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Resumo:
Intervenção Federal: Conceito e Natureza Jurídica, Pressupostos Materiais e Formais; Teoria da Separação dos Poderes; Intervenção Federal 5179; Ato Político: Conceito e Natureza Jurídica, Possibilidade de Controle pelo Poder Judiciário.
Texto enviado ao JurisWay em 08/11/2013.
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Introdução
A presente monografia possui como tema a “Intervenção Federal e o Poder Judiciário: a análise do mérito do ato de intervenção pelo Poder Judiciário”.
O estudo ora apresentado tem como inspiração a IF 5179 (Procurador Geral da Republica x Distrito Federal), na qual o Supremo Tribunal Federal julgou pela improcedência do pedido de Intervenção Federal no Distrito Federal.
Desse modo o objetivo desse trabalho é esclarecer se o Poder Judiciário, dentro de suas atribuições, deve julgar o mérito do ato de intervenção.
Para tentar responder esse questionamento, esse tema será abordado da seguinte maneira: o capitulo 1 conterá o conceito (o que é), natureza jurídica (ato jurídico ou político) e requisitos (material e formal) para decretação do ato de intervenção; o capitulo 2 abordara, sucintamente, os fatos que impulsionaram o Procurador Geral da Republica a pedir a intervenção no DF (IF 5179) e a decisão do STF sobre o caso; no capitulo 3 abordará brevemente a separação de poderes e, por ultimo, o capitulo 4 discorrerá sobre o ato político (conceito e natureza jurídica) e a possibilidade do Poder Judiciário analisar o mérito desse ato.
Após discorrer sobre todos os pontos apresentados será possível responder a problemática dessa tese.
Esta monografia utiliza como fonte básica de pesquisa, os a seguintes autores: 1) José Afonso da Silva; 2) Francisco Bilac Pinto Filho; 3) Enrique Ricardo Lewandowski; 4) Rui Barbosa; 5) Pontes de Miranda.
O Estado Federal firma-se na autonomia dos entes da federação e possui dois elementos básicos: governo próprio e competência exclusiva[1].
A autonomia é o poder de agir dentro dos limites estabelecidos pela maior norma de um Estado, a qual atribui quais os limites dessa autonomia, ou seja, é um poder limitado e circunscrito que gera o equilíbrio da federação. A Autonomia é o instrumento que rege as relações entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios[2].
Essa autonomia pressupõe a repartição de competências das entidades federativas, sendo essa repartição, o ponto nuclear para noção de Estado Federado[3]. Em decorrência disso, surge o princípio da predominância do interesse, que nos dizeres de José Afonso da Silva[4], é:
“segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local, tendo a Constituição vigente desprezado o velho conceito do peculiar interesse local que não lograra conceituação satisfatória em um século de vigência.”
Desse modo, as normas que regem os Estados federados, em regra, resguardam a autonomia (organizacional, administrativa e governamental) dos entes federativos (União, Estados, DF e Municípios). Somente em casos excepcionais é admitida a intervenção na autonomia política dos entes federativos com a finalidade de preservar a unidade e existência da Federação. Esse mecanismo é a Intervenção Federal.
A intervenção federal surgiu com a Constituição Norte Americana de 1787, no art. 4º, seção 4, que previa a garantia da União aos Estados-Membros da forma republicana de governo, a proteção contra invasões e a manutenção da ordem interna quando solicitado pelo Poder Legislativo e, no caso de não poder se reunir, pelo Poder Executivo[5].
No direito brasileiro, a figura da Intervenção Federal surgiu com a Constituição de 1891 em seu art. 6º, que teve sua redação alterada mediante Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926. Posteriormente, a figura da intervenção foi prevista na constituição de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.
A Intervenção Federal pode ser definida como, segundo Alexandre de Moraes[6]:
“a medida excepcional de supressão temporária da autonomia de determinado ente federativo, fundada em hipóteses taxativamente previstas no texto Constitucional, e que visa à unidade e preservação da soberania do Estado Federal e das autonomias da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios.”
Nos dizeres de José Afonso da Silva é ato político que consiste na incursão da entidade interventora nos negócios da entidade que a suporta[7]. Pontes de Miranda define como o punctum dolens do Estado Federal, onde se entrecruzam as tendências unitaristas e as tendências desagregantes[8].
Francisco Bilac[9] define intervenção como:
“mecanismo constitucional de intromissão do governo central em assuntos dos Estados-Membros para que se evitem, principalmente, conturbações à ordem instaurada. Ela é a supressão, ainda que temporária, da autonomia estadual, para se alcançar um “bem superior” que é a indissolubilidade da Federação.”
A natureza jurídica do ato de intervenção é matéria de grande controvérsia em nossa doutrina. Alguns doutrinadores como Max Fleischmann afirmam que o ato é uma medida de polícia, outros como Edgard Leoning classificam como medida de segurança e, ainda, Albert Haenel assevera que tem natureza político-juridica com o objetivo de resguardar a ordem constitucional.
Para Pontes de Miranda trata-se de ato jurídico, de direito político interno, executado dentro da competência federal[10]. Para a maioria da doutrina a Intervenção Federal é, essencialmente, um ato político ou um ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade, inobstante seja empreendido para a consecução de fins constitucionais preordenados e sujeitar-se ao controle de legalidade pelo Judiciário e ao controle político por parte do Legislativo[11].
A Intervenção Federal, como exposto no tópico anterior, é ato excepcional que visa à garantia da unidade, existência e equilíbrio da Federação. Sendo assim, não pode ser decretada por qualquer pessoa ou ente público. Como medida excepcional, a Intervenção Federal é regulada pela Constituição Federal que fixa tanto a pessoa legitimada a decretar o ato, como os casos em que é permitido decretar a medida.
Como medida excepcional, compete ao Chefe do Poder Executivo (Presidente da República) decretar a intervenção em um dos entes federativos de ofício ou mediante provocação dos seguintes entidades:
1. Poder Legislativo federal, estadual, distrital;
2. Poder Executivo federal, estadual, distrital;
3. Poder Judiciário federal, estadual, distrital;
4. Procurador Geral da Republica.
Os legitimados estão previstos no artigo 36 da Constituição Federal, nos seguintes moldes:
“Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:
I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário;
II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral;
III de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas.
§ 2º - Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembleia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas.
§ 3º - Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembleia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade.
§ 4º - Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal.”
Os Poderes Legislativo e Executivo, estaduais, podem requisitar diretamente ao Presidente da Republica que decrete a intervenção em algum dos entes federativos. O Poder Judiciário local, diferentemente, deve primeiro enviar o seu pedido ao Supremo Tribunal Federal que, se julgar procedente, irá requisitar ao Chefe do Executivo a medida.
Desse mesmo modo, o Procurador Geral da República deve enviar o seu pedido à nossa Suprema Corte que julgará o pedido e, em caso positivo, solicitará ao Chefe do Executivo a decretação da medida.
Mas a decretação e requisição dessa medida excepcional não podem ser realizadas em qualquer hipótese. Visando garantir a unidade, existência e equilíbrio da Federação, o Poder Constituinte de 1988 fixou as hipóteses em que o ato pode ser decretado. Tais hipóteses estão previstas no art. 34 da CF/1988, do seguinte modo:
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.”
As hipóteses elencadas nesse artigo são taxativas, ou seja, na se admite outras hipóteses além das previstas na Carta Magna.
Nas hipóteses previstas nos incisos I, II, III, V do art. 34 o Presidente da Republica pode decretar a intervenção de ofício (ex officio) ou mediante requisição de um dos legitimados.
Na forma do art. 34, inciso IV são competentes para requisitar a medida excepcional os Poderes Legislativo, Executivo e Poder Judiciário local. A competência desses entes limita-se a requisitar ao Presidente da Republica a decretação de intervenção no Estado.
Frisa-se que somente o Presidente da Republica possui competência para instituir a intervenção, cabendo somente aos outros entes à competência para solicitar.
O STF, Superior Tribunal de Justiça ou Tribunal Superior Eleitoral podem requisitar intervenção na hipótese do inciso VI, art. 34, segunda parte.
O Procurador Geral da Republica é legitimado a requisitar o ato de intervenção federal nos Estados e DF, na hipótese prevista no artigo 34, inciso VI. Devendo seu pedido ser encaminhado ao STF, a fim de que seja apreciado e, julgado procedente, encaminhado ao Presidente da Republica.
A intervenção possui dois requisitos a serem preenchidos: material e formal. O requisito formal, o qual será abordado no próximo tópico, consiste no modo em que serão efetivados, os limites e requisitos da Intervenção.
Já o requisito material “constituem situações críticas que põem em risco à segurança do Estado, o equilíbrio federativo, as finanças estaduais e a estabilidade da ordem constitucional[12]”.
Seguindo os ensinamentos do saudoso jurista José Afonso da Silva, os requisitos materiais são: 1) a defesa do Estado; 2) a defesa do princípio federativo; 3) a defesa das finanças estaduais e a 4) defesa da ordem constitucional.
A defesa do Estado consiste em manter a integridade nacional e repelir invasão estrangeira (art. 34, inciso I e II da CF/88). Manter a integridade nacional tem como fundamento evitar o desmembramento da União. Nenhum ente federativo esta autorizado a separar-se da União, ou seja, nenhum Estado Membro pode ser destacado, sem que se finde a federação brasileira. A integridade pressupõe que a unidade do território nacional.
Francisco Bilac[13] assevera que não se admite a secessão no Brasil. O Brasil é uno, sendo proibido o desmembramento do seu território para formar Estados soberanos, podendo ocorrer acréscimos territoriais, formação de novos Estados Membros ou Municípios, como assegura a Constituição Federal em seu art. 18, in verbis:
“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
(...)
§ 3º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.
§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.”
Todavia, não é apenas a secessão que caracteriza ofensa à integridade nacional, a invasão estrangeira também configura ofensa à soberania brasileira (art. 34, inciso II da CF/88), a qual possibilita a decretação de Intervenção pelo chefe do Poder Executivo.
A invasão estrangeira no território nacional pode ter a finalidade de conquista territorial, como o trânsito de tropas estrangeiras dentro do nosso território. Ocorrendo a invasão estrangeira em um dos entes Federativos deve o Presidente da República, independentemente de requisição, envidar todos os esforços para repelir a agressão, sob pena de crime de responsabilidade, previsto no art. 5º, nº. 9 da lei nº. 1.079/50. Como leciona Lewandowski:
“O Presidente da República, nessa hipótese, decreta a intervenção ex jure próprio, ou seja, em caráter discricionário, podendo sua omissão configurar crime de responsabilidade, no termos do art. 85, inciso I, da Constituição.”[14]
Importante destacar que tropas estrangeiras podem transitar dentro do território nacional desde que o Congresso Nacional autorize. Caso contrário, poderá o Presidente da República decretar a Intervenção no Estado Membro onde que permitiu a entrada de tropas estrangeiras sem a autorização do Congresso Nacional.
A defesa do princípio federativo (art. 34, inciso III e IV) tem como fundamento repelir a invasão de um ente Federativo em outro, por temor a grave comprometimento da ordem pública e garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação. A invasão de um Estado demanda a ação imediata do Poder Executivo, devendo submeter o ato de intervenção à apreciação do Congresso Nacional (art. 36, §1º).
O grave comprometimento da ordem publica pode ser entendido como desordem grave caracterizada dentro da unidade Federativa, sendo desnecessária que a perturbação esteja prestes a incendiar outros Estados da União[15].
Os poderes a que se refere o inciso IV do art. 34 da CF/88 são o Executivo, Legislativo e Judiciário, que compõem a sistemática organizativa da União. Sobre esse inciso o ilustre Francisco Bilac traz a seguinte lição:
“Embora o inciso fale em livre exercício de qualquer dos poderes unidades Federativas, devemos entender que a União só intervém nos Estados e Distrito Federal. Sempre foi essa a regra constitucional que norteou a Intervenção. Somente presenciamos a Intervenção Federal em Município, na vigência da carta de 1967, por mandamento estranho ao texto constitucional, pois veio autorizado em um Ato Institucional. Ademais, a Intervenção em Município deve ser levada a cabo pelo Estado Membro e não pela União.”
O terceiro requisito material da Intervenção Federal - defesa das finanças estaduais - baseia-se no fato de um ente Federativo suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo força maior e deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas na Constituição dentro dos prazos estabelecidos em lei.
O Poder Constituinte Originário ao incluir o referido inciso, preocupou-se em atribuir a União o dever de fiscalizar os orçamentos estaduais para impedir a inadimplência interna ou externa de seus entes Federativos. O que poderia gerar a desconfiança da própria nação.
Fernando Bilac discorre sobre o tema da seguinte maneira:
“... sempre foi a preocupação de a União Federal fiscalizar os orçamentos estaduais para impedir a inadimplência, quer interna, quer externa, de seus Estados, cujos efeitos podem reverte-se em desconfiança da própria Nação. Por isso, adotou-se o mecanismo da Intervenção Federal para reorganizar as finanças dos entes federativos.” [16]
Para que se possa entender o significado da primeira parte do referido inciso (suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior) é necessário definir o que é divida fundada.
A definição de dívida fundada esta prevista na lei complementar nº. 101 de 2000, que traz a seguinte definição:
“Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:
I - dívida pública consolidada ou fundada: montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses;”
Desse modo, dívida fundada abrange todas as obrigações financeiras do ente federativo, assumidas por leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, apuradas sem duplicidade.
Importante é a observação de Ricardo Lewandowski de que a dívida fundada não necessita ter obrigações a cumprir superior a doze meses. O autor assevera que:
“Esse conceito legal mereceu críticas muito pertinentes de Geraldo Ataliba, que observa que o mesmo incorre em dois equívocos, a saber: 1) ‘não é o prazo de doze meses que qualifica a divida fundada’; 2) ‘não cabe constituir divida fundada para atender a desequilíbrio orçamentário’... ao passo que, qualquer obrigação, seja por que o prazo for, desde que não constituía ‘para atender a insuficiência de caixa’, nos termos do art. 7º, inciso III, da citada lei nº 4.320/64, configura divida fundada”. [17]
A referida norma também prevê uma atenuante para essa hipótese de decretação da intervenção. No caso de ocorrência de força maior essa hipótese de intervenção fica afastada. Devendo para tanto de acontecimento extraordinário que atinja a capacidade de pagamento do ente federativo (caso de comoção interna no Estado, catástrofe natural) [18].
A outra hipótese de Intervenção para reorganizar as finanças públicas ocorre quando o Estado Membro deixa de entregar aos Municípios receitas tributárias fixada pela Magna Carta.
O intuito desse dispositivo é evitar que o Estado Membro sufoque seus municípios, exigindo que eles cumpram medidas que não estão previstas na Constituição Federal ou em contrato assinado entre os dois entes.
Defesa da ordem constitucional se expressa em promover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial, para exigir a observância dos princípios constitucionais (forma republicana, sistema representativo, regime democrático, direitos da pessoa humana, autonomia municipal, prestação de contas da administração pública direta e indireta, aplicação do mínimo exigida da receita resultante de impostos estaduais compreendida a procedente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde).
A garantia de promover a execução de lei federal ocorre quando um ente federativo desrespeita LEI FEDERAL (lei em sentido estrito). O desrespeito à lei federal, segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, seguindo os ensinamentos de Prado Kelly pode ocorrer quando um Estado Membro gera prejuízos generalizados, que não podem ser corrigidos por uma decisão judicial[19]. Também ocorre desrespeito à lei federal quando um ente federativo edita um a norma geral que impedi a execução de norma federal.
Sobre o tema Fernando Bilac, traz a seguinte lição:
“Pelo que se extrai do texto constitucional de 1988, o caminho adotado pode ser mais breve. Qualquer ato normativo estadual que negue a execução à lei federal passará necessariamente pelo crivo judicial, tendo em vista o mandamento insculpido no inciso IV do art. 36, determina que todo ato que recuse cumprimento à lei federal deverá ser precedido de representação do Procurador Geral da Republica junto ao Superior Tribunal de Justiça. Declarada a inexecução de lei federal pelo Superior Tribunal de Justiça, caberá a este tribunal Requisitar ao presidente da Republica a Intervenção Federal no Estado Membro.” [20]
No tocante a promover execução de ordem ou decisão judicial deve-se fazer uma importante ressalva. A ordem ou decisão deve ter cunho jurisdicional, ou seja, deve ter decisões que incidem sobre a lide decidindo-a formalmente ou materialmente ou mesmo resolvendo questões incidentais.
O STJ tratando sobre esse tema, proferiu a seguinte decisão:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. INTERVENÇÃO FEDERAL EM ESTADO DA FEDERAÇÃO POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE PRESSUPOSTOS. INVIABILIDADE.
A Constituição Federal só admite a decretação de Intervenção Federal em Estado da federação por descumprimento, pela autoridade governamental, de decisão judicial. A atividade do presidente do Tribunal que determina a correção monetária, já no âmbito de precatório anteriormente expedido, é meramente administrativo e despicienda de contraditório, não se equiparando à decisão justificadora de medida de execução (Intervenção Federal), consoante definição constitucional. Pedido de Intervenção Federal não conhecido. Decisão unânime.”[21]
Recorrendo, novamente aos ensinamentos de Fernando Bilac, não é necessário que a ordem ou decisão seja definitiva, como assevera o Autor:
“Deste modo, toda e qualquer ordem ou decisão emanada do Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, independente de seu transito em julgado, uma vez desrespeitada, reclama a possível Intervenção Federal.” [22]
Nesse sentido, nosso Superior Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão:
“INTERVENÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO, PELO ESTADO MEMBRO, DE DECISAO JUDICIAL. DEFERIMENTO. O OBICE OPOSTO PELO PODER EXECUTIVO ESTADUAL AO CUMPRIMENTO DE DECISAO JUDICIAL IMPLICA NO DEFERIMENTO DE INTERVENÇÃO FEDERAL NO ESTADO. A alegação de que a Intervenção Federal só se justifica quando se tratar de descumprimento de ‘decisão de mérito’, com transito em julgado, não impede a providencia excepcional, porquanto, se assim fosse cometer-se-ia, ao governador, o poder de postergar, indefinidamente, o andamento de todos os processos em que o auxílio da força publica fosse necessária à execução de decisões interlocutórias. Intervenção Federal deferida.” [23]
O pressuposto formal consiste no modo em que serão efetivado, os limites e requisitos.
O ato de intervenção é efetivado por meio de decreto presidencial, o qual especificará sobre qual(ais) do(s) Poder(es) do ente Federativo que incidirá, o prazo e condições de sua execução e, se houver necessidade, nomeará um interventor.
Importante destacar que é possível o ato de intervenção sem a nomeação de um interventor. Tal hipótese ocorrerá se a intervenção recair sobre o Poder Legislativo ou Judiciário, se recair sobre o Poder Executivo há a necessidade de nomear um interventor que irá exercer o papel de Governador.
Nas hipóteses previstas no art. 34, inciso I, II, III e IV, alíneas a e b, a simples ocorrências os fatos ensejadores autorizam o Presidente da República a decretar o ato de intervenção.
Na hipótese do inciso V, do art. 34 há necessidade de solicitação Poder Legislativo ou Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do STF, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário.
Já na hipótese do inciso VI do mesmo artigo é necessária à requisição do Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral ou Supremo Tribunal Federal para que a intervenção seja decretada.
Editado o decreto, esse será submetido à apreciação do Congresso Nacional dentro de 24 horas. Caso o Congresso não esteja funcionando será convocado extraordinariamente no mesmo prazo para que aprecie sobre o ato de intervenção.
O Congresso Nacional tomará ciência do ato de intervenção e aprovará ou rejeitará, nos moldes do art. 49, inciso IV da Magna Carta.
Caso a Intervenção seja rejeitada o ato será considerado inconstitucional e deverá ser suspenso imediatamente os seus efeitos, pois caso contrário, constituirá atentado contra os poderes constitucionais do Estado, caracterizando crime de responsabilidade do Presidente da República, o qual a esta sujeito ao processo e sanções correspondentes[24].
Através de denúncias, realizadas pelo ex Secretário de Relações Institucionais do Governo do DF, a Polícia Federal, por requisição do Superior Tribunal de Justiça (STJ), iniciou investigação sobre as referidas acusações. Em decorrência dessa investigação, no final de novembro de 2009, a Polícia Federal deflagrou a chamada operação “Caixa de Pandora”, a qual executou diversos mandados de busca e apreensão e aponta como principal articulador, de um esquema de corrupção, o Governador do DF (atualmente ex- governador). Além do envolvimento do Chefe do Poder Executivo, tal esquema envolve empresas com contratos públicos, membros do Poder Legislativo e outros membros do Poder Executivo (incluindo o Vice-Governador).
De acordo com a operação, o ex Governador teria recebido dinheiro dos empresários de forma ilícita para favorecê-los em contratos públicos, aprovar projetos de interesses particulares e teria usado boa parte da quantia para corromper os demais membros do governo. Junto com o depoimento do ex Secretário, o mesmo realizou varias gravações áudios-visuais onde ficam evidenciadas a entrega de volumosas quantias pecuniárias aos referidos acusados. Após a divulgação da operação pela imprensa, o governador,em fevereiro de 2010, por meio de um membro do Poder Legislativo, tentou subornar uma testemunha do inquérito para que o mesmo afirma-se que as acusações eram infundadas. A respectiva tentativa de suborno foi registrada pela policia.
Pelo fato, o STJ decretou a prisão do Governador. Tendo em vista a prisão do governador o vice-governador assumiu o governo do DF. Porém, em vista das acusações e da pressão exercida pela população e mídia, o mesmo, em 3 a 4 semanas, renunciou ao mandato.
Pelos fatos apresentados, faz-se necessário apontar uma solução para as anomalias político-administrativas, que ocorreram no Distrito Federal no final de 2009 e início de 2010. Uma das soluções apontadas, amplamente discutida e criticada por algumas autoridades, é a possibilidade de Intervenção Federal, prevista no art. 34 da Constituição Federal de 1988. O referido artigo traz em seu escopo, rol taxativo, em que a União poderá intervir nos Estados- Membros e no Distrito Federal.
Tal instituto tem como finalidade, como leciona José Afonso da Silva: “a defesa do Estado; a defesa de Princípio Federativo; defesa das finanças estaduais e defesa da ordem constitucional”. Sendo um instrumento pelo qual a União pode intervir na autonomia dos Estados Membros, a fim de evitar, principalmente, conturbações à ordem pública e garantir a manutenção do Estado-Federal, a Intervenção Federal deve ser adotada como medida temporária e com limites pré-estabelecidos. Caso contrário, podem ocorrer desvios das previsões constitucionais para satisfazer anseios políticos, como ocorrido na República Velha e na Era Vargas.
Com base nisso, o Procurador Geral da República ingressou com um pedido de Intervenção Federal perante o STF (IF5179), requerendo a Intervenção no DF.
No dia 30/06/2010 o plenário do STF julgo, por maioria, a improcedência do pedido de intervenção feita pelo Procurador Geral da Republica, proferindo a seguinte decisão:
“EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. Representação do Procurador-Geral da República. Distrito Federal. Alegação da existência de largo esquema de corrupção. Envolvimento do ex-governador, deputados distritais e suplentes. Comprometimento das funções governamentais no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo. Fatos graves objeto de inquérito em curso no Superior Tribunal de Justiça. Ofensa aos princípios inscritos no art. 34, inc. VII, “a”, da CF. Adoção, porém, pelas autoridades competentes, de providências legais eficazes para debelar a crise institucional. Situação histórica consequentemente superada à data do julgamento. Desnecessidade reconhecida à intervenção, enquanto medida extrema e excepcional. Pedido julgado improcedente. Precedentes. Enquanto medida extrema e excepcional, tendente a repor estado de coisas desestruturado por atos atentatórios à ordem definida por princípios constitucionais de extrema relevância, não se decreta intervenção federal quando tal ordem já tenha sido restabelecida por providências eficazes das autoridades competentes.”
Em virtude desse julgado, surge a duvida quanto à competência do Poder Judiciário para julgar a procedência ou não da decretação da Intervenção Federal, ou seja, o mérito do ato.
A Separação de Poderes ou divisão dos Poderes do Estado (Tripartição dos Poderes) esboçava seus primeiros ensaios no pensamento ocidental desde a antiguidade clássica, que remontam a Grécia e Roma antiga.
A separação das funções do Poder do Estado surgiu, pela primeira vez, durante a guerra civil do século XVII na Inglaterra. Suas idéias estão associadas estreitamente ao Estado Constitucional ou Estado de direito (rule of Law)[25], tendo como elemento essencial o combate ao absolutismo da época.
Sobre o tema, Nuno Piçarra, traz a seguinte lição:
“Como arma ideológica de luta contra os abusos e arbitrariedades do Longo Parlamento, a necessidade da separação dos poderes era invocada com o preciso sentido de limitar aquele órgão ao desempenho da função legislativa, retirando-lhe quaisquer competências de natureza jurisdicional que a outro órgão constitucional deveriam caber. Eis a doutrina da separação dos poderes, pela primeira vez enunciada nos seus traços autônomos fundamentais, como doutrina prescritiva de determinados arranjos orgânico funcionais, baseada numa certa analise das funções do Estado (...) a exclusão da tirania e do arbítrio, inevitáveis quando todos os poderes estão concentrados num só órgão, e a garantia da liberdade e da segurança individuais, seriamente comprometidas quando as leis são aplicadas por quem delas é autor”[26]
Sendo assim, a doutrina da separação dos poderes do Estado foi concebida com uma conotação estritamente jurídica, sem curar, da titularidade política dos respectivos poderes funções do Estado. Em outras palavras, estava ligada apenas a concepções jurídicas em desenvolvimento na Inglaterra, que visavam a proteção dos direitos individuais perante as atuações arbitrárias do Estado.
Posteriormente, a doutrina da separação das funções do Estado foi tratada por John Locke, em seu livro Two Treatises of Government, de modo incompleto e com traços rudimentares, que não se encontrava nenhuma doutrina acerca da separação dos poderes, mas uma simples distinção das funções do estado, ou seja, ligada as funções políticas do Estado.
Foi a partir de Montesquieu que o estudo da separação dos poderes volta a ter cunho jurídico, pois suas idéias estão relacionadas a liberdade e legalidade, ao estado de direito. Em seus estudos, Montesquieu já afirmava que o poder de julga deveria ser desvinculado do poder executivo e legislativo.
Nesses sentido, Nuno Piçarra afirma que Montesquieu entendia as três funções do Estado do seguinte modo:
“O poder legislativo traduz-se no poder de fazer leis, por um certo tempo ou para sempre, e de corrigir ou ab-rogar os questões feitas. O poder executivo das coisas que dependem do direito internacional ou, simplesmente, o poder executivo Estado é o poder de fazer a paz ou a guerra, de enviar ou receber as embaixadas, de mantes a segurança e de previnir invasões. O poder de julgar ou o poder executivo das coisas que dependem o direito civil é o poder de punir os crimes e julgar os litígios entre os particulares.”[27]
Foi a partir dos estudos realizado por Montesquieu que a ideia de separação de poderes foi disseminada e impregada definitivamente no constitucionalismo liberal. Todavia, foi com a constituição norte amerciana que o poder do Estado foi divido em Executivo, Legislativo e Judiciário.
O Brasil adotou a teoria da repartição de poderes na Constituição Federal de 1988, criando o Poder Executivo, Judiciário e Legilativo.
“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
O Poder Executivo (função executiva)[28] tem a função precípua de praticar os atos de chefia de estado, governo e administração, resolvendo problemas concretos não se limitando a simples execução das leis. No Brasil, essa função compete ao Presidente da República, com o auxilio dos Ministros de Estado.
O Poder Legislativo execer a função de legislar e fiscalizar. A função legislativa significa elaborar normas gerais, abstratas, impessoais e inovadoras da ordem jurídica por meio de processo legislativo previsto na Magna Carta. A ficalização é a analise das atividades financeiras do Poder Executivo e Judiciário.
A função jurisdicional consiste na aplicação do direito nos casos concretos, a fim de solucionar os conflitos de interesse resistidos por uma pretensão (lide), buscando a pacificação da sociedade. Alexandre de Moraes[29] define o Poder Judiciário como:
“um dos poderes clássicos previstos pela doutrina e consagrado como poder autônomo e independente de importância crescente no Estado de Direito, pois, como afirma Sanches Viamonte, sua função não consiste somente em administrar a Justiça,sendo mais, pois seu mister é ser o verdadeiro guardião da Constituição, com a finalidade de preserva, basicamente, os princípios da legalidade e igualdade, sem os quais os demais tornariam se vazios”.
A jurisdição (dizer o direito) que corresponde à emanação da soberania do Estado (União) na composição de conflitos de interesses (lide) por meio da aplicação da lei.
O exercício das funções aqui mencionadas é monopólio do Estado. Só podendo ser exercida pelos Poderes mencionados da Carta Magna.
Importante destacar que não se pode confundir jurisdição com legislação. Legislação são normas gerais e abstratas criadas pelo Poder Legislativo que tem como função regrar a sociedade. Já a Jurisdição baseia-se, como exposto anteriormente, em resolver o caso concreto através da aplicação da norma (harmonização da sociedade).
Também não se deve confundir a jurisdição com administração. Chiovenda[30], por exemplo, conceitua jurisdição como uma atividade secundária, ou coordenada, no sentido de que ela substitui a vontade ou inteligência de alguém, cuja atividade seria primária, enquanto o administrador exerce atividade primária, ou originária, no sentido de que se desenvolve no seu próprio interesse. O juiz julga a respeito de outrem e em razão da vontade da lei concernente a outrem. A administração decide a respeito da própria atividade.
Jose Afonso da Silva[31] traz a seguinte lição sobre essa matéria:
“..., considerando como de jurisdição aquilo que o legislador constituinte incluiu na competência dos órgãos judiciários e como administração o que conferiu aos órgãos do Executivo, que, em verdade, não se limita à execução da lei, consoante já vimos. Segundo esse critério, ato jurisdicional é o que emana dos órgãos jurisdicionais no exercício de sua competência constitucional respeitando á solução de conflito de interesses.”
Cada poder exerce uma atividade diferente, como descrito anteriormente. Todavia, essas atividades (administrar, legislar e julgar) não são exclusivas, podendo cada poder exercer uma função atípica.
Como princípio constitucional, a separação de poderes buscar limitar o poder do Estado frente à sociedade para prevenir abusos, ao serviço do homem comum, ou seja, busca evitar que o Estado, ao exercer suas atividades, busque fim diverso do bem comum. Além disso, a separação dos poderes tende a garantir o gozo dos direitos fundamentais, impedindo que surja no Estado Constitucional a figura do soberano (monarca).
Nuno Piçarra afirma que:
“A separação dos poderes é um pressuposto institucional para a garantia dos direitos fundamentais, sem a qual estes mais não são do que meras declarações de intenção. Só perante tribunais independentes o individuo pode resistir às violações dos seus direitos por parte dos outros poderes do Estado.”[32]
A Teoria da Separação dos Poderes, além de ser um princípio consagrado em nossa constituição, deve ser compreendido, não como mera divisão dos poderes do Estado, mas , também, como um dos pilares do Estado Constitucional, o qual garante o exercício e gozo dos direitos e garantias fundamentais.
O conceito de ato político encontra guarda sérias dificuldades, visto que não existe uma categoria de atos políticos como entidade ontológica, autônoma, ou mesmo um órgão ou Poder que o pratique com exclusividade.
O ato político encontra sua origem no Direito Francês, como bem informa Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández[33]:
“Historicamente a doutrina dos atos políticos foi introduzida pelo Conselho de Estado francês (talvez uma das escassas máculas de sua história exemplar) no momento crítico da restauração bourbônica, quando estava em risco, como criação napoleônica, a subsistência da grande instituição e de suas funções. O Conselho se negou sistematicamente a conhecer aquelas reclamações que tinham relação com os problemas políticos derivados da extinção do regime napoleônico (por exemplo, arrêt Laffite, 1822) e mais adiante aos que se referiam às distintas mudanças e conflitos políticos que se sucederam. Chegou-se assim à teoria móbil político, segundo a qual fosse qual fosse o objeto material do ato, sempre que os governantes o ordenassem em função de um fim político, o ato deixava de ser administrativo e se convertia em político, tornando-se com isto isento do controle contencioso-administrativo. O sistema funcionou com todos os regimes até 1875. Nesta ultima data, já estabelecido o sistema de jurisdição delegada (desde 1872), que reconheceu ao Conselho de Estado toda a sua independência, pela primeira vez tomando conhecimento da reclamação do príncipe Jerônimo Napoleão contra sua suspensão como general de divisão. O critério se mantém em 1880, a propósito de assuntos relacionados com a expulsão dos jesuítas, e em 1887, arrêt Prince d’Orleans e Prince Murat. Desde então se matem ainda a tese dos atos políticos ou de governo, unicamente enquanto se refiram a uma lista concreta de matérias, que a jurisprudência posterior foi reduzindo.. Esta lista, já desvinculada por completo da origem da doutrina, compreende hoje as relações internacionais, as relações interconstitucionais do Executivo com os demais poderes e as questões de perdão e anistia. A isenção jurisdicional destas hipóteses é explicável por razões próprias, pelo que a arcaica doutrina dos atos de Governo se declara hoje introuvale (Virally)”.
Rui Barbosa[34] ensina que os atos puramente políticos não são passíveis de controle pelo Poder Judiciário. O ilustre autor define ato político como aqueles sujeitos à discricionariedade do Congresso ou do Executivo, sendo tais atos imunes à apreciação judicial, salvo quando lesem direitos constitucionais do indivíduo[35]. Em suas palavras são “aqueles a respeito dos quais a lei confiou a matéria à discrição prudencial do poder”.
Pedro Lessa, seguindo os ensinamentos de Rui, define como questões puramente políticas aquelas que se resolvem com faculdades meramente políticas, por meio de poderes exclusivamente políticos, isto é, que não têm como termos correlativos direitos encarnados nas pessoas, singulares ou coletivas, sobre que tais poderes exercem[36]. Em outras palavras, ato político seria um ato de governo que não afronta o direito de outrem, ultrapassando os limites do político ao da discricionariedade.
Sobre o tema, o ilustre constitucionalista Paulo Bonavides[37] ensina que as questões políticas, expressas em atos do Poder Legislativo e Executivo, estão fora da alçada judicial, salvo se violarem direitos individuais.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui a seguinte jurisprudência:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DE CASSAÇÃO DE MANDATO PARLAMENTAR. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO DE ATOS DE NATUREZA POLÍTICA. ATO INTERNA CORPORIS . REQUERIMENTO. VALIDADE.
1. Mostra-se válido o requerimento de membro de Assembleia Legislativa para que a Mesa diretora da Casa provoque a instauração de processo de cassação de mandato de deputado estadual, sendo esse o procedimento previsto pela Constituição Estadual.
2. Além de ato político, a cassação de mandato parlamentar é interna corporis, cuja apreciação é reservada exclusivamente ao Plenário da Câmara, não podendo o judiciário substituir a deliberação da Casa por um pronunciamento judicial sobre assunto que seja da exclusiva competência discricionária do Poder Legislativo.
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PREFEITO. CASSAÇÃO. NULIDADE DO PROCESSO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO. QUESTÕES INTERNA CORPORIS. ACÓRDÃO COM MÚLTIPLOS FUNDAMENTOS. ATAQUE NÃO PORMENORIAZADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 283 DO STF, POR ANALOGIA.
1. Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Edson de Souza Vilela contra procedimento de cassação de seu mandato como Prefeito. Na presente ação, pretende o recorrente caracterizar as supostas inúmeras nulidades que viciaram o processo político-administrativo.2. Sustenta o recorrente ter havido: (i) ofensa aos arts. 58, § 1º, da CR/88,
reproduzido pelo art. 60, § 1º, da Constituição do Estado de Minas Gerais, ao
argumento de que não foi assegurada a participação proporcional dos partidos políticos; (ii) violação ao art. 5º, inc. LV, da CR/88, aduzindo que o indeferimento de produção de provas (pericial e testemunhal) e a utilização de certos meios de prova cerceou seu direito a ampla defesa e contraditório; (iii)
nulidade do processo político-administrativo em razão da suspeição do vereador Eugênio Pacelli Lara; (iv) malversação dos arts. 297 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Carmo de Cajuru e 78 do Regimento Interno da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, por motivos de impedimento de diversos vereadores; (v) nulidade do processo político-administrativo em razão da não lavratura de ata da sessão de julgamento a bom tempo e da ausência de informação à Justiça Eleitoral; e (vi) ausência de motivação do ato de cassação, ao argumento de que o recorrente teria cumprido a Lei n. 8.666/93 e o parecer final da comissão processante não respeitou a perícia oficial.
3. Não assiste qualquer razão ao recorrente.
4. Em relação aos itens (i), (ii) e (vi), cumpre destacar que o Poder Judiciário não pode se imiscuir em assuntos interna corporis .
5. Na verdade, discutir se houve obediência à proporcionalidade possível na distribuição de assentos na comissão processante é ato meramente político do Poder Legislativo municipal, não sujeito a controle do Judiciário.
6. Neste sentido, v., p. ex., STJ, RMS 2.334/SP, Rel. Min. Américo Luz, Segunda Turma, DJU 8.5.1995; STJ, RMS, 23.107/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 23.4.2009; STF, MS 22.183/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJU 12.12.1997; e STF, MS 20.415/DF, Rel. Min. Aldir Passarinho, Tribunal Pleno, DJU 19.4.1985.
7. Da mesma forma, no caso, analisar a negativa de produção de prova e a utilização de perícia oficial de forma distorcida para caracterizar a inocorrência de atos ilegais por parte do cassado e, via de consequência, seu comportamento de acordo com a dignidade e o decoro do cargo, mais do que importar na discussão da legalidade e constitucionalidade destas medidas, é matéria que diz com o próprio mérito do ato político-administrativo de cassação, com a justiça ou injustiça da decisão tomada pela comissão processante, controvérsia esta que está fora do alcance do Poder Judiciário.
8. Mas, não fosse isso bastante, no que se refere ao indeferimento da produção de perícias, conforme salientado no acórdão combatido, "o que motivou a denúncia foram as supostas ilegalidades cometidas por ocasião da contratação" (fl. 688), nada tendo a ver, portanto, com a conveniência e a oportunidade da contratação do serviço (que era o objeto das perícias) - v. tb. fl. 689. Assim sendo, incidiriam, ainda, as Súmulas n. 283 e 284 do Supremo Tribunal Federal - STF, por analogia.
9. O objetivo do recorrente com tais impugnações é único: substituir a determinação constitucional acerca do "juiz natural" para a apreciação e julgamento da perda do mandato.
10. No que tange aos itens (iii), (iv) e (v), é caso de aplicar a Súmula n. 283 do STF, por analogia. Isto porque a origem adotou um ou mais de um fundamento(s) para cada ponto impugnado, mas o recorrente deixou de rebatê-lo(s), razão pela qual há argumento bastante para a manutenção do provimento atacado. Veja-se.
11. Acerca da dita nulidade do processo político-administrativo pela suspeição do vereador Eugênio Pacelli Lara, disse a origem (fl. 689/690 - negrito acrescentado): "Já no que tange à suposta inimizade do Impetrante com o vereador Eugênio Pacelli Lara, tampouco existem elementos suficientes a demonstrar a impossibilidade do edil de participar da Comissão Processante. Com efeito, no decorrer do processo administrativo, nenhuma comprovação foi feita pelo Impetrante, que desse a entender a existência de inimizade figadal entre os dois. Assim, não se podem acolher meras alegações a respeito
dessa suposta inimizade, sem a existência de elementos sólidos a demonstrar a veracidade da mesma. [...] Frise-se ainda que o Impetrante teve a oportunidade de, no processo administrativo, apresentar provas da existência dessa inimizade profunda. Entretanto, quedou silente quanto à questão, somente vindo a alegar essa inimizade quando da impetração deste mandamus, e mesmo assim desprovido de qualquer comprovação".
12. No recurso ordinário, o recorrente limita-se a enfatizar a ocorrência da suspeição, sem impugnar a inexistência de comprovação do alegado ou o silêncio caracterizado no processo político-administrativo.
13. Acerca do alegado impedimento de diversos vereadores , a instância inaugural asseverou o seguinte (fl. 687 - negrito acrescentado): "Referente a este mesmo aspecto da questão, ou seja, à composição da comissão, tampouco configura nulidade o fato de dois dos três membros terem sido eleitos, no decorrer do trâmite processual, para a presidência e vice-presidência da Mesa Diretora. Não são eles obrigados a renunciar aos trabalhos da comissão, até mesmo porque, mais uma vez em se tratando de uma Câmara de Edis com reduzido número de vereadores, se houvesse essa obrigação, outros aspectos poderiam restar prejudicados, como a própria representatividade proporcional partidária. Somando-se a isso os possíveis impedimentos, correr-se-ia o risco de ficar sem edis suficientes para a formação da comissão".
14. O recorrente não combateu a principal tese adotada pela origem, qual seja, a impossibilidade de reconhecer o impedimento de tantos vereadores, sob pena de inviabilizar a apreciação e o julgamento do feito, na medida em que poderia
sequer haver quorum ou, caso fosse este existente, ficaria prejudicada a proporcionalidade possível.
15. Ao revés, a parte insurgente limitou-se a discutir a necessidade de que os membros considerados impedidos se afastassem da comissão processante.
16. Por fim, acerca da nulidade do processo político-administrativo em razão da não lavratura de ata da sessão de julgamento a bom tempo e da ausência de informação à Justiça Eleitoral , o voto condutor fundou-se em quatro argumentos: a elaboração posterior da ata afasta a nulidade; o término tardio da sessão de julgamento - após quase vinte e três horas de reunião da comissão processante e dos interessados - impediu a pronta transcrição; a aquiescência de todos os presentes no sentido da transcrição em momento mais oportuno descaracteriza a nulidade; e a falta de informação à Justiça Eleitoral configura apenas irregularidade, e não nulidade.
17. O recorrente passou ao largo de qualquer consideração sobre tais fundamentos.
18. Recurso ordinário não conhecido. (RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 19.809 - MG (2005/0045782-0)”.[39]
Apesar dos julgados versarem sobre atos políticos emanados do Poder Legislativo, frisa-se que o Poder Executivo também pratica ato político. Não sendo, portanto, passível de controle pelo Poder Judiciário, conforme o entendimento da nossa Superior Corte de Justiça.
Castro Nunes assevera que são os próprios tribunais os juízes de caráter políticos do ato, e conclui:
“Toda dificuldade nessa matéria este em assentar um critério discriminativo das questões políticas defesas ao exame dos tribunais e das que, envolvendo um direito individual, possam ter ingresso no Judiciário. Não existem regras precisas. O critério jurisprudencial americano merely, purely, exclusively political questions, tão repetido entre nós, é empírico, casuístico, não assenta em nenhum princípio racional”.[40]
A discricionariedade do ato político não pode ser confundida com à do ato administrativo. O ato político possui ampla margem de discrição, haurida pela Constituição Federal, ou seja, a faculdade discricionária, reservada aos poderes políticos, implica em reconhecer uma ampla liberdade para apreciar a conveniência e oportunidade do ato, sem se ater a critérios jurídicos preestabelecidos. Já os atos administrativos possui discricionariedade restrita a lei, o agente que o pratica deve ser ater aos critérios jurídicos preestabelecidos e os limites impostos pela lei infraconstitucional.
Matéria de grande controvérsia doutrinária é sobre o controle judicial dos atos políticos ou de governo. Apesar do ato político não ser exclusivo do Poder Executivo, é por meio deste que o Presidente da República guia o Estado Brasileiro, ou seja, é por meio do ato político que o Presidente do República lidera e conduz o Estado.
Sergio Tamer leciona que à Constituição Federal, por meio de seus princípios, preceitos e normas, materializa, por meio desses atos, impulsiona as políticas públicas e orienta a política de um Estado[41].
Por estar relacionado com o princípio da divisão dos poderes, o seu controle deve ser realizado dentro do sistema de harmonia, independência e contenção entre os Poderes estabelecidos pela constituição.
Em decorrência disso, parte-se do princípio que os atos políticos são praticados nos moldes constitucionais, em outras palavras, os atos praticados não são arbitrários e não estão à margem ou acima da constituição federal.
Os atos políticos e a função política têm como base a constituição e, como consequência, são passíveis de controle judicial, exceto quanto ao critério de conveniência e oportunidade (mérito) da ação ou omissão.
Sobre a temática, Manuel Aragon traz a seguinte lição:
“falar de constituição tem sentido quando se a concebe como um instrumento de limitação e controle do poder(...) efetivamente, o controle é um elemento inseparável do conceito de Constituição se quer dotar de operatividade ao mesmo, é dizer, se pretende que a constituição se realize, em expressão, bem conhecida, (...) O controle não forma parte unicamente de um conceito político de Constituição, como sustentava Shimitt, senão de seu conceito jurídico, de tal maneira que somente se existe controle da atividade estatal pode a Constituição despregar sua força normativa e somente se o controle forma parte do conceito de Constituição pode ser entendida esta como norma.”[42]
Uma importante interligação realizada pelos constitucionalistas anglo-saxões é sobre o controle e o sistema de separação de poderes. Segundo eles, a teoria dos freios e contra pesos implicava que a fiscalização e o controle são parte integrantes da teoria da divisão dos poderes e não exceção à mesma.
Manuel Aragon, ao abordar o tema, leciona que:
“como instrumento indispensável para que o equilíbrio (com ele a liberdade) possa ser realidade. E esse papel capital, desempenhado pelo controle da Constituição inglesa, o havia exposto já o próprio BolingBroke: no momento em que cada órgão do Estado entra em funcionamento e afeta a totalidade, seu procedimento é examinado e fiscalizado pelos outros órgãos.”[43]
O ilustre autor Rui Barbosa sempre sustentou que não era lícito intervir a Corte Suprema intervir no exercício político do poder da legislação ou do Presidente da República e, ainda, que as questões de litígio sobre questões políticas de sua natureza não devem ser objeto de litígio perante ela.[44]
O controle judicial do ato deve ser realizado de modo a não violar o principio da separação dos poderes. Tal controle só pode ser exercido no caso concreto e não aprioristicamente, pois o ato que tem como fundamento a constituição federal (possui sua origem na norma constitucional) e, a principio, é praticado em harmonia com os seus princípios e interpretação.
Rui Barbosa afirma que:
“indubitavelmente, a Justiça não deve conhecer de casos que forem exclusiva e absolutamente políticos, mas a autoridade competente para definir quais os casos políticos e não políticos é justamente a Justiça suprema.”[45]
Desse modo, nenhum caso pode ser excluído da apreciação do judiciário sob a alegação de que se trata de ato político. Sendo assim, mesmo que ato tenha natureza política o judiciário não deve excluir de sua apreciação devendo, o mesmo, averiguar se o caso em questão envolve ato de natureza política ou não.
O referido autor afirma ainda que:
“Quando à função de um poder, governativo ou legislativo, não corresponde, fronteiramente, um direito constitucional da entidade, natural ou moral, que a ação desse poder interessa e poderá ferir, tal poder já confiado, pela sua natureza, ao arbítrio da autoridade, em quem reside. É um poder discricionário, e, como poder discricionário, seria palpável de contradição nos termos em que sofresse restrição pela interferência coibitiva de outro.”[46]
Sendo assim, somente na ocorrência de violação dos direitos constitucionais dos indivíduos, seria adequado o controle do ato político pelo Poder Judiciário, uma vez que a constituição consagrou a teoria da separação dos poderes e não admite arbítrio de nenhum dos poderes.
O próprio Rui Barbosa salienta que
“mesmo em relação ao exercício de funções discricionárias pode caber a interferência judicial se delas houver abuso claro e grosseiro. Dar-se-á essa hipótese quando, por exemplo, a pretexto, em nome ou sob a cor de exercer atribuições tais, o Governo ou o Congresso as ultrapassem, perpetrando atos que, evidentemente, nelas não caibam”.[47]
Pontes de Miranda com sua notável sabedoria assevera que:
“sempre que se discute se é constitucional, ou não, o ato do Poder Executivo, ou do Poder Legislativo, ou do Poder Judiciário, a questão judicial esta formulada, o elemento político excedido, e caiu-se no terreno da questão jurídica.”[48]
Comparato leciona que a atividade política do Poder Judiciário é diferente da atuação política do Poder Legislativo e Executivo. O Poder Legislativo está incumbido de tomar as decisões fundamentais para a comunidade com um todo. Ao Poder Executivo cabe executar as decisões fundamentais. Já ao Poder Judiciário está incumbido de exercer com exclusividade o controle de todos os atos ou decisões, com base na Constituição e nas leis.
Atualmente alguns consagrados constitucionalistas – Seabra Fagundes, J. Cretella Jr. e Paulo Bonavides – sustentam que o ato político é insuscetível de controle judicial por envolver matéria política, mérito político. Sua apreciação judicial é admitida tão somente quando arguido de lesivos a direito individual.
Discordando desse corrente, ilustre acadêmicos como Derly Barreto e Silva Filho, Régis Fernandes de Oliveira e Bandeira Mello afirmam que, em virtude do art. 5, inciso XXXV da CF/88 consagrar a inafastabilidade do princípio do controle judicial e dos art. 102, inciso I, alínea A; inciso II alínea a, b e c; e art. 103, parágrafo 2, também da CF/88, que consagram o principio da constitucionalidade dos atos estatais ao estabelecerem mecanismos assecuratórios da supremacia constitucional. Ocorre que a conveniência oportunidade do Estado atribui ao ato caráter político, o que o torna insuscetível de controle judicial quanto à valoração dos motivos.
Seguindo essa premissa, Fernando de Andrade Oliveira dispõe que:
“não estão, pois, os denominados atos políticos ou de governo fora do alcance da apreciação do Poder Judiciário. Embora digam respeito à vida da nação e dirijam-na, não se pode chegar ao absurdo de tirá-los da apreciação jurisdicional, salvo se se negar a existência do Estado de direito e houver rompimento com toda ordem jurídica estabelecida.”[49]
Araujo Castro ao dispor sobre a constituição de 1934 possuía o seguinte entendimento:
“Questões exclusivamente políticas devem entender-se aquelas que se referem ao exercício de poderes discricionários, isto é, ao exercício de poderes que a Constituição confia à inteira discrição do Legislativo e do Executivo. (...) desde que o ato, executivo ou legislativo, contra o qual se demande, fira a Constituição, lesando ou negando um direito nela consagrado (...) pode estar... na competência dos tribunais”.[50]
Castro Nunes, seguindo a mesma posição afirma que:
“a discrição cesse onde começa o direito individual, posto em equação legal. As medidas políticas são discricionárias apenas no sentido de que: pertencem à discrição do Congresso ou do Governo os aspectos de sua conveniência e oportunidade, a apreciação das circunstancias que possam autorizá-las, a escolha dos meios, etc. (...) os tribunais não se envolvem, não examinam, não podem sentenciar nem apreciar, na fundamentação de suas decisões, as medidas de caráter legislativo ou policial, sob o aspecto outro que legal. Mas, nessa esfera restrita, o poder dos tribunais não comporta, em regra, restrição fundada na natureza da medida.”[51]
Silva Filho com sua notável síntese ensina que o Poder Judiciário deve velar pela constitucionalidade das ações estatais, nenhuma questão, mesmo política, pode ser subtraída de sua apreciação. Principalmente quando viola não direitos, mas também contraria princípios fundamentais e preceitos constitucionais.[52]
Em breve síntese, podemos concluir que é por meio do ato político que o Presidente da Republica governa e orienta o Estado. Por estar ligado diretamente ao principio da separação de poderes, o controle do ato político deve ser exercido em harmonia a esse princípio. Em decorrência disso, temos que o ato político tem como fundamento a própria constituição, não podendo o Poder Judiciário analisar o mérito do ato. Esse controle só poderia ser realizado caso o ato político ferisse princípios ou garantias constitucionais.
O Ato de Intervenção consiste na retirada temporária da autonomia de ente federativo, para garantir e preservar a Unidade federativa. Essa medida é prerrogativa exclusiva do Presidente da República que poderá exercer de ofício ou mediante requisição dos entes legitimados previstos no art. 34 da CF/88. Contudo, o exercício dessa prerrogativa encontra limites fixados pela CF/88 em seu artigo 36 que estabelece os requisitos materiais para decretação do ato, em rol taxativo.
A intervenção tem natureza de ato político, pois possui como elementos constitutivos a conveniência e oportunidade, que são características dos atos praticados pelo Poder Legislativo e Executivo.
Diante disso, surge uma das maiores controvérsias do direito brasileiro: a possibilidade de controle judicial do mérito do ato de intervenção. Essa temática é de grande controvérsia em nossa doutrina uma vez que os atos políticos são praticados em consonância com a constituição, ou seja, não são arbitrários e não estão nem a margem nem acima da constituição.
Como os atos políticos ou atos de poder tem seu fundamento na constituição, são passíveis de controle judicial. O controle do ato político deve ser exercido em consonância com a teoria da tripartição dos poderes para que não ocorra interferência de um dos Poderes na autonomia do outro.
O controle judicial deve somente incidir nas hipóteses de o ato político violar direitos e garantias individuais. Fora essa hipótese, sobre o ato político não deve incidir controle judicial sob pena de violação ao princípio da separação de poderes adotado por nosso direito no artigo 2º da CF/88. Em outras palavras, não cabe o controle do ato político em abstrato, devendo o mesmo ocorrer apenas no caso concreto nas hipóteses de violação de direitos e garantias individuais.
Em virtude de sua natureza jurídica, que dá liberdade de escolha ao chefe do Poder Executivo para a prática do ato de intervenção, não deve o Judiciário interferir nessa esfera, ou seja, o mérito da Intervenção Federal não deve ser objeto de controle judicial. A ocorrência do controle judicial abstrato desse ato, como ocorreu no caso do Distrito Federal apresentado no capitulo 2, gera violação ao princípio da separação dos poderes, uma vez que o Poder Judiciário interfere na prerrogativa fixada pela Constituição Federal ao Poder Executivo. O controle judicial só deve ocorrer na hipótese da Intervenção Federal violar direitos e garantias individuais ou quando violar a própria constituição.
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[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 484
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 477
[4] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 478
[5] PINTO FILHO, Francisco Bilac M. A Intervenção Federal e o Federalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense; 2002, p. 219.
[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 484
[8] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969. Tomo III. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1970, p. 200, 201 e 207.
[9] PINTO FILHO, Francisco Bilac M. A Intervenção Federal e o Federalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense; 2002. p. 216
[10] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969. Tomo II. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1970, p. 190.
[11] LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos Materiais e Formais da Intervenção Federal no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1994, p.36-37.
[12] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 485
[13] PINTO FILHO, Francisco Bilac M. A Intervenção Federal e o Federalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense; 2002. p. 324.
[14] LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos Materiais e Formais da Intervenção Federal no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1994, p. 89.
[15] PINTO FILHO, Francisco Bilac M. A Intervenção Federal e o Federalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense; 2002. p. 333.
[16] PINTO FILHO, Francisco Bilac M. A Intervenção Federal e o Federalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense; 2002. p. 339.
[17] LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos Materiais e Formais da Intervenção Federal no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1994.
[18] PINTO FILHO, Francisco Bilac M. A Intervenção Federal e o Federalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense; 2002. p. 339.
[19] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Vol I e II. 2ª ed. São Paulo: Saraiva: 1997, p.227
[20] PINTO FILHO, Francisco Bilac M. Intervenção Federal e o Federalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense: 2002. p. 347.
[21] STJ, IF nº. 33/PR, Corte Especial, Relator: Ministro Demócrito Reinaldo, julgado em 16/04/1997, DJ de 09/06/1997, p. 25.456, RSTJ 99/2009.
[22] PINTO FILHO, Francisco Bilac M. Intervenção Federal e o Federalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense: 2002, p. 349.
[23] STJ, IF nº. 26/PR, Relator: Ministro Demócrito Reinaldo, Corte Especial, decisão por maioria, DJ de 05/06/1995.p. 16.607, RSTJ 75/65.
[24] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 488.
[25] PIÇARRA, Nuno.A Separação dos Poderes como doutrina e principio Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora LTDA: 1989, p.44.
[26] PIÇARRA, Nuno.A Separação dos Poderes como doutrina e principio Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora LTDA: 1989, p.49.
[27] PIÇARRA, Nuno. A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional. Coimbra: Ed. Coimbra LTDA: 1989,p. 91.
[28] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ªed. São Paulo:Malheiros Editores; 2006, p.108.
[30] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil.Tradução de Paolo Capitanio. 4ª ed. Campinas: BookSeller. 2008.
[31] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ªed. São Paulo. Malheiros Editores: 2006, p.555.
[32] PIÇARRA, Nuno. A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional. Coimbra: Ed. Coimbra LTDA: 1989,p. 191.
[33] Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández, Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1990.
[34] Barbosa, Rui, Os actos inconstitucionaes do Congresso e do Poder Executivo ante a Justiça Federal. Rio de Janeiro: Flores e Mano: 1893, p. 134
[35] Barbosa, Rui, Os actos inconstitucionaes do Congresso e do Poder Executivo ante a Justiça Federal. Rio de Janeiro: Flores e Mano: 1893, p. 134
[37] Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores: 1997, p. 292-293.
[38] RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18.959 - SE (2004/0131772-6) Documento: 575943 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 10/10/2005.
[39] RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 19.809 - MG (2005/0045782-0) Documento: 928705 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 27/11/2009.
[40] Nunes, Castro. Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do Poder Publico.7ªed. Rio de JANEIRO: Forense: 1967, p.203
[41] TAMER, Sergio Victor. Atos Políticos e Direitos Sociais nas Democracias. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor: 2005, p. 64.
[42] ARAGON, Manuel. El Control Como Elemento de inseparable Del concepto de Consituicion. In Revista Español de Derecho Contitucional, año 7, numero 19, enero-abril, 1987, p16.
[43] ARAGON, Manuel. El Control Como Elemento de inseparable Del concepto de Consituicion. In Revista Español de Derecho Contitucional, año 7, numero 19, enero-abril, 1987, p22.
[44] BARBOSA, Rui. O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa: 1983, p.109.
[45] BARBOSA, Rui. O Calote do Governo, as Decisões do Poder Judiciário e as Intervenções Federais. Rio de Janeiro: 1915.
[46] BARBOSA, Rui. Comentários à Constituição Federal Brasileira, colligidos e ordenados por Homero Pires. Vol. IV.São Paulo: Saraiva: 1993, p.41
[47] BARBOSA, Rui. A questão política nas medidas provisórias: um estudo de caso. Revista do Ministério Publico. 15 ed.Rio de Janeiro: 2002, p. 125.
[48] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com emenda nº. 1, de 1969. Tomo III. 2ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1970, p.637.
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