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A melancolia de uma data: O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE NA REFLEXÃO E NA VIDA DOS JUÍZES ATUAIS


Autoria:

Luiz Fernando Cabeda


LUIZ FERNANDO CABEDA: desembargador integrante do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, inativo, com estágio na Escola Nacional da Magistratura da França, Seção Internacional, e autor de "A Justiça Agoniza, Ensaio sobre a perda do vigor, da função e do sentido da justiça no Poder Judiciário" (1998) e de "A Resistência da Verdade Jurídica, Mitos e inflexões na aplicação do Direito" (2013).

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Resumo:

Pensadores como Max Weber nos ensinaram a entender o comportamento de grupos a partir de tipos ideais abstratos. Já os recursos da representação mostram que é preciso compor uma cena para que os personagens se movam e mostrem seu desempenho

Texto enviado ao JurisWay em 10/05/2014.



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Luiz Fernando Cabeda é desembargador do TRT da 12ª Região – SC, inativo. Estagiou na Escola Nacional da Magistratura da França, Seção Internacional. É autor dos livros “A justiça agoniza – Ensaio sobre a perda do vigor, da função e do sentido da justiça no Poder Judiciário” e “A resistência da verdade jurídica – Mitos e inflexões do Direito”.

Introdução       

 

          Uma dessas questões abrangentes, sobre as quais todos falam numa determinada época, se apresentou neste mês de abril de 2014. A imposição de um regime militar no Brasil, através de um golpe  (que foi oficialmente tratado como uma revolução por cerca de trinta anos), completou seu cinquentenário.

 

            Pessoas mais jovens, que não têm memória própria dos fatos, querem saber do que verdadeiramente se tratou, querem causas e testemunhos, buscam o que está mais profundo, além do que a historiografia refere. Os mais idosos, muitas vezes, se perdem na crônica dos acontecimentos, salientando cada detalhe das suas pequenas experiências pessoais, como se as causas determinantes de grandes decisões políticas não decorressem de compromissos complexos, envolvendo tendências e grupos poderosos, nacionais e internacionais, mas apenas do papel fortuito de cada um. Nos casos mais dramáticos, as testemunhas “lembram” mesmo do que não aconteceu, ou do que não teve as proporções agora imaginadas. Também os que pretendem tirar lições definitivas dos episódios de 1964 não raro erram por adotar uma conclusão moralista, do tipo que identifica interesses bons contra os maus, ou da que sai à procura de origens muito remotas de caráter conspiratório. Ao invés de encontrarem explicações na lógica que os próprios fatos históricos contêm, buscam motivos tanto esotéricos quanto peremptórios.

 

            Tudo isso precisa ser recomposto sob uma metodologia organizada, um pouco acima dos relatos biográficos, um pouco além das ideias preconcebidas.

 

            Um grupo numeroso de juízes da União debateu agora essas questões em um site de relacionamento profissional. Todos esses aspectos então vieram à tona.            

            Como os juízes podem enfrentar essa dispersão e entender melhor o seu papel coletivo na salvaguarda das instituições?

 

            Para tentar responder a isso, duas metodologias foram aqui empregadas. A primeira está fundada na teoria de Max Weber sobre os tipos ideais abstratos, cuja realidade e importância definidora não estão em uma existência individualizada, em torno de personalidades, mas na soma de caracteres agrupados. São eles que conduzem à possibilidade de formar uma tipologia social, cuja relevância é imensa, pois permite entender como procedem coletivamente aqueles que outro sociólogo, Alain Touraine, denominou atores sociais.

 

            A segunda metodologia nada tem a ver com a primeira. Sua busca foi todavia  necessária porque  deve-se  enfrentar o caráter de representação dos tipos. Na verdade, é preciso preparar um certo elemento cênico, como ao utilizar o alter ego, da maneira como o fez o professor Lon Fuller, que foi respeitado mestre da Harvard Law School, quando escreveu seu precioso opúsculo “O caso dos exploradores de cavernas”, empregando a simulação de um julgamento dificílimo. Só assim ele conseguiu inserir em seu texto uma variedade complexa de questões que um mero relato ou texto dissertativo não poderia conter.

 

            A par disso, há sempre o exemplo da arte que por excelência trata da representação: o teatro. Gil Vicente, no “Auto da barca do inferno” já satirizou  ao extremo os motivos para justificar o erro, quando ele já é inescusável, ou seja, quando é tarde demais. O tom farsesco na construção dos personagens foi adotado para nomear os juízes fictícios que respondem à indagação apresentada a seguir. Foi a forma encontrada para chegar logo à verdade.

 

            Se essa associação de métodos, aqui tentada, vai permitir que se construa uma expectativa mais precisa e mais exata a respeito do perfil que se espera dos juízes, agora e para o futuro, o leitor decidirá.

 

          Questão proposta

 

          Para exercer seu ofício, deve o juiz desenvolver uma visão compreensiva, mais aprofundada e abrangente dos acontecimentos da história, das relações sociais, econômicas, políticas e culturais - vencendo as perturbações que esse conhecimento amplo lhe trouxer -  como parte de seu compromisso de analisar a inteireza dos fatos e deles tirar conclusões reais, concretas, que possam ser integradas em uma ordem justificada, como conquista civilizadora?

 

        Respostas

 

            JOÃO DO CHÃO – Não, o juiz é uma pessoa comum. Quanto mais mergulhe no senso comum melhor apreciará o que acontece com pessoas comuns, que formam a imensa maioria. Essa ideia de que há um “ser” especial no juiz, uma personificação que mereça destaque, envolve uma concepção no fundo elitista e completamente artificial. O juiz deve ter suas raízes na realidade social em que vive, isto é, deve viver de acordo com a média dos comportamentos, como própria expressão dos critérios comezinhos que norteiam a democracia, particularmente o de que todos são iguais. Há juízes que se preocupam demasiado com a filosofia, a história, a política, mas o que se vê neles é uma ambição de elite, que a nada conduz, pois eles se afastam da massa do corpo judicante, ao invés de marcharem junto.

 

            O tema da imposição de um regime de militar há cinqüenta anos não tem porque suscitar entre os juízes o sentimento de melancolia. Não foram eles os protagonistas do episódio, foram os militares, de um lado, e os políticos populistas, de outro. Por não se entenderem sobre a condução das políticas públicas é que sobreveio o colapso das instituições democráticas. Se os juízes atrelassem sua consciência e seu trabalho a episódios como o de 1964, a própria jurisdição seria atraída para o mesmo torvelinho. Deve ser lembrado que os longos séculos da civilização romana testemunharam o desenvolvimento de seu direito, independente das mudanças de regime – reino, república e império - e dos muitos golpes que depuseram cônsules, ditadores e imperadores.

 

            A verdade mais singela, que não pode ser ignorada nos dias de hoje, é a de que o juiz é um prestador de serviços, por certo com algumas peculiaridades, mas que tem de responder a todas as demandas sob o enfoque de quem atende aos direitos do consumidor, afinal todos temos relações mútuas de consumo, e a prestação jurisdicional não foge a isso.

 

            Logo, o treinamento do juiz é meramente técnico; o que vai além não passa de abstrações, de erudição a mais das vezes vazia e que nada agrega à profissão. Como integra um corpo judicante, deve o juiz preocupar-se primordialmente com os interesses de sua profissão, seu preparo funcional, seus títulos e seu aperfeiçoamento. Quanto mais desfrutar de prestígio, o juiz será melhor aceito. Para isso deve integrar entidades, cursos, escolas, conselhos, academias e focar na produção de uma obra que o projete. Fora da atividade de julgar, interessa ao juiz viver como homem comum, voltado para encontros que fazem parte da sua vida social, ou esportiva, ou religiosa, ou amorosa, e se tem outros interesses isso é um diletantismo. É desse conjunto de situações que irá realizar seu propósito: ser feliz.

 

            MARIA DO CAMINHO – A resposta é sim. Ser juiz é se comprometer. Este compromisso é em parte voluntário, mas na parte menor, que diz respeito ao seu acesso ao cargo, às suas escolhas e aos seus propósitos. Isso já é muito, mas existe a outra parte que é maior: o papel judicante foi construído na história, tornou-se autônomo graças a lutas e conquistas dos povos e tem uma finalidade que está além – muito além – de considerações de ordem pessoal, da satisfação subjetiva.

 

            O juiz deve compreender mais do que o homem comum, deve saber distinguir o que é distinguível, entender a peculiaridade das várias situações, afastando o que é aleatório. Precisa identificar o que corresponde àquilo que os filósofos no curso do tempo estabeleceram como “o real” do que é especulativo. Embora alguns juízes possam ou queiram mergulhar no subjetivismo, para o encontro de satisfações só percebidas pela sua própria intimidade, ou estudar as múltiplas faces modernas da metafísica (cujo método, ao menos, também exige rigor), ou ainda passear pelo ocultismo, ou seguir fidelidades a seitas ou grupos de iniciação, isso pouco importa. Não se pode impedir ninguém de ter seus  devaneios particulares. Mas não há como servir a dois senhores. Quem aplica  regras que identifica como sendo as da justiça, nesse momento em que o faz, deve dispensar-se de liturgias, de inspiração especulativa e, não menos, do “argumento de autoridade”.

 

            A única autoridade está no ato de julgar, e para chegar a ele, para capacitar-se a praticá-lo, o juiz deve pôr-se acima do senso comum, buscar o entendimento do “grande mundo”, pela sua história, política, cultura, economia e ciência, para que possa conhecer o “pequeno mundo” da causa a ele apresentada. Julgar é proferir juízo crítico ou não é julgar.

 

            Ao contrário de outras indumentárias profissionais, a toga não veste; a toga despe. Para recuperar a trajetória de um juiz basta rastrear o seu trabalho judicante, suas teses, as posições que sustentou, e examinar o resultado com um enquadramento no que aconteceu de relevante em cada época, quando deu-se a sua produção. Juízes criativos ou medíocres; independentes ou vassalos; corajosos ou subservientes; atentos ou negligentes; donos de uma retórica vazia ou possuidores de uma linguagem reveladora: todos estão lá, à mostra, nos julgados que elaboraram (ou simplesmente assinaram), pois todos os atos de seu trabalho são públicos. Hoje, felizmente, o colaboracionismo com o golpe de 1964 e seus atos de força, o nepotismo e as informações sobre falcatruas, sonegadas durante demasiado tempo, não podem mais ser ocultados sob a toga, que se tornou “transparente”, isto é, revela o homem, não o esconde.

 

            “Sou humano, nada do que é humano me pode ser indiferente”, eis uma boa divisa que Terêncio nos legou. Machado de Assis, que muito gostava dela e a repetia em suas obras, sabia que nós não passamos incólumes pelos acontecimentos da história, e não há como deixar de participar deles. Talvez por isso, em contraponto, tenha construído personagens intemporais.

            O juiz será ou não será feliz empregando no seu ofício uma parte importante do tempo da sua existência; não depende só dele. Mas se produzir juízos críticos, independentes e autênticos, sintonizados com o “grande mundo” e muito além de suas idiossincrasias pessoais, será livre.

 

            RUBENS DAS NUVENS – A resposta correta é nem sim, nem não. Por que as coisas têm de ser apresentadas de um modo tão solene entre nós? Perguntas complexas, respostas peremptórias. Há algo mais simples diante dos nossos olhos, e não podemos deixar de ver: a vida tem seu curso, e muda constantemente.

 

            O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu: “como são tristes as coisas consideradas sem ênfase”. Mas nosso problema é exatamente o oposto: consideramos os fatos com ênfase demais.

 

            Quem não era vivo em 1964 não pode pensar o mesmo  que o atingido pelos dias dramáticos de então. Nem sentir o peso dos que sofreram nos momentos mais duros, nos chamados “anos de chumbo”.

Tudo, tudo mesmo, é questão de ponto de vista. Brigitte Bardot passava as férias com seu namorado em Búzios quando deu-se o golpe de 64. O que disse ela? Felizes os brasileiros, porque aqui se faz revolução sem tiros nem sangue...

 

            Num documentário precioso sobre a vida cotidiana na antiga União Soviética, uma idosa deu um depoimento chocante: ela tinha saudade da época em que Stalin estava no poder. Por quê? Porque então era jovem, bonita, acreditava no futuro e tinha uma vida por viver. Nada sabia sobre os Gulags.

            Quem tiver idade para lembrar do belo filme de David Lean, “Dr. Jivago”, da obra de Pasternak, há de recordar que ao fim, quando o velho dirigente político localiza a filha de Lara/Jivago e conta-lhe a  história de sua origem, que havia sido fabulosa, a jovem operária se mostra curiosa  mas, com um grande sorriso, logo desvia a atenção e se despede para encontrar o namorado, outro simples operário. Ou seja, repete a visão da velha saudosa do stalinismo, no documentário. Não saber é muitas vezes não ser atormentado.

 

            Por isso, viver é melhor do que lembrar. O que Gabriel García Márquez disse em contrário, em “Vivir para contarlo”, é bobagem. Não é à toa que, revolvendo tanto a memória, tenha sido acometido pelo mal de Alzheimer...

 

            Tudo isso quer dizer o quê?  Vamos dar curso à vida, levar o trabalho para frente, é apenas um trabalho (entre tantos outros possíveis), sem esquecer os prazeres e a realização pessoal. Tudo o mais é uma discussão infindável, uma troca áspera de posições, como num jogo que não termina nunca. E deixa mágoas.

 

            MANOELA DA TERRA – Ora, ora, meus amigos. Parece que vocês não moram no Brasil. Isto aqui sempre foi – e sempre será – uma imensa esbórnia. Dizem que D. João VI começou o desenvolvimento do país, criou museus, trouxe artistas, abriu os portos, em dez anos fundou as bases nacionais que hoje ainda existem. Ninguém fala que, ao sair, arrecadou todo o meio circulante em ouro e prata, além de roubar as reservas do Banco do Brasil, que faliu. Deixou-nos um regente voluntarioso que contraiu nossa primeira dívida externa. Assim, herdamos como forma de governar os caprichos do neto de D. Maria I, A Louca, que mandou matar Tiradentes, nosso herói nacional.

 

            Discutir se tivemos ditadura em Pindorama nos idos de 1964 é um contrassenso, pois a própria proclamação da República foi um golpe de Estado e já nasceu com a ditadura de Floriano, que também fechou o Congresso e, no entanto, é considerado o salvador do regime, o homem mais homenageado de norte a sul do país. Seus agentes até trucidaram pessoas honradas em Florianópolis, na Revolução de 1893, enquanto as desonradas fizeram homenagem ao seu nome, rebatizando a capital – o que perdura até hoje. Porém, isto está tão longe; nem os antepassados que eu conheci eram nascidos...

 

            1964 foi apenas mais um episódio em nossa vida truculenta que a tropicalidade nos impõe, assim como as tempestades de verão, felizmente junto com muitos prazeres, praias e água de côco.

 

            Não, não há razão para disputas figadais, nem para cisões de opinião que não levam a nada, a não ser à própria cizânia, como dizem os eruditos. Vejam o exemplo do cantor Roberto Carlos, o principal garoto-propaganda do regime militar. Continua adorado por uma legião de fãs e pelos seus amigos músicos, muito especialmente pelos que foram perseguidos naquela época. Há lógica nisso?  No Brasil, nunca houve consensos mínimos; nossa civilização tropical era coisa da cabeça de Darcy Ribeiro. A “alma brasileira” está ligada a delírios que deram inspiração para compositores como Villa Lobos e outros boêmios de músicas populares, os quais enalteceram nossa miscigenação e erotismo... embalados pela fantasia, sob o doce e  suave olor da melhor e proverbial cachaça. Aliás, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, pai do Chico, em “Raízes do Brasil”, atribui à confraternização em torno da pinga o melhor pagamento pelo esforço de produzir para a coletividade, nos idos da nossa formação cultural. Esse espírito de confraternização etílica está vivo.

 

            Não é porque trabalhamos com a ordem jurídica que vamos querer meter à força uma “ordem” na nossa cabeça. Respeitemos o irredutível caos. Nunca esqueçamos que a Constituição que mais durou entre nós foi aquela outorgada por Pedro I (1824), depois de fechar o Congresso com a cavalaria dos Dragões da Independência. Se abrirmos mão da simplicidade de ver estas coisas, estejam certos, abriremos mão da simplicidade de viver.

 

            JULIO DA CONSOLAÇÃO – Não é bem assim. O grande problema que se apresenta é o da perda de referências. A referência básica de um juiz é a ordem legal, é a postura sóbria perante os vários agentes sociais, a sua percepção de um papel a cumprir.

 

            Nem todas as autoridades do país têm essa mesma percepção do juiz e algumas se viram alvo de grandes controvérsias ou grandes crises exatamente por isso. 1964 mostrou essa face: Jango soçobrou porque deixou embarcar em seu governo gente irruptiva demais – digo assim para ser bastante educado com os vencidos.

 

            Se os políticos, os congressistas, os jornalistas, tivessem a mesma percepção que o juiz é obrigado a ter, o funcionamento institucional fluiria, e não discutiríamos o rompimento da ordem constitucional, mas sua criativa continuidade. Cada um tem seu papel. Os religiosos guardam a fé, os políticos as ações governamentais constantes, os julgadores a paz social. Os legisladores devem ser escolhidos pela sua vocação para elaborar leis justas. Eis o mundo que progride.

 

            Esta é a visão que nos interessa, a da continuidade. Questões relativas à ruptura institucional só embaraçam nosso enfoque. A “Civilização do Espetáculo”, como a chamou o escritor peruano Vargas Llosa, ou  “era das celebridades”, ou ainda  “pós-modernidade” (que ninguém ainda explicou bem o que seja, malgrado os esforços do simpático e tranqüilo velhinho Zigmunt Bauman ou do convulsivo Slavoj Zizek), não disse a que veio, mas – em todo caso – não abalou o papel permanente, duradouro e imprescindível dos juízes, que atravessam democracias e tiranias com a mesma tranquilidade d’alma em sua missão.

            Não queiram ver conformismo nisso, de nenhum modo, mas conformidade. O mundo é como ele é,  já dizia Kant (ou se não foi Kant, foi um Zé Ninguém, mas com grande senso ontológico...).

 

            Temos o nosso caminho, e isso já é muito. Serve para confortar nossas vidas.

 

            CÂNDIDO DO BEM – Amigos, todas as respostas dadas estão certas. Nada pode ser dito melhor do já o foi. Só não faço uma síntese integrada dos comentários antecedentes porque todos também carecem de um enfoque essencial, que foi omitido. As opiniões versam de algum modo sobre o “ser” do juiz. Mas o que é esse “ser”? É aquilo que antes “pretendeu ser”. Logo, o juiz é o que ele próprio pretende ser dentro da sua carreira. Não há juiz formado apenas na consciência, sem carreira. Diria alguém bastante versado em filosofia, não há juiz sem intencionalidade de ser exatamente um juiz.

 

            Eis aí o verdadeiro foco. Os regimes vão e vêm, ditaduras, tiranias, impérios e democracias variadas; os juízes ficam – não porque desfrutem da tranquilidade de alma, como disse um colega - mas exatamente porque têm uma carreira dentro do Estado, e deles nenhum regime pode prescindir. Em síntese, onde há Estado, há juiz.

 

            Na Roma antiga havia juízes que aplicavam o jus civilis ou o jus gentium, o que equilibrava a diversidade do Império. Juízes constam como tais nas Escrituras de três mil anos, havendo na Bíblia um livro referente a eles. O desequilíbrio só veio com a barbárie que levou à Idade Média, mas progressivamente a Igreja e o absolutismo recuperaram a ideia de jurisdição. É verdade que nesse meio tempo muitos, muitos mesmo, morreram na fogueira, mas isso fez parte do processo e foi há demasiado tempo...

 

            Abusos existiram em todas as épocas. Há registro histórico de um juiz alemão que condenou e executou mais de oito mil pessoas. Ainda não havia surgido a expressão serial killer, mas quando a situação ficava muito ruim aparecia um Beccaria para corrigir.

 

            Logo, por que a melancolia ao lembrar o cinquentenário do 1º de abril de 1964 no Brasil? Foram apenas vinte e um anos de luta para reencontrar uma ordem legal. Debaixo de intempérie, é verdade. Mas o que são vinte e um anos para a história? Em termos comparativos de baixas, nós ainda ficamos numa situação mais favorável do que a ditadura na Argentina. Se seguirmos nesse raciocínio com rigor e fizermos as contas, saímos ganhando...

 

            Bem lembrou um colega a atitude dos que trocaram o nome da capital para Florianópolis para aplacar a ira do ditador de então. Mas se a Revolução de 1893 tivesse vencido, depondo Floriano, não teria sido muito pior para nossa República incipiente?  Sempre há e haverá um lado pior hipotético para ser considerado e servir à convocação desse nosso inseparável fantasma, o medo.

 

            Temos é que cuidar da nossa carreira, pois já vimos que ditadores ou democratas precisam de nós. Durante o regime militar muitos juízes promoveram ou participaram em nome do Judiciário de comemorações da “Redentora” (alguns receberam comendas, colocaram botons. Há fotos, documentos e filmagens mostrando isso), pois essa subserviência fazia parte do jogo de então. Que fazer? Procedendo assim, salvaram suas carreiras, muitas delas altamente exitosas depois. Portanto, vamos à luta por vantagens e maiores ganhos de todo tipo. Claro, sempre dentro da legalidade. Ganhar é vencer.

 

            É verdade que a minoria dos juízes que resistiu (e muitas vezes se sacrificou) é pouco lembrada. Parece que a ampla maioria que aderiu ao golpe fica constrangida de recuperar essa memória. Deixemo-la esquecer, diria Ruy Barbosa do alto de seu pináculo verboso. Ele próprio deu o exemplo quando apagou as marcas da escravidão, queimando os arquivos do Ministério da Fazenda.

 

            Há pouco, um presidente do TST se vangloriou de ter sido engraxate e lavador de carros; outra ministra disse que foi empregada doméstica. Se um jornalista satírico, como o Barão de Itararé, estivesse por perto, perguntaria: “E em qual dessas profissões você foi melhor?”. Mas, é claro, não foi por isso que chegaram lá. Tornaram-se ministros porque focaram numa carreira, e não mediram esforços, praticando todo o tráfico de influência possível para alcançar o topo. Muitos pensarão que esta última observação é maliciosa e corresponde a “vender a alma ao Diabo”, pois foi assim que fizeram os últimos ministros nomeados para o Supremo, que lá chegaram com seus votos já “carimbados”, para absolver a quadrilha do “mensalão” do crime de... quadrilha! Ora, meus colegas, se o Diabo habita este mundo desde a criação, segundo os livros sagrados, alguém tem de negociar com ele. E quem melhor para fazê-lo do que um juiz, que bem entende de normas e regras, estando prevenido de todas as “manhas” do processo?

 

            Por isso recomendo: faça sua própria síntese de todas estas respostas, por mais ambígua que ela resulte, afinal vivemos no país das mesclas, da miscigenação e do sincretismo, mas não esqueça da carreira!

 

            Até pode acontecer de você assim não tornar-se livre nem feliz  -  quem pode tudo? - mas certamente será exitoso.

 

Elaborado em abril de 2014

                                                                                                                                            

 

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