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Violência e Segurança Pública - um estudo de conceitos


Autoria:

Ian F. De Castilhos


Graduando em Direito pela Fundação Educacional Além Paraíba e Estagiário do TJRJ.

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Resumo:

A violência urbana é um grande problema social, tendo como consequência o abalo da segurança pública, dever primeiro do Estado. O presente abordará as relações entre violência e segurança pública sem clichês teóricos.

Texto enviado ao JurisWay em 29/05/2015.



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  1. INTRODUÇÃO

A segurança pública é o primeiro dever do Estado, pois este é um dos motivos pelo qual alienamos algumas liberdades para vivermos em sociedade. Entende-se segurança pública como a garantia dos direitos ditos naturais do homem enquanto homem.

Porém o estado de natureza não é tão pacifico assim, nele seria quase impossível manter tais direitos naturais. Por isso esses direitos não são naturais a priori, mas sim a posterior. Construído durante a história pelo próprio homem e zelado pelo Estado. Assim afirma Norberto Bobbio em “A era dos direitos”, entre outras obras, que o direito natural é um direito histórico.

A importância da visão do direito natural como direito histórico é saber que tal conceito liberal foi criado pela própria sociedade e para a sociedade, portanto a proteção desses direitos deve ser feita por quem zela pelo contrato, ou seja, o Estado.

O presente trabalho tem como objetivo trazer um relato crítico, de maneira interdisciplinar, sobre a concepção e conceituação da violência, que é a principal causa da falta de segurança pública. Começarei elucidando primariamente alguns conceitos.

Segundo Pierre Bordieu no livro “A reprodução” a violência é “a qualidade de movimento que impede as coisas de seguirem seu movimento natural.”. (BORDIEU, 2009)

Segundo Jurandir Freire Costa em “violência e psicanalise” há a separação entre dois gêneros, que são a violência racional e a violência irracional. Violência racional é aquela que se dirige ao objeto adequado por meios legítimos, no sentido de romper com a coisa causadora específica. Um exemplo de violência racional é a força coerciva estatal, que altera o rumo natural da guerra de todos contra todos. Violência irracional é aquela que se dirige ao objeto substitutivo, por exemplo, o linchamento de um criminoso, como se fossem eles a causa da criminalidade por si só.

            Slavoj Zizek também faz uma divisão dos tipos de violência no livro “Violência: Seis analises laterais”. Esses tipos são a violência simbólica, violência objetiva, ou sistêmica e por último a violência subjetiva. Todos esses conceitos serão aprofundados durante o presente trabalho.

            O jornal El País divulgou uma entrevista com o secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame em que o mesmo diz que:

  “Os especialistas apenas sabem falar da polícia, criticá-la. Não sabem o que é a segurança primária, secundária, terciária, setorial... O Rio de Janeiro é a cidade do mundo com mais estudiosos de segurança pública, porque é onde há mais possibilidades de se ganhar dinheiro com isso. Na realidade, são sociólogos ou antropólogos, não especialistas em segurança. Fazem análises reducionistas, apenas sabem falar de polícia. Isso se chama miopia. Tudo bem, falemos da polícia. E o resto?”

acesso: 19 de Fevereiro de 2015.

            Para ele o alto número de prisões no estado mostra a eficiência da polícia e a ineficiência de políticas públicas e será esse o ponto de vista dessa série de trabalhos: Segurança Pública não se resume a polícia e a Violência é um fator que vai além de sua redução fenomenológica, devemos analisar também aspectos jurídicos, políticos, ideológicos e de interesses econômicos.

  1. DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA IRRACIONAL

            Primeiramente há a necessidade de desfetichisar a concepção de violência apenas como um ato corporal agressivo e de força física desproporcional.  A violência urbana não é uma e indivisível, ela é uma representação de práticas e modelos de conduta subjetivamente justificados e constituem um ordenamento social específico.

            Tal ideologia que restringe o conceito de violência urbana é de grande interesse dos detentores do meio de produção e das grandes fortunas, pois com as atenções completamente voltadas para o crime embasado na agressividade, não nota-se outros tipos de crimes, como os crimes de colarinho branco que não são menores que os primeiros, mas equivalente no que tange a sociedade.

            O grande gerador da Violência Irracional em grande parte é a busca por uma cadeia causal cartesiana que busca a essência fundamental da violência.

Em primeiro lugar está a Violência Simbólica, que se encontra implícito nos discursos sociais. “Cada espaço de discurso concreto, ‘realmente existente’, se funda em última instância numa imposição violenta de um significante mestre que é stricto sensu ‘irracional’.” (ZIZEK, 2014).

            Onde é possível ver esse discurso violento? Michel Misse aponta a quantidade de negros nas penitenciárias por causa dos roteiros típicos criados por discursos ideológicos. Hitler, ao ver judeus como problemas para a raça ariana também gerou tal discurso de violência com a solução final. Nos dois exemplos os discursos são legitimados pela sociedade.

            Partindo do postulado de que a existência precede a essência e que a significação do ser é construída a partir da história, o ser é facilmente construído por coisas externas a ele e uma dessas formas são os discursos da violência simbólica.

            Outra forma de dominação que é dificilmente percebida, mais de grande força é a dominação sistêmica, ou objetiva. A violência sistêmica é aquela que se encontra na economia, na política, é a violência encontrada nas condições estruturais da sociedade.

Vivemos hoje em uma biopolítica pós-política. A biopolítica, como diz Michael Foucault, refere-se à regulação da segurança da população, já a pós-política para Jacques Rancière é aquela que deixa de lado os antigos discursos ideológicos de esquerda e direita, para se tornar centrada. Porém como, sem a ideologia, incitar essa paixão nas pessoas nesse campo? Através do medo, o medo da violência é um deles.

A gestão através do medo é uma violência objetiva, onde fica na mão dos formadores de opinião o modo pelo qual a sociedade será gerida e como nascerão os conceitos de moral e ética. O medo, por exemplo, do fundamentalismo religioso, pode gerar o ateísmo, ou o inverso acontecer.

            Outro tipo de violência objetiva é o exemplo do caso de Marcos Valério, que recebeu anistia por sonegação fiscal – o que atinge ao erário diretamente- pela interpretação do Art.9º da Lei 10.684/03. Ao tirar o dinheiro de toda a sociedade, basta apenas devolve-lo para que não haja a ilicitude, porém ao furtar o celular de um indivíduo, apenas devolvê-lo não excluí a ilicitude, apenas reduz a pena.

            Por esse ponto de vista o dano ao indivíduo é maior do que o dano à sociedade inteira. É essa mesma máxima de ação que faz com que ataques terroristas, incluindo aqui o terrorismo ocidental de grandes potências como EUA, França, Inglaterra, etc. que matam milhões aos quais o assassino não vê o rosto sejam menor peso na moral autônoma do terrorista, do que o tiro à queima-roupa em alguém olhando nos olhos.

            Tais violências objetivas, ressaltando que o exemplo do terrorista não o é, podem ser visto como causas da gestão pelo medo da perda da liberdade individual que tem amplos efeitos na sociedade e nem sempre benignos.

            A violência objetiva tem um campo vasto e seria difícil resumir aqui toda sua gama de situações, mas há mais uma que merece ser ressaltada, que é a violência das instituições que deixam de funcionar. Quando um paciente morre no hospital ao esperar um médico que é pouco para atender aquela população, há ali também essa classe de violência.

            O último exemplo de violência irracional é a subjetiva, que é a mais visível e conhecida. Aquela violência causada pela agressividade e força desproporcional, como por exemplo, os crimes contra a vida.

Entre todas essas formas de violência há uma sintaxe comum, todas buscam métodos substitutivos para resolver os problemas ditos causadores do dano ao que se quer proteger.

  1. DOS TIPOS DE VIOLÊNCIA RACIONAL

A violência não pode ser vista apenas como uma coisa ruim e negativa para a sociedade. A violência tem também a sua forma benigna, que é a violência racional.

O primeiro exemplo é a força coerciva estatal. Teoricamente, a força coerciva estatal tem o dever de regular a sociedade para que haja nela a ordem social, pois apenas uma sociedade organizada pode atingir o âmago da finalidade social, o bem comum.

            A utopia de muito pensadores, como Owen, Saint-Simon, Moore, etc. sempre foi uma sociedade justa e igualitária e é inegável a influência desses pensadores em mudanças e aprimoramentos ideológicos. Em Marx há o reconhecimento da luta de classes como a base da sociedade e que essa ambivalência deveria ser quebrada primeiramente com a socialização dos meus de produção depois de uma grande crise do capitalismo. Todos esses pensadores, aqui citados de maneira superficial e longínqua, queriam apenas a igualdade entre todos, que vai além de uma suposta isonomia e isegoria, e isso depende da violência e da dominação.

            No caso citado, a violência racional seria aquela que usa os mecanismos estatais para gerar a igualdade, tal como os impostos sobre grandes fortunas, que “limita” a liberdade de enriquecer desenfreadamente, liberdade essa, que gera a desigualdade, que gerou um estudo de grande valia de Thomas Piketty em o Capital do Século XXI, e também como essa forma de violência, há as Leis Trabalhistas que regulam as liberdades do Burguês e do Proletário.

            De pouco importa aqui o conceito de dominação, por isso não entrarei nesse mérito, posto que o próprio conceito de violência racional não é importante para o restante deste trabalho, todavia vale a pena ressalta-lo.

            Também há a violência racional dos imperativos categóricos impostos pela moral e pela ética, as únicas que conseguem obrigar realmente o indivíduo, já que ele pode contrariar a lei, mas não pode contrariar a si mesmo e fazer aquilo que não quer sem que esteja sobre coerção. Vale assim observar, que a violência racional dos imperativos categóricos tem a mesma fonte da violência simbólica, que é a linguagem e a coisa-vivida, porém a diferença é qual tipo de concepção se forma através dessa fonte.

  1. SOBRE O CONCEITO DE VIOLÊNCIA URBANA E SOBRE O CRIME

Este é um trabalho que visa elucidar conceitos, mas há um outro conceito que não pode ser visto como uma coisa una e indivisível, que é o conceito de violência urbana. A violência urbana pode ser negativa ou positiva como foi elucidado.

Em cada parte da esfera social há determinado tipo de violência urbana, legitimada subjetivamente pelo individuo como tal. A violência que mais importa nesse tópico é a embasada no crime de força desproporcional e agressiva, que é a mais visível.

Existem crimes que são legitimados pela própria sociedade. Há tempos atrás era corriqueiro e cultura com bastante clareza na cidade de Além Paraíba a legitimidade da agressão do marido para com a mulher, como característica de uma sociedade machista, portanto por mais que fosse ilegal, a conduta não era criminosa para essa sociedade.

O crime, como decorado por todos os estudantes de direito, é um fato típico, antijurídico e culpável. O porquê de cada uma dessas características não nos importa aqui, nos importa é transcender os frios princípios e ver o que é visto como crime e se realmente é justo.

Um bom exemplo é o princípio da bagatela ou da insignificância, que segundo Capez (2007) não leva em conta os bens daquele que teve a perda. Portanto se A rouba uma galinha do dono da Granja B que tem mil galinhas terá o mesmo peso se roubasse de C, que tem como único bem uma galinha.

É realmente justo esse princípio? À luz do direito sim, pois mesmo habitando em círculos secantes com a moral é distante da moral autônoma e da moral social, como fruto do normativismo-liberalista, que mesmo incluindo princípios morais na esfera jurídica, não quer dizer que essa moral seja consoante com ao que um senso moral simples acha certo, mas que majoritariamente, em teoria, deve visar o que é e o que não é equitativo à sociedade.

Há nesse exemplo uma discordância do que pensa a moral social e do que pensa a moral do direito. Podemos então ver dois tipos de crime, o crime legitimado como tal pela sociedade e o crime legitimado como tal pelo o direito, por vezes consonantes, por vezes dissonantes, exatamente nesse aspecto o princípio da adequação social não é um princípio tão usado.

Não quero aqui justificar, no sentido de tornar justo essa ambivalência, apenas o Sein da sociedade, o Sollen deixarei para o fechamento dos artigos.

  1. CONCLUSÃO

            O princípio de qualquer conhecimento é a quebra do senso comum. Os conhecimentos obtidos a priori de um estudo detalhado é um conhecimento normalmente enganoso e feito por um discurso de dominação, o que é o antônimo de ciência. A ciência não é imutável e absoluta e nem procura por uma verdade universal, porém procura por algo que não seja refutável e para que um trabalho científico tenha em si sua natureza completa, necessita primeiramente desfetichisar o que é senso comum.

            Nisso consiste a importância desse artigo, começar a conhecer os reais significados do que pretende ser estudado.  A violência não é apenas a força ou agressividade, mas sim tudo aquilo que interrompe o fluxo natural das coisas. Isso faz dela tanto algo bom, quanto algo ruim, dependendo tão somente de qual a finalidade dela e se ela interrompe a coisa causadora do problema que busca ser solucionado.

            A violência em todos os aspectos está ligada diretamente a segurança pública, posto que a existência da primeira agrida a existência da outra. Os frutos da violência simbólica se encontram no etnocentrismo, no machismo, etc. Logo a violência simbólica gera a desigualdade/exclusão social, que afeta diretamente a segurança pública, assim como a violência subjetiva e objetiva também a afetam.

            Porém também há a violência racional e a dominação em um sentido vantajoso para a sociedade. Analisando tais fatores é nítido que muitos discursos sobre a violência são feitos com conhecimentos a priori e rasos sobre o próprio objeto de estudo. Pegar simples dados sobre qual o tipo de crime é mais cometido em cada localidade não é estudar a violência. Estudar a violência é primeiramente saber o que é ela, de onde ela vem e o que ela causa.

            Assim ficam resumidos os princípios do estudo sobre violência em um modo lato, que teve como objetivo elucidar conceitos e quebrar o senso comum teórico de uma palavra tão polissêmica.

Referência

  1. ZIZEK. Slavoj, Violência: Seis analises laterais. São Paulo: Boitempo, 2014.
  2. COSTA, Jurandir F., Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 2003.
  3. BORDIEU, Pierre, A reproduçãoElementos para uma teoria do ensino. Covilhã: Lusofia, 2009.
  4. CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, volume 1: Parte Geral – 11. Ed. Ver. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.
  5. MISSE, Michel. Crime e Violência no Brasil Contemporâneo, Estudos de Sociologia do Crime e da Violência, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006.

 

 

 

 

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Comentários e Opiniões

1) Thiago (07/06/2015 às 20:14:48) IP: 179.191.203.165
Muito interessante o artigo. Temporal para um assunto de grande pertinência na atualidade! Mais uma fonte para a aberta discussão da violência urbana em nosso país!


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