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Resumo:
O objetivo de meu trabalho é fazer uma análise crítica cientificamente fundada ao binômio produção e consumo. Para tanto se faz necessário um referencial teórico, sendo este os conceitos da cultura e da ideologia.
Texto enviado ao JurisWay em 21/02/2013.
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1- JUSTIFICATIVA
Compreender as complexas mediações entre produção e consumo feitas pela publicidade e que estabelecem pressão sobre o consumo, impedindo um consumo consciente. Será que existe um tipo de consumo que possa ser chamado de consciente? Ou será que as Corporações, por meio da produção é que ditam as regras do que consumir?
O homem ao separar o trabalho manual do trabalho intelectual, cria uma divisão sem precedentes na história. E conseqüentemente cada trabalho é valorizado de forma diferente, sobrepondo interesses individuais aos interesses comuns. As recompensas também são diversas, o homem que exerce um trabalho intelectual terá maior acesso à cultura, ao lazer, às atividades prazerosas da vida, ao passo que para os homens destinados ao trabalho manual pouca, ou nenhuma atividade cultural lhe é considerada (Marx e Engels, 1980).
Cria-se e justifica-se uma massa de trabalhadores (sem acesso à propriedade privada), sem acesso ao capital ou alguma forma de satisfação. O processo ideológico toma corpo e o trabalhador não ousa se insurgir frente ao sistema capitalista. O trabalho como fonte segura de subsistência, o homem como o esteio da família, a individualidade perpetrada pela divisão do trabalho, são alguns dos fatores que sustentam o sistema, de forma ilusória. Marx e Engels buscam desmistificar a sociedade burguesa e o sistema de produção capitalista com o conceito de ideologia.
A classe dominante inverte valores, criando uma cortina de fumaça sobre o que está acontecendo realmente. Tal inversão acontece no processo produtivo, subestimando o valor do trabalho e sobrevalorizando o capital e seu sistema perverso. O trabalhador se sente uma pequena peça do processo de produção, um número qualquer, sem a devida importância. Assim a classe dominante, apropria-se da mais valia, adquire um estilo de vida “compatível com sua classe social” e a massa de trabalhadores continua dominada e alienada pelo sistema capitalista.
Neste processo de dominação a televisão adquire uma importância ímpar, pois esse meio de comunicação está presente na vida das pessoas, como nenhum outro. Se já houve no país a “época de ouro do rádio”, hoje vivemos a época de ouro da televisão, aliás, há várias décadas a televisão é a responsável por entreter, informar, ensinar, fazer rir e fazer chorar, estabelecer modas, discutir assuntos polêmicos para a sociedade (drogas, homossexualismo, violência doméstica), mas acima de tudo dominar, mantendo a massa de trabalhadores “domesticada”, sem motivos para esboçar qualquer reação frente à dominação engendrada no meio social.
A classe dominada possui a sensação de que está no poder, no controle. E a televisão ajuda a materializar essa sensação. Por meio dos mais diversos tipos de programas de entretenimento, por meio das telenovelas, do direcionamento de propagandas, onde os assuntos e temas são de interesse da classe dominada, a televisão solidifica a impressão de que quem está no controle é a classe dominada, a classe de trabalhadores. Engano.
Programas diários ou semanais, telejornais, telenovelas, propagandas, tornam nossa sociedade alienada. O modo de produção capitalista venceu. A massa de trabalhadores acredita que está no poder, está devidamente empregada e ainda possui a falsa percepção de que consome de acordo com suas necessidades. Porque mudar?
A publicidade, por meio de propagandas televisivas (comerciais, ou um termo mais antigo: os reclames) criadas por agentes humanos que transbordam talento, dosam cultura e ideologia, como se fossem conceitos idênticos, e inserem na mente dos consumidores que eles necessitam consumir, adquirir certa mercadoria. Meu vizinho comprou um carro novo, eu que sou trabalhador, mereço um carro como o dele também!
Mas quais os reais interesses da classe dominante? Manter-se no poder, continuar no controle e propriedade dos meios de produção e comunicação, enriquecer-se cada vez mais, são vários os fatores que norteiam os objetivos e atitudes da classe dominante. Mas para manter-se rica e opulenta a classe dominante precisa explorar, aqui entra o modo de produção capitalista, e oprimir, de forma sutil, a classe dominada, a massa de trabalhadores.
Assim o trabalho buscará interpretar, à luz de uma visão antropológica, as propagandas televisivas, essa publicidade criada por agentes humanos talentosos e reconhecida internacionalmente como os mais criativos. Fazendo uma intersecção entre os conceitos de cultura e ideologia buscar-se-á propor uma leitura crítica dessas propagandas, relacionando-as com o binômio consumo e produção e, assim, estabelecendo parâmetros científicos para a análise.
2- INTRODUÇÃO
O objetivo de meu trabalho é fazer uma análise crítica cientificamente fundada ao binômio produção e consumo. Para tanto se faz necessário um referencial teórico, já que contrariamente ao que pensa o “delinqüente acadêmico” Luís de Gusmão (O Fetichismo do Conceito), sem conceitos científicos não há ciência. Nessa esteira, escolhi dois conceitos iniciais: cultura e ideologia, pois fui orientado para o fato de que ajudarão a desvendar o mundo da publicidade, no qual se definem os destinos do binômio considerado.
Para construir este trabalho, além do apoio absoluto da socióloga Dulce Whitaker, da revisão bibliográfica que deverei realizar em todas as etapas do processo criativo, busco amealhar opiniões de profissionais de disciplinas diversas da minha, sempre com o objetivo de enriquecer nosso trabalho.
Dulce Whitaker (2002) busca harmonizar esses dois conceitos “tão antagônicos”, quais sejam cultura e ideologia. Whitaker lembra que o conceito de cultura foi criado pelos Antropólogos, que pretendiam com ele entender outros modos de vida, outras sociedades. Dessa forma o conceito de cultura surgiu para derrubar a tendência que o indivíduo tem de menosprezar a forma de viver de outros povos. Tenta-se com ele combater o etnocentrismo do homem ocidental.
O conceito de cultura migra da Antropologia para a Sociologia. Desse modo os Sociólogos começam a utilizar o referido termo como “uma grande idéia unificadora de compreensão da maneira de ser do outro” (Whitaker, 2002). O ser humano nasce apenas com a herança genética. Com a internalização das formas de cultura presentes na sociedade é que o ser humano se humaniza, desenvolvendo a herança genética que é apenas potencialidade, conforme lembra a socióloga Dulce Whitaker.
Assim a cultura refere-se a todas as formas, partilhadas na sociedade, de pensar, de crer, de percepção e de avaliação, que insurgem no decorrer da existência e experiência do grupo social e que são transmitidas de uma geração à outra (autor/ano).
Nesse diapasão, a cultura possui inúmeras formas de manifestação no seio de um povo, tais como a magia, a técnica, a arte (o lúdico), a moral, a religião, o direito, a filosofia, a política, e muitas outras formas, a depender da sociedade estudada. E essas formas de manifestação são multiplicadas por outras diversas atividades como a música, o teatro, a televisão, as manifestações religiosas, os conceitos éticos e morais, as leis, as relações criadas e difundidas entre as pessoas de uma determinada sociedade.
Para Whitaker, o conceito de ideologia, tal como proposto por Marx e Engels (1980), é diametralmente oposto ao conceito de cultura. Segundo tais autores:
E se em toda a ideologia os homens e as suas relações nos surgem invertidos, tal como acontece numa câmara obscura isto é apenas o resultado do seu processo de vida histórico, do mesmo modo que a imagem invertida dos objetos que se forma na retina é uma conseqüência do seu processo de vida diretamente físico.
Desse modo, o conceito de ideologia, tal como elaborado por Marx e Engels, seria para desmistificar, desmascarar, denunciar, desvelar a sociedade ocidental e conseqüentemente o sistema de produção imposto pelo modo de produção capitalista (Whitaker, 2002). Se o conceito de cultura surge para auxiliar na compreensão de outras sociedades, o conceito de ideologia possui um caráter desvelador mais acentuado, pois ao tentar compreender o sistema de produção capitalista é preciso desmascará-lo e denunciar sua exploração.
Visando ilustrar nosso trabalho, trazemos a lume o exemplo de uma rede de hipermercados, a qual possui uma filial em Araraquara, que espalhou diversos banners no interior de sua loja (agosto de 2012) pregando o consumo consciente. Essa mesma rede de hipermercados, que no momento opera sob controle de um grupo francês, atua no varejo. Contudo, uma diversidade de produtos vendidos em suas lojas é de marca própria, ou seja, vendidos exclusivamente por eles. Uma fábrica, geralmente de menor porte, produz as mercadorias e o grupo empresta sua marca ao produto, garantindo maiores lucros, pois ninguém é ingênuo de imaginar que a economia obtida nesse tipo de negócio é repassada ao consumidor. Qual a real responsabilidade deste grupo empresarial? O grupo produz, ou pelo menos empresta sua marca a diversos produtos, vende seus produtos, investe pesado em propaganda e prega o Consumo Consciente!
A produção deveria entrar nessa equação: Recursos Naturais (degradação) – Industrialização – Publicidade – Consumo – Geração de Resíduos. Não falta uma etapa nesta equação? Na realidade a Industrialização existe para a Produção. O sistema industrial capitalista, que cria as necessidades para os consumidores, produz as mercadorias, faz a sua divulgação e ao consumidor resta praticar o último passo desta cadeia, qual seja o consumo.
Outra idéia que será objeto de uma análise crítica no decorrer deste trabalho é o conceito de necessidade. Quais nossas reais necessidades? Hoje em dia é muito comum ouvir-se que o carro é necessidade e não luxo. Mas trocar de carro todos os anos é luxo ou necessidade? O celular tornou-se objeto de extrema necessidade, poucos vivem sem celular. Contudo muitos celulares possuem acesso à Internet, possuem algum tocador de música embutido, tiram fotografias com ótima qualidade, possuem outros inúmeros aplicativos, tudo isso é necessário?
O acesso a rede mundial de computadores e a telefonia móvel transformaram as noções de tempo e espaço conhecidas por nossa sociedade, até então. Notebooks, celulares, iPad, iPhone, Smartphone, e um dos objetos mais desejados do momento, o Tablet, são alguns dos exemplos de objetos que se tornaram necessidades de consumo do homem moderno. Esses objetos que adquirimos por “necessidade” são os mesmos que nos escravizam ainda mais no sistema capitalista. Podemos ser encontrados em qualquer lugar, o profissional pode estar passando as férias na cidade de Echaporã e mesmo assim receber uma mensagem ou uma ligação por seu celular, ou um e-mail pelo seu lindo Tablet, e ainda participar de uma reunião por vídeo ou tele conferência, mesmo estando em outra cidade.
Dessa forma o sistema capitalista cria as necessidades para os consumidores, produz essas mercadorias e como forma de divulgação e incremento das vendas utiliza as propagandas televisivas. A televisão é o meio de comunicação mais eficaz nesse processo de comunicação com o consumidor, pois além de estar presente na maioria das casas, ainda é considerado como uma das formas mais acessíveis de entretenimento.
Neste desiderato as propagandas televisivas ganham uma importância significativa. Os agentes humanos que trabalham com publicidade são talentosos, criativos, criam propagandas que abordam sentimentos e valores humanos, e com um plano de fundo sob a luz da cultura nacional, dosam com perspicácia certa carga de ideologia, de forma imperceptível para o consumidor, que está deslumbrado com as emoções sentidas durante a propaganda.
Buscar-se-á, por meio de uma análise crítica cientificamente edificada, entender os meandros existentes nas propagandas televisivas, à luz de conceitos como cultura e ideologia, não se afastando do binômio produção-consumo, a base do sistema industrial capitalista.
3- REFERENCIAL TEÓRICO – METODOLÓGICO
Neste ponto, a aspiração de adentrarmos no âmago do trabalho é grande, contudo antes de centrarmos no estudo do binômio produção e consumo, visando entender o estilo de vida altamente consumista da sociedade contemporânea, e seus impactos, cumpre salientar que continuaremos a enriquecer nosso estudo sobre cultura e ideologia, pilares da construção deste trabalho.
No filme “O enigma de Kaspar Hauser” (Werner Herzog, 1974), o personagem que dá origem ao título do filme, desde a mais branda idade é privado da vida social, sem acesso às diferentes formas de manifestações culturais. Sua formação como pessoa humana restou comprometida, pois quando teve contato com a vida em sociedade, não sabia o que fazer diante das situações mais triviais da vida social. A ausência do conhecimento da linguagem e a falta de interação com outros indivíduos comprometeram sua vida em sociedade para o restante dela, mesmo após ter sido inserido na sociedade por uma dose excessiva de educação e cultura.
Em certo episódio do filme, seu tutor arremessa uma pequena bola ao solo e esta naturalmente, pelas leis da física, segue determinado percurso e acaba por terminar seu curso entre as folhas de uma vegetação gramínea. Kaspar Hauser, que neste momento, já havia recebido educação e certa dose de cultura, afirma que a pequena bola estava com medo e por isso se escondeu entre as folhas da vegetação gramínea. Ele não disse isso por brincadeira, como pode parecer, mas essa era sua percepção da realidade naquele momento.
Assim, conforme o escólio de Whitaker (2002), o ser humano se humaniza quando em contato com aquele todo complexo e global juízo de valores, de práticas, de modos de ser da cultura material e espiritual. Assim o ser humano é uma categoria da cultura, embora seja também uma categoria da natureza. Se Kaspar Hauser, ao nascer, tivesse sido inserido em uma alcatéia, na certa teria adquirido os hábitos de vida e comportamentos dos lobos. Ou se tivesse sido criado em um ambiente familiar, de certo teria adquirido o modo de vida e comportamentos do ser humano, tido como homem médio.
Marx e Engels (1980) ao justificarem a forma de estudo do conceito de ideologia, afirmam que tal estudo não partirá do que os homens dizem, imaginam ou pensam, menos ainda daquilo que são nas suas palavras, no pensamento, na imaginação ou em representações, mas sim, afirmam os autores que o estudo partirá dos homens e de sua atividade real. Mesmo as fantasmagorias e ilusionismos criados no cérebro humano, partem de situações desenvolvidas no espectro das repercussões ideológicas deste processo vital real.
Michael Lowy (2002) discorrendo sobre o marxismo entende que o conceito de superestrutura ideológica é o mais rico em relação à visão de mundo, de ideologia burguesa. Segundo Lowy quando Marx escreve sobre ideologia refere-se aos pequenos burgueses, à classe social em que eles se inserem, pois o processo de produção da ideologia faz-se ao nível das classes sociais. Michael entende que as visões de mundo, as ideologias, a superestrutura não configuram idéias isoladas, mas um conjunto orgânico. O cientista social acredita que não exista a ciência pura de um lado, e a ideologia de outro, mas sim que existem diversos pontos de vista científicos vinculados a diversos pontos de vista de classe. Marx apesar de ser considerado integrante da chamada pequena burguesia e Engels da burguesia, ambos observam e analisam as relações econômicas do ponto de vista da classe proletária. Assim como para Marx, e apontado por Lowy, os economistas representam a classe burguesa, o socialista representa a classe de trabalhadores.
O homem ao separar o trabalho manual do trabalho intelectual, cria uma divisão sem precedentes na história. E conseqüentemente cada trabalho é valorizado de forma diferente, sobrepondo interesses individuais aos interesses comuns. As recompensas também são diversas, o homem que exerce um trabalho intelectual terá maior acesso à cultura, ao lazer, às atividades prazerosas da vida, ao passo que para os homens destinados ao trabalho manual pouca, ou nenhuma atividade cultural lhe é considerada (Marx e Engels, 1980).
Cria-se e justifica-se uma massa de trabalhadores (sem acesso à propriedade privada), sem acesso ao capital ou alguma forma de satisfação. O processo ideológico toma corpo e o trabalhador não ousa se insurgir frente ao sistema capitalista. O trabalho como fonte segura de subsistência, o homem como o esteio da família, a individualidade perpetrada pela divisão do trabalho, são alguns dos fatores que sustentam o sistema, de forma ilusória. Marx e Engels buscam desmistificar a sociedade burguesa e o sistema de produção capitalista com o conceito de ideologia.
As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em todas as épocas, as idéias dominantes; ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo sua força espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe também dos meios de produção espiritual, o que faz com que sejam a ela submetidas, ao mesmo tempo, as idéias daqueles que não possuem os meios de produção espiritual. As idéias dominantes são, pois, nada mais que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são essas as relações materiais dominantes compreendidas sob a forma de idéias; são portanto, a manifestação das relações que transformam uma classe em classe dominante; são dessa forma, as idéias de sua dominação. Os indivíduos que formam a classe possuem, entre outras coisas, também uma consciência e, por conseguinte, pensam; uma vez que dominam como classe e determinam todo o âmbito de um tempo histórico, é evidente que o façam e toda a sua amplitude e, como conseqüência, também dominem como pensadores, como produtores de idéias, que controlem a produção e a distribuição das idéias de sua época, e que suas idéias sejam, por conseguinte, as idéias dominantes de um tempo. (Marx, Engels, 1980)
A classe dominante inverte valores, criando uma cortina de fumaça sobre o que está acontecendo realmente. Tal inversão acontece no processo produtivo, subestimando o valor do trabalho e sobrevalorizando o capital e seu sistema perverso. O trabalhador se sente uma pequena peça do processo de produção, um número qualquer, sem a devida importância. Assim a classe dominante, apropria-se da mais valia, adquire um estilo de vida “compatível com sua classe social” e a massa de trabalhadores continua dominada e alienada pelo sistema capitalista.
Whitaker (2002) cita um exemplo de processo ideológico, de inversão de causa e efeito na sociedade brasileira: no senso comum e até na ciência há os que defendem a idéia de que se deve combater a pobreza controlando a taxa de natalidade. Whitaker leciona que “na verdade as pessoas têm muitos filhos porque são pobres e não são pobres porque têm muitos filhos”. Ter muitos filhos era uma forma de sair da linha da pobreza. Mas a fantasmagoria do processo ideológico quer que acreditemos que as pessoas são pobres porque querem, elas são culpadas de sua condição social.
Contudo a ideologia pode ir adentrando e fragmentando a cultura. O processo ideológico condiciona a cultura ao interesse do sistema capitalista. Whitaker, inspirada em Ocada (2003), cita um exemplo marcante que ilustra tal assertiva: o Gambarê seria um valor cultural muito forte e presente na sociedade japonesa. Segundo Sakurai (apud Ocada, 2003) Gambarê significa “ter força para suportar, com perseverança e resignação, todas as adversidades impostas pelo destino, a fim de que cada indivíduo possa dar a sua contribuição para que se possa, coletivamente, atingir a harmonia”. Contudo o termo Gambarê apropriado e distorcido pela ideologia capitalista (um conceito cultural sendo ideologizado) passou a ser utilizado, nas fábricas, de forma a estimular o trabalhador a sempre se esforçar mais, mesmo que estivesse exausto e feito um árduo trabalho o trabalhador ouviria “Gambarê” para não diminuir seu ritmo de produção. A fantasmagoria sobrepondo-se a um conceito milenar da cultura japonesa.
Na sociedade ocidental contemporânea o ter é mais importante do que o ser. As corporações conseguiram implementar um modo de vida baseado em um consumismo desenfreado, e assim o fetiche ligado a uma mercadoria, mesmo que não possa ser visto, manipula nossas sensações e condiciona nosso modo de consumo.
Marx (1978) também se debruçou sobre a relação existente entre produção, distribuição, troca e consumo, aliás, de forma contundente.
Produção, distribuição, troca, consumo, formam assim (segundo a doutrina dos economistas), um silogismo correto: produção é a generalidade; distribuição e troca, a particularidade; consumo a individualidade expressa pela conclusão. Há, sem dúvida, nele, um encadeamento, mas é superficial. A produção (segundo os economistas) é determinada por leis naturais gerais; a distribuição, pela produção; a troca acha-se situada entre ambas como movimento social formal; e o ato final do consumo, concebido não somente como o ponto final, mas também como a própria finalidade, se encontra propriamente fora da Economia, salvo quando retroage sobre o ponto inicial, fazendo com que todo o processo recomece.
A produção cria os objetos que correspondem às necessidades (Bedurfnissen). A produção é também imediatamente consumo, como Marx chama de consumo produtivo. O consumo é também imediatamente produção, chamada por Marx de produção consumidora. Esta produção análoga ao consumo é uma segunda produção oriunda do aniquilamento do produto da primeira, conforme os ensinamentos de Marx. O produto somente se torna produto na acepção precisa do termo no momento do consumo e tal consumo cria a necessidade de uma nova produção.
A produção, que em uma análise menos apurada pode ser relegada a mero expectador, é quem cria o consumidor. A produção cria o objeto para o consumo; a produção dá-lhe o acabamento; o objeto é produzido na forma e na medida exata para o consumo; ao consumidor somente resta praticar o ato do consumo de um objeto criado objetivamente e subjetivamente para essa finalidade.
O objetivo inicial deste trabalho, modificado pela Orientação e pelas leituras, seria fornecer subsídios para o consumidor praticar o ato de consumo de forma consciente. Ingenuidade. O consumidor possui o direito (e para os americanos o dever) de consumir como bem pretendam. Tal direito somado aos valores capitalistas arraigados na nossa sociedade nitidamente capitalista, e encobertos sob o véu do fetiche que a mercadoria cria em uma sociedade ideologicamente estimulada, o ato do consumo torna-se algo inexorável, quase que um direito natural de quem nasce nesta sociedade.
A produção cria o consumidor (Marx, 1978). O trabalhador se coisifica e as mercadorias são personificadas. A sociedade contemporânea concede um valor supremo à mercadoria. Através da propaganda cria-se a falsa percepção que o consumo traz a felicidade e faz com que o indivíduo sinta-se integrado à sociedade. Não é preciso ter, apenas aparentar ter. O ser, os valores que outrora foram celebrados foram substituídos pela sensação do ter.
Cada produto apresenta-se como individual; a individualidade mesma contribui para o fortalecimento da ideologia, na medida em que desperta a ilusão de que o que é coisificado e mediatizado é um refúgio de imediatismo e de vida. A indústria cultural mantém-se como na origem “a serviço” das terceiras pessoas, e mantém sua afinidade com o superado processo de circulação do capital, que é o comércio, no qual tem origem. (apud Bertoni, 2008)
A televisão é meio de diversão mais acessível ao trabalhador, ou seja, a massa de trabalhadores pode ser tranquilamente manipulada por esse veículo imbecilizante (Whitaker,). Nesse desiderato, a classe dominante manipula as informações que chegarão ao trabalhador. O jornalismo televisivo opera a favor dos interesses das Corporações, salienta-se que tal interesse por vezes se sobrepõe aos interesses do Estado. Dessa forma é por meio da publicidade televisiva que a classe dominante (outrora os burgueses, atualmente os empresários) consegue sedimentar e incrementar o comércio de seus produtos, mormente por criar uma necessidade em um espaço que nem existia antes. É preenchida uma lacuna, por meio de um ato de consumo, em um espaço, uma necessidade, que antes não existia.
Em entrevista concedida ao programa “Roda Viva” no ano de 1996 Noam Chomsky é questionado pelo entrevistador sobre a influência da mídia nesta sociedade orientada economicamente e socialmente pelo acúmulo de capital e de bens materiais, vejamos:
Repórter Alberto Dines: Professor Chomsky a diminuição e enfraquecimento do Estado significariam, dentro de suas palavras, e de todos nós, o fortalecimento da sociedade, o revigoramento da arena pública, que o Senhor tem usado essa expressão, e nessa arena pública a mídia tem um papel fundamental. E o Senhor tem sido o mais vigoroso crítico da mídia internacional, da mídia privada. (...) Essa manipulação da mídia, esse descaminho dever ser apenas atribuído ao grande capital, capital nacional, capital internacional, interesses políticos, ou é a própria instituição que está precisando ser revitalizada como serviço público, como espírito público. Qual é a sua opinião a respeito desse processo todo?
Chomsky: Para ser claro, acho que agora a arena pública está encolhendo e eu gostaria de vê-la se desenvolvendo. Então, a minimização do Estado está encolhendo a arena pública devido à ampliação do poder privado. Quanto a mídia, as maiores mídias do mundo, nos EUA ou no Brasil, são empresas privadas e elas simplesmente fazem parte do sistema empresarial. Elas estão ligadas as grandes empresas, ligadas a outras maiores. Nos EUA, os grandes canais de TV fazem parte de mega-empresas enormes, ligadas de perto ao poder estatal. Os indivíduos que estão nos níveis mais altos de direção movem-se muito facilmente da suíte executiva para a administração estatal e a direção editorial. E seus interesses são mais ou menos os mesmos. Eles apresentam uma imagem do mundo que reflete seus interesses. Eles têm certos objetivos que não são totalmente determinados pela estrutura da instituição. Querem proteger o nexo do poder estatal privado que representam. Isto exige métodos diferentes para platéias diferentes. Para grande parte da platéia significa marginalizá-la. Para a mídia e seus dirigentes, creio que o ideal social que eles desejam alcançar é o de uma sociedade em que a unidade social consista em uma pessoa e um aparelho de TV, sem outras associações, pois outras interações entre seres humanos seriam perigosas, podem levar à participação democrática. Quanto mais perto se chegar do ideal de uma sociedade baseada em uma pessoa e uma TV, quanto mais se fizer isso, mais se estará livre para uma democracia política formal, sem a preocupação de que signifique algo, porque, daí, as pessoas se tornarão consumidoras passivas, trabalhadores obedientes, separados uns dos outros, e a sociedade civil entrará em colapso. Para a elite educada, ela terá uma função diferente, será basicamente a doutrinação, a fim de garantir que se tenham pensamentos corretos. São eles que tomam decisões, tomam decisões certas para os que estão no poder. Dentro dessa estrutura pode-se explicar muito do que a mídia faz. (extraído do site http://www.youtube.com/watch?v=6HvZfzHhW5k, em 30 de setembro de 2012).
Chomsky sintetiza o ideal, na visão da classe dominante, do que seria uma sociedade domesticada, obediente aos interesses do capital, qual seja, a pessoa e seu aparelho de TV. A pessoa devotada a televisão tende a ficar isolada do mundo que a cerca, o que lhe é apresentado na TV corresponde a verdade. Dessa forma, com a apresentação de tele-novelas (a maior rede de televisão aberta atualmente conta com seis tele-novelas, aproximadamente cinco horas de sua programação), programas de variedades (que proliferaram nos últimos anos), jornais doutrinados seguindo a cartilha institucional dos interesses dos seus proprietários (grandes empresários capitalistas), a mídia e seus dirigentes (altos executivos que buscam o mesmo que qualquer grande executivo: o lucro) contribuem para tornar a sociedade cada vez mais alienada e alijada da vida real.
Luci Mara Bertoni (2008) nos ensina que a televisão é o instrumento mais eficaz da indústria cultural. A diversão (programas de variedades) é valorizada pelo trabalhador. Este possui meios escassos de se entreter e assim adotou a televisão como um amuleto, pode dizer que a televisão faz parte da família do trabalhador¹.
Nesse diapasão a televisão tornou-se o meio mais rápido e eficaz de fazer um produto vender. Afinal as Corporações estão produzindo, quebrando recordes de eficiência e desempenho, e precisam criar a necessidade de seus produtos serem consumidos, para assim produzirem mais e seus acionistas ficarem muito contentes. Contudo eles não assistem televisão para se entreter e sim possuem seus próprios meios de diversão, afinal como classe dominante são diferenciados.
Pierre Bourdieu (1997) traduz como ninguém a força da televisão. Bourdieu observa que se não podemos dizer nada na televisão (sem que nos sejam impostas certas regras) então dever-se-ia concluir que deveríamos nos abster de falar nela! Bourdieu ressalta que as pessoas (escritores, intelectuais, artistas) buscam ser vistos na televisão, almejam ser percebidos pelos jornalistas e pelo grande público. Mesmo que seu discurso seja pré-concebido, direcionado, com tempo limitado, ser percebido é mais importante do que fazer valer suas idéias por elas mesmas.
Bourdieu descreve em sua obra “Sobre a Televisão” que as notícias de variedades são uma espécie elementar de “fatos-ônibus”, ou seja, fatos que interessam a todo mundo, mas que não chocam ninguém, fatos que formam consenso, não dividem opiniões, mas que também não tocam em nada de importante. Refletindo sobre tais fatos Bourdieu leciona:
(...) Ora, o tempo é algo extremamente raro na televisão. E se minutos tão preciosos são empregados para dizer coisas tão fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que ocultam coisas preciosas. Se insisto nesse ponto, é que se sabe, por outro lado, que há uma proporção muito importante de pessoas que não lêem nenhum jornal; que estão devotadas de corpo e alma à televisão como fonte única de informações. A televisão tem uma espécie de monopólio de fato sobre a formação das cabeças de um parcela muito importante da população. (grifamos)
Guardadas as devidas proporções, as lições de Bourdieu podem ser estendidas aos espetáculos televisivos proporcionados pela espécie propaganda, do gênero da publicidade. Bourdieu diz que existem pessoas “devotadas de corpo e alma à televisão como fonte única de informações”, Bertoni (2008) discursa que a televisão “se tornou um dos veículos de comunicação de fácil acesso que adentra os lares das diversas camadas sociais da população brasileira”. Isso para os publicitários pode ser chamado de filão, ou como anuncia Aurélio (2010) “fonte de lucros e vantagens”. A criatividade inata ao povo brasileiro também é fator preponderante neste processo.
A título de ilustração trazemos à tona um exemplo de propaganda televisiva extremamente apelativa às emoções humanas, podendo levar às lágrimas mães ou filhas mais emotivas. Em um comercial de perfume são apresentadas mãe e filha, em um ambiente agradável do “lar”, apresentando diversas passagens em que a filha imita os gestos da mãe, até mesmo na frente do espelho no momento em que a mãe se produz para sair de casa a filha a acompanha, mostrando sua admiração pela mãe. Até aqui temos a cultura manifestada de forma explícita.
Em certo momento sai à cultura e entra a ideologia: se a filha adquirir um frasco de certo perfume ela ganha outro frasco para presentear a quem ama. Surpresa! Ela presenteia sua amada, admirada, sua mãe que ela tanto contempla. Até aqui estaria suficiente para incrementar as vendas do citado perfume. Contudo na cena final, mesclando cultura e uma carga ideológica fatal, a filha, com a porta entreaberta, observa que a mãe está passando o perfume pelo seu corpo, muito feliz, e de quebra a mãe utiliza as roupas da filha. Assim ao presentear a mãe com o perfume a filha ficou muito feliz, deixou sua mãe mais feliz ainda e invertendo os valores a mãe passou a desejar ser igual a sua filha, seja com o perfume dela, seja com suas roupas mais despojadas. Incrível. Ao terminar o comercial fiquei com vontade de comprar o perfume e presentear uma mulher especial para mim.
Frise-se que citado comercial é cercado por rostos sempre alegres e sorridentes. Com aura quase angelical. A trilha sonora sempre agradável aos ouvidos mais sensíveis. A publicidade no Brasil é uma arte, nossos publicitários são respeitados no mundo todo e são premiados anualmente em congressos do gênero.
Neste trabalho não temos o objetivo de criticar o consumo, tampouco desferir críticas aos publicitários e suas criações. Nosso foco (tema) seria buscar entender a influência que a propaganda televisiva provoca na mente dos consumidores, e em seu modo de consumo, estudo alicerçado no binômio produção e consumo e tendo como referencial teórico a cultura e a ideologia. Levando em consideração aspectos como:
Ø Sociedade de Consumo;
Ø Produtos Descartáveis;
Ø Produtos de Baixa Qualidade;
Ø Produtos Supérfluos;
Ø Obsoletismo dos Produtos;
Ø Marketing e Propaganda Televisiva.
A letra da música “João Consumo” do grupo Fecalona possui uma mensagem interessante acerca dos possíveis desejos que podem estar camuflados na mente de um trabalhador. Desejos que são substituídos pelos mais variados programas da televisão, já que o trabalhador não possui nenhum direito ao lúdico, ao lazer, vejamos trechos da letra da referida música:
João Consumo vai viajar
Depois de tanto trabalhar
Agora tem tudo que sonhou
Pois de tudo já comprou
Apartamento
Carro esporte
E aquele microondas
A sua família vai adorar
E os vizinhos invejar
Mas tudo muda e ele vai mudar
Novos produtos ele vai comprar
Pipoca em lata
Computador
E aquele micro-telão
João Consumo era tão frio
Quanto seu freezer
João consumo fazia sexo
Com sua televisão
"Olhem a sala,
Mas não toquem em nada
Que lindo o meu Cadett estacionado
Não pisem com os pés molhados
No Iate
Cuidado, meu relógio importado" (extraído do site: http://letras.mus.br/fecaloma/550420/, em 14 de agosto de 2012).
Contudo, porque nos tornamos seres tão passivos, tão dominados perante a ideologia adotada pelo sistema capitalista? A divisão do trabalho, em manual e intelectual criou uma casta privilegiada na sociedade contemporânea. Essa camada privilegiada é a classe dominante, possui a dominação dos meios materiais e espirituais, representa toda a população, pelo menos nos sentimos assim, mas quando foi que demos legitimidade para sermos representados por esta classe dominante?
Em meados do mês de julho é comum os jornais televisivos trazerem matérias jornalísticas acerca das atividades que as crianças podem fazer nas férias. Na primeira semana de julho de 2012, a âncora do Jornal Hoje (que insiste em dizer JH, palavra muito mais fácil de ser assimilada pelo grande público) começa a reportagem perguntando o que os pais podem fazer nas férias para controlar a energia que as crianças possuem, já que como estão sem aulas possuem muito mais tempo livre. E interessante o local que a reportagem foi parar para ilustrar a matéria: Shopping Center. Entrevistaram crianças do sexo feminino fantasiadas como personagens de conto de fadas e crianças do sexo masculino fantasiadas de heróis. E é claro entrevistaram pais exaustos com a dupla jornada, além de trabalhar eles têm de levar seus filhos para brincar no Shopping, tudo muito cansativo.
Qual foi o momento em que aceitamos que o Shopping é o melhor lugar para levarmos nossos filhos nas férias? Tudo bem, se você possui um carro (e mantêm em dia seus tributos), possui dinheiro para a gasolina, possui dinheiro para fazer “um lanche” no Mc Donald’s, Habib’s ou Bob’s, gastar com uma sessão de cinema, e possui tempo para levar seu filho ao Shopping, parabéns, você faz parte de uma classe privilegiada da sociedade. Privilegiada, mas alienada tanto quanto a massa trabalhadora, que, aliás, também leva seus filhos ao Shopping, afinal o sol brilha para todos e a renda do país possibilitou a ascensão da chamada classe “C” emergente, que dá até urticária nas classes mais abastadas.
Esses exemplos são para ilustrar nosso trabalho. Há momentos nas relações sociais que a ideologia, impregnada na sociedade capitalista por meio do sistema produtivo e divisão de classes sociais, invade o campo da cultura e com esta mescla-se, invertendo valores, invertendo causas e efeitos, e justificando os ideais e idéias da classe dominante.
A banda britânica Pink Floyd elaborou uma música chamada Another Brick in The Wall (Mais um Tijolo no Muro). A música é uma crítica ao rígido sistema de educação inglês, e foi composta em 1979. A educação é a forma mais convencional de obtenção de cultura, contudo a cortina esfumaçada da ideologia pode impregnar essa forma tão natural de obtenção de cultura. Roger Waters, integrante do Pink Floyd, captou e transformou em palavras essa assertiva, senão vejamos:
Papai se foi através do oceano, Deixando apenas uma lembrança: Um instantâneo no álbum de família. Papai, o que mais você deixou para mim? Papai, o que você deixa para trás, para mim? No total, foi apenas um tijolo no muro... No total, foi tudo apenas tijolos no muro...
Nós não precisamos de educação! Nós não precisamos de controle mental! Nada de sarcasmo negro na sala de aula!
Professores, então, deixem as crianças em paz! Hey, professores, deixem as crianças em paz!! (...) (grifamos) (Roger Waters)
Voltamos ao magistral Marx, utilizando das lições de Whitaker (2002). Chegamos ao ponto de aceitar que a máquina vai substituir o trabalhador, a sociedade industrial capitalista nos faz acreditar que o trabalho não é importante, tudo o que temos que nos proporciona conforto e prazer vem naturalmente pelo avanço do capital e da tecnologia. O trabalhador pode ser retirado desse sistema, e isso não abalará a conjuntura do sistema capitalista! A fantasmagoria, o processo ilusório às vezes nos leva a acreditar no inacreditável. Quem vai sustentar a classe dominante se a classe trabalhadora for descartada?
A ideologia não é simples de ser entendida, é um complexo de idéias, que varia no tempo e no espaço segundo interesses da classe dominante. Há pessoas que se debruçaram sobre os conceitos de cultura e ideologia e afirmam que são semelhantes mesmo sem querer não conseguem diferenciá-los. Entretanto aqui cabe uma diferenciação: a ideologia como falsa consciência e a ideologia como visão de mundo.
A ideologia como falsa consciência permeou os estudos marxistas até o início do século XX. A falsa consciência seria derivada da percepção que a classe dominante e o sistema propõem para as idéias e relações que mantinha com o proletariado, mantendo este dominado. Contudo de acordo com os ensinamentos de Lênin e de Gramsci (Whitaker, 2002) elaborou-se o conceito de ideologia como visão de mundo, que não vou abordar aqui, uma vez que adotei o conceito de ideologia como falsa consciência.
A título de ilustração do processo ideológico implementado pela classe dominante, relato aqui uma conversa, informal, que tive com um cidadão bem formado, inclusive com graduação e pós graduação. Contava ele que certo amigo seu estava pensando em escrever uma dissertação sobre a relação entre o uso da bermuda (traje) e a pobreza. Segundo ele, a idéia de seu amigo era apresentar/provar uma “tese” pela qual o pobre usa a mesma bermuda para trabalhar, para fazer suas refeições, para dormir, e no outro dia usa a bermuda novamente. Na época ouvi a história e a registrei em alguma parte de meu inconsciente, não sabia como questionar ou problematizar esse “possível objeto de dissertação”. Hoje, em que pese estar apenas iniciando meus estudos nos conceitos de cultura e ideologia, acredito que buscar justificar a pobreza de uma pessoa com base no traje que esta utiliza (bermuda) é uma celeuma ideológica.
Assim conceitos tão antagônicos, cultura e ideologia, fazem parte da nossa sociedade e estão presentes na nossa vida. A televisão, devido ao seu alcance e popularidade entre a massa, torna-se o veículo de comunicação mais propício para divulgação de cultura (sic), mas é claro que o interesse da classe dominante prevalece e a carente cultura que é dedicada ao proletário chega eivada de forte carga ideológica. Podemos dizer que o ser humano, nos dias atuais, é um homem ideológico, tamanha sua subserviência ao processo industrial capitalista.
O conceito de ideologia como visão de mundo, elaborado a partir dos textos de Lênin e de Gramsci, são visões de mundo ideológicas orgânicas, haja vista que ajudam a sociedade a se organizar (Whitaker, 2002). Lênin em contraposição aos ideais e idéias implantados pelo sistema de produção capitalista, e influenciado pelos ideários e conceitos trazidos à tona por Marx e Engels, foi talvez o principal articulador da Revolução Russa de 1917 na Rússia.
(...) Para nós o comunismo não é um estado que deva ser implantado, nem um ideal a que a realidade deva obedecer. Chamamos comunismo ao movimento real que acaba com o atual estado de coisas. As condições desse movimento resultam das premissas atualmente existentes. Aliás, a massa de trabalhadores constituída pelos simples operários – força de trabalho maciça, separada do capital ou de qualquer espécie de satisfação mesmo limitada – pressupõe o mercado mundial, sendo a existência deste assegurada pela possibilidade de perda não temporária desse trabalho como fonte segura de subsistência, perda motivada pela concorrência. O proletariado só pode portanto existir à escala ala histórica universal, assim como o comunismo, que é o resultado da sua ação, só pode concretizar-se enquanto existência histórico universal. Existência histórico-universal dos indivíduos, isto é, existência dos indivíduos diretamente ligada à história universal. (Marx, 1978) (sublinhamos)
Para Marx (1980) a história baseia-se na sucessão das inúmeras e diferentes gerações. Cada geração explora os materiais, os capitais e as forças produtivas que lhes foram transmitidas pelas gerações que a precederam no tempo e no espaço. O modo de produção, a priori, também é transmitido, contudo cada nova geração elabora seu próprio modo de produção. A subsunção da economia preconizada na geração anterior a uma nova realidade é determinante para designar os novos rumos do modo de produção desta sociedade.
(...) Ora, quanto mais às esferas individuais, que atuam uma sobre a outra, aumentam no decorrer desta evolução, e mais o isolamento primitivo das diversas nações é destruído pelo aperfeiçoamento do modo de produção, pela circulação e a divisão do trabalho entre as nações que daí resulta espontaneamente, mais a história se transforma em história mundial. (Marx, 1978)
Neste pequeno introito histórico procuramos apresentar que Marx elaborou conceitos distintos, mas convergentes, quais sejam o conceito de ideologia e a ideia do comunismo. E influenciou gerações de cientistas, pesquisadores, políticos. Neste ponto retratamos um exemplo ímpar da manipulação que a ideologia capitalista é capaz de criar.
Mas em uma sociedade pautada pelo consumo e pela individualidade extrema, tais passagens ilusórias escapam ao senso comum. Estamos muito preocupados em ter alguma coisa, ter um novo celular, ter um novo equipamento tecnológico, consumir nosso dinheiro, seja por compras virtuais, seja nos templos de consumo do capitalismo, o Shopping Center.
Aliado ao consumo e ao fetiche que a mercadoria proporciona, ao sistema de produção capitalista, às divisões de classe estabelecidas (classe baixa, classe média, classe alta; classes A, B ou C, ou ainda pobres e ricos) e ao aniquilamento intelectual provocado por nossos meios de comunicação em massa, o resultado não poderia ser outro: uma sociedade alienada, que não obstante possuir uma cultura inigualável, ainda importa subculturas (e processos ideológicos) de outros países, mormente do nosso irmão rico do norte, os Estados Unidos da América.
Ante ao exposto e recorrendo, novamente, à Marx, temos a falsa impressão de que temos problemas com o consumo realizado pela sociedade contemporânea. A sociedade tem o direito de consumir. Se o abastado pode comprar um aparelho tecnológico de última geração (um Tablet, que “está na moda”), se ele pode realizar a troca de seu carro semi-novo por um carro zero (muitos dizem que gostam do carro zero pelo odor que ele tem, “cheiro de carro novo”), então, pelo princípio da igualdade, o indivíduo de menor poder aquisitivo também pode adquirir suas mercadorias, carregadas de um valor magnífico de fetiche, assim como as mercadorias que o rico adquire.
Assim se o consumo que seria o ato final da cadeia produtiva possui base jurídica e amparo social para subsistir (tente provar para a classe média que ela não pode passear, ao final de um dia de trabalho, no Shopping), se a distribuição e a troca que são fases agregadas do processo produtivo, também possuem legitimidade para coexistir com o consumo, então qual é a fase “gargalo” do processo produtivo capitalista que deve nortear nosso trabalho?
(...) Mas não é somente o objeto que a produção cria para o consumo. Determina também seu caráter, dá-lhe seu acabamento (finish). Do mesmo modo que o consumo dava ao produto seu acabamento, agora é a produção que dá o acabamento do consumo. Em primeiro lugar, o objeto não é um objeto em geral, mas um objeto determinado, que deve ser consumido de uma certa maneira, esta por sua vez medida pela própria produção. A fome é fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozida, que se come com faca ou garfo, é uma fome muito distinta da que devora carne crua, com unhas e dentes. A produção não produz, pois, unicamente o objeto do consumo, ou seja, não só objetiva, como subjetivamente. Logo, a produção cria o consumidor (...). (Marx, 1978) (grifamos)
Segundo Marx o ponto central deste diapasão, a relação entre produção e consumo, que determina quais as mercadorias serão consumidas, de que forma tais mercadorias serão consumidas, em que momento serão consumidas, e em que quantidade essas mercadorias serão consumidas, é a Produção.
As Corporações perceberam isso há tempos. Nas reuniões realizadas entre os gestores (grandes executivos) e as áreas de Recursos Humanos e Publicidade, a palavra mais articulada e mais visada é Oportunidade. O sistema capitalista transforma as oportunidades (que podem ser as lacunas presentes no mercado e que geram a inserção de um novo produto, ou o incremento das vendas de outro) em necessidades. O consumo cria o impulso da produção; a produção cria os objetos que correspondem às necessidades, criando, assim o consumidor (Marx, 1975).
A ideologia implementada pela classe dominante vigente na sociedade atual, com escopo no processo de produção capitalista, nos faz crer que o consumo de certa mercadoria nos trará prazer e felicidade. Assim gostamos de consumir e dizer aos integrantes de nosso convívio social que consumimos. Dessa forma é comum alguém dizer que comprou certo micro computador e outra pessoa dizer logo em seguida que adquiriu um notebook, este tem um status maior do que aquele. Assim se você surgir com um Tablet em mãos será ovacionado perante o público, mas invejado no interior das mentes, consumistas que são.
(...) no âmbito da cultura de consumo contemporânea conota individualidade, auto-expressão e uma consciência de si estilizada. O corpo, as roupas, o discurso, os entretenimentos de lazer, as preferências de comida e bebida, a casa, o carro, a opção de férias de uma pessoa são vistos como indicadores da individualidade do gosto e o senso de estilo do proprietário/consumidor (Ianuskiewtz, 2008)
A mercadoria possui um caráter individual, estamos em uma sociedade individualista, é natural (mas não deveria ser facilmente aceito) que as mercadorias se personifiquem e o consumo ganhe status de sagrado. É comum pessoas que moram no interior se dirigirem até os grandes centros urbanos para realizar suas aquisições de roupas, já que por lá é possível adquirir uma peça exclusiva, que por certo não será encontrada no meio ambiente de sua morada.
Os meios de comunicação e em especial a televisão são os instrumentos utilizados pela classe dominante para moldar a mente do consumidor. Este, por estar inserido no processo ideológico do sistema de produção capitalista, e conseqüentemente alienado mentalmente, não compreende que está sendo direcionado para o consumo, pensa que a sua vontade é própria, contudo está amordaçado e preso às imagens invertidas inseridas pelo sistema capitalista.
Darwin Ianuskiewtz (2008) discorrendo acerca da Juventude e suas nuances em relação à imagem corporal, traz um ensinamento de Morin (1987) no sentido de que este desenvolve uma análise particularizada e meticulosa dos elementos da cultura de massa, contudo sua visão a respeito à essa cultura é no mínimo alarmante, diz Morin que esta cultura vive “numa espécie de sonanbulismo permanente ou de psicose obsessiva”.
Bourdieu assinalava que a televisão é o veículo de massa de maior envergadura, no que tange ao público atingido, e dizia o Sociólogo que há pessoas devotadas de corpo e alma à televisão como única fonte de informações, e Morin afirma que a cultura de massa, com certeza estendemos à televisão, representa um bloqueio do real e do imaginário, condicionando as pessoas a um estado de sonanbulismo perene ou de psicose. Mas como a classe dominante é quem dita as regras para vivermos em sociedade, também é esta classe quem estabelece os entretenimentos que a classe trabalhadora pode ter acesso. Quem disse que é interessante para a classe dominante coexistir com uma classe de operários que saiba pensar e questionar?
Assim há a falsa consciência por parte da classe dominada que os programas exibidos por esse veículo de comunicação em massa, a televisão ou para os íntimos a TV, estão sendo transmitidos porque eles escolheram, ou o que é pior, são programas adequados ao seu estilo de vida. O que não é verdade. É a classe dominante, detentora dos meios de produção e porque não dizer detentora dos meios de comunicação, quem estabelece o entretenimento, o lazer à classe dominada.
Os programas exibidos pela mídia televisiva possuem uma grande diversidade. Desde programas de variedades, que apresentam assuntos que interessam a todos, mas que geram consenso, não geram uma discussão aprofundada de idéias. Esses programas são um misto de jornalismo, com comentários sobre o andamento das novelas, comentários sobre esportes (principalmente futebol), assuntos que geram interesse na coletividade, mas que, pela própria dinâmica e falta de tempo dos programas, são discutidos de forma superficial. O que nos chama a atenção, além do fetiche que esses programas encarnam nos seus produtos de merchandising, é o fetiche dado à comida e aos chefs que preparam essas comidas.
O culto ao corpo adotado por nossa sociedade, principalmente pelas intervenções da televisão, diretamente influenciado pela “ditadura da magreza”, acaba sendo um oposto à importância que a mesma mídia proporciona aos seus programas no que tange ao preparo de comidas, pratos. O processo ideológico é muito complexo, de um lado a pessoa é convencida de que se continuar magra ou ficar magra será aceita na sociedade e por outro lado cria-se um verdadeiro fetichismo da comida. A televisão, acobertada por uma ideologia histórica, sempre surge para nos dar conselhos, para ajudar-nos na alimentação, para nos auxiliar na criação de nossos filhos rebeldes. É mesmo difícil para quem se entrega de corpo e alma à televisão, formar uma opinião legítima sobre algum assunto.
O minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2012), conceitua fetiche como sendo um objeto animado ou inanimado, feito pelo homem ou produzido pela natureza, ao qual se atribui poder sobrenatural e se presta culto. Marx (1975) trabalhou nesse sentido ao definir fetiche como o fenômeno da atribuição de valor simbólico às mercadorias. O ser humano no processo de industrialização transmite valores e sentimentos seus à mercadoria produzida.
Marx (1975) se utilizou da parábola bíblica de Moisés para buscar a fonte do termo fetiche. Moisés vagou quarenta anos com o povo Judeu procurando a terra prometida. Cansados da peregrinação e descrentes, Moisés decide retirar-se para meditar e deixa seu povo em uma terra fértil. Assim Moisés passa muito tempo meditando no monte Sinai e certo dia os céus se abrem e ele recebe de Deus o sinal tão desejado: as tabuas da salvação contendo os dez mandamentos. Moisés retorna para seu povo, mas este havia se reorganizado política e espiritualmente, a ponto de adorar outros deuses. Os judeus haviam fundido ouro e jóias e criado um objeto para adoração (possivelmente um bezerro), tal objeto seria considerado um fetiche.
Sobre o filme O Capital cinematografado por Alexander Kluge, o filósofo Peter Sloderdijk (disponível em http://www.youtube.com/watch?v=_a8dGckEcug) traça um perfil acerca do fetiche da mercadoria. O filósofo lembra que buscando a etimologia da palavra fetiche é preciso voltar-se ao continente Africano, mais precisamente durante os primeiros contatos dos portugueses (navegações e comércio) com a cultura africana. Os povos de certas tribos da África possuíam rituais peculiares aos olhos dos católicos portugueses, eles criavam iconografias com forma humana, em madeira, com aspectos faciais horrendos. Nesses rituais buscava-se dotar essas figuras com as forças da alma. Assim, explica o filósofo, para cada desejo ou maldição humana um prego era inserido no corpo do fetiche. O fetiche representava idéias ou gestos elementares que, mesmo realizados pela primeira vez, possuem um significado para o ser humano.
Parafraseando Marx, o filósofo Sloderdijk, discursa que a qualidade das pessoas mais valiosas são canalizadas às mercadorias pela divisão do trabalho. Seria como se, de alguma forma, parte dos valores, dos sentimentos, das emoções, dos medos, dos trabalhadores fossem transmitidos às mercadorias. E esses sentimentos seriam resgatados quando do ato do consumo da mercadoria, pois assim a o processo restaria completo. Sloderdijk leciona que na Antiguidade os pensadores já haviam se deparado com esses conceitos de fetiche, contudo, como não conheciam o modo de produção capitalista, convencionou-se chamar esse fluxo de intenções subjetivas como impulso.
Dessa forma acreditamos que o modo de produção capitalista, cria uma casta privilegiada, a classe dominante. Esta, por sua vez, controla os meios de produção e os meios de comunicação em massa, assim por instrumentos de dominação altamente ideológicos, mantêm a classe dominada controlada. As duas classes fazem parte de uma sociedade enfeitiçada pelo fetiche da mercadoria, e assim, cada qual em sua condição financeira, se rende aos encantos das mercadorias e obtêm certo prazer com suas aquisições. A classe dominada, esterilizada mentalmente devido à sua entrega aos meios de comunicação em massa, mormente a televisão, entregue ao sistema capitalista como se fosse este a única saída, não faz idéia de como é alienada e manipulada nas escolhas que faz durante sua vida. Da compra de uma simples mercadoria, passando pela melhor escola para seus filhos e chegando ao bastião da democracia, qual seja o voto, somos totalmente manipulados pela classe dominante.
O sistema de produção capitalista é baseado no consumo crescente. A idéia é que quanto mais a sociedade consome, maior é a produção de mercadorias, e conseqüentemente maior a geração de empregos, maior a circulação de dinheiro, maior a arrecadação de impostos, enfim, economia aquecida é um termo alardeado pelos capitalistas. Mas a qual preço? Os recursos naturais são finitos, a exploração do trabalhador deve ter limite, a acumulação de riqueza, apesar de legitimada pela sociedade capitalista, só faz aumentar as desigualdades sociais.
Lembro-me, entre o final da década de 80 e início da década de 90, cursava a segunda parte do ensino fundamental, de 5ª a 8ª séries, na época. Minha professora de Geografia nos ensinava que a divisão do mundo se faria entre Primeiro Mundo, Segundo Mundo e Terceiro Mundo. E dizia minha letrada professora, que o Brasil fazia parte do Terceiro Mundo e que a desigualdade social era um dos estigmas de nossa sociedade. Bom, estamos no ano de 2012, e a desigualdade social ainda é tema recorrente de nossa sociedade. O sistema de produção capitalista é sinistro, ao mesmo tempo em que forma uma classe social privilegiada, impele para o segundo plano a classe trabalhadora.
Para manter essa classe dominante é imprescindível produzir. Para produzir é preciso abarcar os recursos naturais disponíveis. Mas a utilização impulsiva e descontrolada dos recursos naturais causa sérios impactos ambientais. Desde meados do século passado, a comunidade científica percebeu que o mundo estava mudando, as estações do ano já não tinham a diferenciação temporal de antes, as marés se comportavam de maneira desigual a cada ano, as florestas da Europa e da América do Norte haviam desaparecido. Assim em 1970 iniciaram-se as primeiras conversações entre os países no sentido de buscar entender o que estava se passando com o mundo, as conseqüências dessas mudanças e o que deveria ser feito para “salvar o planeta”.
Contudo muito se evolui após quatro décadas da Carta de Roma e da Conferência de Estolcomo, após o Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), e após vinte anos da ECO-92. A agenda 21, contendo planos e diretrizes acerca das melhores práticas ambientais, também foi um marco para os novos rumos do desenvolvimento. Em 2012 o Rio de Janeiro sediou a Rio+20, evento de envergadura mundial, que trouxe aproximadamente 200 líderes mundiais, e tratou de temas como Desenvolvimento Sustentável e Ecodesenvolvimento. Trataremos deste evento em outra oportunidade, vamos focar agora termos e firmar conceitos.
Os conceitos e diretrizes elaborados na Carta de Roma, na Conferência de Estolcomo e no relatório Brundtland foram assimilados pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Isso fica evidente pelo texto do artigo 225 da Constituição Federal que corrobora, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Nesse ínterim oportuno trazer à lume o inciso VI do artigo 170, encontrado no Título que trata da Ordem Econômica e Financeira, vejamos:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Miotto (2005) observa que para o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, o desenvolvimento sustentável será alcançado pelo mercado, mormente porque esse modelo de desenvolvimento cria vantagens competitivas e gera novas oportunidades de negócios. Nesse diapasão, para uma empresa ser considerada ecoeficiente, ela precisa se adequar às normas da ISO (International Standardization Organization). Tal organização internacional estabelece os parâmetros, padronizam as normas para a produção com qualidade total, respeitando os valores ambientais e de segurança alimentar e dos trabalhadores.
Normas Internacionais ISO garantir que os produtos e serviços são seguros, confiáveis e de boa qualidade. Para as empresas, eles são ferramentas estratégicas que reduzam os custos através da minimização de resíduos e erros e aumentando a produtividade. Eles ajudam as empresas a aceder a novos mercados, nivelar o campo para os países em desenvolvimento e facilitar a livre e justo comércio global. (www.iso.org/, traduzido pelo Google Tradutor e extraído do site em 18/07/2012)
Dessa forma o setor empresarial apontou como uma oportunidade de negócios a interação entre desenvolvimento e meio ambiente. Os executivos das grandes Corporações conhecem a legislação ambiental, e sabem que devem cumpri-la, é o mínimo que se espera de uma empresa séria. As normas elaboradas pela ISO são aceitas e adotadas no mundo todo, primeiramente as grandes Corporações Européias e Estadunidenses adotaram a ISO, e depois naturalmente estabeleceu-se um novo marco. Os executivos chamam isso de agregar valores ao produto, produzi-lo dentro dos padrões de qualidade, respeitando as normas ambientais e de segurança alimentar e dos trabalhadores.
Nesse ponto cabe uma passagem que ilustra o assunto. Trabalhei por muitos anos em uma corporação transnacional do setor de alimentos, um gigante desse setor. Em meados da década passada, a referida empresa adotou um processo de melhoria contínua nas suas instalações fabris. A logística para implementação desse processo consistia em treinar líderes, facilitadores que depois iriam guiar as equipes de melhoria contínua, além de um copioso material para auxílio nas reuniões. Dessa forma as equipes começaram a se reunir, levantar problemas nas instalações (problemas que depois viriam a serem oportunidades de melhoria), sugerir as soluções. O resultado foi muito positivo, pois as equipes que eram compostas em sua maioria por trabalhadores das linhas de produção, conheciam os problemas e sabiam como resolvê-los, mas faltava-lhes a voz.
Assim tive a oportunidade de fazer parte desse processo, como líder, facilitador e integrante de várias equipes. Lembro-me que a cada projeto implementado os integrantes da equipe recebiam uma recompensa em dinheiro, a variar conforme cada projeto e a economia alcançada, que poderia ser nos custos da produção, nos recursos ambientais e demais melhorias. Uma ferramenta utilizada durante o processo de melhoria contínua era o Brainstorming, que possibilitava a cada integrante da equipe levantar os problemas e propor as soluções sem ser tolhido em suas idéias. Uma ferramenta com conotação subjetiva, mas que poderia levar a problemas e/ou soluções objetivos, a depender do filtro utilizado.
Dessa forma, a referida empresa também premiava as equipes que implementavam alguma economia dos recursos naturais. Por exemplo, em uma equipe foi proposto a diminuição do tempo de enxágües (com água) inicial e final, em determinadas limpezas de equipamentos. Após o acompanhamento microbiológico, já que para implementar era necessário um período de aprovação, foi destacado que a limpeza realizada com um menor tempo de enxágüe garantiria os padrões de limpeza estabelecidos pela empresa com a supervisão das normas do ISO. Assim a empresa diminuiu os custos da produção, já que passou a economizar água e energia, e agregou valor ambiental ao seu produto.
Mas qual o verdadeiro objetivo das Corporações em tornarem-se ecoeficientes? A empresa possui como lógica a obtenção de lucros, mesmo a custa da exploração de trabalhadores e degradação dos recursos naturais. As empresas tornam-se ecoeficientes porque isso é uma oportunidade de negócios para ela, significa maiores lucros para seus acionistas. Empresas centenárias como GE, NESTLÉ, estão presentes ainda no mercado pois possuem a inovação e o planejamento como pilares. E as novas Corporações aprenderam isso rápido, adaptar-se rapidamente às condições e oscilações do mercado, manter uma imagem imaculável perante os organismos internacionais de regulamentação do mercado, perante as outras empresas e perante a população. E é claro que uma empresa sustentável ou ecologicamente correta faz propaganda disso.
A questão não é se as empresas ao adotarem medidas para preservar/restaurar o meio ambiente, e ao mesmo tempo garantir a produtividade e qualidade de seus produtos, estão beneficiando-se das próprias lições do velho capitalismo. A questão é se essa forma de desenvolvimento (o sustentável), a economia verde, é capaz de equilibrar os processos ambientais, após décadas e décadas de exploração licenciosa, e evitar a desfiguração do que restou da biodiversidade mundial.
Os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento são congruentes? O modelo de produção capitalista é capaz de, sozinho, adequar-se as demandas ambientais? Ou será apenas a introdução do Capitalismo Verde (Miotto, 2005)? Nesse ponto a discussão da viabilidade do modo de produção capitalista em seu viés ambiental, mormente com a problematização à luz do binômio produção – consumo, e auxiliada por conceitos como ideologia e cultura, é questão de inconteste importância.
As ciências ambientais ainda buscam seu espaço epistemológico. A interdisciplinaridade é o princípio corolário desta nova visão sobre a natureza e as relações humanas, um sistema complexo. Rohde (1994) cita quatro fatores principais acerca da insustentabilidade que permeia a sociedade industrial: elevadas taxas de crescimento demográfico; diminuição dos recursos naturais; utilização de tecnologias poluentes e despidas de eficácia energética; uma sociedade calcada em valores que levam a um consumo material sem precedentes.
Os cientistas dedicados ao estudo mais aprofundado do meio ambiente reforçam esses fatores com base na economia capitalista vigente: a aquisição de riqueza a qualquer custo, gerando uma degradação contínua e permanente dos recursos naturais, a deterioração das relações natureza-sociedade, e a confiança, ingênua, de que o próprio sistema capitalista alcançaria a harmonia entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade.
Rohde (1994) acredita que antigos paradigmas que sustentam a criação da ciência precisam ser deixados para trás. Dessa forma, cita como exemplos os paradigmas cartesiano-newtoniano causalista; mecanicista-euclidiano reducionista e o antropocentrista. Tais visões engessaram a visão do cientista sobre o todo complexo que são as relações sociedade-natureza, reduzindo o discurso a questões técnicas do homem sobre a natureza, afastando a complexidade existente entre estas relações, que inserindo o homem no centro de todas as relações acabou por esvaziar o discurso científico sobre a real situação dos recursos naturais e das relações sociedade-natureza.
Assim, as ciências ambientais se debruçam sobre o estudo das relações sociedade-natureza, do meio ambiente, da sustentabilidade, da biodiversidade, da geodiversidade, da bioeconomia, do ecodesenvolvimento, que são alguns dos conceitos/termos/disciplinas/ elaborados a partir de uma visão mais interdisciplinar.
Mesmo em 2012, passados quarenta anos da publicação da Carta de Roma e da Conferência de Estolcomo, que tiveram como alicerce estudos realizados decênios antes, depois de 20 anos da Eco-92 que elaborou a Agenda 21, ainda estamos implementado essa visão interdisciplinar complexa sobre as ciências ambientais.
Segundo o site WikiPédia stalkeholder (parte interessada ou interveniente em português), é um termo usado em diversas áreas como administração e arquitetura de software, referente às partes interessadas que devem estar de acordo com as práticas de governança corporativa executada pelas empresas. Seriam todos os envolvidos em um processo, os pontos-chave. Zonin, Pedroso e Zonin (2011) desenvolvem um artigo a partir de uma visão de novos padrões de produção e consumo, visando o desenvolvimento sustentável, e os stakeholders seriam a nova forma de organização em rede das Corporações.
Para os autores o Desenvolvimento Sustentável deve buscar contrabalançar os aspectos: econômico, social, cultural, político e ético, envolvidos no processo de desenvolvimento consciente. O conceito de Desenvolvimento Sustentável está bem delineado no artigo 225 da Constituição Federal que determina que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, que deve ser preservado pelo Poder Público e pela coletividade, para a presente e as futuras gerações.
A importância da transdisciplinaridade para o levantamento dos problemas e a proposição de soluções, em matérias relacionadas ao Desenvolvimento Sustentável, é de caráter tridimensional. A interação entre as diferentes ciências, buscando os enfoques possíveis acerca de estabelecer-se políticas de desenvolvimento ecologicamente equilibradas, é um caminho penoso, mas necessário. É como um prisma de soluções, sendo que cada cor representa o enfoque dado por uma ciência.
A dimensão econômica pauta-se pelo binômio produção-consumo, proporcionando uma “provisória” qualidade de vida. A dimensão ambiental busca implementar políticas, idéias, visando um desenvolvimento sustentável. A dimensão social da sustentabilidade preocupa-se no desenvolvimento de valores, crenças, culturas, proporcionando saúde, educação, e uma sociedade consciente de seu papel. Dessa forma, “o desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente sustentável passa pela capacidade humana em inovar na busca de soluções e ser generosa na distribuição dos resultados” (Zonin, Pedroso e Zonin, 2011).
As corporações, a classe política e a sociedade são os atores neste cenário de desenvolvimento sustentável. Os meios de comunicação (mormente a televisão) e os sindicatos, estes menos do que aqueles, não mediam esse círculo virtuoso, mas, sim, manipulam as informações sob seus próprios interesses. Assim em uma sociedade extremamente capitalista, onde a busca do lucro é, prima facie, seu único objetivo, a sociedade se deleita e se encanta, mesmo que provisoriamente, por um consumo sem precedentes, e, como um rebanho de ovelhas, é conduzido pelo “cajado” do Marketing.
René Descartes perpetuou a célebre frase: Penso, logo existo. Atualmente uma frase que pode caracterizar nossa sociedade é: Existo, logo Consumo. E devemos lembrar que há os que se deleitam sobre o conforto oferecido pelo consumo, vivendo em grandes e espaçosas casas, consumindo muita gasolina em seus grandes e volumosos carros, mas, por outro lado, existem os miseráveis que sequer dignidade possuem. É este o preço a ser pago? Norte rico – sul pobre; norte desenvolvido – sul subdesenvolvido.
Uma sociedade que visa alcançar o desenvolvimento sustentável deve buscar o equilíbrio entre produção e consumo, entre a busca do lucro e o respeito aos limites dos recursos naturais, entre trabalho e lazer. Fala-se muito em qualidade de vida, ainda que alguns busquem esse ideal, muitos estão voltados para a acumulação de riqueza, o Ter é mais significativo que o Ser, em nossa sociedade atual.
Neste desiderato, a classe dominante, detentora dos meios de produção, detentora dos meios de comunicação, impõe a produção como o maior valor simbólico da economia. Fazer mais e melhor, com menos e em menor tempo. As necessidades são criadas pela classe capitalista dominante, e o fetiche termina por impor um consumo quase abençoado em uma sociedade extremamente individualista. Em meio à avalanche de programas imbecilizantes, para usarmos um termo ameno, são apresentadas as propagandas das mercadorias, sob o pálio do nosso respeitado Marketing.
A “ideologia da sociedade industrial”, em que a racionalidade instrumental impera, devido a todos os acontecimentos histórico-culturais por quais passamos e vivemos, levou ao patamar mais elevado o conceito de produtividade máxima. Claro que para isso utilizou-se dos recursos naturais e recursos humanos de forma intensiva. A sociedade industrial incorporou muito bem o conceito de disciplina.
Segundo Aurélio (2012) o marketing seria “o conjunto de estratégias e ações relativas a desenvolvimento, apreçamento, distribuição e promoção de produtos e serviços, e que visa a adequação destes ao mercado”. Do mesmo léxico extrai-se que a propaganda é a forma de promover o conhecimento e aceitação de idéias e produtos, mercadorias, por meio da vinculação na mídia de mensagens pagas, publicidades direcionadas.
Os profissionais de Marketing entendem o valor presente neste trabalho. Mas para alguns desses profissionais a publicidade, a propaganda não vendem. É comum ouvir de renomados profissionais do Marketing que “ninguém obriga o consumidor a comprar”. Mutatis Mutandis a propaganda faz a vez daquele indivíduo que oferece a corda para o suicida que, inclusive, já está em cima do banquinho, pronto para consumar o ato.
Pierre Bourdieu (1930), sociólogo reconhecido mundialmente, mas muitas vezes censurado, por diversas vezes foi apontado na imprensa como “terrorista intelectual”, adepto do “pensamento único”, populista, talvez por sua análise da televisão e da mídia, e por suas inexoráveis intervenções contra o neoliberalismo.
Bourdieu, em seus estudos, tendo como esteio os conceitos marxistas da luta de classes, baseada nos fatores econômicos, introduziu um novo conceito, para tratar do controle social de um extrato sobre o outro, o conceito de violência simbólica. Tal conceito reforça a dominação de um extrato social sobre o outro, centrada no estilo de vida das pessoas. O estilo de vida das pessoas é baseado por fatores econômicos, como Marx afirmara, entre outros fatores.
Pode-se sugerir que o conceito de violência simbólica, guardadas as devidas proporções, participa do que Marx chama de processo ideológico do capitalismo. Neste diapasão, Bourdieu cria ainda o conceito de capital cultural, como sendo representado por nichos da atividade humana pelas quais desenrolam-se as lutas pelo poder simbólico, eis que tal poder impõe valores e a cultura que será aceita pela coletividade.
Marx, Bourdieu, e outros renomados cientistas, se debruçaram sobre questões atinentes ao processo de dominação. Tema muito complexo, pois a dominação realizada pela classe dominante, seja por questões econômicas ou pela sutil introdução da violência simbólica, possui como palco relações humanas em determinado contexto social. Ainda há que se considerar a forma de chegada e consolidação da dominação, que ocorrem de forma cadenciada, prudente, sem maiores alarmes, de tal modo que a classe dominada não compreende esse processo. A violência simbólica e o processo ideológico do capitalismo são como um eclipse solar, obstruindo a luz que paira sobre a realidade dos fatos, patrocinando o ilusionismo do processo de produção capitalista.
Assim, ante o exposto, sendo com a glosa de Marx, com as lições de Whitaker, com o escólio de Bourdieu, chegamos a algumas conclusões: temos conhecimento que uma classe social exerce domínio sobre a outra, e que essa dominação é realizada sem a percepção da classe dominada, sob o manto de uma ilusão do sistema de produção capitalista, e que os meios de comunicação (mormente a televisão) são os instrumentos utilizados para tranqüilizar, administrar, domar, dominar esta classe social, qual seja a massa de trabalhadores. Seja por programas de variedades exibidos principalmente nas redes de televisão aberta, seja fomentando o consumo como forma de amenizar as conseqüências trazidas pela pseudo-escravização que o modo de produção capitalista impôs, a classe dominante se mantêm no poder desde que derrubou nosso antigo modo de produção.
Mas qual o maior prejuízo advindo do sistema de produção capitalista, em uma ótica de desenvolvimento social do indivíduo? O modo de produção inserido pelo capital torna os trabalhadores engrenagens de uma grande máquina, isso é nítido nas grandes corporações. As máquinas dominam o cenário das empresas transnacionais, o trabalhador é inserido nesse sistema como um parafuso segurando alguma parte da máquina. O trabalhador é um número, um inventário, a mão de obra que vende a sua força de trabalho em troca de salário. Não há espaço para a criatividade, o trabalhador vai a reboque da máquina. Chomsky e Foucault, tratando dos elementos existentes na natureza humana, discorrem:
CHOMSKY: Bem, deixe-me começar referindo a algo que já discutimos que é, se está correto como eu acredito que esteja, que o elemento fundamental da natureza humana é a necessidade do trabalho criativo, de investigação criativa, de uma criação livre sem o limitado efeito arbitrário das instituições de investigação criativa, de uma criação livre sem o limitado efeito arbitrário das instituições ai, claro, sucede que uma sociedade decente deve maximizar as possibilidades dessa característica humana fundamental para ser realizada. Isso significa tentar superar os elementos de repressão e opressão e destruição e coerção que exista em qualquer sociedade existente – a nossa por exemplo – como um resíduo histórico. Agora um sistema federativo, descentralizado de associações livres, incorporando o econômico assim como outras instituições sociais, seria isso ao que me refiro como anarco-sindicalismo e me parece que é a forma apropriada de organização social para uma sociedade tecnológica avançada na qual seres humanos não são forçados a colocarem-se na posição de ferramentas, de engrenagem na máquina em que o desejo criativo humano que eu considero intrínseco a natureza humana será de fato capaz de realizar ele mesmo o que ele será....não sei de que maneiras ele será. (extraído do site http://www.youtube.com/watch?v=hkKbsWVxeKo, em 30 de setembro de 2012).
De uma forma elegante Chomsky faz uma crítica ao atual modelo de produção de nossa sociedade, que aniquila qualquer forma de extrapolação da criatividade do ser humano, o transformando em uma ferramenta, uma engrenagem que pode ser trocada por uma mais nova, haja vista a dificuldade das pessoas com mais idade conseguirem trabalho, ou por uma menos onerosa, que perceba menores salários. O sistema econômico dita a direção da sociedade, significa a vitória do capital sobre os valores humanos? Chomsky continua sua exteriorização e Foucault indaga outro ponto:
Chomsky: Outra tarefa é entender muito claramente a natureza do poder, opressão, terror e destruição na nossa sociedade. E isso certamente inclui as instituições que você mencionou assim como as instituições centrais de qualquer sociedade industrial. Ou seja, as instituições econômicas, comerciais e financeiras e em particular, no período que se aproxima, as grandes corporações multinacionais que não estão muito longe de nós fisicamente esta noite. Essas são as instituições básicas de opressão, coerção e regra autocrática que parecem ser neutras apesar de tudo que dizem: “bem, nós somos sujeitos à democracia da situação do Mercado”. Ainda, eu acho que seria uma grande vergonha colocar inteiramente de lado o pouco mais da tarefa filosófica e abstrata de desenhar as conexões entre um conceito de natureza humana que dá pleno alcance para a liberdade, dignidade e criatividade e outras características humanas fundamentais e relacionar isso para alguma noção de estrutura social em que essas propriedades podem ser compreendidas e na qual a vida humana significativa possa acontecer. (extraído do site http://www.youtube.com/watch?v=hkKbsWVxeKo, em 30 de setembro de 2012).
FOUCALT: Sim, mas não existe um perigo nisso? Se você disse que uma certa natureza humana existe, que essa natureza humana não recebeu na sociedade atual os direitos e as possibilidades que os permitam se realizarem. Isso é o que você disse, creio eu. Se se admite isso, não se corre o risco de definir essa natureza humana – que é ao mesmo tempo ideal e real, que tem sido ocultada e reprimida até a atualidade – em termos apropriados de nossa sociedade, de nossa civilização, de nossa cultura? É a noção de natureza humana como você sabe muito bem, é muito difícil definir a natureza humana. Não corremos o risco de incorrer em um erro? Mao Tse-Tung falava de natureza humana burguesa e de natureza humana proletária, e considerava que não eram as mesmas. (extraído do site http://www.youtube.com/watch?v=hkKbsWVxeKo, em 30 de setembro de 2012).
Noam Chomsky e Michel Foucault divergem sobre os elementos existentes na natureza humana. Para Chomsky a sociedade deve procurar verdadeiros conceitos humanos de justiça, decência, bondade e simpatia, valores que acabaram oprimidos pela classe dominante. Foucault acredita que a justiça funciona no interior de uma sociedade de classe como reivindicação feita pela classe oprimida e como justificação por parte dos opressores. Mas o que ambos concordam é que a natureza humana não é simples de ser explicada e que existe uma classe que oprime, causa terror e destruição na nossa sociedade.
Contudo é preciso afastar um equívoco muito comum na análise do binômio produção e consumo. No documentário Consumo: qual o limite? (Ricardo Bruini C. dos Santos, 2009), busca-se demonstrar como nossas opiniões no cotidiano, visando satisfazer nossos desejos de consumo, influenciam na degradação dos recursos naturais.
Afinal, quais os limites para o nosso consumo? Do que necessitamos realmente? Consumimos para atender nossas necessidades básicas ou para satisfazer nossos desejos? Qual a linha entre consumo irresponsável e consumo necessário e quais suas conseqüências? Essas são algumas das reflexões que o documentário nos leva a fazer, e por isso o filme é considerado como uma importante ferramenta de conscientização sobre a responsabilidade individual e sobre as questões sócio-ambientais, alertando sobre as conseqüências da nossa omissão frente a realidade ao nos mantermos como simples consumidores e não assumirmos nosso papel como cidadãos. (http://meioambiente.culturamix.com/projetos/documentario-consumo-qual-o-limite, explanação que referido site realiza do documentário alhures)
O processo ideológico do modo de produção capitalista é tão pernicioso que não distinguimos a imagem como ela realmente é, ou seja, enxergamos os fatos invertidos. É muito cômodo para as Corporações e todo o sistema de produção capitalista (incluindo as indústrias, as empresas publicitárias) depositar a culpa do cenário atual de degradação do meio ambiente apenas nos consumidores. As Corporações dizem que apenas produzem as mercadorias que os consumidores necessitam, os publicitários e toda a mídia televisiva também se esquiva dizendo que não obriga ninguém a comprar. Qual a parte que eu não entendi?
As grandes Corporações ocupam um espaço cada vez maior na tomada de decisões dos Estados-Nações. Essas empresas transnacionais degradaram o meio ambiente dos países europeus, dos países norte-americanos e mais recentemente dos países centro e sul americanos, foram as principais responsáveis pela introdução e permanência do modo de produção capitalista. Os Estados Unidos da América ainda não se recuperaram da crise de 2008, onde a chamada “bolha imobiliária” arrastou bancos e empresas de tradição aos limites da falência. O Estado, em que pese não participar dos lucros auferidos durante anos por essas empresas, interveio e inseriu dinheiro público para salvar algumas corporações, segundo eles para evitar maiores danos econômicos.
Assim os consumidores/clientes novamente arcam com as responsabilidades/conseqüências do capitalismo. Os lucros não são aos consumidores, tampouco para a massa de trabalhadores, mas a culpa é deles. Os consumidores não sabem consumir, esse é o discurso ideológico disseminado pela classe dominante. É preciso adotar as boas práticas de consumo, dessa forma o meio ambiente será salvo. Mas e a produção? As Corporações continuam quebrando recordes de produção, aliás, os conceitos de eficiência e desempenho são medidos diariamente nas linhas de produção das fábricas.
Nesse passo chamamos a atenção para o texto de Miotto (2005), pois para as Corporações o desenvolvimento sustentável, ou a economia verde, ou o capitalismo verde, é uma vantagem competitiva, que veio para incrementar os lucros em uma oportunidade de negócios nunca antes vista. O desenvolvimento sustentável não veio para salvar o Planeta como muitos cientistas propagam, mas para agregar valor para a empresa, pois a ecoeficiência só será alcançada com a gestão dos recursos naturais, conciliando objetivos econômicos com a preservação da natureza. Reparem que desde o Relatório de Brundtland, passando pela Carta de Roma, pela Conferência de Estolcomo, pela ECO-92 e mais recentemente pela Rio+20, nunca se falou em diminuir o ritmo de produção ou desacelerar a indústria.
Voltando a questão da influência prestada pela televisão na formação de uma parcela considerável da população brasileira, invocamos o texto de Bezzon (2005) que trata sobre este veículo de comunicação nos anos de chumbo ou época das sombras na democracia brasileira: a ditadura militar. Identifiquei-me com o texto no sentido da manipulação exercida pela televisão, mormente a nossa maior rede aberta: A Globo. Para mim não foi nenhum espanto a constatação de Bezzon no sentido de atribuir a mídia televisiva uma significativa parcela na introdução e permanência dos militares no poder.
Como é possível Roberto Marinho ter sustentado sua emissora em anos tão turbulentos, senão sendo complacente, condescendente, tolerante, com os métodos obscuros dos militares? Ainda ter saído de um regime ditatorial para um regime democrático, ainda mais forte, culminando com o auge da Rede Globo de Televisão. Em outros tempos o jornalista Samuel Wainer se comportou muito diferente de seu colega.
Simões (2000, apud Bezzon) desenha um episódio grotesco enfrentado pela Rede Globo, ao tentar suavizar e omitir as condutas criminosas perpetradas pelos criminosos acabou por ser o pivô de um fato nacional ligado a militância armada que lutava contra as arbitrariedades do regime militar posto.
Por uma dessas ironias da história, a televisão ganhou um presente de grego pouco tempo depois de o Jornal Nacional estrear na programação da Globo, em 1º de setembro de 1969. O noticiário, o primeiro que procurava oferecer uma cobertura completa do país, com base em várias capitais, era apresentado por Cid Moreira e Hilton Gomes. Um mês depois de sua estréia, um grupo da luta armada seqüestrou o embaixador norte-americano Charles Elbrick para trocá-lo por presos políticos brasileiros. Para que o diplomata fosse solto, foram feitas três exigências às autoridades: distribuição de alimentos pelo Exército nas favelas cariocas, um avião para levar os recém-libertos para o exterior e, finalmente, a leitura de um manifesto na TV. O manifesto escrito por Franklin Martins (hoje jornalista e comentarista político da própria TV Globo) foi lido por um constrangido Cid Moreira, tão apavorado com o teor do documento que chegou a dizer ao vivo que estava ali como mero leitor do texto (Simões, apud Bezzon).
Os militares assim como os capitalistas enxergaram o poder da televisão em formar a opinião das pessoas, como moldar a mente das pessoas conforme os interesses da classe dominante e principalmente manter o povo domesticado. Dessa forma investiram na TV aberta, mas a controlavam pela censura (Bezzon, 2005). A Globo, precursora da exibição das telenovelas, mantinha o maior número nos índices de audiência (já naquela época) e assim, com a obtenção de privilégios perante os militares, mantinha a população alienada com as telenovelas com conteúdo trágico/cômico e com a esterilização proporcionada por seus telejornais. Estava aberto o campo para a introdução da ideologia do consumo, pessoas alienadas aos fatos que realmente ocorrem no seu próprio país, domesticadas por programas imbecilizantes, se tornavam presas fáceis do fetichismo do consumo.
Atualmente não mudou muito as perspectivas sobre a dominação que a Globo exerce na mente dos milhões de pessoas que assistem a seus programas diariamente. Mesmo o episódio em que esta emissora conseguiu eleger para a Presidência da República um político desconhecido dos eleitores, é relativamente recente. Com bandeiras como o “Caçador de Marajás”, este político posou como se fosse um redentor, um galã revestido de político, e impulsionado pelo espaço que a Globo concedia a sua pessoa, pois estava amedrontada pela idéia de um sindicalista “barbudo” assumir a Presidência, ele foi eleito.
Dessa forma a Globo com a exibição de programas voltados às variedades, e de telenovelas como “Vale a Pena Ver de Novo”, “Malhação”, “Novela das Seis”, “Novela das Sete”, “Novela das Oito” e mais recentemente “Novela das Onze”, continua soberana na captação de telespectadores e elevados índices de audiência. Assim a publicidade, voltada para a divulgação de mercadorias dos mais diversos tipos, tem seu espaço de propagação garantido.
Não há como deixar de citar o texto intitulado “Democracia é Liberdade de Expressão”de João Roberto Marinho (2012). Seu discurso está pautado na democracia e na liberdade de expressão. Contudo, por interesses alheios ao nosso trabalho, João Roberto não discute a manipulação realizada sobre assuntos de interesses de poderosos. Sabemos que o Jornal Nacional apresenta as reportagens de acordo com seus interesses e os da classe dominante. Temos ciência da manipulação de emoções e sentimentos feitos nas telenovelas. Mais uma vez a classe dominante corrobora o poder da classe dominada, sem, contudo conceder-lhe sequer pequenas satisfações, senão vejamos:
O democrata deve ter a convicção de que, do mais humilde ao mais culto dos homens, cada indivíduo é perfeitamente capaz de guiar a sua vida e assim deve ser compreendido e respeitado. Todos nós somos aptos a fazer escolhas: no campo pessoal, no campo político, no campo social. Isso não quer dizer que façamos sempre a melhor escolha, pois isso depende de vários fatores, mas sim que, no momento da decisão aquela nos pareceu ser a mais acertada. Os cidadãos terão tanto mais chances de acertar quanto mais livremente puderem se expressar e ter acesso a informação. É exatamente o exercício da liberdade que faz com que as possíveis escolhas se tornem mais consistentes, pois a necessidade de avaliar alternativas é o que estimula a nossa reflexão e nos permite amadurecer a decisão.
No artigo de João Roberto Marinho há alusão à consagração da liberdade de expressão desde os tempos da Revolução Francesa (aqui precisaríamos de um artigo próprio para discutir os meios/instrumentos utilizados na revolução), há imagens de políticos como Ulysses Guimarães, e Lula, exaltando a liberdade de expressão. Como não pode deixar de ser, João Roberto cita exemplos de novelas da Globo que foram questionadas perante a censura, como Selva de Pedra e Roque Santeiro. O prodigioso filho de Roberto Marinho busca apresentar uma rede Globo voltada à proteção dos direitos inalienáveis do cidadão e da liberdade de expressão, contudo, há menos de 30 anos, sua emissora recebia incentivo do governo ditatorial e omitia-se diante da repressão e tortura perpetradas por um Estado Ditador. Mas em um ponto Roberto Marinho acertou: manteve-se sua emissora ativa e operante e saiu dos escombros da ditadura como a mais forte do país.
Whitaker (2005) em artigo intitulado A Comunicação Televisiva e as Metamorfoses da Ideologia explana parte de sua visão sobre a televisão.
A TV – enquanto veículo de comunicação que ao mesmo tempo apreende, revela, e oculta o real – pode ser acusada (ou absolvida) de todos os males da contemporaneidade, dependendo obviamente do recorte feito pesquisador, do seu ângulo de análise e do próprio tema da investigação escolhido a partir da infinita rede de relações estabelecida por esse poderoso instrumento de divulgação da Indústria Cultural.
Para desvelar ideologicamente as manifestações envolvidas, as intenções subjacentes encontradas no fenômeno da Indústria Cultural, mormente a TV, é necessária uma compreensão realizada à luz da Sociologia, embasada nas mais diversas relações e contradições presentes nos fenômenos televisivos (Whitaker, 2005).
Mas qual a “fórmula” utilizada no processo de criação das propagandas televisivas? Como os conceitos de Cultura e Ideologia se entrelaçam como se fossem um conceito único? Whitaker (2005) nós apresenta algumas respostas. Segundo seus ensinamentos a publicidade comercial da TV busca reprimir e recalcar os mais diversos impulsos da Cultura. Dessa forma desvia os impulsos na direção da aquisição de mercadorias. A socióloga supracitada arrazoa que os impulsos são refratados e a energia neles contida é refletida em consumo ou desejo de mercadorias que nada tem a ver com o impulso antropológico inicial, como impulso sexual, impulso para mudar o mundo.
Assim na Dissertação em si, partimos para a análise da publicidade televisiva, mais precisamente os comerciais. Para tanto vamos selecionar comerciais com base no critério estabelecido por Whitaker (2005). Segue o modelo abaixo.
Ø Tentando neutralizar a vontade de mudança que caracteriza as forças latentes na dinâmica da cultura;
Ø Tentando diminuir o ímpeto de movimentos sociais que se tornaram atuantes e fundamentais para mudança cultural em nosso país;
Ø Esforçando-se para sufocar Eros, o que pode conseguir transformando o desejo finalmente legitimado pela cultura, que engendra esforços de libertação;
Ø Endossando o distanciamento entre o pai que trabalha e os filhos que anseiam por sua presença.
Contudo, fazendo um adendo, a televisão não é feita apenas de comerciais. Os conceitos de Cultura e Ideologia permeiam toda a programação televisiva, mormente nas telenovelas. Os Autores das telenovelas são tratados como deuses desse processo ideológico, e fazem sua parte muito bem. Nesse ínterim passaremos a uma análise de um capítulo da novela conhecida por “Cheias de Charme”, que atualmente é exibida no horário das 19: h00. Referida novela destacou-se no horário por trazer como plano de fundo a estória de três empregadas domésticas (as empreguetes). As três empregadas são desprezadas por seus patrões, trabalham muito, são lindas (muito lindas), e possuem sonhos que parecem inalcançáveis. Apaixonam-se por homens ricos, que não querem esse amor puro. E as três possuem o sonho de cantar e, no decorrer da trama, formam o trio As Empreguetes e tornam-se patroas, mulheres de fama e dinheiro.
Em certo capítulo, exibido na semana de 16 de julho de 2012, as Empreguetes foram contratadas para animar uma festa de crianças. A carga de emoções presentes em uma cena desse tipo é muito grande. As três entram no palco, caracterizadas para agradar as crianças. Estão muito bonitas e caracterizadas com roupas para agradar os infantes, sorriem sempre, começam a cantar, as crianças deliram com as músicas do trio. As Empreguetes se emocionam com o show, o close em seus rostos retrata olhos carregados de lágrimas, de emoção. As tomadas das cenas são rápidas, a felicidade parece contagiar até o mais deprimido, imagens dos rostos das cantoras, imagens das crianças transbordando alegria. É impossível não confundir ficção com realidade. Mas na realidade sabemos que a vida das empregadas domésticas não é como esse conto de fadas que a telenovela prega. Contudo, essas mesmas empregadas e empregados, trabalhadores que formam a massa, assistem, acompanham, vibram e choram com a novela em questão.
O processo ideológico engendrado pelo método de produção capitalista, o qual distorce conceitos de cultura, amoldando-os conforme seu interesse está contundentemente presente na mídia televisiva, fomentando o processo ilusório de dominação, haja vista que a massa trabalhadora ao assistir a ascensão de empregadas domésticas à patroas, sentem que, de alguma forma, estão no Poder. A classe dominante, detentora dos meios de produção e dos meios de comunicação, está com o Poder de Fato, mas sob o manto obscuro de um processo de dominação capitalista ideológico, que mascara, inverte, domina, e torna a classe dominada extremamente dócil.
No Jornal Folha de São Paulo do dia 26 de Junho de 2012, há uma “tirinha” na parte de quadrinhos, Mundo Monstro escrita por Adão, onde o personagem, em busca da felicidade, conversa com Deus:
DEUS!! COMO FAÇO PARA ALCANÇAR A FELICIDADE?
COMPRE! COMPRE! COMPRE! COMPRE! COMPRE! COMPRE!
E AGORA, O QUE FAÇO? FIQUEI SEM DINHEIRO!
DANE-SE! DANE-SE! DANE-SE! DANE-SE! DANE-SE! DANE-SE!
Nesse diapasão trouxemos à lume alguns ensinamentos de Washington Olivetto (Chairman e CCO da WMcCann). Em obra elaborada pelo CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), Olivetto escreve o artigo Publicidade também é Cultura. Para embasar o título do artigo o publicitário cita o exemplo do comercial “Valisère – primeiro sutiã”, com o slogan “a gente nunca esquece”.
Depois dessa primeira aparição, o filme se transformou em verdadeira comoção nacional. Criado para seduzir as mulheres, o comercial conseguiu encantar também os homens e muito rapidamente caiu na boca do povo. Virou tema de conversas em todos os núcleos sociais, começou a ser citado, repetido e parodiado nos mais diversos veículos de comunicação, vendeu a linha completa de produtos da Valisère, rejuvenesceu a marca, ganhou todos os prêmios de propaganda brasileira e mundial daquele ano e foi até mesmo considerado por umas duas ou três “Senhoras de Santana” como peça perniciosa para a moral e os bons costumes da época (Washington Olivetto, 2010).
O prodigioso publicitário tem razão ao afirmar que publicidade também é cultura. Contudo ele também teria razão se dissesse que a publicidade também é cultura e ideologia, simultaneamente. A publicidade utiliza-se de valores/sentimentos arraigados na nossa cultura, como amor materno, amor paterno, desejos de mudança, amor filial, e à luz da ideologia que sustenta o processo de produção capitalista, e, em certo momento do comercial, às vezes imperceptível, faz nascer o desejo de consumo daquela mercadoria no trabalhador.
Olivetto afirma que o filme da Valisère foi o responsável pela venda da linha completa de seus produtos. Alguns publicitários dizem que o comercial não faz o consumidor comprar. Essa afirmação é fruto do processo ideológico engendrado pelo modo de produção capitalista. É como se o consumidor fosse o único “culpado” pelo excessivo consumismo presente em nossa sociedade contemporânea. Olivetto mesmo não tocando no tema da ideologia consumista, confirma a função dos comerciais: incrementar as vendas de um produto já existente ou alavancar as vendas de um novo produto, desconhecido do público.
Mas existe relação entre a Cultura e o Ecossistema? Até que ponto a utilização predatória dos recursos naturais, que leva a degradação do meio ambiente, pode interferir ou até exterminar manifestações culturais? É possível o extermínio de uma cultura quando há a degradação de determinado espaço utilizado pelo homem para viver?
Lara Bezzon, socióloga, organiza em um livro, um diálogo realizado entre a socióloga Dulce Whitaker e o ecólogo José Tundisi. Whitaker havia acabado de defender seu doutorado na USP e as pesquisas para sua tese, realizadas nos canaviais da região de Araraquara, a despertaram para as questões ambientais. Por outro lado o professor Tundisi passara a trabalhar na USP de São Carlos, e por meio de sua orientanda, Valéria Whitaker, foi apresentado a socióloga Whitaker. Assim a socióloga Dulce Whitaker, ciente da eliminação de diversas formas de manifestação da Cultura diante do avanço da indústria canavieira, encontrou-se com o renomado ecólogo, que registrava processos complexos de transformação na Bacia Hidrográfica do Rio Tietê, e assim deu-se essa conversa transdisciplinar.
Tundisi ensina que o Rio Tietê pode ser tomado como um objeto e a partir dele podemos observar o cruzamento das informações decorrentes do desenvolvimento do Estado. O ecólogo leciona que a construção de um reservatório no Rio Tietê iniciou um processo de desenvolvimento econômico, seguido por um processo de alteração ecológica e logo depois um processo de alterações sociais (e não necessariamente desenvolvimento social), e todas essas interações estão refletidas dentro do sistema. O objetivo do pesquisador é, nesse momento de sua vida, criar uma correlação entre essa alteração no meio ambiente com as modificações causadas pela desarticulação cultural. Seriam informação ecológica, alterações no meio ambiente à luz do desenvolvimento criado à custa do Rio Tietê, cruzada com informações de erosão cultural e desarticulação de comunidades, diante do desenvolvimento econômico.
Assim depois do intróito da entrevista Whitaker observa que as transformações econômicas vão desarticulando as comunidades, no meio rural e no urbano, uma verdadeira erosão cultural. A socióloga, em suas pesquisas para o doutorado, observou que “corresponde mesmo a uma desintegração equivalente a essa desintegração ou degradação do solo e da natureza – seria uma correspondente desintegração da cultura e da sociedade”. Tundisi resume esse primeiro ciclo da conversa apontando que “toda a implantação dessa nova estrutura socioeconômica se reflete na situação ecológica, isto é, no sistema ecológico”, sendo que para ele essa erosão cultural, levantado por Whitaker, implica também na modificação da cobertura vegetal, ocasionada pelo desenvolvimento energético.
Dessa forma para Whitaker os fenômenos da cultura e o ecossistema possuem semelhanças evidentes. Vejamos a articulação elaborada pela socióloga no livro em análise:
As semelhanças entre os dois fenômenos – o sistema cultural e o ecossistema – são evidentes. A cultura é um complexo estruturado de ações e relações sociais. O ecossistema é uma totalidade integrada por “sutis processos metabólicos.” Na cultura, elaboram-se práticas e constrõem-se padrões sociais que garantem sua permanência em equilíbrio dinâmico. No ecossistema, “interagem e coexistem uma base inorgânica e uma base orgânica constituída por organismos vivos” (ainda segundo o glossário em questão) o que garante a sobrevivência e a permanência em resistência contra os fatores de entropia que o ameaçam (equilíbrio dinâmico portanto).
Os pesquisadores, Whitaker e Tundisi, acreditam que o ecossistema, a biodiversidade deve ser observada à luz da diversidade cultural. Dessa forma, em respeito às teorias da complexidade, sob um olhar de 360º, é possível chegar à conclusão de que as manifestações e fenômenos da cultura e da natureza devem ser observados em suas íntimas relações. O homem, seduzido pelo estilo de vida engendrado pelo modo de produção capitalista, extremamente consumista, precisa entender que o planeta é um só, não existe, pelo menos até hoje, outro planeta que possa ser habitado pela espécie humana, não existe um segundo plano. Deve o homem conviver em harmonia com o meio ambiente, desligando-se do sentimento de posse que possui sobre o mesmo.
Mas a ideologia utilizada com perspicácia pela classe dominante, detentora dos meios de produção, grandes empresários proprietários de todo tipo de indústria, que controlam também os meios de comunicação, pois as redes de televisão não passam de grandes indústrias do “entretenimento”, que escravizam, alienam a classe dominada, essa ideologia domestica a classe dominada. Como o homem vai conviver em harmonia com o meio ambiente se a cada dia aumenta-se a produção, a produtividade e o consumo vai a reboque desse aumento?
Como conviver em harmonia com o meio ambiente se nossos jovens estão cada vez mais preocupados com a beleza de seus corpos, com a malhação nas academias, com o culto à beleza, e esquecem-se do respeito às diferenças, da tolerância? A mídia tem sua responsabilidade sobre essa valorização extremada, seja na apresentação de tele-jornais, seja atuando nas tele-novelas ou nas propagandas televisivas, os atores são pessoas magras, com o corpo bem definido. Isso sem falar nas passarelas da moda, local onde só desfilam modelos magérrimas, esqueléticas. Esse processo de alienação dos jovens possui dois estágios, o consumismo realizado para manter o corpo ideal, o consumismo de produtos que o destaquem do restante dos jovens (celulares, tênis, óculos, roupas, mercadorias quase sempre produzidas à custa da exploração de outras pessoas), e a imagem passada por esses jovens na mídia, que ajudam a criar uma massa de jovens que buscam a individualidade nos produtos consumidos, mas que formam uma massa passiva de consumidores.
Muitos defendem o consumo sustentável. Nos Estados Unidos da América é comum as famílias serem proprietárias de grandes carros, de terem grandes casas. Grandes carros para carregar as suas famílias, grandes casas para o conforto de suas famílias. Os americanos não devem estar preocupados com a fome na África ou com a exploração de crianças, mulheres e homens, no momento em que vão até os templos modernos do consumo (Shopping Center) realizar seus desejos de compras, idealizar aquele sentimento em troca de um fetiche numa mercadoria. Os brasileiros estão caminhando, a passos amplos, para esse estilo de consumismo americano. Existe consumo sustentável? Os americanos são os maiores exemplos de alienação no mundo capitalista, é a sociedade modelo do capitalismo. Por lá ninguém está interessado em consumo sustentável. Consumir para eles é um direito, é um axioma, é um estilo de vida, é um princípio básico, é liberdade de escolha.
Mas voltamos ao consumo sustentável no Brasil. André Trigueiro, jornalista, entrevistou Hélio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu em dezembro de 2004, sendo que tal entrevista foi publicada em 2011. Hélio Mattar discorre:
Nós vivemos uma situação de enorme gravidade se considerarmos que, no modelo atual de consumo e de produção, já consumimos mais do que a capacidade de renovação dos recursos naturais. Segundo o relatório Planeta Vivo 2010, da organização WWF, a humanidade está consumindo 50% a mais do que a Terra consegue renovar. E mais do que isso: se toda a população do mundo consumisse em um padrão médio entre o dos norte-americanos e o dos europeus, seriam necessários os recursos naturais de mais quatro planetas Terra para suprir todo esse consumo.
Hélio Mattar lembra que o relatório Estado do Mundo 2010, publicado em português pelo Worldwatch Institute em parceria com o Instituto Akatu, apresenta uma concentração no momento do consumo: 500 milhões de pessoas mais ricas do mundo (aproximadamente 7% da população mundial) são responsáveis por 50% das emissões globais de dióxido de carbono, e do outro lado, os 3 milhões mais pobres são responsáveis por apenas 6% dessas emissões. O mesmo relatório afirma que 16% da população mundial são responsáveis por 78% do consumo total no mundo.
O presidente do Instituto Akatu (Instituto criado em 15 de março de 2001, que possui como objetivos a mobilização das pessoas em torno do consumo consciente), continua a entrevista dizendo que a questão fundamental é que o consumidor raramente reflete antes do ato do consumo, “compra por impulso”. Em outro trecho da entrevista Hélio Mattar diz que é preciso consumir, que o consumo é vida. Para ele o fundamental é que exista uma reflexão nesse ato de consumo, levando em consideração suas conseqüências em relação ao meio ambiente, a economia, a sociedade e aos próprios indivíduos.
O Instituto Akatu foca na educação ambiental como supedâneo para a resolução das questões ambientais. A educação ambiental é sempre muito bem vinda, nesse caso para pessoas de todas as classes sociais, pois todos consomem. A educação ambiental despertará o senso crítico no consumidor no momento do consumo, assim ele pensará se é melhor consumir um pacote de bolachas com múltiplas embalagens ou consumir um pacote de bolachas de uma embalagem apenas; observará se é o momento de trocar o celular por um mais novo ou se o celular que possui ainda pode lhe ser útil por mais um tempo; argumentará com seu filho que é melhor ele continuar com o vídeo game antigo, pois ele ainda está em condições de uso, apesar de já existirem modelos mais modernos no mercado; analisará juntamente com sua filha que aquela boneca há tanto tempo desejada por ela é produzida em um mercado que explora a mão de obra infantil e assim é melhor adquirir a boneca com o selo da ABRINQ.
Mas o consumo consciente é capaz de minimizar/diminuir/extirpar de nossa sociedade o modelo atual de consumo? Ou os empresários continuarão a investir em aumento da produtividade, investimentos cada vez maiores em marketing e propagandas, estimulando a continuidade do consumo? Não podemos esquecer que uma das bandeiras atuais das corporações industriais-capitalistas é a sustentabilidade, é passar para o consumidor que elas são empresas engajadas nos assuntos ambientais, são empresas verdes, são ecoeficientes, são ecologicamente viáveis, são portadoras e seguidoras do ISO 14.000 (que trata das regras para a produção sustentável), mas em nenhum momento as corporações falam em diminuir produtividade ou produção, ao contrário, para as empresas o mote é desenvolvimento sustentável. Se há produção, se há geração de necessidades, há consumo, mesmo que for “consciente”.
A Socióloga Lisa Gunn (2002) entende que ainda há dificuldades para o consumidor relacionar os problemas socioambientais aos nossos atuais modos de consumo. Para ela “consumimos de forma impulsiva e “ser alguém” passa a estar associado à posse ou uso de determinados produtos e serviços”. Gunn ponderou bem essas afirmações, contudo na finalização de seu artigo peca pelo romantismo em relação a soluções práticas, vejamos:
ACORDA, CONSUMIDOR!
A pergunta fundamental que devemos fazer em cada ato de compra é: precisamos realmente desse produto e/ou serviço? É necessário reagir ao consumismo desenfreado a que as mensagens publicitárias querem nos induzir. Além de nos habituar a ler rótulos, etiquetas e embalagens, temos de prestar atenção não apenas no preço e na qualidade, mas também questionar quem produziu, onde produziu, como foi a produção, ou seja, quais são os impactos sociais e ambientais associados à produção e ao consumo. Precisamos desenvolver nossa capacidade de avaliar criticamente as peças publicitárias para evitar a manipulação de nossa liberdade de escolha. É necessário expandir nosso olhar e ver o que está por trás dos produtos e serviços que consumimos. A partir daí, é preciso deixar de consumir. (grifos nossos)
A produção cria os objetos que correspondem às necessidades. A produção é também imediatamente consumo, como Marx chama de consumo produtivo. O consumo é também imediatamente produção, chamada por Marx de produção consumidora. Esta produção análoga ao consumo é uma segunda produção oriunda do aniquilamento do produto da primeira, conforme os ensinamentos de Marx. O produto somente se torna produto na acepção precisa do termo no momento do consumo e tal consumo cria a necessidade de uma nova produção.
Nesse desiderato a produção, que em uma análise menos apurada pode ser relegada a mero expectador, é quem cria o consumidor. A produção cria o objeto para o consumo; a produção dá-lhe o acabamento; o objeto é produzido na forma e na medida exata para o consumo; ao consumidor somente resta praticar o ato do consumo de um objeto criado objetivamente e subjetivamente para essa finalidade.
O consumidor possui o direito de consumir como bem entender. Tal direito somado aos valores capitalistas arraigados na nossa sociedade nitidamente capitalista, e encobertos sob o véu do fetiche que a mercadoria cria em uma sociedade ideologicamente estimulada, o ato do consumo torna-se algo inexorável, quase que um direito natural de quem nasce nesta sociedade.
A produção cria o consumidor (Marx, 1978). O trabalhador se coisifica e as mercadorias são personificadas. A sociedade contemporânea concede um valor supremo à mercadoria. Através da propaganda cria-se a falsa percepção que o consumo traz a felicidade e faz com que o indivíduo sinta-se integrado à sociedade. Não é preciso ter, apenas aparentar ter. O ser, os valores que outrora foram celebrados foram substituídos pela sensação do ter.
Dessa forma como o consumidor pode deixar de consumir se este é o ato inexorável que lhe resta no modo de produção capitalista? Ler rótulos, observar atentamente a embalagem, escolher uma mercadoria com menor quantidade de embalagens, são atitudes constantes em um consumo consciente, mas ainda assim é um consumo, pois mesmo que seja consciente, o consumo já ocorreu no momento da produção. A produção gera as necessidades, o consumo da mercadoria é o ato derradeiro do ciclo de produção capitalista, é o que resta ao consumidor fazer.
O filme “As Corporações” traz um relato histórico da evolução dessas grandes empresas transnacionais, de seu tímido surgimento até as megacorporações existentes atualmente. O filme desvela a verdadeira face das corporações: exploração de mão de obra, desrespeito à vida humana, desrespeito ao meio ambiente, manipulação de informações, estratégias para alienar e domesticar o consumidor, busca incessante por maiores lucros, etc. (As Corporações, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=w3JB99zqgAc)
O filme apresenta um perfil psicológico das corporações. Segundo seus idealizadores as corporações causam, direta ou indiretamente, prejuízos ao trabalhador, ao meio ambiente, à própria sociedade. As corporações não respeitam os direitos básicos dos trabalhadores, exploram mão de obra em países subdesenvolvidos ou em países com excesso de mão de obra (exemplo países da América Central e a China); as corporações apropriam-se dos recursos naturais para obter lucro e lançam na atmosfera e nos rios o que sobra do processo de produção (entropia = poluição); as corporações, por meio de propagandas televisivas, merchandising, alienam e iludem o consumidor, tornando-o um ser passivo, “mais um tijolo no muro”, transformando o consumidor em uma fera consumista, aquele que busca a felicidade na compra de uma mercadoria.
Mas que tipo de pessoa é uma corporação? Não é uma pessoa física, apesar de contar com muitos direitos da pessoa humana, não é um conjunto de pessoas, apesar de ser administrada por um grupo de executivos, então é uma pessoa jurídica. Chomsky, no filme “As Corporações” pondera que as corporações possuem o direito de pessoas imortais, são pessoas especiais, não possuem consciência moral. Preocupam-se apenas com os acionistas, com a obtenção de lucros, não sentem remorso pelas atitudes que tomam para alcançar os maiores ganhos. Chomsky traça um paralelo entre a atuação da corporação no sentido estrito de seu objetivo (lucros) e na relação com as pessoas:
Ao olhar uma corporação, como ao olhar um dono de escravos você quer diferenciar a instituição do indivíduo. Escravidão e outras formas de tiranias são monstruosas, mas os participantes delas podem ser pessoas muito boas. Benevolentes, cordiais, carinhosas com os filhos, até com os escravos, importando-se com as pessoas. Como indivíduos, podem ser qualquer coisa. Em seu papel institucional são monstros, porque a instituição é monstruosa.
Chomsky se debruça sobre essa questão, qual sejam, mesmo tendo a frente de sua gestão pessoas de índole inatacável, respeitadas e respeitosas, as corporações na sua essência causam o mal. Não porque querem, mas porque o sistema de produção capitalista possui uma classe dominante que apropria-se da mais valia para seu deleite e do outro lado os que produzem a mais valia apenas sobrevivem na sociedade. Não será exagero de Chomsky dizer que as corporações são monstros, são como “Godizilas”?
Não é exagero. Para isso citamos um exemplo do filme em comento: no fatídico dia 11 de setembro de 2001 os Estados Unidos sofreram uma série de ataques suicidas de terroristas que destruíram as torres do edifício World Trade Center em Nova Iorque, o que resultou em milhares de americanos mortos, trouxe medo e terror ao povo americano. Qual foi a primeira reação da bolsa de valores de Nova Iorque (um dos baluartes do capitalismo americano)? A primeira reação foi: “Meu Deus, o preço do ouro deve ter explodido! Quem investiu em ouro conseguiu dobrar seus investimentos e muitos ficaram felizes com isso. Lucro. Mortes. Pavor. Devastação. Desespero. Terror. Mas lucro. “Na devastação há oportunidade”, disse o investidor que participou do filme.
O ideal para as corporações seria o consumidor e sua TV. A classe dominante é detentora dos meios de produção e dos meios de comunicação, assim ela pode domesticar e alienar a classe dominada sem maiores esforços. Por meio das propagandas o consumidor é levado a comprar aquilo que não deseja, é um tipo de estelionato na mente do consumidor, que o leva a pensar de uma forma que não pensaria se fosse livre dessas formas de alienação proporcionadas pela televisão. Acerca das vicissitudes atribuídas ao assunto Chomsky discorre:
A meta da corporação é maximizar o lucro, e a participação no mercado. Ela tem um objetivo para sua meta: A população. Ela precisa ser transformada em consumidores inconscientes, de produtos que não desejam. É preciso desenvolver desejos. Então é preciso criar desejos. Impor uma filosofia da futilidade. Volta a atenção das pessoas para aspectos fúteis da vida, como o consumo de modismos. Estou citando literatura de negócios. E faz sentido. O ideal é ter indivíduos desassociados entre si. Cuja concepção de si mesmos, o senso de valor, é a quantidade de desejos que conseguem satisfazer. Temos grandes setores da economia, relações públicas, propaganda, que se destinam a encaixar as pessoas no padrão desejado.
Assim, nessa doutrinação dos consumidores a televisão é a grande aliada da classe dominante. É notícia o que as grandes corporações da mídia dizem que é notícia. As notícias adquirem um caráter de informar, de passar adiante o que interessa aos grupos que estão no controle. A mídia, controlada por grandes corporações capitalistas, e acobertada pelo direito à liberdade de expressão, manipula, controla, aliena, e cria consumidores despidos de formação crítica. As propagandas de mercadorias e serviços também se prestam nesse processo de doutrinação, e por meio da super exposição de valores (carinho, afeto, cuidado, amor) engendra sua ideologia consumista.
Tomemos duas situações como exemplo. No dia 20 de outubro de 2012 a maior rede de TV aberta do Brasil, em seu programa chamado Globo Cidadania, exibiu uma reportagem sobre “economia verde”. Frise-se que a reportagem é apresentada por um ator da referida emissora (isso demonstra parte da manipulação da reportagem). No inicio da reportagem o ator faz uma pergunta para os tele-expectadores, indagando-os se é possível sermos sustentáveis sem afetar a economia. A preocupação da reportagem, do programa, que apenas reflete a preocupação dos anunciantes e dos executivos da emissora, é mantermos a economia em crescimento e se possível ir dosando as ferramentas e métodos sustentáveis.
Na reportagem o ator-apresentador visita um local onde pessoas estão realizando a separação do lixo, buscando preparar materiais para a reciclagem. A reportagem, por meio de um professor, define “economia verde” como capital natural + energia e eficiência de recursos. O apresentador pergunta: “como investir na economia verde sem afetar a economia?” Ainda no decorrer do programa outro “especialista no assunto” é ouvido e frisa que a adoção de práticas de produção sustentáveis significa oportunidade de novos negócios. A reportagem, que deveria falar sobre formas concretas de desenvolvimento sustentável, por meio de conceitos manipulados por uma ótica ideológico-capitalista, doutrina o tele-expectador à luz dos interesses da classe dominante.
Outra situação que demonstra o sucesso da alienação decorrente do binômio pessoa-televisão ocorreu no dia 19 de outubro de 2012, dia da exibição do último capítulo da tele-novela exibida no horário das 20h00, a chamada “novela das oito”, de nome Avenida Brasil. Alguns institutos de acompanhamento de audiência apontaram que em certos horários de exibição da referida tele-novela, 80% das televisões estavam ligadas neste último capítulo. Abaixo transcrevemos uma, das muitas, reportagem sobre o “sucesso” da tele-novela:
“Avenida Brasil”: 80% das TVs ficam ligadas no último capítulo. A trama que teve grande repercussão durante toda a sua exibição também foi bem no Ibope. O último capítulo da novela marcou 51 pontos de média com pico de 54. (...). A novela começou as 21h10 e já tinham 40 pontos de audiência. Anteriormente o "Jornal Nacional" marcava 37 pontos. (...) Apesar do grande sucesso, o folhetim de João Emanuel Carneiro não foi recorde de audiência se comparado com o capítulo final das últimas novelas. "Avenida" foi superior a “Fina Estampa” (2011), com 46 pontos de média e pico de 50, “Insensato Coração” (2011) - teve 47 pontos e 50 de pico -, e “Viver a Vida” (2009) - 46 pontos de média e 52 de pico. No entanto, foi inferior a "Passione" (2010), com 52 pontos de média e pico de 58 e “Caminho das Índias” (2009), que obteve impressionantes 54 pontos de média e pico de 59. A autora de "Caminho das Índias", Glória Perez, que estará à frente da próxima trama das 21h, “Salve Jorge”, é a campeã de audiência dos últimos tempos, (...) sua novela “América”, de 2005, marcou 66 pontos de média e pico de 70 e atingiu um dos maiores números de audiência da televisão brasileira nos últimos anos. (extraído do site http://gente.ig.com.br/tvenovela/2012-10-20/avenida-brasil-80-das-tvs-estavam-ligadas-no-ultimo-capitulo.html, no dia 20/10/2012).
Toda essa concentração de pessoas (consumidores) em um único canal e em um lapso temporal definido é muito interessante para o marketing das grandes empresas. Uma propaganda articulada, mesclando cultura e ideologia capitalista, no bojo dos intervalos dessas tele-novelas é capaz de captar uma infinidade de consumidores para determinada mercadoria ou serviço. A alienação provocada por essas tele-novelas já é grande, pois seus brilhantes autores confundem os tele-expectadores, combinando fatos que ocorrem no cotidiano das pessoas com fatos deslumbrantes. Por exemplo, o menino pobre que mora no lixão e fica milionário jogando bola; a menina pobre que foi abandonada pela mãe e que torna-se modelo de sucesso internacional, etc.
Dessa forma as empresas aproveitam-se desse público pré-selecionado pelas tele-novelas (público extremamente fiel, igual aos homens com os jogos de futebol), frise-se já alienado pelas cenas reais-imaginárias tramadas na novela, e as envolve em propagandas de mercadorias, comerciais elaborados a guisa do talento dos publicitários, e o resultado só pode ser um: incremento na venda de seus produtos ou sucesso no lançamento de algum novo produto da marca.
4- INTERNET
Com o fenômeno da Globalização, que conta com a rapidez da Internet, para a celebrada “diminuição de fronteiras”, as propagandas ganharam outra relevância. Nas propagandas televisivas o conteúdo apresentado é impositivo, mesmo que você troque de canal, é bem provável que se depare com a mesma propaganda. Assim para o comercial televisivo chegar ao público desejado e tornar-se eficaz terá que dosar cultura e ideologia, sendo que a primeira “prende” o tele-expectador no sofá e a segunda distorce os valores e os transforma em propagadores do consumo.
Na Internet é um tanto diferente. O “internauta” tem a sua disposição uma infinidade de sites (endereços eletrônicos com algum tipo de conteúdo) a sua disposição. Muitas vezes as propagandas passam despercebidas pelos internautas, que de tanta informação presente em um site, acabam por ficarem imunes às propagandas. Uma forma de atrair o internauta é a divulgação de vídeos, por meio do endereço eletrônico www.youtube.com.br, que diante das visualizações (que chegam aos milhões) tornam-se uma estratégia de propaganda para as empresas.
O jornal Folha de São Paulo publicou em 20/12/2012, as 06h50, as dez campanhas publicitárias mais vistas no Brasil em 2012, o teor da reportagem segue abaixo:
O brasileiro está assistindo a mais filmes publicitários na internet. É o que mostra o site especializado no mercado publicitário, "Meio&Mensagem", que divulgou a lista dos comerciais mais vistos no YouTube. "No ano passado, entre os cem vídeos com mais views no Brasil, havia apenas cinco anúncios. Este ano, são 16", revela Vivian Bravo, especialista de produtos de publicidade do YouTube para América Latina, ao "Meio&Mensagem". A lista também mostra como o UFC faz sucesso no país, já que entre as quatro primeiras posições, três contam com a participação de lutadores da modalidade. Já o segundo lugar mostra um caso de sucesso que nasceu no próprio YouTube e se tornou personagem de campanha do banco Itaú.
1. "Vai amarelar ou vai de Gillette"
Visualizações: 20,5 milhões
2. "Bebê - Sem papel"
Visualizações: 15,4 milhões
3. "Vai Amarelar? Ou vai de Gillette? O Retorno"
Visualizações: 13,5 milhões
4. "Budweiser - Great preparation"
Visualizações: 11,6 milhões
5. "Strip da Gisele"
Visualizações: 10,8 milhões
6. "Cenas inéditas da transformação da Xuxa"
Visualizações: 10,7 milhões
7. "Protagonistas da minha história"
Visualizações: 10,5 milhões
8. "Diga alô ao smartphone tela cheia"
Visualizações: 9 milhões
9. "Reebok Real Flex"
Visualizações: 8 milhões
10. "Atchim e Espirro - A volta"
Visualizações: 6 milhões
Dessa forma passaremos a uma análise mais retida dessas dez propagadas, que somadas chegam à 116 milhões de visualizações.
5- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Os alicerces de sustentação deste trabalho seriam os autores:
Ø Karl Marx e Engels
Ø Dulce Consuelo Andreatta Whitaker
Ø Pierre Bourdieu
Ø Luci Mara Bertoni
Ø Darwin Ianuskiewtz
6- OBJETIVOS (Principal e Específicos)
Como objetivo Geral buscar-se-á compreender o processo ideológico através do qual o consumidor fica impedido de praticar o consumo de forma consciente.
Como objetivos Específicos temos:
Desmascarar a produção industrial como sendo a origem dos problemas ambientais;
Analisar a força da publicidade (propaganda televisiva) no sistema capitalista que utiliza a criatividade de agentes humanos talentosos para garantir o consumo.
Analisar as múltiplas facetas do Desenvolvimento Sustentável.
7- Metodologia
Análise do conteúdo de propagandas televisivas selecionadas a partir da boa qualidade da produção, levando em conta a cultura no sentido antropológico e a intersecção e manipulação ideológica sobre os fatos da cultura, tal como propostos por Whitaker.
Assim, além da qualidade da publicidade analisada à luz dos conceitos da cultura e da ideologia, também levaremos em conta a criatividade dos profissionais da propaganda.
Os produtos serão escolhidos entre aqueles “de luxo”, mas que estejam ao alcance da classe média e das camadas emergentes. Buscando alcançar comerciais de boa qualidade, que trabalhem com emoções humanas, valores éticos e morais, qualidades e adjetivos humanos, não vamos nos ater a apenas um segmento de mercadorias, mas sim com base nos critérios de criatividade, e que possuam uma boa carga de cultura e ideologia, buscar-se-á propagandas televisivas de boa qualidade nos mais diversos tipos de mercadorias adquiridas pela classe média.
As propagandas serão escolhidas entre os critérios supramencionados, no horário nobre da Rede Globo de Televisão.
Vamos realizar a seleção de tais propagandas entre os anos de 2012 e 2013.
8- CRONOGRAMA
Etapas do Projeto |
Implementação |
|
|
Introdução |
15 dias |
Justificativa |
15 dias |
Referencial Teórico |
30 dias |
Pressupostos Teóricos |
05 dias |
Objetivos |
05 dias |
Metodologia |
05 dias |
9- REFERÊNCIAS
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