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Pontos e aspectos relevantes sobre os direitos humanos


Autoria:

Leonardo Lopes De Almeida Duarte


Advogado, graduado pela PUC-MG. Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Centro de Estudos da Área Jurídica Federal (CEAJUFE). Coautor da obra "Direito do Trabalho: Tendências e perspectivas" (Ed. RTM, 2012)

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Resumo:

O presente trabalho versa sobre breves apontamentos sobre os direitos humanos. Seu conceito, fundamentos, características, gerações, além de um apanhado histórico sobre os movimentos que os ensejaram, o debate entre relativismo x universalismo.

Texto enviado ao JurisWay em 31/05/2013.

Última edição/atualização em 06/06/2013.



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INTRODUÇÃO

            Os Direitos Humanos pertencem à categoria de direitos essenciais à pessoa humana. Em um regime democrático, toda e qualquer pessoa deve ter a sua dignidade respeitada independentemente de sua origem, etnia, raça, convicção econômica/política/social, idade, identidade sexual, orientação ou credo religioso.  De modo a garantir tal classe de direitos, o Poder Constituinte Originário, ao dar origem à Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, optou por adotar como epicentro do ordenamento jurídico pátrio o princípio da dignidade da pessoa humana, esbarrando em evidente sintonia com o princípio da isonomia, em que todos são tratados como humanos iguais e de mesmos direitos. Antes da referida Carta Magna, outros instrumentos jurídicos e experiências vividas deram início à construção deste que é o maior patrimônio da humanidade. O objetivo do presente artigo é auxiliar de forma didática, indicar os principais pontos relevantes sobre os Direitos Humanos, conceito, fundamentos e suas características, além do debate jurídico entre relativismo e universalismo, as considerações da influência desses direitos na CRFB e nos tratados internacionais, dando destaque à análise da chamada “virada Kantiana” e o posicionamento de diversos doutrinadores a respeito do tema.

 

1. CONCEPÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE DIREITOS HUMANOS

            Os direitos do homem podem ser traduzidos como os direitos natos, universais e independem de positivação.  Trata-se de uma perspectiva universalista. Os direitos ditos fundamentais são os direitos positivados na constituição, enquanto os direitos humanos são os positivados em tratados internacionais, definidos como acordos firmados entre países para proteger pessoas humanas.

 

1.1. CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS

            São normais jurídicas internas e externas, que visam proteger a pessoa humana. Nas palavras de Alexandre de Moraes:

 

“Um conjunto institucionalizado (positivado) de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade o respeito à sua dignidade por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e o desenvolvimento da personalidade humana.” (MORAES, 2006).

 

            Segundo Flávia Piovesan: “Os direitos humanos são inerentes à existência humana e objeto de regulação internacional.” (PIOVESAN, 1996).

 

 

1.2. FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS

            Na perspectiva da mesma autora, o fundamento base dos direitos humanos é a dignidade, visto que se trata de uma qualidade que define a essência da pessoa humana, um valor que confere humanidade ao sujeito. Em suas palavras:

 

“A dignidade da pessoa humana, (...) está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.” (PIOVESAN, 2000, p. 54)

 

            Diz ainda:

 

“É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana como verdadeiro super princípio a orientar o Direito Internacional e o interno.” (PIOVESAN, 2004, p. 92)

 

            Necessário mencionar que a dignidade possui também outros enfoques, quais sejam, o teológico, o racionalista e o contemporâneo.

            Enfoque teleológico: Fundamentado na imagem e semelhança de Deus.

            Enfoque racionalista: Fundamentado no movimento iluminista, em que se privilegia a natureza racional do ser humano.

            Enfoque contemporâneo: Trata-se da noção de autonomia, ou seja, nas normas construídas pelo próprio sujeito. Enfoque idealizado por Immanuel Kant, traduzido na capacidade de viver através de regras estabelecidas por si mesmo.

 

1.3. VIRADA KANTIANA

            Immanuel Kant afirmava que o direito só é legítimo quando existe para garantir nossa liberdade. Liberdade essa que se traduz na dignidade, que por sua vez, pode ser convertida em autonomia, que é fundamento do Direito.  Para aprofundar no tema, necessário se faz percorrer a linha do tempo e entender o jusnaturalismo e o positivismo.

            O jusnaturalismo assenta-se na ideia da existência de um direito natural, em valores que vão além do direito positivo. Trata-se de uma concepção universalista, em que limites ao Estado são impostos. No entanto, há outras vertentes como o jusnaturalismo moderno, responsável por influenciar revoluções. Dois grandes exemplos são a revolução francesa e a revolução americana. No caso da francesa, importante destacar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), o preâmbulo versando sobe direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem e o art. 2º, também sobre direitos naturais, que foca na liberdade, na propriedade, na segurança e na resistência à opressão. Na revolução americana, temos a Declaração da Independência (1776), as chamadas “leis da natureza” e “Deus da natureza”, além da menção aos direitos inalienáveis como a vida, a liberdade e a busca pela felicidade, viabilizada pelos direitos sociais.

            Atualmente tem ganhado força no debate sobre direitos humanos o reconhecimento do direito à felicidade/busca pela felicidade. Inclusive a mesma já fora citada em âmbito nacional através do senador Cristovam Buarque em sua “PEC da felicidade”, influenciada, principalmente, pelo Gross National Happiness, espécie de índice de avaliação do desempenho do Estado proposto e experimentado pelo Butão em substituição ao PIB (Produto interno bruto).

            O constitucionalismo moderno se afirma com as revoluções liberais e se traduz na exigência de que o Estado se institucionalize e atue através de uma constituição, ou seja, em um texto escrito que visa garantir direitos fundamentais e limitar o exercício do poder estatal. A partir desse ponto começa a superação do jusnaturalismo, ou seja, a entrada para o positivismo, na união do constitucionalismo moderno com a codificação do direito.

            O positivismo jurídico prega que a norma emana do Estado e não da natureza como no jusnaturalismo. Ou seja, há o reconhecimento de uma ciência jurídica, da nítida separação entre moral e Direito e da validade de direitos somente quando os mesmos são positivados. A crise do positivismo surgiu através das duras críticas de que toda e qualquer ação pudesse ser fundamentada e legitimada através da simples permissão da constituição. Ou seja, toda justificativa para determinado ato tinha grande ênfase no Direito positivo, o que possibilitou inadmissíveis barbáries aprovadas na forma da lei, como o nazismo e o fascismo. Em outras palavras, puro legalismo acrítico.

            O pós-positivismo teve como proposta retomar uma reaproximação entre Direito e ética, focando na importância do ordenamento positivo no que tange aos direitos humanos, a separação do legalismo acrítico e a almejada volta aos valores e a reafirmação da dignidade como fundamento de Direito e dos direitos humanos. Há, por outro lado, o reconhecimento da normatividade dos princípios, ou seja, uma nova hermenêutica constitucional, de uma pluralidade política e jurídica e da essencialidade dos direitos fundamentais, uma vez que esses são a essência do Estado e possuem origem no jusnaturalismo. Portanto, a dita “virada Kantiana” nada mais é que o pós-positivismo em si, ou seja, a reaproximação entre ética e Direito – posicionamento adotado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, uma vez que a mesma determina a primazia dos direitos humanos e o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como epicentro do ordenamento jurídico brasileiro.

            Segundo o ponto de vista de Flávia Piovesan, os direitos humanos não nascem todos de uma vez, nem de uma vez por todos. Ou seja, são frutos de construção humana e criados de um ponto de vista histórico, de amplo lapso temporal. Diante disso, pode-se afirmar que tais direitos entram em constante processo de reconstrução e aperfeiçoamento.

 

1.4. DEBATE ENTRE RELATIVISMO X UNIVERSALISMO

            Para o Relativismo, os direitos humanos e o seu fundamento são produtos da cultura de cada povo, isto é, de seu sistema político, econômico, cultural, social e até moral. Possui um viés de historicidade ao invés de universalidade, motivo pelo qual critica o eurocentrismo da afirmação universal dessa classe de direitos. Aqui, a autodeterminação dos povos/soberania e o princípio da não-ingerência são exaltados. Já o Universalismo detém a perspectiva de que os direitos humanos e seu fundamento decorrem da dignidade da pessoa humana percebida universalmente. Também se caracteriza pela defesa de um mínimo ético irredutível, uma espécie de núcleo indivisível. Flávia Piovesan detém um posicionamento universalista, mas se revela pluralista e aberta ao diálogo intercultural, além de defender a existência do mínimo ético comum a todas as pessoas do planeta. Aqui prevalecem a primazia dos direitos humanos e o princípio das intervenções humanitárias, externado na redução/mitigação da soberania de um Estado.

            A dicotomia entre universalistas e relativistas é superada quando do reconhecimento concomitante da universalidade e historicidade dos direitos humanos pela doutrina. Boaventura de Sousa Santos propõe concepção universalista multicultural de DH. Para Jürgen Habermas, os mesmos devem ser afirmados através de um diálogo intercultural que viabilize a construção e reconstrução de acordos comunicativos (tratados). Flávia Piovesan é clara na proposta de um universalismo de confluência, baseada no diálogo entre as culturas e na atuação da sociedade civil internacional.

 

2. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

            Universalidade: Todo ser humano é sujeito ativo de direitos humanos. Podem pleitear os mesmos em qualquer foro, seja nacional ou internacional.

            Indivisibilidade: Único conjunto de direitos.

            Interdependência: A eficácia de um direito humano depende da eficácia dos demais.

            Interrelacionariedade: Existe uma relação não hierárquica entre os direitos humanos e entre seus sistemas de proteção.

            Imprescritibilidade: Os direitos humanos não se perdem com o passar do tempo.

            Individualidade: Os direitos humanos são exercidos pelo indivíduo.

            Complementariedade: Os direitos humanos abarcam aspectos distintos e complementares da proteção da dignidade da pessoa humana.

            Inviolabilidade: Os direitos humanos não podem ser descumpridos por qualquer pessoa e/ou autoridade.

            Indisponibilidade: Não se pode renunciar ou abrir mão dos direitos humanos.

            Inalienabilidade: Os direitos humanos estão fora do comércio.

            Historicidade: Os direitos humanos são afirmados historicamente.

            Vedação do retrocesso/Efeito Cliquet/Efeito ampliativo: Uma vez estabelecido, os direitos humanos não podem ser limitados. Se determinado direito foi afirmado, não pode ser retirado.

            Inerência: Os direitos humanos são inatos/naturais, ou seja, inerentes ao ser humano.

            Efetividade: Os direitos humanos constituem-se como dever do Estado. Prestações positivas (obrigações de fazer) e prestações negativas (obrigações de não-fazer).

            Limitabilidade: Os direitos humanos podem ser limitados em situações exepcionais, pois não são absolutos. Ex: a prisão limita o direito de ir e vir. O estado de defesa e o estado de sítio (art. 136 e 138, CRFB). Limite ao direito de reunião (art. 136, §1º, I, CRFB).

            Caráter principiológico: Os direitos humanos são normas jurídicas do tipo “princípio”. A partir da “virada Kantiana”, do pós-positivismo e da nova hermenêutica constitucional, os direitos humanos são vistos como normas jurídicas que são cumpridas como mandados de otimização, isto é, no maior grau possível. Isto viabiliza o reconhecimento da possibilidade de colisões entre direitos humanos e direitos fundamentais na configuração do que Ronald Dworkin nomeou de “hard cases” (casos difíceis), em que há legítima batalha principiológica.

            Inesgotabilidade: Os direitos humanos fazem parte de um rol não-taxativo, ou seja, não fechado. A inesgotabilidade fortalece o reconhecimento da historicidade – baseada na construção e reconstrução – e acaba por negar uma concepção eurocêntrica de direitos humanos.

 

3. GERAÇÕES/DIMENSÕES DE DIREITOS HUMANOS

            A divisão dos direitos humanos é fortemente difundida e criticada pela doutrina. Por isso, serve apenas como um facilitador didático, uma vez que tais direitos são universais. Os grupos foram criados a partir de gerações/dimensões distintas em função de suas características e do momento histórico em que sua afirmação se deu de modo mais intenso.

            Para Antônio Augusto Cançado Trindade, jurista brasileiro e membro do Tribunal Internacional de Justiça:

 

“O fenômeno que testemunhamos em nossos dias, em meu entendimento, não é o de uma fantasiosa e indemonstrável sucessão ´generacional´ de direitos (que poderia inclusive ser invocada para tentar justificar restrições indevidas ao exercício de alguns deles, como já ocorreu na prática), mas antes o da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, todos essencialmente complementares e em constante interação.” (ALVES, 2003).

 

            Em outras palavras, a divisão dos DH em gerações acaba por estabelecer obstáculos à sua efetividade.

            1ª geração:

            *Direitos de liberdade, direitos políticos; Fruto das revoluções liberais, prestações negativas do Estado (obrigações de não-fazer); Exemplos: Vida, liberdade de ir e vir, liberdade de opinião, privacidade, intimidade (Direitos individuais).

            2ª geração:

            *Direitos de igualdade; Revolução industrial e péssimas condições de trabalho; Constituição de Weimar de 1919; Constituição mexicana de 1917; Prestações positivas (obrigações de fazer); Exemplos: Direitos trabalhistas, direito à saúde, educação, transporte público.

            3ª geração:

            *Direitos de fraternidade/solidariedade; Número indeterminado e interminável de indivíduos (direitos difusos); Exemplos: Direitos do consumidor, do meio ambiente. Fraternidade entre os povos – para parte da doutrina.

            4ª geração:

            *Engenharia genética; Proteção intergeracional; Direitos da humanidade; Biotecnologia ou Democracia/Direito dos povos; Exemplos: Limites bioéticos ao avanço científico, direitos ligados ao acesso à informação, democracia de alta intensidade.

 

4. A CRFB E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

4.1. O DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL

            Trata-se de ramo interdisciplinar. O Direito Constitucional Internacional é formado pelo agrupamento entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Importante a observação no tocante à diferença entre Direito Internacional dos Direitos Humanos e Direito Internacional Público. O primeiro objetiva garantir o exercício dos direitos da pessoa humana, enquanto o segundo visa disciplinar relações de reciprocidade e equilíbrio entre Estados.

 

4.2. O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL E A CRFB

            Guillermo O’Donnell afirma:

 

 "É útil conceber o processo de democratização como processo que implica em duas transições. A primeira é a transição do regime autoritário anterior para a instalação de um Governo democrático. A segunda transição é deste Governo para a consolidação democrática ou, em outras palavras, para a efetiva vigência do regime democrático." (Transitions, continuities, and paradoxes. In: Scott Mainwaring & Guillermo O’Donnell e J. Samuel Valenzuela (org.), Issues in democratic consolidation: the new South American democracies in comparative perspective, Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1992, p.18).

 

            Piovesan divide a mesma linha de argumentação de O’Donell ao afirmar que o processo de democratização se dá por duas transições. A primeira, do regime autoritário ao governo democrático – já realizada. A segunda, da instalação do governo à vivência efetiva de um regime democrático – ainda está se concretizando.

 

4.3. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

            A Constituição da República Federativa do Brasil é responsável por instituir um regime democrático e representa um avanço na consolidação legislativa dos direitos fundamentais, sendo, portanto, o documento mais abrangente e detalhado. Durante a reaproximação entre ética e Direito através de pós-positivismo, a dignidade passou a ser base/fundamento do Direito, fazendo com que valores fossem instituídos sob a forma de princípios, realidade bem distinta do jusnaturalismo, em que os valores se encontravam fora do mesmo.

            Os direitos fundamentais são elementos básicos para a realização do princípio democrático. Portanto, não há como se falar em democracia sem a devida efetivação dos direitos fundamentais. A relação entre direitos humanos/fundamentais e democracia deve manter interdependência e coesão, de modo a objetivar harmonia entre uma coisa e outra. No primeiro campo, pode-se citar a autonomia privada, a tradição liberal, a influência de Immanuel Kant, o Constitucionalismo e a universalidade dos direitos humanos. No segundo, o da democracia, a soberania popular, a autonomia pública, a tradição republicana, a influência de Jean-Jacques Rousseau e autodeterminação dos povos.

 

 

4.4. DILEMA DO SUPER-HERÓI

            A oposição entre a tradição liberal e a tradição republicana é ilustrada pelo recorrente dilema dos super-heróis entre salvar a mocinha (indivíduo) ou salvar a comunidade. Os filmes norte-americanos resolvem esse problema pela sobreposição da tradição liberal. O problema desse ponto de vista é ignorar que o indivíduo não se emancipa, não tem seus direitos fundamentais garantidos sem que a sociedade também se emancipe. Um exemplo de desdobramento concreto é o confronto entre o princípio das intervenções humanitárias e o da não-intervenção. Trata-se, basicamente, de um dilema ético-jurídico sobre a intervenção excessiva do Estado no plano de vida individual – aborto, eutanásia, uso individual de drogas, entre outros.

 

4.5. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

4.5.1. FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA (ART. 1º)

            Princípio Republicano: Noção de coisa pública, res publica. Governantes são gestores da coisa pública, com mandato determinado. Com relação à coisa pública, há que se priorizar e garantir a efetividade dos direitos fundamentais.

            Princípio do Estado Democrático de Direito: Coesão interna entre os direitos humanos/fundamentais e democracia. Incidência do princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana.

            Menciona o art. 1º da CRFB:

 

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.”

 

            I. Soberania: Reinvenção do conceito de soberania. Segundo Canotilho:

 

“[...] não se vê como “esta vontade de constituição” pode deixar de condicionar a vontade do criador. Por outro lado, este criador, este sujeito constituinte, este povo ou nação, é estruturado e obedece a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como “vontade do povo”. Além disto, as experiências humanas vão revelando a indispensabilidade de observância de certos princípios de justiça que [...] são compreendidos como limites da liberdade e onipotência do poder constituinte.” (CANOTILHO, 1999).

 

            A dignidade da pessoa humana e os direitos humanos são, portanto, limites ao Poder Constituinte Originário. Flávia Piovesan defende a relativização e flexibilização do conceito de soberania em prol da proteção dos direitos humanos.

            II. Cidadania: Exercício de direitos e deveres, estabelecendo-se como condição de possibilidade para efetivação dos direitos humanos e do princípio democrático. Viabiliza a possibilidade de interferência popular nas decisões estatais. Nesse ponto há a presença do cosmopolitismo e a crise do nacionalismo, prevalecendo uma noção universal, de cidadão do mundo.

            III. Dignidade da pessoa humana: Fundamento dos direitos humanos. Piovesan considera como “super-princípio”, um núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, que serve como critério de valoração e interpretação do sistema constitucional. Há aqui a presença do mínimo ético essencial, já citado anteriormente. Segundo a linha de Immanuel Kant, a dignidade se mistura com autonomia, ou seja, uma pessoa realmente digna é aquela que possui uma variedade de escolhas aceitáveis disponíveis. O grande problema nesse ponto é o risco de iconização e esvaziamento semântico da dignidade da pessoa humana pelo seu uso recorrente, o que tem se tornado algo rotineiro no universo jurídico.

            IV. Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa: A CRFB destaca a interpendência dos direitos humanos e que a efetivação dos mesmos exige a inclusão sócio-econômica.

            V. Pluralismo político: Pluralismo de ideias políticas, que significa um contraponto à adesão de teses universalistas. Ideias de liberdade serão sempre discutidas, afinal de contas, fazem parte de processos históricos e são frutos de revoluções.

 

4.5.2. SEPARAÇÃO DOS PODERES (ART. 2º)

            A finalidade da separação dos poderes é coibir a concentração de poder e a decorrente violação dos direitos humanos, o que nos leva à clássica ideia de Montesquieu de que somente o poder limita o poder. No que diz respeito à vinculação dos três poderes: o Legislativo é obrigado a criar leis que respeitem os DH; o Executivo é responsável pelos atos que violem os DH; o Judiciário controla a coerência dos demais poderes aos direitos fundamentais e também é obrigado a decidir conforme a proteção aos mesmos.

 

4.5.3. OBJETIVOS DA REPÚBLICA

            Os objetivos fundamentais são metas e não deve ser confundidos com fundamentos, que são bases ideológicas, isto é, em que se acredita.

            I. Construir uma sociedade livre, justa e solidária: Em uma sociedade livre, os membros experimentam todo tipo de liberdade. Em uma sociedade justa, cada pessoa possui aquilo que lhe é de direito e não há exploração do trabalhador, nem impunidade, nem violação aos DH. Em uma sociedade solidária, há meta social de superação do individualismo, um legítimo engajamento cívico pela efetivação dos direitos fundamentais dos outros indivíduos e grupos sociais.

            II. Garantir o desenvolvimento nacional: Trata-se não somente de desenvolvimento econômico, mas também democrático, social, cultural, entre outros. Baseia-se no fortalecimento de índices alternativos ao PIB (Produto Interno Bruto), como o Gross National Happiness (citado anteriormente) e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

            III. Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais: Inclusão sócio-econômica necessária à efetivação dos DH.

            IV. Promover o bem de todos sem preconceitos/discriminação: Reconhecimento da dignidade da pessoa humana como valor universal.

 

4.5.4. PRINCÍPIOS QUE REGEM AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

            I. Independência nacional: soberania externa, traduzida na igualdade/reciprocidade de condições de participação na comunidade internacional.

            II. Prevalência dos direitos humanos: Interesse na efetivação dos DH prevalece sobre os demais interesses (políticos, econômicos, etc.); a proteção dos DH prevalece à soberania nacional no que esta for contrária à sua efetivação.

            III. Autodeterminação dos povos: Cada povo é dono do seu próprio destino, desde que não viole os direitos humanos.

            A CRFB antecipa o posicionamento da 2ª Convenção de Viena de 1993, afirmando concomitantemente os princípios da prevalência/primazia dos DH e da autodeterminação dos povos, ambos influenciados pelo Pós-positivismo.

            IV. Não-intervenção;

            V. Igualdade entre os Estados (soberania externa);

            VI. Defesa da paz;

            VII. Solução pacífica dos conflitos;

            VIII. Cooperação entre os povos para progresso da humanidade;

            IX. Repúdio ao racismo e ao terrorismo: Racismo é inafiançável e imprescritível. Terrorismo é equiparado a crime hediondo.

            X. Concessão de asilo político: Desdobramento da defesa do pluralismo político na ordem internacional.

            Importante frisar que os princípios elencados nos incisos VI, VII, VIII e IX aplicam-se também à ordem interna.

 

4.6. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS INTERNACIONAIS

            A palavra “tratado” é usada genericamente como referência às cartas, convenções, pactos e demais acordos internacionais. A Convenção de Viena de 1969 é conhecida como a “lei dos tratados internacionais”, sendo o tratado internacional uma expressão de consenso e que, uma vez firmado, está vinculado ao princípio do “pacta sunt servanda”, devendo, portanto, ser respeitado. Nesse sentido, elucida a Convenção de Viena que todo tratado em vigor é obrigatório e deve ser cumprido pelas partes de boa-fé, haja vista que uma parte não pode invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o não cumprimento do mesmo.

            Com o objetivo de contribuir com a adesão de maior número possível de Estados aos tratados, permite-se que estes sejam formulados com reservas. Tais reservas excluem ou modificam o efeito jurídico de certas previsões do tratado no que se refere à sua aplicação diante de determinado Estado. No entanto, são inadmissíveis reservas que se mostrem incompatíveis com o objeto do tratado internacional.

 

CONCLUSÃO

            Voltando às ideias de Flavia Piovesan no que tange ao processo de democratização brasileiro e a CRFB, nota-se claramente a dualidade entre uma democracia formal x uma ditadura social. Em outras palavras, o Brasil – do ponto de vista textual – é democrático em sua plenitude, mas a realidade – no contexto - não condiz com isso.

            O objetivo deste breve trabalho é o de chamar a atenção do leitor ou do profissional do campo do Direito e convidá-lo à reflexão do tema em voga, uma vez que se trata de assunto de imensa importância no campo jurídico e que diz respeito, além de tudo, à humanidade.

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

 

ALVES, José Augusto Lindgren. Os Direitos Humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 31, apresentação feita por Augusto Cançado Trindade.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1999. p.77

HENKIN, Louis, PUGH, Richard, SCHACHTER, Oscar, SMIT, Hans. International law: cases and materials. 3. ed. Minnesota: West Publishing, 1993.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2006.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

_______________.  Direitos Humanos, O Princípio da dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988, 2004.

______________.  A proteção dos direitos humanos no sistema constitucional brasileiro. Disponível em: Acesso em: 29 de abril de 2013.

 

 

 

 

 

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