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A constitucionalidade do reconhecimento do vínculo de emprego pelo Auditor Fiscal do Trabalho


Autoria:

Sandra Brito


Auditora Fiscal do Trabalho Mestre em Direito pela Universidade Mackenzie, Especialista em Direito do Trabalho

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Resumo:

O PRESENTE ESTUDO VISA DEMONSTRAR A RELEVÂNCIA E A CONSTITUCIONALIDADE DO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO PELO AUDITOR FISCAL DO TRABALHO, PARA SALVAGUARDA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, FUNDAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Texto enviado ao JurisWay em 30/04/2009.



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Inicialmente, devemos frisar que é indubitavelmente da competência do Auditor Fiscal do Trabalho o reconhecimento do vínculo de emprego, posto que o artigo  8º da CLT c/c art. 114, VII da CF, vigente, investem a Fiscalização do Trabalho da prerrogativa de inspecionar a regularidade das relações de trabalho constituídas.

 

Destacamos que essa possibilidade de reconhecimento, assegura o alicerce maior de nosso Estado Democrático de Direito, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana, segundo o texto constitucional a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil. Conclui-se, então, que o Estado existe em função de todas as pessoas, e não estas em função do Estado. Aliás, de forma pioneira, o legislador constituinte, para reforçar a idéia anterior, colocou o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado.

      

Entende-se por dignidade da pessoa a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o torna merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que protejam a pessoa contra todo e qualquer ato degradante e desumano, garantindo as condições mínimas para uma vida saudável, propiciando e promovendo a sua participação social de forma ativa e responsável. [1]

 

Assim, toda e qualquer ação do Estado deve ser avaliada, sob pena de ser inconstitucional e violar a dignidade humana, considerando cada pessoa paradigma da ação do Poder Público e um dos elementos imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro.

 

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, trazendo a concepção de respeito pelas pessoas que constituem uma sociedade. [2]

 

Logo, a dignidade da pessoa humana, em breves linhas, deve ser vista como o direito individual protetivo (em relação ao próprio Estado ou à pessoa individualmente considerada) e como dever de receber tratamento igualitário, o que justifica um tratamento diferenciado, visando à igualdade.

 

Nesse diapasão afirmamos, com toda a segurança, que os princípios consagrados e expressos na Constituição somente tomam força e se coadunam harmoniosamente se alinhavados sob a ótica da dignidade humana.

 

Como se vê, a dignidade humana, além de ser o fundamento do Estado Democrático de Direito, orienta o operador do Direito nos diversos ramos das ciências jurídicas, visando cumprir um papel transformador, mormente pela busca de uma sociedade justa.

 

A dignidade perfaz o conteúdo mínimo dos direitos humanos fundamentais. Assim, ela é o núcleo fundamental de todos os direitos. Isto significa que seu sacrifício importa na violação ao valor essencial da pessoa humana.

 

Temos para nós que o reconhecimento do vínculo de emprego pelo Auditor Fiscal do Trabalho, assegurando sua proteção trabalhista e previdenciária, concede ao trabalhador a segurança de que o mínimo existencial disciplinado pelo artigo 7º da Constituição Federal, para que sobreviva com dignidade lhe será garantido, não há como conceber que o agente público incumbido de fiscalizar as relações do trabalho constate uma violação aos direitos laborais e não possa proceder a devida autuação como garantia de um patamar mínimo civilizatório aos trabalhadores.

 

Deve-se ter em mente que se procura implementar a efetiva valorização da dignidade humana, o respeito à justiça distributiva para o alcance de uma sociedade, efetivamente, livre, justa e solidária. [7]

 Cumpre colacionarmos sobre  o tema, alguns  Enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho em  23/11/2007:

 
56. AUDITOR FISCAL DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE.
Os auditores do trabalho têm por missão funcional a análise dos fatos apurados em diligências de fiscalização, o que não pode excluir o reconhecimento fático da relação de emprego, garantindo-se ao empregador o acesso às vias judicial e/ou administrativa, para fins de reversão da autuação ou multa imposta.


57. FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E DOS CONTRATOS CIVIS. 
Constatando a ocorrência de contratos civis com o objetivo de afastar ou impedir a aplicação da legislação trabalhista, o auditor-fiscal do trabalho desconsidera o pacto nulo e reconhece a relação de emprego. Nesse caso, o auditor-fiscal não declara, com definitividade, a existência da relação, mas sim constata e aponta a irregularidade administrativa, tendo como conseqüência a autuação e posterior multa à empresa infringente.

 

Salientamos que o Direito do Trabalho visa à realização de um único valor: a justiça social,[3] para preservação da dignidade humana servindo assim, como um dos principais instrumentos de combate à pobreza, de eliminação das diferenças sociais[4] e de redução e prevenção da violência social que nos assola. Dessa forma, toda vez que o Direito do Trabalho é lesado, essa lesão alcança a sociedade toda de modo, talvez, um tanto silencioso e lento, mas constante e contundentemente.

Aliás, frise-se que a fiscalização do trabalho visa evitar a questão da mais valia e da subvalorização do trabalho humano, que além de prejudicarem a sociedade no geral, são as questões centrais do próprio Direito do Trabalho e de seu caráter protetor, valores estes que ponderados no campo constitucional visam à própria dignidade humana, não podendo ser subjugados a qualquer pretexto. Se todos os seres humanos pudessem com a mesma capacidade e possibilidades materiais e intelectuais sentarem à mesa de negociação e chegar a um acordo justo para ambos, não haveria a necessidade de regulação protetora. Não obstante, no momento em que os meios de produção começam a se acumular nas mãos do capitalista e aqueles artesãos empobrecidos e tolhidos de suas ferramentas começam a aportar nas fábricas apenas com suas mãos e força corporal e intelectual para vender é que nasce o contrato de trabalho subordinado. Antes disso, e esse momento é típico da primeira revolução industrial, os contratos típicos se constituíam em contratos de parceria, pois tanto os artesãos como os insipientes industriais possuíam meios de produção, podendo contratar de igual para igual.[5] Assim, a justificativa máxima e filosófica do Direito do Trabalho é a dignidade humana e os direitos fundamentais dos trabalhadores enquanto seres humanos. Não é por outro motivo que a Declaração de Filadélfia que faz parte integrante da Constituição da Organização Internacional do Trabalho – OIT, da qual o Brasil é membro fundador, diz expressamente que o trabalho não é mercadoria.[6] Não pode ser negociado por ninguém a não ser diretamente pelo próprio detentor dele, o próprio trabalhador, segundo regras próprias emanadas do Estado ou advindas da autonomia coletiva da vontade dos grupos sociais, e, ainda assim, naquilo que não trouxer prejuízos para o trabalhador.    

Assim, não há como subtrair ao Poder Executivo o seu poder-dever fiscalizatório para a manutenção de paz e justiça sociais. Os Poderes da Federação formam uma malha de proteção para a existência de uma sociedade livre, justa e solidária em conformidade com os mandamentos constitucionais que norteiam o Estado Democrático de Direito de que fazemos parte.

Nesse passo, frisamos o entendimento sedimentado pelo Enunciado 1,  aprovado na 1ª Jornada de Direito Matéria e Processual na Justiça do Trabalho em 23.11.2007:

 

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO. Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de maneira a preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar as relações sociais e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do direito fundamental. No Direito do Trabalho, deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana.

   

Note que dentre os direitos fundamentais reconhecidos aos trabalhadores, o acesso ao mercado formal de trabalho tem valor existencial de enorme relevância, já que só por meio do trabalho é possível prover a si e a sua família.

 

Frise-se que os direitos humanos são fundamentais a todas as pessoas, e a inserção no mercado formal de trabalho faz com que as pessoas vivam mais e melhor.[8]

 

No que se refere à competência da Inspeção do Trabalho para o reconhecimento do vínculo de emprego, devemos ter claro que o Auditor Fiscal não é Magistrado, pois não julga lides e não diz o direito de forma definitiva. A função do AFT é verificar se o empregador está cumprindo a legislação trabalhista.  Caso não esteja, configura-se violação aos dispositivos de proteção ao trabalho e, por isso, ele deverá ser punido. Isso não tem qualquer relação com a competência do Poder Judiciário, que é resolver dissídios individuais ou coletivos (lides), dizendo o direito de forma definitiva. Daí a palavra jurisdição (dizer o direito).

 

Todo operador do direito deve interpretar a norma jurídica. Cabe ao Poder Judiciário resolver lides e dizer o direito de forma definitiva e, para o seu exercício, o Magistrado, igualmente, deve interpretar a lei e aplicá-la ao caso concreto, segundo seu prudente critério. No entanto, o Executivo, para implementar a lei, fiscalizar seu cumprimento etc., também deve interpretá-la e, principalmente no caso da fiscalização, aplicá-la a um caso concreto – não para resolver lides (dissídios), mas para punir infratores. Não há como dizer se um empregador está descumprindo preceito de lei sem, antes, interpretá-la frente a um caso concreto.

 

No direito do trabalho vigoram o princípio da primazia da realidade e a regra de que os atos praticados para impedir a aplicação das normas de proteção ao trabalho são nulos de pleno direito. Tal regra está cristalina no art. 9º da CLT. O exame de cada situação fática, preventivamente, cabe ao Agente da Inspeção (art. 628 da CLT).

 

Com efeito, a Constituição Federal da República, em seu artigo 21, preceitua:

 

CF. Art. 21 – Compete à União ...

XXIV – organizar, manter e executar a inspeção do trabalho.

 

A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo decreto-lei 5.452, de 1.º de maio de 1943, no artigo 626, afirma:

CLT. Art. 626 Incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, ...a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho.

 

Por outro lado, a Convenção 81 da OIT, concernente à Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio, aprovada pelo decreto legislativo 24, de 29 de maio de 1956, e revigorada através do decreto 95.461, de 11/12/87. (DOU de 14/12/87), estatui:

 

C. nº 81, da OIT. Art. 3.o

1. O sistema de inspeção de trabalho será encarregado:

a.de assegurar a aplicação das disposições legais relativas às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício de sua profissão, tais como as disposições relativas à duração do trabalho, aos salários, à segurança, à higiene e ao bem-estar, ao emprego das crianças e dos adolescentes e a outras matérias conexas, na medida em que os inspetores são encarregados de assegurar a aplicação das ditas disposições.

 

Por fim, a lei 7.855, de 24 de outubro de 1989, é taxativa ao dispor:

 

Art. 7.º Fica instituído o Programa de Desenvolvimento do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, destinado a promover e desenvolver as atividades de inspeção das normas de proteção, segurança e medicina do trabalho.

§ 1.º O Ministro de Estado do Trabalho estabelecerá os princípios norteadores do Programa que terá como objetivo principal assegurar o reconhecimento do vínculo empregatício do trabalhador e os direitos dele decorrentes ...

 

Vale, ainda, mencionar que o artigo 8.º da CLT c/c art. 114, VII da CF,  investe a Inspeção do Trabalho da prerrogativa de fiscalizar a regularidade das relações de trabalho constituídas.

Logo, a alteração do artigo 114 da Constituição Federal, reconhece à Inspeção do Trabalho a fiscalização de toda e qualquer relação trabalhista:

 

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:  (Redação dada pela Emenda Constitucional  45, de 2004)

(...)

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional  45, de 2004) ... (grifo nosso)

 

Por sua vez, o artigo 8.º da CLT dispõe:

 

Art. 8.º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. (grifamos)

 

Desta forma, com clareza solar apresenta-se a competência da Inspeção do Trabalho para o reconhecimento da relação emprego, pois cabe preventivamente a ela assegurar a aplicação da legislação trabalhista sempre que se vislumbrar relações de trabalho, nos termos do artigo 114, VII da Constituição Federal. Nesse sentido, os ensinamentos de Valentin Carrion: [9] 

 

“A fiscalização do trabalho visa, administrativamente, o cumprimento da legislação laboral, paralelamente à atuação judiciária, que ao compor os litígios é como a mão comprida do legislador. Os direitos do trabalhador estão protegidos em dois níveis distintos: a inspeção ou fiscalização do trabalho, de natureza administrativa, e a proteção judicial, através dos tribunais da Justiça do Trabalho.”

 

Assim, a Inspeção do Trabalho, por sua característica marcadamente preventiva, tem como atribuição principal justamente acautelar, através do exercício do poder de polícia, discriminações trabalhistas, principalmente ao se deparar com situações em que empresas, injustificadamente, deixam de cumprir sua função social, abandonando seus trabalhadores na informalidade, totalmente desprotegidas no tocante à legislação trabalhista e previdenciária.

 

Lembrando sempre o mandamento constitucional, petreamente erigido, de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito[10], e a competência da Justiça Especializa para as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.[11]

 

Salientamos que a Inspeção do Trabalho, ao fiscalizar as relações de trabalho, não está conciliando, nem julgando. Ainda que, o agente da Inspeção interprete a lei e a confronte com o caso concreto – o que necessariamente deve ocorrer em qualquer atividade fiscal –  para impor autuações, suas conclusões não são julgamentos, pois as autuações não produzem coisa julgada, nem fazem lei entre empregados e empregadores.

 

Cabe à Justiça Especializada a competência exclusiva para julgar e conciliar ações entre empregados e empregadores. Contudo, este fato não afasta a atuação da Inspeção do Trabalho, que tem caráter meramente administrativo, com funções preventiva e punitiva, enquanto a função da justiça é eminentemente reparadora. As duas competências coexistem, mesmo porque são de naturezas completamente distintas e não excludentes. A função da Inspeção do Trabalho, assim, como a de todo o sistema justrabalhista, é tentar evitar prejuízos ao trabalhador, cuja proteção é nosso objetivo maior, para o resguardo de sua dignidade e cidadania.

 

A possibilidade dos próprios agentes da Inspeção do Trabalho reconhecerem a nulidade de contratos de prestação de serviços, ou contratos afins, assenta-se num princípio basilar do direito do trabalho e em norma expressa da CLT, qual seja, primazia da realidade, segundo o qual os fatos sobrepujam os documentos.

 

 Assim, de nada vale o contrato de prestação de serviços ou terceirização, se, no local da inspeção, é possível verificar os elementos da relação de emprego e a inexistência dos requisitos legais das contratações.

 

O dispositivo legal é o artigo 9.º da CLT, que estabelece:

 

CLT. Art. 9.º Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

 

Portanto, os contratos formalizados com o intuito de desvirtuar, impedir ou fraudar a legislação trabalhista são absolutamente nulos e não geram qualquer efeito que possa ser observado pelo Agente da Inspeção do Trabalho, que não pode atribuir-lhe validade ou admitir que gere efeitos, sob pena de infringência ao artigo 628 da CLT.

 

O que se pretende é que a todo o trabalhador, que preencha os requisitos da relação de emprego, seja garantido o manto da lei, quer seja proteção de natureza trabalhista, previdenciária, especialmente, acidente de trabalho, de normas de segurança e saúde e outras pertinentes.

   

Insta salientarmos que a jurisprudência vem ao encontro dos posicionamentos acima adotados, como se observa da seguinte ementa:

 

FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO – POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO QUANDO CONSTATADOS OS ELEMENTOS FÁTICOS.

O art. 628 da CLT, inserto no Capítulo intitulado ‘Da Fiscalização, Da Autuação e Da Imposição de Multas’, é de clareza solar ao dispor que ‘a toda verificação em que o Auditor Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração.’ Soma-se a isto o disposto no art. 9º da CLT, localizado na Introdução da Consolidação (portanto verdadeira norma geral de Direito do Trabalho), prevendo a nulidade de pleno direito dos atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos seus preceitos. Ora, a nulidade ‘pleno jure’ é exatamente aquela que se opera de imediato, sem qualquer necessidade de pronunciamento prévio do Judiciário, que, quando analisar eventual demanda respectiva, proferirá decisão declaratória, nunca constituindo a partir daí a existência ou não de vínculo de emprego (do contrário não se poderia cogitar de efeitos retroativos, inclusive com anotação da CTPS e determinação de recolhimentos previdenciários). Portanto, chega-se à conclusão de que a previsão do art. 39/CLT é exclusivamente destinada à hipótese em que o próprio empregado apresentou reclamação ao Ministério do Trabalho (nos termos do art. 36/CLT) e, caso o empregador alegue inexistência de relação de emprego, o processo será remetido à Justiça do Trabalho, seguindo como um dissídio individual comum, tendo como reclamante o empregado. Na hipótese de o fiscal do trabalho, por dever de ofício, comparecer ao local de trabalho e verificar a existência de relação de emprego, não se poderia cogitar de envio do processo administrativo à Justiça do Trabalho, pois que ausente estaria o seu autor, elemento sem o qual a ação é inexistente. Nem se pode imaginar, ainda, que o fiscal do trabalho teria legitimidade anômala, verdadeira substituição processual, sem qualquer autorização em lei para tanto, para pleitear em Juízo direito alheio eminentemente individual. A jurisprudência reconhece até mesmo ao fiscal do INSS tal prerrogativa, razão pela qual retirá-la do fiscal do trabalho seria um contra-senso, reduzindo demasiadamente o seu campo de atuação, afastando-se do escopo principal do instituto da fiscalização trabalhista que é justamente fazer cumprir as normas de proteção ao trabalho”. (TRT 3ª Região, 3ª Turma, RO 00465-2005-047-03-00-0, Rel. Juíza Maria Cristina Diniz Caixeta, DJMG 17.9.2005). (Grifamos)

 

Ao Auditor-Fiscal do Trabalho cabe o poder-dever de fiscalizar o fiel cumprimento das normas de proteção do trabalho, na forma estabelecida no art. 626 da CLT, na constatação de infração a tais normas deve proceder a autuação em consonância com o artigo 628 do mesmo diploma legal.

 

Como observa, com habitual proficiência, Gustavo Felipe Barbosa Garcia, a previsão do art. 39, caput, da CLT não altera a competência dos Auditores Fiscais do Trabalho, pois incide apenas nas hipóteses em que o próprio empregado apresenta “reclamação por falta ou recusa de anotação da CTPS” ao Ministério do Trabalho e Emprego. Apenas nesse caso peculiar, de “reclamação” administrativa oferecida pelo próprio empregado, perante a Delegacia Regional do Trabalho ou órgão autorizado (conforme previsão do art. 36 da CLT), é que se o empregador alegar a inexistência de relação de emprego, “será o processo encaminhado à Justiça do Trabalho”, passando a seguir como ação trabalhista.[12]

 

Certamente, o direito do trabalho foi uma das mais importantes grandes conquistas históricas, pois rompeu com a igualdade formal, tomou partido em favor da classe trabalhadora, e, ergueu-se como forma de resistência, de limitação do poder econômico, para, justamente, preservar a dignidade do trabalho humano. Portanto, a atuação da Inspeção do Trabalho e de toda a malha de proteção trabalhista, Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho, para a sua preservação, legitima o valor social do trabalho que constitui postulado básico da dignidade do ser humano e corolário da própria cidadania (art. 1.º , II, III e IV da CF).

 

Por derradeiro, como exaustivamente demonstrado, resta, absolutamente, constitucional o reconhecimento pelos Auditores Fiscais do trabalho das relações de emprego constatadas em decorrência de diligências fiscais, mesmo que o empregador conteste sua existência, restando, ainda, ao mesmo ventilar a controvérsia pelas vias administrativas e judiciais.

 



[1] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 62.

[2] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2003, p. 128.

[3] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989. P. 36.

[4] MAGANO, Octavio Bueno. In: SHIEBER, Benjamin M. prefácio da obra Iniciação ao direito trabalhista norte-americano. São Paulo: LTr, 1988. P. 5.

[5] MERINO, José Maria. A proteção trabalhista do Estado e a inspeção do trabalho. Brasília: Sindicato Nacional dos Agentes da Inspeção do Trabalho, 1ª edição, 1998.

[6] Declaração de Filadélfia

Declaração relativa aos fins e objectivos da Organização Internacional do Trabalho

Constituição

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida em Filadélfia na sua vigésima sexta sessão, adopta, neste décimo dia de Maio de 1944, a presente Declaração dos fins e objectivos da Organização Internacional do Trabalho, bem como dos princípios nos quais se deveria inspirar a política dos seus Membros.

A Conferência afirma novamente os princípios fundamentais sobre os quais se funda a Organização, isto é:

a) o trabalho não é uma mercadoria;

b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável para um progresso constante;

c) a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos;

d) a luta contra a necessidade deve ser conduzida com uma energia inesgotável por cada nação e através de um esforço internacional contínuo e organizado pelo qual os representantes dos trabalhadores e dos empregadores, colaborando em pé de igualdade com os Governos, participem em discussões livres e em decisões de carácter democrático tendo em vista promover o bem comum.

In Organização Internacional do Trabalho. Constituição da Organização Internacional do Trabalho. trad. Margarida Robert. Lisboa : MQE. CICT, 1996. P. 99

[7] RAMOS, Carmem Lúcia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In: FACHIN, Luiz Edson (coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo.  Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, n. 8, jun./2006, p. 5.

[8] SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. Secretaria Nacional dos Direitos Humanos. Disponível em www.mj.gov.br/sedh/documentos/RG2002.pdf. Acesso em junho de 2006.

[9] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 466.

[10] CF, artigo 5º , XXXV.

[11] CF, artigo 114, VII.

[12]   Relação de Emprego Controvertida e Limites de Atuação da Fiscalização do Trabalho em face da Jurisdição, texto cedido pelo autor.

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