Outros artigos do mesmo autor
A impossibilidade da reversão da tutela antecipada no Processo Civil BrasileiroDireito Processual Civil
Outros artigos da mesma área
EM TEMPO DE CRISE, ENTENDA UM POUCO SOBRE EMPRÉSTIMO COM DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO
A responsabilidade civil nos dispositivos legais que tratam do tema
A Responsabilidade Civil por Dano Existencial O Desrespeito às Minorias Sexuais
Constestação - Afastamento do Dano Moral - Exercício Regular de um Direito - Registro de Ocorrência
Dano moral coletivo e seus aspectos controvertidos
Erro Médico: Responsabilidade Civil e Consequências
responsabilidade civil objetiva
Resumo:
Apresenta a responsabilidade civil do Estado que é obrigação da Administração Pública de indenizar os particulares pelos danos causados por seus agentes, abordando suas características, requisitos, previsão contratual, suas espécies e excludentes.
Texto enviado ao JurisWay em 31/05/2014.
Última edição/atualização em 13/06/2014.
Indique este texto a seus amigos
1- 1- INTRODUÇÃO
O presente trabalho destina-se a destrinchar as ocasiões em que o Estado tem o dever de indenizar o particular por atos praticados por seus agentes, na função deste, sendo estes atos comissivos ou omissivos. Visa também apontar as hipóteses que excluem essa obrigação do Estado e quem são as outras pessoas que podem ser responsabilizadas além do ente estatal.
Para facilitar o entendimento da Responsabilidade do Estado, vamos esclarecer alguns pontos sobre a responsabilidade civil privada e suas características.
A importância deste trabalho pode ser vislumbrada na facilidade com que o cidadão que sabe quais são e conhece os seus direitos pode ver reparado um dano que lhe foi causado pelo Estado e assim conseguir um ressarcimento aos seus prejuízos.
222- CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil consiste no dever jurídico sucessivo de reparação de algum dano causado a outrem através da violação de uma obrigação originária, e nasce exatamente no momento que ocorre essa violação. Sendo assim, conclui-se que a responsabilidade decorre de um ato ilícito.
Encontra-se amparada no Código Civil de 2002, junto do ato ilícito, em seu art. 186, que tem a seguinte redação:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Conjugado com o art. 927 do mesmo diploma legal, temos então a previsão da obrigação de indenizar quem sofreu o dano decorrente do ato ilícito.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Aqui trataremos da responsabilidade civil extracontratual, que pode ser definida como aquela proveniente da lesão a direito subjetivo em situações onde não existe uma relação jurídica pré-estabelecida.
Esse dano pode ocorrer no âmbito do patrimônio ou da moral do terceiro, e em ambos os casos, será igualmente indenizado, ressaltando-se que inclusive as pessoas jurídicas tem o direito de receber essa reparação em virtude de dano moral, conforme entendimento do STF.
2.1- RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA
A culpa está intrinsecamente ligada à ideia de responsabilidade, pois não há como se reprovar uma conduta a fim de reparar o dano por ela causado se essa conduta não for merecedora de certo juízo de reprovação. Por este motivo, a culpa é elemento fundamental para a responsabilidade civil subjetiva, também chamada Teoria da Culpa
Além da culpa, outros dois elementos são essenciais para a caracterização dessa espécie de responsabilidade: o nexo causal e o dano, que também são elementos da responsabilidade civil objetiva, e por esse motivo, serão estudados mais a frente.
2.2- RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
Essa espécie de responsabilidade não necessita da presença de culpa, ou seja, haverá a obrigação de reparar o dano quando restarem comprovadas a conduta, o nexo de causalidade e o próprio dano.
Encontra-se expressa no parágrafo único do at. 927 do Código Civil de 2002:
“Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
O mesmo diploma ainda elenca as hipóteses em a responsabilidade independe de culpa, a saber:
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.”
Essa é a espécie de responsabilidade que o Estado adota em relação aos cidadãos, e que vamos passar a estudar adiante.
34 3- EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Na época do Estado despótico, era adotado o principio da irresponsabilidade do Estado, isto porque, acreditava-se que o chefe de Estado era o guardião da legislação, logo não faria nada que a contrariasse.
Esta teoria amparava-se na ideia de que o Estado, por ser pessoa jurídica, não causava dano a ninguém. Quem o causava eram seus agentes, logo, que respondia pelos danos causados a terceiros eram esses agentes.
Numa segunda fase, adotou-se a teoria civilista, onde aplicava-se ao Estado as mesmas regras da responsabilidade civil privada, onde havia o dano, a conduta, o nexo de causalidade e a culpa, que recaia sobre o funcionário causador do dano.
Logo após, surgiu na França, a teoria da faute du service (falta de serviço), onde transferiu-se a responsabilidade do funcionário para o Estado, já que o dano teria ocorrido porque o serviço estatal não funcionou, funcionou mal ou atrasado.
Num momento posterior, surgiu o conceito da teoria do risco administrativo, que admitia a responsabilidade do Estado, não pela falta de serviço, ou por culpa do agente, mas pelo próprio risco que a atividade estatal envolvia.
Por derradeiro, houve ainda a teoria do risco integral, que é uma forma de se acentuar a teoria do risco administrativo, onde o Estado teria o dever de indenizar o particular até em casos onde o dano tivesse sido ocasionado por culpa exclusiva da vítima.
O Estado Brasileiro nunca passou pela fase da irresponsabilidade estatal, uma vez que já na Constituição de 1824 havia a previsão que os empregados públicos eram responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício da sua função, o que foi repetido no texto da Constituição de 1891. Já na Constituição de 1916, ficou clara a adoção da teoria civilista em seu art. 15.
Somente na Constituição de 1946 é que o Estado adotou a teoria da responsabilidade objetiva, que esta em vigência até hoje e atualmente está consolidada pelo art. 37, §6º da Constituição Federal de 1988, conforme veremos a seguir.
4- 4- A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A responsabilidade civil do Estado encontra-se amparada pela nossa Carta Magna, em seu art. 37, §6º, onde diz:
“§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Com base neste artigo, entendemos que agente é aquela pessoa que está a serviço do Estado, desempenhando as funções deste. E que pelos atos desse agente é que o Estado será responsabilizado. Pelo fato de haver a expressão “seus agentes”, resta clara a adoção da teoria do risco administrativo, e não a teoria do risco integral.
Vale lembrar, que na responsabilidade civil objetiva o dever de indenizar decorre tanto de atos tanto ilícitos como lícitos também, e de condutas comissivas (ação) ou omissivas (omissão) desde que estes causem um dano a terceiros.
O artigo supracitado revela um conceito amplo de agente do Estado, uma vez que até as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos serão responsabilizadas pelos danos causados a terceiros por seus agentes. Fica clara então, a diferença entre agente estatal e servidor estatal.
Doutrina e jurisprudência têm entendido que a responsabilidade objetiva do Estado só se efetiva em relação a condutas comissivas, onde há a ação do Estado. Quando se trata de condutas omissivas, a responsabilidade passa a ser subjetiva, necessitando assim, que o lesado comprove a culpa do Estado na ocorrência do dano.
5- 5- CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE ESTATAL
Já vimos que para configurar a responsabilidade civil é necessário que estejam presentes todos os seus pressupostos, sejam eles, dano, culpa do agente e nexo de causalidade. E que em se tratando de responsabilidade objetiva do Estado, a culpa não é pressuposto.
A obrigação do Estado de indenizar o particular lesado por algum agente seu será extinta no momento em que ocorrer uma das causas que excluem o nexo causal – força maior, caso fortuito, fato de terceiro e culpa exclusiva da vítima, que veremos melhor a seguir.
O parágrafo único do art. 393 do Código Civil de 2002 conceitua o caso fortuito e a força maior:
“Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Mas ocorre que não está pacificado o entendimento do conceito de caso fortuito e de força maior, sendo que vários autores conceituam um como uma coisa e outro como outra coisa, ao passo que outros autores fazem o contrário. Há ainda os autores que encaram as duas expressões como sinônimas.
Maria Helena Diniz afirma que a força maior é decorrente de um fato da natureza e sendo assim, é conhecido o motivo que deu origem ao fato danoso. Já no caso fortuito esse motivo é desconhecido.
Já Sérgio Cavalieri Filho entende que caso fortuito é um evento imprevisível e inevitável, já a força maior é inevitável, ainda que previsível, já que se refere a fato superior as forças do agente.
No tocante a culpa exclusiva da vítima, é certo que só tem o dever de indenizar o lesado, quem de fato concorreu para o acontecimento do evento danoso, sendo assim, entende-se que se a vitima deu causa ao evento, e o agente foi um simples instrumento para tanto, não há que se falar em responsabilidade civil, já que fica excluído o nexo causal.
Exatamente por se tratar da esfera do nexo causal, e não da culpa, o autor Sérgio Cavalieri Filho defende que se deve falar em fato exclusivo da vítima, e não culpa exclusiva.
O Código Civil de 2002 trata apenas na culpa concorrente, em seu art. 945, e fica omisso em relação ao fato exclusivo da vítima, sendo este disciplinado por construções doutrinárias e jurisprudenciais.
Para ilustrar o que foi dito, temos a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em julgamento da Apelação Cível nº 2005.001.21578:
“EMENTA: Responsabilidade Civil do Estado. A teoria do risco administrativo não se confunde com a do risco integral. Atropelamento, seguido de morte, de companheira e filhos menores, na Av. Brasil, por viatura policial durante a noite. Culpa exclusiva das vítimas, a afastar a incidência do art.37, 6° da CF, ao não se utilizarem de passarela, preferindo a travessia da referida artéria, de grande movimento de veículos e que permite alta velocidade. Confirmação, em apelação, da sentença que julgou o pedido improcedente. (2005.001.21578 - APELAÇÃO CÍVEL DES. HUMBERTO DE MENDONÇA MANES - Julgamento: 23/08/2005 - QUINTA CÂMARA CÍVEL.)”
Quando houver culpa concorrente da vítima, e não exclusiva, a responsabilidade do Estado será atenuada, e não extinta, sendo assim, em geral, nossos ilustríssimos magistrados tem entendido que a indenização devida pelo Estado, será reduzida, até pela metade, em virtude dessa atenuação. O art. 945 do Código Civil de 2002 assim determina:
“Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.”
Por ultimo, falamos em fato de terceiro, e para tanto conceituamos o terceiro como qualquer pessoa que além da vítima e do responsável, também concorreu para a ocorrência do fato danoso.
Para excluir a responsabilidade do agente, e transferi-la ao terceiro, é necessário que haja uma quebra do nexo de causalidade por este ultimo, ou seja, que realmente o ato praticado pelo terceiro elimine a relação de causalidade entre o evento danoso e o ato do agente.
Da mesma maneira que ocorre quando a vitima concorre para o evento danoso, se o terceiro concorrer com o agente, eles serão solidariamente responsáveis pela obrigação de indenizar, ficando a critério da vítima escolher quem vai ser acionado para pagamento dessa indenização. Assim dita o art. 942 do Código Civil de 2002:
“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.”
Para Carlos Roberto Gonçalves, o fato de terceiro se equipara ao caso fortuito, por ser imprevisível e inevitável e o agente ser somente um instrumento para a produção do evento, já que este fora causado unicamente pelo ato do terceiro.
6- 6- DIREITO DE REGRESSO
O parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal assegura o direito de regresso do Estado contra o agente causador do dano, criando duas relações jurídicas aí, a do Estado em face da vítima, onde surge o dever de indeniza-la, e a do Estado em face do agente que causou o dano, onde surge o direito de regresso.
Podemos conceituar o direito de regresso (termo utilizado na Constituição Federal) ou ação regressiva (termo utilizado no Código de Processo Civil) como a pretensão do Estado em buscar do agente responsável pelo dano a reparação ao erário do montante gasto na indenização ao particular. Para ilustrar este conceito, temos a decisão a seguir:
“A ação de "volta" ou de "retorno" contra aquele agente que praticou ato juridicamente imputável ao Estado, mas causador de dano a terceiro. Logo, trata-se de ação de ressarcimento, a pressupor, lógico, a recuperação de um desembolso. Donde a clara ilação de que não pode fazer uso de uma ação de regresso aquele que não fez a "viagem financeira de ida"; ou seja, em prol de quem não pagou a ninguém, mas, ao contrário, quer receber de alguém pela primeira vez. (STF, RE 327409/SP, REL. CARLOS AYRES BRITTO, DJU 08.09.2006, P.28)
Essa ação tem o claro caráter de sanção patrimonial, por atingir o patrimônio do agente que causou o dano ao particular, e tem a finalidade de reconstituir o erário pelas perdas sofridas em razão de uma indenização paga em virtude da responsabilidade do Estado. Essa finalidade fundamenta-se na mesma razão pela qual o Estado tem o dever de indenizar o particular pelo dano sofrido em virtude de ato praticado por seu agente.
O direito de regresso do Estado contra o agente causador do dano é efetivado através de medidas administrativas por meio de um acordo, onde este permite que aquele desconte de seus vencimentos o valor devido, ou por vias judiciais, caso este acordo não seja possível.
Embora haja essa previsão constitucional, pela prática se percebe que esta ação quase não é utilizada, alguns autores defendem que essa situação ocorra por conta dos baixos salários dos agentes, e consequentemente, a dificuldade em receber dele o valor que foi condenado. Outros afirmam que isso ocorre pela falta de legislação especifica sobre o tema.
Ressalta-se também que esta ação tem prazo prescricional, descrito no art. 37, §5º, com a seguinte redação:
“A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
7- CONCLUSÃO
Vimos neste trabalho a dificuldade em se conceituar e identificar a responsabilidade civil, e que sua finalidade é estabelecer o equilíbrio patrimonial da vítima do dano, imputando ao agente causados desse dano a obrigação de pagar uma indenização, a titulo de reparação por esse dano que lhe foi causado.
Pudemos também estudar as fases da responsabilidade Estatal e suas teorias, e identificar a espécie de responsabilidade que a legislação brasileira atual adota, a da responsabilidade objetiva, onde não há que se comprovar culpa, bastando que exista o dano e o nexo de causalidade e seus desdobramentos. Assim sendo, a legislação não obrigou o Estado a se responsabilizar por todos os atos praticados e em qualquer situação, já que optou por acolher a teoria do risco administrativo, e não a teoria do risco integral.
Passamos também pelas causas excludentes da responsabilidade do Estado, analisando cada uma das hipóteses e suas características, bem como o direito de regresso que o Estado tem em face do agente que causou o dano ao particular.
8- BIBLIOGRAFIA
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2012
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 22ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 7.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Responsabilidade civil, 5ª ed. Saraiva, 2010.
Código Civil de 2002
Constituição Federal de 1988