivava o controle do poder em benefício da coletividade, não se tratando de mera racionalização da atividade estatal. Montesquieu pretendia, portanto, evitar a concentração de poderes, de tal forma que os direitos e liberdades fundamentais fossem protegidos das investidas do poder arbitrário.[18]

 

 

 

Ao Poder Judiciário incube a função precípua de dizer o direito no caso concreto, através do exercício da jurisdição. Entre os órgãos que compõe o judiciário, está o Supremo Tribunal Federal, órgão cujas atribuições principais estão expressamente previstas no Texto Constitucional.

 

O Supremo Tribunal Federal é órgão de cúpula do Poder Judiciário, que conforme expressa disposição constitucional, possui a função de guardião das normas e preceitos constitucionais.

 

Ao discorrer sobre as atribuições do STF dispõe Marcelo Novelino:

 

Órgão de Cúpula do Poder Judiciário no Brasil, o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, com competência adstrita a matérias constitucionais (CF,art.102). Iniciadas com a Constituição de 1988 e reforçadas pela Emenda Constitucional 45/2004, as inovações operadas na jurisdição constitucional têm contribuído para reforçar o seu caráter de autêntica Corte Constitucional.[19]

 

 

 

Cabe à Suprema Corte brasileira a atribuição de interpretar a Lei Maior, buscando traduzir o sentido da norma constitucional, função que exerce, entre outras formas, por meio do controle de constitucionalidade.

 

 

 

2.1 O Supremo Tribunal Federal e o controle de constitucionalidade

 

 

 

O controle de constitucionalidade visa aferir a compatibilidade entre a Constituição Federal de 1988 e as normas infraconstitucionais. Como norma suprema do ordenamento jurídico brasileiro a Constituição é parâmetro de validade para as demais normas e atos dos poderes públicos.

 

Acerca do controle de constitucionalidade Luís Roberto Barroso afirma:

 

Referido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu. Assim, desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo europeu o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal.[20]

 

 

 

O controle de constitucionalidade no Brasil é misto, esse controle pode ser realizado de maneira difusa por qualquer tribunal incidentalmente em um caso concreto ou de maneira concentrada pelo Supremo Tribunal Federal em ação própria, cujo objeto principal é a própria declaração de constitucionalidade da norma.

 

O controle de constitucionalidade é um importante instrumento que visa aferir a harmonia do sistema normativo em face da norma suprema do ordenamento jurídico, qual seja a Constituição Federal.

 

Por meio do controle de constitucionalidade o poder judiciário consegue ainda, harmonizar os valores e preceitos constitucionais com as evoluções e novos anseios sociais efetivando conforme preceitua Adriano Sant’Ana Pedra a “Constituição Viva”:

 

As normas constitucionais não podem ser consideradas perfeitas e acabadas estando constantemente em uma situação de mútua interação e dependência. Como afirma Karl Loewenstein, a Constituição é um organismo vivo. Cada Constituição integra tão-somente o status quo existente no momento de seu nascimento e não pode prever o futuro.[21]

 

 

 

Ao aferir a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo o poder judiciário toma como parâmetro de validade a Constituição Federal e nesse interim atua como interprete na norma constitucional.

 

Osvaldo Canela Júnior preceitua:

 

O controle de constitucionalidade não constitui, evidentemente, ato de imposição da vontade dos órgãos jurisdicionais sobre as demais formas  de expressão do poder estatal. Trata-se de dever constitucional explicitamente conferido ao poder judiciário por ocasião da instituição do próprio Estado.[22]

 

 

 

Para Osvaldo Canela Júnior o controle judicial de constitucionalidade dá ao Poder Judiciário, a palavra final acerca da interpretação da norma. Sobre o tema preleciona o autor que “O controle de constitucionalidade altera o papel do Poder Judiciário, inicialmente concebido por Montesquieu, reservando-lhe a palavra final nos atos praticados pelas outras formas de expressão do poder estatal”.[23]

 

Para alguns doutrinadores ao exercer o controle de constitucionalidade e dá a apalavra final acerca de temas relevantes da vida política brasileira muitas vezes o judiciário e em especial o STF se substitui na tarefa do legislador.

 

Sobre o tema afirma Luís Roberto Barroso:

 

Em muitas situações, em lugar de se limitar a aplicar a lei já existente, o juiz se vê na necessidade de agir em substituição ao legislador. A despeito de algum grau de subversão ao princípio da separação de Poderes, trata-se de uma inevitabilidade, a ser debitada à complexidade e ao pluralismo da vida contemporânea. Foi o que ocorreu no exemplo do reconhecimento das uniões homoafetivas, referido acima. Diante da ausência de norma disciplinando a questão, o Supremo Tribunal Federal precisou criar uma. Evidentemente, como é próprio, não se trata do exercício de voluntarismo judicial, mas, sim, de extrair do sistema constitucional e legal a melhor solução.[24]

 

 

 

Ingerbog Maus aponta os perigos do exercício do controle de constitucionalidade, alertando ao risco de que em nome da Constituição, em sua tarefa de intérprete, a Suprema Corte transcenda os fins do próprio texto constitucional. Nesse sentido afirma a autora Alemã que a competência exercida pelo Tribunal Constitucional não deriva mais da própria Constituição, colocando-se acima dela. Tal competência deriva diretamente de princípios de direito suprapositivos que o próprio Tribunal desenvolveu, o que o leva a romper com os limites de qualquer "competência" constitucional.[25]

 

Importante salientar que não obstante a relevância do controle de constitucionalidade exercido pelo poder judiciário e em especial de forma concentrada pelo Supremo Tribunal Federal, esse órgão não deve ser o único a interpretar a Constituição, principalmente em matéria de direitos humanos fundamentais.

 

La supremacia de la Constitución se constituyó em una pauta de orden y respeto a las instituciones, siendo deber del Poder Judicial, de todos los jueces, controlar que ello se cumpliera.

 

Em consecuencia, cuando se trata de interpretar el alcance y vigência de los direchos humanos, la lactura del órgano interveniente es de suma importância, cobrando relieve em estas circunstancias, la influencia que ejercen los demás lectores de las normas em cuestión.[26]

 

 

 

É de grande relevância para o Estado Democrático de Direito o controle de constitucionalidade exercido pelo poder judiciário e de forma concentrada o controle exercido pelo Supremo Tribunal Federal, não se pode olvidar, no entanto, que existem outros intérpretes da norma constitucional e em matéria de direitos humanos, há ainda a atuação complementar dos órgãos do sistema internacional de direitos humanos que realizam um importante papel na interpretação das normas e tratados que compõe o sistema.

 

Nesse interim mostra-se imprescindível aferir se existem ou não compatibilidade entre a jurisprudência do STF e as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

 

 

3 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DA CORTE INTERAMERICANA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: possibilidade de agravamento da pena em razão da reincidência

 

 

 

O presente tópico pretende analisar se há compatibilidade entre a jurisprudência da Corte Interamericana e do Supremo Tribunal Federal nos casos de agravamento de pena por reincidência, para melhor realizar esse mister no entanto se faz relevante avaliar a relação do Estado brasileiro com o sistema interamericano de direitos humanos.

 

Ao discorrer sobre o valor da jurisprudência transnacional e sua influência no direito interno dos Estados, e em especial o sistema interamericano Osvaldo Alfredo Gozaíne dispõe:

 

La incorporación del Estado al Sistema Interamericano de Derechos Humanos es determinante para encontrar el valor que se assigna a la jurisdicción transnacional. El reconocimiento sin limitaciones o com ciertas reservas orienta al interprete y fija, al mismo tempo, um temperamento para el Poder Judicial local.[27]

 

 

 

No plano internacional a Constituição elenca como princípio que rege as suas relações internacionais a prevalência dos direitos humanos, nos págrafos do seu artigo 5º  reconhece a ampliação do bloco de direitos e garantias fundamentais pelos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, reconhece ainda a equivalência ao status de emenda constitucional aos tratados de direitos humanos aprovados com o mesmo rito das emendas constitucionais e reconhece a jurisdição do tribunal penal internacional a que país venham manifestar adesão.

 

O Brasil manifestou adesão à Convenção Interamericana de Direitos Humanos em 1992, tendo manifestado adesão à Corte Interamericana de Direitos Humanos em 03 de dezembro de 1998 por meio do decreto legislativo nº 89.[28]

 

O estado brasileiro apresenta uma efetiva participação no sistema interamericana de direitos humanos com a ratificação de um grande número de tratados internacionais, entre les a Convenção Americana de Direitos Humanos.

 

Essa postura do Estado brasileiro visa efetivar o mandado constitucional de tutela e prevalência dos direitos humanos que seja em âmbito interno, quer seja em suas relações internacionais.

 

A Corte Interamericana por seu turno vem reforçando em sua jurisprudência, a relevância de comprometimento do poder judiciário dos Estados-partes do sistema interamericano com as decisões por ela proferidas.

 

No caso Almonacid Arrelano versus Chile de 2006, caso no qual se questionava a violação do Estado chileno pela ausência de investigação e sanção na execução de Almocid Arrelano, a Corte no parágrafo 124 de sua decisão deixa claro a importância do comprometimento do ordenamento jurídico em âmbito interno dos Estados.

 

Segue trecho da decisão:

 

124. La Corte es consciente que los jueces y tribunales internos están sujetos al imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las disposiciones vigentes en el ordenamiento jurídico.  Pero cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces, como parte del aparato del Estado, también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio carecen de efectos jurídicos.  En otras palabras, el Poder Judicial debe ejercer una especie de “control de convencionalidad” entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos.[29]

 

 

 

A Corte de Direitos Humanos tem a ultima palavra acerca da interpretação das normas previstas nos tratados do sistema interamericano, essa interpretaçaõ se faz presente não só nas opiniões consultivas, mas também em suas sentenças o que demonstra a importância de se conhecer a jurisprudência da Corte Interamericana no âmbito interno dos Estados-partes.

 

Para melhor compreender e aferir se há ou não convergência entre a jurisprudência da Corte Interamericana e o Supremo Tribunal Federal, vamos analisar o entendimento desses tribunais no que concerne ao agravamento da pena em razão de reincidência, importante tema de direito penal que envolve princípios e garantias judiciais tuteladas na Convenção Americana de Direitos Humanos e na Constituição Federal de 1988 a exemplo do princípio da legalidade.

 

Sobre o tema a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) vem decidindo no sentido de afastar a agravante da reincidência, sob o argumento de que sua aplicação consubstância o direito penal do autor, pois está se agravando a situação do condenado não pelo fato praticado, mas por características pessoais do agente, fato que não se coaduna com Estados Democráticos de direito, além de configurar bis in idem, agravamento vedado pela Convenção Americana.

 

Sobre o tema segue trecho da decisão do “caso Fermin Ramirez contra a guatemala” julgado pela Corte em 2005:

 

95. La valoración de la peligrosidad del agente implica la apreciación del juzgador acerca de las probabilidades de que el imputado cometa hechos delictuosos en el futuro, es decir, agrega a la imputación por los hechos realizados, la previsión de hechos futuros que probablemente ocurrirán. Con esta base se despliega la función penal del Estado.  En fin de cuentas, se sancionaría al individuo – con pena de muerte inclusive – no con apoyo en lo que ha hecho, sino en lo que es.  Sobra ponderar las implicaciones, que son evidentes, de este retorno al pasado, absolutamente inaceptable desde la perspectiva de los derechos humanos. El pronóstico será efectuado, en el mejor de los casos, a partir del diagnóstico ofrecido por una pericia psicológica o psiquiátrica del imputado.  

 

96. En consecuencia, la introducción en el texto penal de la peligrosidad del agente como criterio para la calificación típica de los hechos y la aplicación de ciertas sanciones, es incompatible con el principio de legalidad criminal y, por ende, contrario a la Convención.[30]

 

 

 

Na decisão acima apresentada a Guatemala foi condenada por violar a Convenção Americana de direitos humanos, entre as violações se apresenta a aplicação de agravamento de pena em razão da recincidência do reú.

 

Conforme jurisprudencia consolidade na Corte Interamericana de Direitos Humanos o agravamento da pena em razão de reincidência viola o princípio da legalidade e configura bis in idem, diante da punição do agente por fatos pretéritos já julgados, violando assim os princípios e garantias judiciais expressamente previstos na Convenção Americana de direitos humanos.

 

Ademais segundo entendimento dessa Corte utilizar a reincidência do réu como circunstância agravante materializa o “direito penal do autor” modelo de aplicação do direito penal utilizado por Estados totalitaristas, no qual circunstâncias pessoais do agente são utilizadas para agravar a pena. Busca a jurisprudência do Sistema Interamericano, consolidar o “direito penal do fato” no qual apenas as circunstâncias do fato em julgamento podem servir de base ao processo, modelo que consideram mais em consonância com os Estados Democráticos de Direito.

 

Outros países do Sistema vêm corroborando com este entendimento e declarando a inconstitucionalidade do agravamento de pena em razão da reincidência como ocorre com a Argentina. 

 

No julgamento do processo 6.457 de 2009 esse foi o entendimento do Ministro Raúl Zafaroni, caso Toboada Ortiz, conforme citado por Luiz Flávio Gomes:

 

Fica claro que a pena aplicada não guarda relação com a culpabilidade pelo fato, sim, reprova-se o autor pela sua qualidade de reincidente, premissa que denota a aplicação de pautas vinculadas ao direito penal de autor e da periculosidade. Cabe destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que a invocação da periculosidade ‘constitui claramente uma expressão do exercício do ius puniendi estatal sobre a base de características pessoais do agente e não do fato cometido, isto é, substitui o direito penal do fato, típico do sistema penal da sociedade democrática, pelo direito penal de autor, que abre as portas para o autoritarismo, precisamente em uma matéria na qual se acham em jogo bens jurídicos de grande hierarquia (...) Em consequência, a introdução no texto legal da periculosidade do agente como critério para a qualificação típica dos fatos e para a aplicação de certas sanções, é incompatível com o princípio da legalidade criminal e, por conseguinte, contrário à Convenção Americana de Direitos Humanos.[31]

 

 

 

Em sua interpretação da Corte argentina entendeu ser inconstitucional o agravamento da pena em razão de reincidência do réu, citando em seu julgado como fonte a jurisprudência da Corte Interamericana.

 

Como se pode aferir, no caso citado, há uma compatibilidade no entendimento jurisprudencial do direito interno argentino e da Corte Interamericana, ambas possuindo decisões homogêneas acerca do tema.

 

Em sentido diametralmente oposto a jurisprudência da Corte Suprema brasileira reafirma o entendimento de que a reincidência como circunstância agravante da pena é constitucional e não viola qualquer princípio ou garantia do réu, estando em consonância com a Constituição Federal de 1988.

 

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do agravamento de pena por reincidência no julgamento do recurso extraordinário 453.000 de 2013, em um entendimento que diverge da jurisprudência pacífica da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema.

 

Segue trecho do voto da Ministra Rosa Weber no Recurso Extraordinário 453.000:

 

Então, tendo presente, em síntese, que a consideração da reincidência como agravante da pena não viola qualquer norma constitucional, especialmente as invocadas pelo Recorrente, que a invocação da reincidência não se confunde com o repudiado Direito Penal do Autor, que não representa bis in idem ou dupla punição pelo mesmo fato, que a consideração da reincidência como agravante faz parte da tradição do Direito brasileiro, remontando pelo menos a 1830, que a legislação dos mais diversos países também considera a reincidência como agravante das penas, e que, caso reputada inconstitucional a extração de efeitos jurídicos da reincidência, haveria significativo impacto na legislação brasileira, não há como acolher a pretensão do Recorrente.[32]

 

 

 

Para a Corte Suprema brasileira o agravamento não configura direito penal do autor e não representa bis in idem, sendo, conforme o Supremo, este entendimento uma tradição no direito brasileiro e, portanto plenamente constitucional.

 

Para o professor Luiz Flávio Gomes a decisão da Corte Suprema brasileira é inconstitucional e inconvencional. Nesse sentido afirma Luiz Flávio Gomes:

 

O sistema democrático de direito não permite que se imponha qualquer tipo de agravamento da pena com base no que a pessoa “é”, senão unicamente pelo que ela fez. A aplicação de uma pena com base em antecedentes criminais viola princípio da culpabilidade e vai muito além da reprovação da conduta praticada, o que significa direito penal de autor, inaceitável no estado de direito. Todo dispositivo legal que agrava a pena pela reincidência é inconstitucional e inconvencional. Viola o princípio da culpabilidade assim como do “ne bis in idem”.[33]

 

 

 

Esse entendimento está em consonância com a jurisprudência da Corte Interamericana, o autor reafirma ainda que o agravamento da pena em razão da reincidência viola os princípios da culpabilidade e da proibição do “bis in idem”, além de configurar “direito penal do autor” modelo inadmissível em um Estado Democrático.

 

Pode se inferir da análise das decisões da Corte Interamericana e do Supremo Tribunal Federal brasileiro que ambas divergem acerca da agravação da pena por reincidência, o que demonstra que a decisão da Corte brasileira não se coaduna com a jurisprudência da Corte Interamericana de direitos humanos neste tema em questão.

 

Apesar de se tratar de matéria que envolve a tutela de direitos e garantias fundamentais, igualmente protegidos na ordem interna por meio da Constituição Federal e na ordem internacional por meio da Convenção Americana de Direitos Humanos, o entendimento das Cortes são contrários e divergentes.

 

Sobre o diálogo entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana Piovesan preleciona:

 

A respeito do diálogo entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Supremo Tribunal Federal, cabe realce ao primoroso voto do Ministro Celso de Mello, que ao endossar a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos no julgamento do HC 96.772, em 9 de junho de 2009, aplicou a hermenêutica vocacionada aos direitos humanos inspirada na prevalência da norma mais favorável à vítima como critério a reger a interpretação do Poder Judiciário. [34]

 

 

 

Não obstante o entendimento da Corte Suprema brasileira, no HC 96.772 sobre a prevalência da norma mais favorável em matéria de direitos humanos diante de um conflito, esse entendimento não se vê aplicado na decisão do recurso extraordinário 453.000, no qual se reconheceu a possibilidade de agravar a pena em casos de reincidência, prevalecendo a norma mais desfavorável ao réu.

 

A divergência de entendimentos demonstra que a Corte Suprema brasileira não está em consonância com a jurisprudência transnacional, em especial da Corte Interamericana de Direitos Humanos, pelos menos é o que pode aferir nesse tema específico.

 

Para alguns autores, no entanto a interação entre o sistema interamericano de direitos humanos e o ordenamento jurídico dos Estados-partes é imprescindível para a ampliação da tutela dos direitos humanos e a construção de um sistema jurídico mais forte nos países da América.

 

Ao discorrer sobre a relevância da interação entre a justiça interna dos Estados e a jurisdição internacional dispõe Cançado Trindade:

 

Não há que passar despercebido que tanto o princípio da jurisdição universal, quanto o da complementaridade, dentre outros, conclamam a uma aproximação maior, se não interação, entre os ordenamentos jurídicos internacional e nacional. Não poderia ser de outra forma, particularmente em nossa era, em que, com crescente frequência, assuntos os mais diversos são submetidos ao controle judicial no plano internacional. A transposição da concepção do rule of law também ao plano internacional faz-se acompanhar da superação definitiva de dimensão estatocêntrica do ordenamento jurídico internacional. Com a criação e operação de novos tribunais internacionais, cresce em muito o número de justiciáveis no plano internacional; os Estados deixam de deter o velho monopólio do acesso à justiça internacional, que na atualidade é corretamente estendido aos demais sujeitos do Direito Internacional, inclusive os indivíduos.[35]

 

 

 

A ideia de uma jurisdição universal ainda está distante da realidade, pois a jurisdição dos sistemas internacionais e a jurisdição interna dos Estados ainda são divergentes em muitas matérias de direitos humanos como se pode inferir no caso aqui apresentado.

 

Não obstante essa divergência é possível se afirmar que a jurisdição transnacional, em especial da Corte Interamericana de Direitos Humanos vem atuando cada vez mais na tutela e ampliação da proteção da pessoa humana, por meio das demandas levadas à sua jurisdição através da Comissão Interamericana ou dos Estados. Trata-se de uma importante fonte produtora e reveladora de direitos humanos na América.

 

Hoje se mostra imprescindível conhecer a jurisprudência da Corte Interamericana em decorrência da aceitação e relevância dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro.

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

 

A Constituição Federal de 1988 instituiu uma nova no Brasil, o Estado Democrático de Direito que apresenta como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Com um amplo rol de direitos e garantias fundamentais, a Carta Magna visa construir uma sociedade livre, justa e solidária cujo fim maior é a pessoa humana.

 

Para alcançar os fins e os objetivos almejados a Constituição assume um compromisso com a tutela e proteção dos direitos humanos na ordem interna e na ordem internacional por meio de um amplo sistema de proteção.

 

Visando atender ao mandado constitucional de prevalência dos direitos humanos na ordem internacional, o Estado se insere ao sistema global e interamericano de direitos humanos, aderindo à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos órgão jurisdicional de natureza consultiva e contenciosa do sistema interamericano de direitos humanos.

 

No plano interno a tutela dos direitos humanos é função dos poderes do Estado cujas competências precípuas vêm expressamente elencadas na Constituição Federal de 1988. Com a função precípua de aplicar o direito no caso concreto o Poder Judiciário assume um compromisso com a tutela e proteção dos direitos humanos, sendo o Supremo Tribunal Federal o órgão de cúpula do judiciário e o guardião da Constituição.

 

Cabe ao STF por meio do controle de constitucionalidade aferir a compatibilidade das leis a atos normativos com a Constituição Federal, norma maior e parâmetro de validade às demais normas do ordenamento jurídico. No exercício do controle de constitucionalidade a Corte Suprema realiza o papel de interprete da norma constitucional, visando garantir a harmonia do ordenamento jurídico brasileiro e a efetividade dos princípios e preceitos constitucionais.

 

No sistema regional interamericano de direitos humanos cabe à Corte Interamericana a função de interprete da Convenção Americana de direitos humanos e demais tratados do sistema, função que exerce por meio de consultas e das sentenças que emite nos processos contra os Estados-parte.

 

Em suas funções de interpretes, a Corte Interamericana da Convenção Interamericana e o STF da Constituição Federal brasileira, esses órgãos vem consolidando importantes jurisprudências em matéria de direitos humanos.

 

Dentre as importantes decisões julgadas por estas Cortes destaca-se a decisão acerca da possibilidade de agravamento de pena do réu em um processo penal em razão da reincidência.

 

A Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou esse tema no caso Fermin Ramirez  Vs, Guatemala em 2005 ocasião em que a Corte decidiu que a utilização da reincidência como agravante de pena no processo penal viola os princípios da legalidade e representa um bis in idem, sendo portanto incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, entendimento que se mantém consolidado nesta Corte.

 

No ordenamento jurídico brasileiro o STF julgou o caso no recurso extraordinário n.453.000 em 2013 e de maneira diametralmente oposta à decisão da Corte Interamericana, julgou a norma que prevê o agravamento da pena por reincidência constitucional e inteiramente condizente com os preceitos constitucionais.

 

Para alguns doutrinadores, como o professor Luís Flávio Gomes a decisão da Corte Suprema brasileira é inconstitucional e inconvencional por violar a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

 

Diante do acima exposto pode se inferir que não obstante o compromisso constitucional de prevalência dos direitos humanos na ordem interna e internacional e da adesão do Estado brasileiro a um grande número de tratados do sistema interamericano de direitos humanos com anuência expressa à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a jurisprudência dessa Corte ainda não é utilizada como fonte às decisões da Corte Suprema brasileira, pelo menos não no caso aqui apresentado, qual seja, o agravamento da pena em razão de reincidência.

 

No caso citado a decisão das Cortes são diametralmente opostas o que evidencia o distanciamento entre as suas jurisprudências e deixa claro a inexistência de vinculação da Corte Suprema brasileira às decisões jurisprudências da Corte Interamericana.

 

Importante salientar que a decisão da Corte Interamericana e mais favorável ao réu e melhor se coaduna com os princípios constitucionais que priorizam a dignidade da pessoa humana.

 

Ademais a Constituição Federal de 1988 reconhece a relevância das normas existentes nos Tratados internacionais em que o Brasil for parte, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo interprete final é a Corte Interamericana. Nesse diapasão muito embora as decisões da Corte não vinculem diretamente o Poder Judiciário brasileiro mostra-se imprescindível o reconhecimento de sua jurisprudência enquanto importante fonte produtora e reveladora de direitos humanos.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

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[1] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. 14ª. São Paulo: Saraiva. 2013. p.192.

[2]Ibidem. p.192.

[3] RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na ordem internacional. 2ª ed. São Paulo: saraiva. 2012. p.21.

[4] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3ª ed. Salvador: juspodivm. 2011, p.241.

[5] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. 14ª. São Paulo: Saraiva. 2013. p.192.

[6] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3ª ed. Salvador: juspodivm. 2011, p.706.

[7] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. 14ª. São Paulo: Saraiva. 2013. p.241.

[8] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3ª ed. Salvador: juspodivm. 2011, p.783.

[9] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. 14ª. São Paulo: Saraiva. 2013. p.241.

[10] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3ª ed. Salvador: juspodivm. 2011, p.783.

[11] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. 14ª. São Paulo: Saraiva. 2013. p.341.

[12]PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. 14ª. São Paulo: Saraiva. 2013. p.350.

[13]Ibidem. p.351.

[14]Ibidem. p.353.

[15] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3ª ed. Salvador: juspodivm. 2011, p.798.

[16] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os tribunais internacionais contemporâneos. Brasília: Funag. 2013. p.28.

[17]CANELA JÚNIOR, Osvaldo. Controle Judicial de políticas públicas. Saraiva: São Paulo. 2011. p.39.

[18]Ibidem. p.68.

[19] NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. Salvador: juspodvm. 2015. p.770.

[20] BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: Disponível em: http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em 30/07/2015.

[21] PEDRA, Adriano Sant’Ana. Constituição Viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas na democracia participativa. 2ª ed. Rio de Janeito: lumen juris. 2012. p.76.

[22] CANELA JÚNIOR, Osvaldo. Controle Judicial de políticas públicas. Saraiva: São Paulo. 2011. p.76.

[23]Ibidem. p.74.

[24] BARROSO, Luis Roberto. O constitucionalismo democrático no Brasil. Disponível em:

[25] MAUS, Ingerbog. O judiciário como superego da sociedade. Disponível em: <www.stf.jus.br/arquivo/biblioteca/NovasAquisicoes/2011.../sumario.pdf>. Acessado em: 24 de julho de 2005.

[26]GOZAÍNE, Osvaldo Alfredo. Incidencia de la jurisprudencia de la corte interamericana de derechos humanos em el derecho interno. Estudios constitucionales. Ano 4. Nº2. Universidade de Talca. 2006. P.340.

[27] Ibidem.  p.346.

[28]PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. 14ª. São Paulo: Saraiva. 2013. p.243.

[29] OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Almonacid Arrelano e otros Vs. Chile. Disponível em:. Acessado em: 20 de julho de 2015.

[30] OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Fermin Ramirez Vs. Guatemala. Disponível em: <www.corteidh.or.cr/docs/casos/.../seriec_126_esp.pdf>. Acessado em: 25 de julho de 2015.

[31] GOMES, Luiz Flávio. Reincidência como agravante da pena: STF ignora jurisprudência da Corte Interamericana. Disponivel em: . Acessado em: 20 de julho de 2015.

[32] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 453.000. Relator: Ministro Marco Aurélio. Dje.: 03 de outubro de 2013.

[33] GOMES, Luiz Flávio. Reincidência como agravante da pena: STF ignora jurisprudência da Corte Interamericana. Disponivel em: . Acessado em: 20 de julho de 2015.

[34] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. 14ª. São Paulo: Saraiva. 2013. p.29.

[35] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os tribunais internacionais contemporâneos. Brasília: Funag. 2013. p.28.

 

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