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A EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO DESTINADO AOS PORTUGUESES NO BRASIL: DO TRATADO DE AMIZADE E ALIANÇA DE 1825 AO INSTITUTO DA QUASE NACIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988


Autoria:

Isis Veloso


Estudante do 10º período do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros.

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Resumo:

Estudo acerca da evolução do ordenamento jurídico brasileiro no que concerne à relação destinada aos estrangeiros oriundos da República Portuguesa.

Texto enviado ao JurisWay em 19/12/2013.



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A EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO DESTINADO AOS PORTUGUESES NO BRASIL: DO TRATADO DE AMIZADE E ALIANÇA DE 1825 AO INSTITUTO DA QUASE NACIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

 

1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA RELAÇÃO LUSO-BRASILEIRA[1]

 

O século XV europeu foi marcado pela busca do crescimento econômico dos Estados absolutistas. A riqueza do Estado estava diretamente relacionada ao poder do monarca. Quanto mais rico o Estado Nacional, mais poderoso o seu soberano.

Durante o período, a Itália ingressou num processo de enriquecimento, ocasionado pela aquisição de mercadorias do Oriente, que eram revendidas a toda a Europa. Tratava-se de relação de monopólio comercial realizada pela rota do mar Mediterrâneo, tendo como mediadores os árabes.

Diante do enriquecimento da burguesia italiana e tendo em vista a exclusividade deste país face ao comércio de mercadorias orientais, a única possibilidade de aquisição de tais produtos pelos demais Estados europeus seria a descoberta de uma rota comercial alternativa. A partir daí deu-se início ao processo conhecido historicamente como processo de expansão marítima, do qual foi pioneiro Portugal.

O pioneirismo português tem como fator fundamental o fato deste país ser o primeiro Estado absolutista a se formar na Europa, motivo pelo qual estava apto a apoiar a burguesia no processo de descoberta de uma rota marítima que levasse às Índias, através do contorno ao continente africano, e propiciando, por consequência, o crescimento econômico daquela classe e daquele país.

 

A política de expansão ultramarina de D. João I inaugurou-se em 1415, com a expedição a Ceuta, o Algarve de além-mar, “mui notável cidade e mui azada para se tomar”, conforme as palavras de João Afonso, vedor da fazenda de el-rei. [...] As grandes mudanças que se verificam na arte náutica durante a segunda metade do século XV levam a crer na possibilidade de chegar-se, contornando o continente africano, às terras do Oriente. (AB’SABER et. al, 2008, p. 33-39).

 

O processo para descoberta de uma rota para a Índia era longo, visto que naquela época não se imaginava a dimensão do continente africano, devendo as expedições ser realizadas por etapas, mapeando a costa africana conforme verificada a cada navegação. Em virtude disso, somente em 1498 os portugueses atingiram o seu objetivo de se alcançar a Índia por uma nova rota, atentando-se para o fato de que “A fome de ouro e principalmente a cobiça de escravos representam, de fato, o grande móvel dos primeiros descobrimentos dos portugueses na costa africana” (AB’SABER et. al, 2008, p. 39).

Antes, porém, do sucesso da expedição de 1498, os objetivos das expansões marítimas portuguesas já haviam se expandido. O reinado de D. João II foi marcado pelo descobrimento de novas terras.

 

No passado, era comum que Estados do gênero das potências navais adquirissem território por descoberta, seguida de ocupação efetiva ou presumida. O objeto da descoberta era a terra nullius – ou terra de ninguém – área territorial nos continentes ignotos, não necessariamente inabitada, desde que o eventual elemento indígena não oferecesse resistência: o descobrimento do Brasil pela frota portuguesa de Cabral foi modelo perfeito daquilo que, na Europa da época e de épocas ulteriores, entendeu-se como descoberta e apossamento da terra nullius. (REZEK, 2011, p. 194).

 

O incidente que se relaciona de forma direta ao descobrimento do Brasil é justamente a descoberta da América pelos espanhóis, por intermédio do genovês Cristóvão Colombo, em 12 de outubro de 1492. Este oferecera seus serviços ao monarca português e fora rejeitado, dirigindo-se, então, à Corte espanhola, que financiou sua expedição, vez que a Espanha era um Estado Nacional investidor no descobrimento de novas rotas e terras.

 

Abalado com as notícias trazidas por Colombo, D. João II pensa em mandar expedição na esteira do afortunado almirante, convencido de que lhe pertenciam, de direito, as ilhas recém-descobertas. Não ocorreu a expedição e pouco depois de três bulas do Papa Alexandre VI concediam à Espanha direitos sobre as terras achadas pelos seus navegadores a ocidente do meridiano traçado 100 léguas a oeste das ilhas dos Açores e de Cabo Verde. Não concordaram com isto os portugueses [...]. Novas negociações resultariam, finalmente, na assinatura do Tratado de Tordesilhas (7 de julho de 1494), ratificado por D. João II apenas em fevereiro de 1495. Dois meridianos estabeleciam-se, então, para separar o setor luso do espanhol: um passando de 250 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde, e outro – que realmente valeu – a 370 léguas; a ocidente estariam as terras espanholas, a oriente, as portuguesas. Incluíam-se assim, todo o esforço oceânico lusitano; e abrangia-se, ainda, parte do continente descoberto por Cristóvão Colombo, à qual ainda deveria chegar Pedro Álvares Cabral. (AB’SABER et. al, 2008, p. 40).

 

 

Em 09 de março de 1500, Portugal envia ao Oriente uma frota de treze velas, comandada por Pedro Álvares Cabral. No decorrer da viagem a frota se afastou da costa africana e em 22 de abril daquele ano ocorreu o descobrimento da terra. “Por ser a semana da Páscoa, deu Pedro Álvares ao monte muito alto o nome de Pascoal. E à terra, o de Vera Cruz” (AB’SABER et. al, 2008, P. 44). 

A ideia tradicional é a da causalidade do descobrimento. “Apesar de tudo, não é inverossímil que navegantes europeus, e de preferência portugueses, os mais aparelhados para semelhante feito, tivessem alcançado a costa atual do Brasil já antes mesmo de 1500” (AB’SABER et. al, 2008, P. 47).  O destino principal, entretanto, era certamente a Índia, razão pela qual permaneceu a esquadra no Brasil por apenas dez dias.

A oficialização do descobrimento do Brasil somente foi efetuada um ano após o regresso da frota de Cabral da Índia para Lisboa. Durante muitos anos após o descobrimento, a terra de Santa Cruz não foi explorada pelo país que a descobriu. “Até que as riquezas reais ou imaginárias do Oriente deixassem de entreter todas as imaginações, a terra de Vera Cruz seria pouco mais do que uma pousada no caminho da Índia.” (AB’SABER et. al, 2008, P. 61).

Após mais de trinta anos do descobrimento e levados pela possibilidade da perda do controle das terras brasileiras em virtude da invasão de piratas estrangeiros, além da necessidade de obtenção de lucros face ao cenário de grande concorrência econômica na Europa, é que o Estado português, com o auxílio da nobreza, deu início ao processo de colonização do Brasil.

Em 1532 foi fundada a primeira cidade portuguesa no Brasil. Em 1534 a colônia foi dividida em capitanias hereditárias, e cada uma dela foi destinada a membro da nobreza de Portugal. Porém, em razão da dificuldade em se colonizar cada uma das capitanias, e diante da ausência de efetivo interesse da maior parte dos nobres em se estabelecer e desenvolver aquelas, a medida não prosperou. Das quinze capitanias criadas, apenas duas lograram êxito: as de São Vicente e Pernambuco.

Diante das dificuldades dos capitães donatários, foi criado o governo-geral, que constituía a administração superior da colônia brasileira. Paralelamente, visto à extensão do território brasileiro para ser gerido por apenas um governador-geral, existiam as câmaras municipais ou “câmara dos homens bons”, responsáveis pelo governo local.

O Brasil Colonial foi marcado pela presença dos latifúndios, cuja finalidade consistia na produção de diversos gêneros de exportação. O objetivo da colônia brasileira era justamente o enriquecimento da metrópole portuguesa.

Através do denominado “monopólio comercial”, as negociações daquilo que no Brasil se produzia eram efetuadas diretamente por Portugal, de forma que se viabilizasse a balança comercial favorável deste. Também, a colônia brasileira somente poderia importar produtos da metrópole, além de se submeter ao pagamento de impostos a esta.

Em meados do século XVII, o Oriente já era explorado por outros países que não Portugal e Espanha, fazendo-se necessária a busca de outras fontes de sustento para o mercantilismo absolutista.

O cultivo de cana-de-açúcar no Brasil, durante os séculos XVI e XVII, foi a primeira grande fonte de enriquecimento de Portugal, seguida pela extração de minérios no século XVII.

A mão-de-obra, inicialmente indígena, se tornou predominantemente africana a partir do século XVII em virtude da considerável redução do número de índios, mortos em massacres realizados pelos homens brancos ou pela aquisição de doenças por estes trazidas.

Durante os séculos XVII e XVIII, o Brasil se submeteu ao monopólio colonial. Tudo o que neste se produzia ou importava deveria ser realizado com a finalidade precípua de obtenção de vantagens a Portugal. A produção de matéria prima para o açúcar, a extração de minérios, o pagamento excessivo de impostos e tantas outras transações comerciais se exerciam nos estritos termos impostos pelo Governo português, com vista ao enriquecimento deste.

Com a finalidade de aumentar o poder da metrópole sobre a Colônia, foram extintas as Capitanias Hereditárias depois da metade do século XVIII, instituindo-se, no período, o Rio de Janeiro como capital do Brasil.

A conjuntura mundial que se seguiu foi decisiva à sucessão de fatos no território brasileiro. No século XIX, Napoleão Bonaparte governava a França. Objetivando desmobilizar a economia do Estado rival, a Inglaterra, Bonaparte decretou o Bloqueio Continental, por meio do qual os países europeus se viram proibidos de comercializar com aquele país, sob pena de terem os seus territórios invadidos pela tropa francesa.

D. João, governante português, em virtude de sua relação diplomática com a Inglaterra, não rompeu seus laços econômicos com esta, o que resultou na ordem de invasão de Portugal, em 1808.

Com o auxílio inglês, toda a família real portuguesa foi transferida para a capital do Brasil, Rio de Janeiro, de forma que a colônia passou a abrigar o próprio Governo de sua metrópole. A partir deste momento inaugurou-se o processo de independência do Brasil.

Após a queda do Governo Bonaparte, D. João VI permaneceu no Brasil e este passou a ser Reino Unido a Portugal e Algaves, tornando o Rio de Janeiro capital deste e daquele.

A insatisfação com a ainda existente submissão do Brasil ao Governo português resultou em diversas revoltas por todo o território brasileiro, incitadas pelas ideias liberais advindas da Europa. Por outro lado, Portugal, cujo rei se encontrava na colônia, se via insatisfeito com a progressiva liberdade que o Brasil vinha adquirindo ao longo dos anos.

Ressalta-se, neste aspecto, a importância da Revolução do Porto de 1820, ocorrida em Portugal. A burguesia deste país elaborou as eleições para o parlamento, cuja finalidade seria a elaboração de uma nova Constituição. Além disso, determinaram-se medidas que garantissem a submissão da colônia brasileira à metrópole portuguesa e exigiu-se, inclusive, o retorno de D. João VI. Este, de fato, retornou, mas deixou no Brasil o seu filho, D. Pedro, de forma a assegurar que o governo brasileiro continuasse sob regência de Portugal.

Naquele período, correntes políticas se formaram no Brasil, seja em favor da independência, seja em favor do reforço das medidas de submissão a Portugal. Intencionando, por um lado, a independência, que lhes seria favorável especialmente no aspecto econômico, e prevenindo-se contra possíveis revoltas populares, a elite brasileira apoiou D. Pedro na proclamação da independência do país.

Portugal ordenou o regresso de D. Pedro, que se recusou a tanto. Este proclamou a independência do Brasil em 1822 e governou o Brasil até o ano de 1831.

O Primeiro Império foi marcado pelo autoritarismo e por grandes revoltas. Foi outorgada a primeira Constituição brasileira, denominada Constituição Imperial de 1824 que, dentre outras medidas, instituiu o voto censitário e indireto, sendo marcada pelo viés repressivo de direitos e liberdades fundamentais.

O autoritarismo de D. Pedro I ocasionou o caos e a insatisfação gerais. Diante do elevado número de conflitos e revoltas, o imperador foi forçado a abdicar ao trono em favor de seu filho Pedro de Alcântra, que, por contar com apenas cinco anos de idade na ocasião, não pôde assumir o trono de imediato.

As rebeliões, decorrentes principalmente do unitarismo estabelecido pela Constituição Imperial, continuaram a ocorrer durante todo o período regencial, período este em que o Brasil foi governado por regentes, compreendido entre 1831 a 1840.

As classes sociais inferiores ingressaram nos movimentos contrários ao modelo latifundiário brasileiro, caracterizado pela extrema desigualdade social. A partir daí, os interesses dos beneficiários daquele começaram a se colidir com os do restante da população brasileira, fazendo-se necessário, para manter os benefícios dos latifundiários, o apoio destes a Pedro de Alcântra, para restabelecimento da ordem no país.

Em 1840, coroava-se imperador do Brasil, com a finalidade de organização do Poder, D. Pedro II.

O Segundo Império foi o período mais estável desde a vinda da família real para o Brasil. O reforço do Poder pelo novo Imperador e a repressão violenta às revoltas foram responsáveis por referido cenário.

A forma de Governo foi alterada para Monarquia Parlamentar, com a peculiaridade residida na existência do Poder Moderador, que permitiu a D. Pedro II um extremo controle da vida política do país.

O cultivo do café foi a principal atividade econômica do período, e os cafeicultores, nos quais concentrava a riqueza do país, eram a elite e o apoio do Governo de Dom Pedro II. O período foi marcado pelo desenvolvimento urbano e, de forma menos expressiva, industrial, além da abolição da escravidão em 1850.

Na segunda metade do século XIX, em virtude da Guerra do Paraguai, ocorreu o fortalecimento do exército brasileiro, que retornou ao Brasil com ideias revolucionárias que seriam indispensáveis à sucessão de acontecimentos que colocaria fim à presença portuguesa na determinação e no controle da vida política brasileira.

O fim da escravidão em 1850 transformou o Brasil em país de trabalhadores livres. Somado a isto, o cenário de desenvolvimento tecnológico, propagação de ideias positivistas e crescimento dos setores urbanos tornavam a Monarquia de D. Pedro incompatível com a realidade do país.

Os brasileiros foram paulatinamente aderindo ao ideal republicano como única alternativa ao progresso do Brasil. Inclusive os latifundiários, que se viram prejudicados com o advento da Lei Áurea, passaram a refutar a Monarquia.

 

Uma revolta militar dirigida pelo marechal Deodoro da Fonseca derrubou o regime imperial brasileiro em 15 de novembro de 1989 e proclamou o regime republicano. Por uma circular do ministro das Relações Exteriores, Quintino Bocaiúva, de 18 desse mês, a legação de Portugal no Rio de Janeiro foi informada oficialmente da mudança do regime e da intenção do governo provisório de respeitar todos os tratados vigentes com as outras nações estrangeiras e cumprir com todas as obrigações internacionais, e de manter as relações de amizade que haviam existido entre Portugal e Brasil.

Em virtude da revolução o imperador d. Pedro II e a sua família foram banidos do Brasil, e o governo português, em telegrama de 16 de novembro, informou logo a legação de Portugal que o governo português oferecia hospedagem à família imperial. Esta partiu para o exílio em 17 de novembro, a bordo do navio brasileiro Alagoas, chegando a Lisboa em 7 de dezembro. [...]

Em Portugal, o problema do reconhecimento foi largamente debatido na imprensa, tendo o reconhecimento sido fortemente sustentado pelos republicanos, cuja propaganda se intensificaria com o ultimato britânico de 12 de janeiro. Após a abertura das Cortes no início de 1890, o assunto foi debatido, sustentando os progressistas um reconhecimento sem demora. Fortes pressões dentro do próprio Partido Regenerador no poder obrigaram o governo a aguardar os resultados das eleições brasileiras, que tiveram lugar em 15 de setembro de 1890 e consagraram o regime republicano no Brasil. Em 19 desse mês, Hintze Ribeiro, ministro dos Negócios Estrangeiros, comunicou ao encarregado de negócios no Rio de Janeiro, Garcia da Rosa, a decisão do governo português de reconhecer a República do Brasil, o que foi transmitido ao governo brasileiro no dia seguinte. (MAGALHÃES, 1999, p. 65-67).

 

 

Com a instauração da República, Portugal finalmente deixou de assumir, de forma definitiva, o Governo brasileiro. Nos anos que se seguiram, inúmeros Tratados foram estabelecidos entre os dois países, sejam eles econômicos, culturais, sociais ou mesmo convenções ortográficas.

Em virtude da relação construída ao longo de muitos anos, o tratamento destinado aos nacionais de um e de outro país foi progressivamente modificado, concedendo-se, cada vez mais, prerrogativas especiais em relação a nacionais de outros países, chegando-se ao que hoje se denomina doutrinariamente de instituto da quase nacionalidade.

 

2. DA EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL ACERCA DO TRATAMENTO DESTINADO AOS PORTUGUESES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

Após a proclamação da independência o governo brasileiro se negou a realizar negociações com Portugal enquanto este país não reconhecesse a nova situação.

O governo britânico, que à época mantinha estreitas relações diplomáticas com o governo português, foi o intermediador que tornou possível a celebração do Tratado de Amizade e Aliança entre este e o Brasil.

 

George Canning, que então dirigia a política externa britânica, propusera ao governo dos Estados Unidos, em 20 de agosto de 1823, uma declaração conjunta sobre a independência das nações sul-americanas, que não foi bem acolhida em Washington. Por inspiração do secretário de Estado, John Quincy Adams, o presidente dos Estados Unidos, James Monroe, na sua mensagem ao Congresso, de dezembro de 1823, proclamou a chamada Doutrina Monroe, segundo a qual o governo dos Estados Unidos se oporia a qualquer futura tentativa de colonização por parte dos Estados europeus no hemisfério ocidental. [...]

O reconhecimento americano veio [...] em 27 de maio de 1824. Canning, perante o impasse criado entre os governos de Lisboa e do Rio de Janeiro, e pouco satisfeito com a declaração unilateral americana sobre as independências sul-americanas, aproveitando-se da especial posição britânica junto de d. João VI, [...] decidiu intervir como mediador entre aqueles dois governos. [...] Para tanto, designou como seu representante sir Charles Stuart, um diplomata experiente que [...] conseguiu levar a bom termo a negociação, tendo sido assinado, no Rio de Janeiro, o Tratado de 29 de agosto de 1825, pelo qual o governo português reconheceu a independência do Império do Brasil, renunciando d. João VI ao trono brasileiro a favor de d. Pedro, mas conservando o título honorífico de imperador. (MAGALHÃES, 1999, p.30-31).


O Tratado de Amizade e Aliança de 1825, além de reconhecer a independência do Brasil em relação aos Reinos de Portugal e Algarves, trouxe disposição acerca do tratamento a ser destinados aos cidadãos de ambos os países, constituindo a primeira atuação no sentido de formação de uma “[...] comunidade luso-brasileira, que existia no espírito de muitos intelectuais de ambos os países” (MAGALHÃES, 1999, p. 89). Dispunha seu artigo V:

 

Os súbditos de ambas as Nações Portuguesa e Brasileira serão considerados e tratados nos respectivos Estados como os da nação mais favorecida e amiga, e seus direitos e propriedades religiosamente guardados e protegidos; ficando entendido que os actuais possuidores de bens de raiz serão mantidos na posse pacífica dos mesmos bens. (Artigo V, Tratado de Amizade e Aliança de 1825).

 

Não obstante a ratificação do Tratado de 1825, apenas no século XX é que a ideia de instituição de uma comunidade entre brasileiros e portugueses começou a prosperar. Em 05 de maio de 1944, o então embaixador do Brasil em Portugal, João Neves de Fontoura, apresentou a este “[...] projeto de decreto-lei que concedia um estatuto especial aos portugueses no Brasil, manifestando o desejo de que a matéria abrangida nesse diploma pudesse vir a ser objeto de uma convenção a ser celebrada entre os dois países irmãos” (MAGALHÃES, 1999, p. 89). Tratava-se, de concessão de tratamento especial, e não do que se considera atualmente como quase nacionalidade, status que apenas se verificaria em 1971.

Apesar do fato de o Tratado de Amizade e Consulta de 1953 não ter apresentado o termo tratamento igualitário, “À ideia de tratamento especial veio, pois, juntar-se [...] a ideia de igualdade de tratamento, ressalvando-se apenas as limitações constitucionais de ambos os países a respeito dos direitos políticos” (CERVO; MAGALHÃES; 2000. P.317).

Dentre os direitos previstos no projeto estavam “[...] a livre entrada dos portugueses no Brasil; a concessão dos direitos públicos e privados atribuídos aos brasileiros, com as restrições impostas pela lei constitucional; e a facilitação e estímulo à sua naturalização” (MAGALHÃES, 1999, p. 89-90).

Portugal, por sua vez, solicitou a realização de uma convenção entre os dois países, para que fosse estabelecido um estatuto bilateral e enviou um projeto que equiparava brasileiros e portugueses, com as restrições que seriam estabelecidas.

Entretanto, o cenário político brasileiro da época, marcado pelas restrições extremistas da Constituição de 1937, a denominada Constituição Polaca, impediram o país de aceitar os termos propostos por Portugal, tendo sido enviado um contraprojeto que equiparava os cidadãos brasileiros e portugueses, ressalvadas as disposições constitucionais pertinentes.

 

Em presença da posição brasileira, o governo português manifestou então a sua preferência por que o problema fosse tratado por legislação a ser publicada por iniciativa de cada um dos governos.

A fim de procurar conciliar as posições dos dois governos, a embaixada do Brasil em Lisboa e o Ministério dos Negócios Estrangeiros procuraram preparar um novo projeto de convenção a submeter à consideração dos dois governos. O golpe militar de janeiro de 1945, que depôs o presidente Getúlio Vargas, interrompeu as negociações luso-brasileiras sobre essa matéria. [...] Com o regresso de GetúlioVargas à presidência, em janeiro de 1951, e com Neves de Fontoura ocupando a pasta das Relações Exteriores, as negociações foram reatadas em julho desse ano, entregando o departamento político do Itamaraty ao embaixador de Portugal no Rio de Janeiro um projeto de Convenção de Amizade e Consulta que fora elaborado pelo embaixador do Brasil em Lisboa, Samuel de Sousa Leão Gracie. O projeto era bastante vago em muitos aspectos e, no que se referia ao estatuto a aplicar reciprocamente a portugueses e brasileiros, mantinha restrições constitucionais. No entanto, a Constituição promulgada em 1946 havia eliminado muitas das limitações aos direitos dos estrangeiros que figuravam na anterior Constituição, de 1937. [...]

Em junho de 1952, o embaixador de Portugal no Rio de Janeiro recebeu, do governo português, um contraprojeto de Tratado de Amizade e consulta que não divergia muito do projeto brasileiro. Esse contraprojeto foi aceito, com ligeiras modificações, pelo governo brasileiro, sendo o Tratado assinado no Rio de Janeiro em 16 de novembro de 1953. (MAGALHÃES, 1999, p. 90-91).

 

Uma peculiaridade do referido Tratado residiu na possibilidade de tratamento especial a ser concedido aos portugueses que permanecessem transitoriamente no Brasil e nos brasileiros que o fizessem em Portugal, não se restringindo àqueles súditos que optaram pelo domicílio em um ou noutro país.

O Tratado de Amizade e Consulta de 1953 seria aplicado em todo o território brasileiro. Porém, em relação a Portugal, sua aplicação estaria restrita ao território metropolitano e aos arquipélagos da Madeira e dos Açores, conforme notas interpretativas trocadas entre os países. “A infeliz exclusão dos brasileiros de uma equiparação aos nacionais nos territórios ultramarinos portugueses proveio de política de exclusivismo colonial teimosamente prosseguida, através dos tempos, pelos sucessivos governos portugueses [...]” (CERVO; MAGALHÃES; 2000, p. 282).

Apesar disso, em 11 de junho de 1957, em visita ao Brasil o então Presidente português Francisco Higino Craveiro Lopes, juntamente com o Presidente brasileiro Juscelino Kubitschek, firmaram uma Declaração conjunta de regulamentação do Tratado de 1953, nos seguintes termos:

[...] o Tratado de Amizade e Consulta, marco de partida para um novo rumo nas relações entre os dois países, já não representa tão sómente a forma jurídica que enquadra a situação especial que, de fato e desde sempre, brasileiros e portugueses têm sufruído, respectivamente, em Portugal e no Brasil; nem constitui tão-só documento diplomático que consubstancia as razões da Comunidade luso-brasileira, condensando-as numa fórmula em que cabem os da língua imperativos do sangue, de todos os índices espirituais que irmanam as duas Nações: o Tratado de Amizade e Consulta vai tendo sua projeção prática e criadora, determinando uma colaboração mais fecunda e íntima dos Governos na esfera de sua política externa, estreitando sempre mais os laços tradicionais que os unem e os interesses solidários do vasto mundo de língua portuguesa  (Declaração Conjunta, 1957).

 

O fundamento, propriamente dito, para o surgimento do instituto da quase nacionalidade veio em 1969, quando o Presidente de Portugal, Marcelo Caetano, visitou oficialmente o Brasil.

 

No discurso que Marcelo Caetano, professor catedrático de Direito, pronunciou na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao receber as insígnias de professor honoris causa da Faculdade de Direito, apresentou uma importante sugestão que iria, em breve, frutificar. Disse ele nesse discurso:

Poderíamos empenhar-nos em dar seguimento ao velho projeto de conferir estatuto especial aos portugueses no Brasil e aos brasileiros em Portugal. Já em 1940, ao debater no Recife o problema com o professor Barreto Campelo, este me sugeria a fórmula original da “quase-nacionalidade”. Guardando certos direitos políticos para os nacionais de cada país, poderíamos conceder largamente os outros aos membros da Comunidade. Uma espécie de cidadania da Comunidade Luso-Brasileira a sobrepor-se à cidadania da nacionalidade. O princípio ficou consagrado, em 1953, no artigo 2º do Tratado de Amizade e Consulta entre Portugal e Brasil. Basta dar-lhe execução. Eis uma tarefa aliciante para os juristas dos dois países. (CERVO; MAGALHÃES, 2000, p.317-318, apud CAETANO, Boletim de Informação, MNE, jul.-ago. 1969, n. 33, p. 24).

 

 

Em outubro do mesmo ano, Gama e Silva, Ministro da Justiça brasileiro, propôs uma emenda constitucional que viabilizasse a edição do Estatuto da Igualdade. Assim, a EC nº 01/69 trouxe à Constituição brasileira de 1967, e pela primeira vez no ordenamento jurídico, a quase nacionalidade.

O artigo 199 da Carta de 67 passou a vigorar com a seguinte redação: “Respeitando o disposto no parágrafo único do artigo 145, as pessoas naturais de nacionalidade portuguesa não sofrerão qualquer restrição em virtude da condição de nascimento se admitida a reciprocidade em favor de brasileiros”.

Com dispositivo de igual conteúdo inserido no artigo 7º, §3º da Constituição portuguesa, tornou-se possível a Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, em 1971, cuja promulgação e regulamentação se deram em abril de 1972, através dos Decretos nº. 70.391 e 70.436, respectivamente.

O Tratado de 1971 conferiu igualdade entre brasileiros e portugueses, ressalvadas as exceções constitucionalmente estabelecidas, no que concerne a direitos e obrigações civis e gozo dos direitos políticos, exigindo-se, em cada uma dessas esferas, o preenchimento de requisitos específicos, sendo possível, inclusive, o pedido cumulativo ou em separado.

A aquisição da quase nacionalidade era condicionada ao requerimento do súdito português interessado ao Ministro da Justiça, em petição instruída com os documentos relacionados no artigo 6º do Decreto nº. 70.436/72.

Para o gozo dos direitos políticos, dentre os quais o direito de voto, era necessária a residência no território brasileiro pelo prazo de cinco anos; saber ler e escrever o português; e estar no gozo dos direitos políticos no Estado de nacionalidade. Uma vez em gozo daqueles direitos no Brasil, os mesmos seriam suspensos em Portugal.

Em 08 de maio de 1972 o Tribunal Superior Eleitoral editou resolução com instruções ao português que houvesse adquirido o gozo dos direitos políticos. Àqueles se aplicariam as instruções para o alistamento eleitoral, previstas na Resolução nº. 9195/72. Para requerer o alistamento eleitoral, o pedido deveria ser instruído com a publicação oficial da Portaria do Ministro da Justiça e com o documento de identificação. No título eleitoral do beneficiado com o instituto em análise constaria a expressão “Estatuto da Igualdade”, após a indicação da naturalidade do eleitor e de sua nacionalidade portuguesa.

Importante previsão se encontra no artigo 11 do Decerto de Regulamentação do Tratado de 1971: “Durante o processo de reconhecimento da igualdade de direitos e obrigações civis e do gozo dos direitos políticos, poderá qualquer do povo impugnar o pedido, desde que o faça fundamentadamente”. Trata-se de medida protetiva dos interesses nacionais, face os eventuais requerimentos efetuados com finalidade diversa daquela para a qual fora estabelecido o acordo entre os dois países.

O último e atual diploma acerca do tema e que regulamenta o artigo 12, §3º da Constituição Federal vigente, foi celebrado, portanto, por ocasião das comemorações do 5º centenário do fato histórico do descobrimento do Brasil, e “[...] ab-roga, dentre outros, o Tratado de 1971, e disciplina novamente o instituto de igualdade (arts. 12 a 22), preservando suas características essenciais, mas reduzindo, em certa medida, o escopo da igualdade” (REZEK, 2011, p. 224).

O Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa foi inserida no ordenamento jurídico daquela através do Decreto nº. 3.927/01.

As características essenciais do instituo – tais como manutenção da nacionalidade de origem; gozo dos mesmos direitos e sujeição às mesmas obrigações dos nacionais, salvo as exceções constitucionalmente estabelecidas; competência para concessão reservada ao Ministro da Justiça; e requerimento do português interessado – foram mantidas.

Em relação aos direitos políticos, entretanto, observa-se a ausência do requisito sobre saber ler e escrever português[2] e da possibilidade de impugnação do requerimento por pessoa do povo, bem como a redução do prazo necessário de residência habitual, que passou a ser de três anos. Reproduzindo determinação do Tratado de 1971 (artigo 12), prevê o diploma de 2001 a impossibilidade de exercício dos direitos políticos no território brasileiro daqueles que houverem sido privados dos direitos equivalentes no território de origem.

 

3. O INSTITUTO DA QUASE NACIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E O PROCEDIMENTO REALIZADO PERANTE O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

 

A Constituição Federal de 1988 manteve a equiparação entre brasileiros e portugueses, trazida pela primeira vez ao ordenamento jurídico através da EC nº 01 de outubro de 1969, que modificou a Constituição vigente à época, qual seja a Constituição brasileira de 1967.

Originariamente, a CRFB/88 trouxe, em seu artigo 12, § 1º, a seguinte redação: “Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro nato, salvo os casos previstos nesta Constituição”.

A ECR nº 03/1994 alterou o texto original, passando a vigorar de forma mais restrita, garantindo aos destinatários do texto em comento apenas os direitos relativos aos brasileiros naturalizados, sem, contudo, romper o vínculo de nacionalidade com seu país de origem, de acordo com a redação anterior: “Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.” (CRFB/88, artigo 12, §1º). Segundo Francisco Rezek, não se pode supor, inclusive, que “[...] a situação do português admitido no regime de igualdade plena seja idêntica à do brasileiro naturalizado” (REZEK, 2011, p. 225).

Conforme explica o constitucionalista Marcelo Novelino:

 

A aplicação deste dispositivo não se opera de forma automática, sendo necessário, além da aquiescência do Estado brasileiro, o requerimento do súdito português interessado, a quem se impõe, para tal efeito, a obrigação de preencher os requisitos estipulados pela Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e portugueses. (NOVELINO, 2012, p 663).

 

Tal é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que já se manifestou sobre o tema, de acordo com o seguinte julgado:

 


[...] a norma inscrita no art. 12, § 1º da Constituição da República não opera de modo imediato, seja quanto ao seu conteúdo eficacial, seja no que se refere a todas as conseqüências jurídicas que dela derivam, pois depende, para incidir, de requerimento do súdito português, que, além de preencher os requisitos nela estipulados, também deverá satisfazer as exigências impostas pela Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e portugueses.O regime de equiparação, portanto, não opera automaticamente, dependendo, inicialmente, de um ato de vontade do próprio nacional da República Portuguesa, além de pronunciamento aquiescente do Estado brasileiro, fundado em sua própria soberania, consoante enfatiza autorizado magistério doutrinário (PINTO FERREIRA,"Comentários à Constituição Brasileira", 1º vol., p. 282, 1989, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, "Constituição do Brasil Interpretada", p. 523, 2002, Atlas) e acentua a própria jurisprudência constitucional firmada pelo Plenário desta Suprema Corte (RTJ 157/229, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RTJ 166/802-803, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO):"III - O português no Brasil e o brasileiro em Portugal não gozam automaticamente da igualdade de direitos e deveres prevista na Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses (Decreto 70.391/72). Conforme dispõe o artigo 5º da Convenção, cabe à pessoa natural interessada requerer tal benefício junto à autoridade competente. (Ext 890, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-8-2004, Primeira Turma, DJ de 28-10-2004.) 

 

O Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, de 05 de setembro de 2001, revogou o Tratado de 1971 e passou a regulamentar o § 1º do artigo 12 da CRFB/88.

 

Mediante tratados, países diversos já se entenderam no sentido de que os nacionais de cada um deles tenham no território do outro um estatuto privilegiado em relação aos demais estrangeiros. Tal é o caso do estatuto de igualdade entre brasileiros e portugueses [...], por força do qual um português, preservando incólume sua nacionalidade, e continuando, pois, a ser, sob nossa ótica, um estrangeiro, pode ter no Brasil direitos civis e políticos, com a só ressalva dos cargos que a Constituição reserva aos nacionais natos. (REZEK, 2011, p.228).

 

As restrições entre brasileiros natos e naturalizados, consoante artigo 12, §2º da CRFB/88, somente serão legítimas quando estabelecidas no próprio texto Constitucional. São elas: a impossibilidade de extradição do brasileiro nato em qualquer hipótese e a possibilidade de extradição do naturalizado em caso de crime comum praticado antes da naturalização ou do comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (artigo 5º, LI, CRFB/88); propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens privativa de brasileiros natos e a do naturalizado apenas após decorridos dez anos de naturalização (artigo 222, CRFB/88); seis assentos do Conselho da República reservados a brasileiros natos com mais de trinta e cinco anos (artigo 89, VII, CRFB/88); os cargos privativos de brasileiros natos (artigo 12, § 3º, CRFB/88).

Como exceção à regra da impossibilidade do exercício dos direitos políticos aos estrangeiros, por exemplo, o português equiparado, em virtude da aquisição do instituto da quase nacionalidade (artigo 12, § 1º, CRFB/88) poderá, no Brasil, participar da democracia representativa, mantendo incólume o vínculo de nacionalidade com seu país de origem. “Como o estatuto não se circunscreve no plano dos direitos, abrangendo também o dos deveres, não há dúvida de que seu titular fica sujeito, como os eleitores brasileiros, à obrigatoriedade do voto e às sanções correspondentes à omissão” (REZEK, 2011, p. 225).

Conforme explica Francisco Rezek:

 

[...] o estatuto prevê dois procedimentos: o relativo à simples igualdade de direitos e obrigações civis, e um segundo, mais amplo, tendente à obtenção também dos direitos políticos. A iniciativa de postular o benefício do estatuto, num e noutro caso, incumbe sempre à pessoa natural interessada, cabendo ao Ministro da Justiça deferir o pedido através de portaria, cujos efeitos, tal como sucede com a naturalização, são individuais. [...] Acaso objetivando à cobertura do estatuto em sua forma plena, o interessado fará ainda prova do gozo dos direitos políticos em Portugal e da sua residência no Brasil pelo prazo mínimo de três anos. Note-se, pois, que para tal efeito o prazo necessário de residência é superior ao que nossa lei reclama para a naturalização dos próprios portugueses, limitado pela Constituição a apenas um ano. (REZEK, 2011, p. 224-225).

 

Optando pela quase nacionalidade em sua forma plena, ou seja, pela igualdade de direitos e deveres civis e políticos,

 

[...] o tratado impede o duplo gozo de direitos políticos: obtido este no Estado de residência, ficará suspenso no Estado de origem. [...] Além disso, a suspensão dos direitos políticos em Portugal, acarretará aqui para o seu nacional a extinção dos mesmos direitos, transformando-o de titular do estatuto pleno, em beneficiário tão só da igualdade civil (REZEK, 2011, p. 225).

 

Tais determinações estão expressas no artigo 17 do Tratado que rege o instituto. Isso impede que as práticas abusivas, por parte dos indivíduos que pretendem a sua aquisição, fiquem desamparadas de meios eficazes de defesa pelos signatários do Tratado de 2001.

Os formulários de requerimento, disponíveis no próprio endereço eletrônico do Ministério da Justiça, devem ser preenchidos pelo interessado e protocolado na Polícia Federal ou no referido Ministério, acompanhado da documentação necessária. Trata-se de serviço público gratuito.

A documentação exigida para o requerimento de igualdade de direitos e obrigações civis cumulado com o de gozo de direitos políticos é a seguinte: cópia autenticada da Carteira de identidade para estrangeiro permanente;certidão consular atual que declara, expressamente, estar o interessado no gozo da nacionalidade portuguesa e dos direitos políticos em Portugal, e que se destina a instruir pedido de reconhecimento da igualdade de direitos e obrigações civis e o gozo de direitos políticos no Brasil;declaração de residência, sob as penas da lei, anexando o comprovante de residência (conta de água, luz, telefone ou outros); nos últimos cinco anos;atestado de antecedentes criminais, expedido pelo Instituto de Identificação da Secretaria de Segurança Pública;prova de que sabe ler e escrever o idioma português, por meio de diploma ou declaração de escolaridade.

A documentação necessária à outorga dos direitos políticos, por sua vez: cópia autenticada da carteira de identidade brasileira;certidão consular atual de não privação dos direitos políticos em Portugal na qual se destina a instruir pedido de igualdade de direitos políticos; declaração de residência, sob as penas da lei, anexando o comprovante de residência (conta de luz, água, telefone ou outros); atestado de antecedentes criminais, expedido pelo Instituto de Identificação da Secretaria de Segurança Pública;prova de que sabe ler e escrever o idioma português, por meio de diploma ou declaração de escolaridade;certidão consular comprovando que possui a nacionalidade portuguesa; e original do certificado de igualdade de direitos e obrigações civis.

 É exigido, inclusive, que todos os documentos expedidos no exterior sejam legalizados pela repartição consular brasileira de Portugal.

O português interessado deve ser civilmente capaz e possuir residência habitual no território brasileiro. O período mínimo de residência, conforme citação anterior é de, no mínimo, três anos.

Não obstante o fato de que a aquisição da quase nacionalidade reclame um prazo de residência superior ao prazo exigido para a naturalização pelo artigo 12, § 1º da CRFB/88, deve-se levar em conta que não previu o Tratado de 2001 a possibilidade de impugnação, por qualquer pessoa do povo, do requerimento para obtenção do instituto, o que constitui um retrocesso diante da diminuição dos instrumentos hábeis à proteção do interesse nacional contra aqueles que se valham de forma desmedida do privilégio a eles destinado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A razão do estabelecimento de tal diferenciação entre os estrangeiros advindos da República Portuguesa e aqueles originários dos demais países está sobremaneira associada à relação histórica construída entre aquele e a República Federativa do Brasil.

Desde o ano de 1500 até o ano de 1889, foram estreitas as relações entre ambos os países, tornando-as superiores a quaisquer outras relações já estabelecidas com outras nações.

O Brasil, de local de repouso para as embarcações com destino ao Oriente, chegou a ser sede do Governo de sua própria metrópole, tamanha sua distinção entre as demais colônias portuguesas.

Do descobrimento do Brasil à proclamação da República, foram mais de trezentos anos de construção de uma verdadeira comunidade luso-brasileira. O povo português foi, sobretudo, a base de formação da sociedade brasileira. Como decorrência lógica de uma construção histórica de mais de quinhentos anos, as Constituições de ambos os países solidificam aquilo que foi construído durante tantos anos.

A profundidade da relação construída é refletida pelos dados estatísticos que revelam o elevado número de portugueses que optaram pelo Brasil como destino definitivo. No século XIX, por exemplo, apesar da proclamação da República brasileira, o número chegou a alcançar “[...] a taxa de 93,1% do total dos emigrantes saídos de Portugal no período de 1891 a 1900” (CERVO; MAGALHÃES, 2000, p. 343).

Nesse sentido, o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta de 2001 foi celebrado na consciência

 

[...] do amplo campo de convergência de objetivos e da necessidade de reafirmar, consolidar e desenvolver os particulares e fortes laços que unem os dois povos, fruto de uma história partilhada por mais de três séculos e que exprimem uma profunda comunidade de interesses morais, políticos, culturais, sociais e econômicos” (Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de 2000).

 

O atual instituto da quase nacionalidade é a realização de um objetivo remoto, que foi construído e modificado ao longo de muitos anos:

 

A ideia da institucionalização da comunidade natural entre o povo brasileiro e o povo português existiu sempre no espírito de muitos intelectuais e políticos, brasileiros e portugueses, desde os tempos da independência brasileira, não obstante as correntes nativistas e antiportuguesas que sempre se manifestaram no Brasil através dos tempos (CERVO; MAGALHÃES, 2000, p. 277).

 

Diante de considerável evolução jurídica e considerando sobretudo a construção histórica de ambos os países, assevera José Calvet de Magalhães: “As relações luso-brasileiras têm tudo para dar certo. Laços humanos enraizados numa comunidade cultural, numa comunidade de afeto” (MAGALHÃES, 1999. P 26).

 

BIBLIOGRAFIA

 

AB’SABER, Aziz; ALMEIDA, Antônia Fernanda P. de; CAMPOS, Pedro Mocyr; CARVALHO, Laerte Ramos de; ELLIS, Myriam; FERNANDES, Florestan. HOLANDA, Sérgio Buarque de; MATTOS, Odilon Nogueira de; MELLO, Astrogildo Rodrigues de; MELLO, J. A. Gonsalves de; PANTALEÃO, Olga; PRADO, J. F. de Almeida; REIS, Arthur Cézar Ferreira. História Geral da Civilização Brasileira – A época colonial. Vol. 1 – Do descobrimento à expansão territorial. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

 

BRASIL, Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946.

 

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de Outubro de 1988.

 

BRASIL. Declaração conjunta, de 11 de junho de 1957.

 

BRASIL. Decreto nº 3.927, de 19 de setembro de 2001.

 

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BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 9.195, de 8 de maio de 1972. Instruções sobre o Estatuto da Igualdade. In: http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/normas-editadas-pelo-tse/resolucao-nb0-9.195-de-8-de-maio-de-1972-brasilia-2013-df, acesso em 22/11/12.

 

BARRAL, Welber Oliveira. Metodologia de Pesquisa Jurídica. Florianópolis: Editora Fundação Boiteux, 2003.

 

CERVO, Amado; MAGALHÃES, José Calvet de. Depois das caravelas – as relações entre Portugal e Brasil: 1808 – 2000. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.

 

FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. 2. ed. Brasília: TSE/SDI, 2005.

 

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MAGALHÃES, José Calvet de. Breve histórico das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

 

MARTIM, Pierre. Dicionário Jurídico: terminologia jurídica e forense. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2008.

 

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Editora Método, 2012.

 

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

 

 

 

 



[1] O presente título tem por escopo apresentar os aspectos históricos determinantes para a futura criação do instituto da quase nacionalidade. Não se trará, portanto, a explanação de toda a história do Brasil, porquanto não se trata da finalidade deste trabalho.

 

[2] O Ministério da Justiça continua a exigir, em virtude da legislação de 1971 e como requisito adicional à legislação atualmente em vigor, que o português interessado na aquisição da quase nacionalidade saiba ler e escrever português.

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