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A APLICAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA: LEGALIDADE VERSUS ABUSIVIDADE


Autoria:

Carla Luciane Bettio


Carla Luciane Bettio, Advogada, Agente Previdenciária, cursou Direito pela Universidade de Passo Fundo - UPF, Pós Graduanda em Direito Público pela ESMAFE - RS.

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Texto enviado ao JurisWay em 17/12/2014.

Última edição/atualização em 30/12/2014.



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Resumo: O poder de polícia, enquanto uma das funções da Administração Pública, foca essencialmente na discricionariedade de que são dotados os atos de polícia e os limites que necessariamente devem ser ditados, a fim de que o objetivo de bem-estar social seja alcançado. Nesse sentido, tem-se que o ato administrativo goza da aprovação da administração pública para fazer com que seus agentes, representantes dos estados, atuem de forma a satisfazer a vontade do Estado, exercendo sua soberania sobre a coletividade. Para o exercício dessa soberania muitas vezes a observância estrita da legalidade acabada sendo empregada de forma abusiva, eis que agindo dentro dos limites da lei, em diversas situações, poderá haver desproporcionalidade na pena imposta ou no ato praticado pelo agente. Partindo de tais premissas, abordar-se-á no presente estudo os principais aspectos acerca do poder de polícia na atualidade, bem como a ausência de limitação de poder em diversos casos, especificamente no caso concreto da pena de perdimento de bens. Utilizar-se-á o método dedutivo, o qual origina-se da aplicação de princípios gerais a casos específicos.
Palavras-chave: ato administrativo, administração pública, poder de polícia, abusivo, pena de perdimento de bens.

 
Abstract : The police power, while one of the functions of the Public Administration, focuses primarily on the discretion that they are endowed acts of police and the limits that must necessarily be dictated, so that the goal of social welfare is achieved. In this sense, it has been the administrative act shall have the approval of the government to make its agents, representatives of states, acting to fulfill the will of the State, exercising its sovereignty over the community. To exercise this sovereignty often strict observance of legality finished being applied abusively behold, acting within the limits of the law, in many situations, there may be disproportionality in the sentence imposed or the act performed by the agent. Starting from these premises, we will be addressing in the present study about the main aspects of police power in the present , as well as the absence of limitation of power in many cases, specifically in this case the penalty of forfeiture of property. The deductive method, which stems from the application of general principles to specific cases will be used. Keywords : administrative act , public administration , police power , abusive , penalty of forfeiture of property .

 

 

Introdução 


A existência de normas e regulamentos para se condicionar o bem-estar da coletividade é fundamental, tendo em vista que o homem passou a viver em sociedade. Para tanto, foram criados o Estado, as Constituições e as leis infraconstitucionais, concedendo aos cidadãos direitos, cabendo à Administração Pública reconhecer e averiguar seus limites. Criaram-se então vários órgãos para que a Administração Pública pudesse exercer suas funções, sendo que a responsabilidade pela adequação dos direitos individuais ao interesse da coletividade se convencionou chamar de poder de polícia, o qual funciona como instrumento utilizado para efetivar as funções da Administração Pública. É inerente à Administração Pública a prerrogativa de atuar através da supremacia do poder público e da indisponibilidade do interesse público, sendo tais prerrogativas originárias dos princípios constitucionais, que dão apoio as mais variadas formas de poder da Administração em face dos administrados. Neste ínterim, surgem as mais variadas prerrogativas do poder público em face do cidadão, tais como: fiscalizar, atuar com poder de polícia, executar seus atos em favor da coletividade, desapropriar bens de particulares, etc. Considerando o poder que é atribuído à Administração Pública questiona-se: O que acontece se o Estado, invocando sua discricionariedade, atuar de forma ilegal, abusiva e eivada de malícia no intuito de obter vantagens para seus administradores ou para terceiros? Partindo de tal questionamento, tem-se que o Estado exerce a função precípua de administrar, consumando seus atos através de seus agentes. Esses agentes, em não raras as circunstâncias, podem vir a macular a Administração Pública, tornando-se imperioso o prejudicado se valer das vias competentes para reparar o dano. Exemplificativamente, e conforme será demonstrado no presente estudo, pode-se citar a pena de perdimento de bens, regulamentada pelas Instruções Normativas 206/02 e 680/06 e pelo Decreto-Lei 1.455/76, a qual objetiva a reparação do dano eventualmente causado. Isso significa que um dos pressupostos para aplicação da pena de perdimento é a existência de dano ao Erário, já que esta tem natureza de restituição, e não simples retribuição. Considerando que as penas têm diversas funções, dependendo da qual lhes é atribuída pelo legislador, percebe-se que o perdimento de bens possui unicamente a função de restituir o que deveria ser de propriedade do poder público. Ou seja, o ilícito e a reação do Estado, quando lesado, devem ser perfeitamente proporcionais, sob pena de existir enriquecimento sem causa da Fazenda Pública. Em face disso, o presente trabalho traz à baila as peculiaridades do abuso do poder de polícia e suas consequências, uma vez que o Estado, através da sua administração, pode vir em diversas situações a cometer erros, injustiças, ilegalidades e imoralidades. 


1 Conceituação e acepções do Poder de Polícia 


O direito administrativo, no que tange aos direitos individuais, trata de temas que colocam em confronto dois aspectos contrapostos: a autoridade da Administração Pública, que condiciona o exercício dos direitos individuais ao bem estar coletivo, e a liberdade individual.
Os limites do poder de polícia podem ser encontrados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, devendo respeitar, sobretudo, os direitos fundamentais do indivíduo. Para tanto, pode-se afirmar que se a autoridade extrapolar o permitido em lei haverá a caracterização do abuso de poder, corrigível judicialmente. Assim, o ato de polícia, qualificado como ato administrativo, fica sujeito à invalidação pelo poder judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder.  Costumeiramente, a doutrina tem tratado o poder de polícia empregando a expressão em duas acepções distintas, quais sejam: 
a) Poder de polícia em sentido amplo: inclui qualquer limitação estatal à liberdade e propriedade privadas, englobando restrições legislativas e limitações administrativas. (...) b) poder de polícia em sentido estrito: mais usado pela doutrina, o conceito de poder de polícia em sentido estrito inclui somente as limitações administrativas à liberdade e propriedade privadas, deixando de fora as restrições impostas por dispositivos legais. Exemplos: vigilância sanitária e polícia de trânsito. Basicamente, a noção estrita do poder de polícia envolve atividades administrativas de FISCALIZAÇÃO e CONDICIONAMENTO da esfera privada de interesse, em favor da coletividade. (MAZZA, 2013, p. 291, grifos do autor). 
Com relação à conceituação do poder de polícia, este “representa uma atividade estatal restritiva dos interesses privados, limitando a liberdade e a propriedade individual em favor do interesse público” (Mazza, 2013, p. 290). Os conceitos de poder de polícia utilizados pelos doutrinadores, de certa forma, restringem-se às atuações administrativas limitadoras da liberdade e propriedade privada.    
Para Hely Lopes Meirelles “poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado” (2008, p. 133). Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro é “atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”. (DI PIETRO, 2008, p. 108). Acrescentando, Celso Antônio Bandeira de Mello entende que o poder de polícia consiste na: 
 atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“non facere”) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo. (BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 844).   
Já o conceito legal do Poder de Polícia vem disposto no artigo 78 do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:  
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966). Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. 
  Tal conceito é dado pelo Código Tributário Nacional, pois deste poder decorre o exercício de instituir taxa, o qual está previsto no artigo 145, inciso II, da Constituição Federal de 1988:  Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; (grifo)

A interpretação conjunta de ambos os dispositivos fornece base legal para toda a construção doutrinária sobre o assunto. Diante de tais conceitos, infere-se que o Poder de Polícia existe para que a Administração Pública possa, através de sua própria vontade,
restringir os direitos individuais no momento em que estes passem a colidir com direitos da sociedade ou mesmo do Estado.  Entretanto, é mister entender como esta prerrogativa é posta em prática, assim como os limites que são impostos a esta atividade da Administração Pública. Bandeira de Mello, em sua definição de Poder de Polícia, salienta que a forma que atua o Administrador é, em suma, restringindo direitos. Em suas palavras:    Tendo em vista encarecer a ideia de que através do poder de polícia pretende-se, em geral, evitar um dano, costuma-se caracterizá-lo como um poder negativo. (...) É negativo no sentido que através dele o Poder Público, de regra, não pretende uma atuação do particular, pretende uma abstenção. (2011, p. 836-837).   O mestre Hely Lopes Meireles, ao escrever sobre os meios de atuação da Administração, explicita que:    Atuando a polícia administrativa de maneira preferentemente preventiva, ela age através de ordens e proibições, mas, e sobretudo, por meio de normas limitadoras e sancionadoras da conduta daqueles que utilizam bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade, estabelecendo as denominadas limitações administrativas. Para tanto, o Poder Público edita leis e os órgãos executivos expedem regulamentos instruções... (2008, p. 141, grifos do autor). 
  Desse modo, o poder de polícia é entendido como a prerrogativa da Administração Pública em restringir direitos individuais em benefício da coletividade através da proibição de atividades dos particulares por meio de atos administrativos expedidos pelos Poderes Legislativo e Executivo. Ademais, para delimitação do poder de polícia, parte-se do estudo da Constituição Federal. Nas palavras de Hely Lopes: “Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da República (Art. 5º)”. (2011, p. 137). O Supremo Tribunal Federal já se posicionou acerca do mesmo assunto no julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 2.213, que tratava da análise da inconstitucionalidade de uma Medida Provisória que versava sobre Desapropriações, o Ministro Relator Celso de Mello afirmou em seu voto:   É preciso advertir, neste ponto, que o regime de governo e as liberdades das pessoas, muitas vezes, expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindose, lenta e progressivamente, pela ação usurpadora dos poderes estatais, impulsionados pela busca autoritária de maior domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e sobre os direitos e garantias do cidadão. 
  E segue adiante, confirmando o pensamento e impondo um limite claro nas atuações da Administração Pública na restrição de direitos:   Tenho sempre enfatizado, bem por isso, que uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica subalterna, que possa sujeitar-se à vontade discricionária e irresponsável dos governantes, nem representa simples estrutura formal de normatividade, nem pode caracterizar ou ser interpretada como um irrelevante acidente histórico na vida dos povos e das Nações (RTJ 146/707-708, Rel.Min. CELSO DE MELLO). A Constituição (...) reflete, ante a magnitude de seu significado político-jurídico, um documento solene revestido de importância essencial, sob cujo império protegem-se as liberdades, impede-se a opressão do poder e repudia-se o abuso governamental.   
Em face da doutrina citada, aliada ao estudo do pensamento do Ministro Celso de Mello, chega-se a parte final do conceito do Poder de Polícia, como sendo a prerrogativa da Administração Pública em restringir direitos individuais em benefício da coletividade, através da proibição ou restrição de atividades dos particulares por meio de atos administrativos expedidos pelos Poderes Legislativo e Executivo, porém com respeito aos direitos e garantias previstos pela Constituição Federal, de forma que não exista o abuso de poder. (Steinfeld, 2013). 


2 A aplicação abusiva do Poder de Polícia nos dias de hoje

 
Até aqui se vislumbrou o que é o Poder de Polícia, suas definições e acepções. Outrossim, para melhor entender a abusividade do Poder de Polícia, mostra-se necessário o estudo acerca da sua aplicação na prática, considerando para tanto o caso da pena de perdimento de bens.
 
2.1 A Pena de Perdimento     


A pena de perdimento surgiu com base no Decreto-Lei 1.455/76. A legislação da época traduzia claramente o governo que existia naquele momento de nossa história, a arbitrariedade extrapolava qualquer limite, principalmente quando observado sob a ótica da Constituição Federal de 1988. Ainda que a legislação tenha sido alterada após a edição da Carta Magna de 1988, o legislador não suprimiu a pena de perdimento, de forma que esta destoa completamente de toda a proposta constitucional vigente no país. (Steinfeld, 2013).
 O texto vigente dispõe sobre a aplicação de pena de perdimento nos casos em que ocorrer dano ao erário, o qual se verifica, entre outras hipóteses elencadas no artigo 233 do referido decreto, quando as mercadorias importadas sejam abandonadas pelo decurso do prazo de permanência em recinto alfandegário, em geral 90 dias, bem como na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.  A pena de perdimento de mercadorias vem prevista no artigo 23, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 1.455/76, prevendo que “o dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias”. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002) . Diante do dispositivo citado, infere-se, em uma primeira análise, que o perdimento de bens pode ser configurado sem que haja qualquer prova de ilegalidade, ou seja, apenas pelo decurso de um prazo.  Não é este o entendimento já demonstrado pelo Superior Tribunal de Justiça como se vê a seguir:   
 Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias: I - importadas, ao desamparo de guia de importação ou documento de efeito equivalente, quando a sua emissão estiver vedada ou suspensa na forma da legislação específica em vigor; II - importadas e que forem consideradas abandonadas pelo decurso do prazo de permanência em recintos alfandegados nas seguintes condições: a) 90 (noventa) dias após a descarga, sem que tenh sido iniciado o seu despacho; ou b) 60 (sessenta) dias da data da interrupção do despacho por ação ou omissão do importador ou seu representante; ou c) 60 (sessenta) dias da data da notificação a que se refere o artigo 56 do Decreto-Iei número 37, de 18 de novembro de 1966 , nos casos previstos no artigo 55 do mesmo Decreto-lei; ou d) 45 (quarenta e cinco) dias após esgotar-se o prazo fixado para permanência em entreposto aduaneiro ou recinto alfandegado situado na zona secundária. III - trazidas do exterior como bagagem, acompanhada ou desacompanhada e que permanecerem nos recintos alfandegados por prazo superior a 45 (quarenta e cinco) dias, sem que o passageiro inicie a promoção, do seu desembaraço; IV - enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas " a " e " b " do parágrafo único do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei número 37, de 18 de novembro de 1966. V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002) VI - (Vide Medida Provisória nº 320, 2006).  

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. MERCADORIA IMPORTADA. PRAZO PARA DESEMBARAÇO ADUANEIRO. ART. 23 DO DL Nº 1.455/76. PAGAMENTO DE DESPESAS. PERDIMENTO DE BENS POR ABANDONO.NÃO-CARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES. 3. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que:- “A jurisprudência desta eg. Segunda Turma firmou o entendimento de que se deve flexibilizar a pena de perdimento de bens, quando ausente o elemento danoso” (REsp nº 331548/PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 04/05/06); - “O Direito pretoriano enquadra-se na posição de flexibilizar a pena de perdimento, quando ausente o elemento danoso. Interpretação principiológica que se reporta à  razoabilidade” (REsp nº 512517/SC, Relª Minª Eliana Calmon, DJ de 19/09/05); - “Para que se decrete a pena de perdimento de bens, prevista no art. 23 do Decretolei 1.455/76, não basta que transcorram os 90 (dias) sem que tenha havido o desembaraço da mercadoria. É necessário que seja instaurado o processo administrativo-fiscal (art. 27 do Decreto 1.455/76) para que se verifique a intenção do agente de abandonar a mercadoria” (REsp nº 517790/CE, 2ª T., Rel. Minª Eliana Calmon, DJ de 12/09/05) 4. A pena de perdimento de bens, no caso previsto no art. 23 do DL nº 1.455/76, não se dá automaticamente, podendo ser elidida a presunção juris tantum de ter havido o abandono.  5. Não-caracterização de abandono em face do manifesto desejo, efetivamente comprovado, de desembaraçar as mercadorias em curto prazo, com os pagamentos devidos, afastando-se a imposição da declaração de sua perda. Somente é cabível a pena de perdimento, quando comprovada a vontade de abandonar a mercadoria. (STJ - AgRg no Ag 8849702/SP – Dje 28/07/2007 – Rel. Min. José Delgado). 
  O acórdão em destaque demonstra claramente o entendimento da Corte Superior de Justiça, em que a lei não deve ser interpretada de forma arbitrária e literal, sendo necessário o devido processo administrativo para auferir o elemento danoso ao erário ou o real abandono da mercadoria. Por outro lado, um freio eficiente para deter a arbitrariedade é o bom senso nos atos de polícia. Bom senso na verificação dos resultados de cada atitude. Bom senso na aplicação da coercibilidade. Deve-se manter a proporcionalidade entre a infração e o ato coercitivo, para não se extrapolar os limites estabelecidos. O poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público. A autoridade que fugir a esta regra incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as consequências nas esferas civil, penal e administrativa. O fundamento do poder de polícia é a predominância do interesse público sobre o particular, tornando-se escuso qualquer benefício em detrimento do interesse público. (Almeida Cunha, 2013). Sendo assim, o limite da discricionariedade do Poder de Polícia, no qual se funda a possibilidade de aplicação da pena de perdimento, é agir dentro dos limites da lei respeitando os direitos individuais e coletivos, sendo possível apenas a restrição de direitos em benefício do interesse público. (Steinfeld, 2013).  
 
TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. EQUIPAMENTOS HOSPITALARES. PENA DE PERDIMENTO. SANÇÃO INDEVIDA.  1. Inexistindo dano ao erário uma vez que a concessão da ordem consumou situação de difícil reversão, tendo o Juiz permitido ao impetrante o pagamento dos tributos, não se justifica a pena de perdimento de equipamentos essenciais para atividade hospitalar sob pena de, do ponto de vista do interesse público, afetar a prestação de serviços médicos à comunidade.  2. Apelo e remessa improvidos. TRF - PRIMEIRA REGIÃO Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 9501024911 (Processo: 9501024911 UF: DF Órgão Julgador: QUARTA TURMA Data da decisão: 29/3/2000 Documento: TRF10009741) 
Entretanto, o que se vê nas decisões administrativas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, não segue o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Como exemplo, pode-se citar a seguinte decisão:  
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. INDÍCIOS DE INTERPOSTA PESSOA EM OPERAÇÕES DE COMÉRCIO EXTERIOR. INTIMAÇÃO NÃO RESPONDIDA. PENA DE PERDIMENTO. A ausência de resposta à intimação realizada no curso do procedimento especial de fiscalização previsto na Instrução Normativa SRF nº 228, de 2002, culmina no encerramento sumário da ação fiscal sem a comprovação de origem, disponibilidade e transferência de recursos empregados em operações de comércio exterior, e, consequentemente, dá azo à aplicação da pena de perdimento de mercadorias ou a sua conversão em multa, dependendo do caso. (Processo nº 10314.002091/200712, 27 de novembro de 2012).
             
E ainda, nas razões do acórdão se vê a total contradição com a Lei Pátria, em que o julgador administrativo dispõe que existirá dano ao erário ainda que exista pagamento do tributo: 

 “O recolhimento dos tributos aduaneiros é fato irrelevante para a caracterização do dano ao erário de que trata o art. 23, inciso V, do Decreto-Lei nº 1.455, de 1976. Para tanto, basta que seja objetivamente verificada a ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação de comércio exterior, mediante fraude ou simulação”.

Percebe-se no exemplo mencionado a arbitrária atuação do julgador administrativo, o qual tem cunho técnico para apurar com a devida atenção os elementos fáticos para que se determine efetivamente o dano ao erário, conforme entendimento já demonstrado da corte superior nacional. Não obstante, em certos casos, há a substituição da pena de perdimento por multa, no valor de 100% da mercadoria, com base na Instrução Normativa nº 69/99, o que configura, claramente, afronta ao princípio da vedação ao confisco. 

Dessa forma, considerando toda a matéria exposta não resta dúvida que a pena de perdimento, ao menos, não é mais adequada à filosofia qual está fundada a nossa Constituição. (Steinfeld, 2013). Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade na fiscalização significa que lhe deferiu o encargo de adotar a providência mais adequada a cada qual. 
O poder administrativo concedido à autoridade pública tem limites certos. Não se trata de um “cheque em branco” para arbítrios ou violências. A intenção de “anular” uma pessoa jurídica não pode instrumentalizar ato eivado em abuso de poder. O abuso de poder pode ocorrer por desviar as finalidades administrativas em sua emanação. Destarte, os atos jurídicos, emanados pela autoridade, podem ter o vício de desvio de finalidade e o da impessoalidade quando prejudicar sobremaneira o administrado. Também ocorre ofensa ao princípio da moralidade administrativa, a qual, como o princípio da finalidade, tem o caráter objetivo. Logo, o plus, o excesso representa um agravo inútil aos direitos, através de penalidades desproporcionais, incongruentes e ilegítimas com a suposta “violação legal”. Nesse caso, o conteúdo do ato e a conduta da autoridade, por si só, é suficiente para caracterizar o ato como destoante da razoabilidade. Trata-se, na verdade, do dever de boa administração. (Lazaro Pinto, 2009).  
Logo, em face de todo o exposto, os atos da autoridade administrativa não podem extrapolar os limites, indo além do que está na lei, devendo, de regra, observar o princípio da proporcionalidade, agindo dentro dos limites de um poder de polícia legal e razoável. 

             
Conclusão 


A Administração Pública somente pode fazer o que a lei estipula, caracterizando o poder vinculado, ou poderá, em certas circunstâncias, atuar com o poder discricionário. Os atos que se classificam como vinculados têm seus contornos quase totalmente delineados pela lei, que deve fielmente ser observada pelo agente público, sob pena de nulidade do ato. Sendo a prática de tais atos um dever da Administração, a contrario sensu, constituem um direito dos administrados. Assim, a omissão do agente público na prática de tais atos ou a sua prática sem a fiel observância do enunciado da lei traria ofensa a direito do administrado que, no primeiro caso, poderia, através do Poder Judiciário, compelir a Administração à prática do ato, e, no segundo, a declarar a sua nulidade. Como a atuação da Administração Pública deve sujeitar-se aos parâmetros legais, a conduta abusiva não pode merecer aceitação no mundo jurídico, devendo ser corrigida na via administrativa ou judicial. A utilização do poder, logo, deve guardar conformidade com o que a lei dispuser.   
O uso anormal do poder é circunstância que torna ilegal, total ou parcialmente, o ato administrativo ou irregular a sua exceção. Há, assim, desvio de finalidade ou excesso de poder, conforme a ilegalidade seja total ou parcial do ato administrativo. Há abuso de poder quando a autoridade, embora competente, exceda os limites de sua atribuição legal ou se desvia de suas finalidades administrativas. Agindo com abuso de poder em seus atos, por qualquer de suas formas, o agente submete sua conduta à revisão, judicial ou administrativa. O abuso de poder não se compatibiliza com as regras da legalidade, de modo que, constatado o abuso, cabe repará-lo e anular os atos. Em conclusão, verificou-se que a autoridade sofre limitações também quanto ao objeto, ou meio de ação, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Dessa forma, tem-se então a aplicação do princípio de direito administrativo da proporcionalidade dos meios aos fins, significando que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger. A sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem estar social, só podendo reduzi-los quando estiverem em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais. 

  
Referências 


ALMEIDA CUNHA, Anne Clarissa Fernandes de. Poder de Polícia: Discricionariedade e limites. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id= 8930>. Acesso em 15/12/2013. 
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros Esditores Ltda, 2011.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
LAZARO PINTO, Rodrigo Alexandre. Lei autoriza perdimento de bens, mas não abusos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-fev-26/lei-autoriza-perdimento-bens-naoadmite-abusos?pagina=2>. Acesso em 17/12/2013. 
Legislação Tributária. LEI Nº 5.172, de 25 de outubro de 196. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 17 de dez de 2013. 
11   
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo:Saraiva, 2013.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros Esditores Ltda., 2008.
STEINFELD, Rafael. A aplicação abusiva do Poder de Polícia. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=12057 >. Acesso: em 10 de dez 2013. 
Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nº Agravo n.º 8849702/SP – Dje 28/07/2007 – Rel. Min. José Delgado. 
Tribunal Regional Federal, Primeira Região. Classe: Apelação em Mandado de Segurança – 9501024911. UF: DF Órgão Julgador: Quarta Turma, Data da decisão: 29/3/2000.

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