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A Possibilidade de Fechamento de Capital em Sociedades Anônimas
Análise do Instituto da Dissolução Parcial no âmbito das Sociedades Anônimas.
Texto enviado ao JurisWay em 15/05/2014.
Dissolução Parcial das Sociedades Anônimas
Introdução
O instituto da dissolução parcial surgiu com o objetivo de preservação da empresa, evitando a dissolução total da sociedade empresária quando da quebra da affectio societatis.
Entretanto, não há previsão da dissolução parcial pela Lei das Sociedades Anônimas, sendo sua aplicação uma discussão jurisprudencial recente, e até o momento, não pacífica entre as turmas do Supremo Tribunal de Justiça.
Da natureza das sociedades anônimas
Para Fábio Ulhoa Coelho[1], “a sociedade anônima é uma sociedade de capital”, pelo que utilizou como critério o fato da ter a pessoa menos relevância na origem associativa.
Nas sociedades anônimas as atribuições e características individuais de cada sócio não constituem um fator determinante para que ocorra a sociedade, diferentemente do que acontece em uma sociedade limitada, na qual as atribuições dos sócios são fundamento para a existência da própria organização empresarial. É o chamado intuitu personae.
Neste tipo de sociedade, por ser fundada em mútua confiança, há restrições quanto à cessibilidade das quotas à terceiros, bem como que a ocorrência de morte, interdição ou falência de um dos sócios podem acarretar sua dissolução.
Por sua vez, as sociedades de capital são aquelas que se pautam em torno da contribuição pecuniária de seus sócios, e não se levando em consideração qualquer característica pessoal das pessoas a ela associadas. Desta forma, há livre cessibilidade das ações e a desconsideração em caso de morte, interdição ou falência.
Da dissolução parcial das sociedades anônimas
A dissolução parcial tem como plano de fundo a preservação da empresa, impedindo sua dissolução total, sua extinção.
Nos casos em que a lei prevê a dissolução total da empresa aplica-se também a dissolução parcial, pelo que irá se retirar o sócio dissidente, com apuração e pagamento de seus haveres, em valor real atualizado, na forma de liquidação.
As sociedades anônimas se utilizam deste instituto originalmente empregado às sociedades limitadas, quando se verificam algumas situações: iliquidez das ações, capital fechado, pequeno número de acionistas, quebra da affectio societatis.
Entretanto, a alegação da quebra da affectio societatis nas sociedades anônimas não é um tema pacífico, de reconhecimento extremamente difícil, uma vez que não se pode conceber que as sociedades anônimas, mesmo sendo de natureza fechada, com estrutura familiar, restrição na circulação de aços, tenham como vínculo a affectio.
As insatisfações pessoais dos acionistas não são consideradas, e em caso de divergência, poderá haver responsabilização civil e penal pelos danos causados à companhia. Tanto é assim que, nas sociedades anônimas existem mecanismos de proteção para se evitar que a divergência entre os acionistas gere efeitos danosos à empresa, como por exemplo, formação de mercado de capitais, limitação das hipóteses de recesso, complexidade da organização administrativa, etc.
Uma vez que as sociedades anônimas são regidas pelo caráter institucional, onde direitos essenciais do acionista estão taxativamente fixados em lei, dentre eles o direito de recesso e a restrita possibilidade de exclusão, existe a garantia de manutenção da posição acionária.
A exclusão do sócio é hipótese restrita, a qual só é admitida com extrema reserva e excepcionalidade, seja nas sociedades anônimas abertas, seja nas fechadas, nos casos de acionista remisso (art. 107, da Lei das Sociedades Anônimas) e nos casos de resgate de ações (art. 44, da Lei das Sociedades Anônimas).
O Supremo Tribunal de Justiça já entendeu ser juridicamente impossível a dissolução parcial das sociedades anônimas, por já existir hipótese expressa e taxativa de direito de recesso do sócio insatisfeito:
COMERCIAL - SOCIEDADE ANÔNIMA - DISSOLUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - CARÊNCIA DE AÇÃO.
I - Pedido de dissolução, in casu, é juridicamente impossível pois a espécie societária admite o direito de recesso do sócio descontente. II - Recurso não conhecido. (REsp 171354, rel. Min. Waldemar Zveiter, 3ª Turma, j. 16.11.2000)
Cabe destacar que a dissolução parcial acarretaria um desequilíbrio econômico da empresa, tendo em vista o abalo financeiro que a retirada de determinado acionista poderia gerar. Nesse sentido:
COMERCIAL. SOCIEDADE ANONIMA. DISSOLUÇÃO PARCIAL. IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. NAS SOCIEDADES ANONIMAS O DIREITO DE RETIRADA DO ACIONISTA E RESTRITO AS HIPOTESES DO ART. 137 DA LEI 6.404/76, APRESENTANDO-SE IMPOSSIVEL O PEDIDO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE, PROPRIO DAS EMPRESAS ORGANIZADAS POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, SEM RELEVO A QUALIFICAÇÃO DE COLIGADA DA EMPRESA ACIONISTA, CUJA CONDIÇÃO PODERA SER DESFEITA MEDIANTE ALIENAÇÃO DE AÇÕES DE MODO A REDUZIR A MENOS DE DEZ POR CENTO DO CAPITAL DA SOCIEDADE ANONIMA. (STJ, AgRg no Ag 34120, rel. Min. Dias Trindade, 3ª Turma, j. 26.04.1993)
Por outro lado, de acordo com Fábio Konder Comparato[2], a sociedade anônima fechada apresenta “todas as características de uma sociedade de pessoas animada por uma affectio societatis que se funda no intuitu personae”. O STJ e o TJRJ inclusive já identificaram a presença do intuitu personae nas sociedades fechadas:
“É inquestionável que as sociedades anônimas são sociedades de capital (intuitu pecuniae), próprio às grandes empresas, em que a maioria dos sócios não tem papel preponderante. Contudo, a realidade da economia brasileira revela a existência, em sua grande maioria, de sociedades anônimas de médio e pequeno porte, em regra, de capital fechado, que concentram na pessoa de seus sócios um de seus elementos preponderantes, como acontece com as sociedades ditas familiares, cujas ações circulam entre os seus membros =, e que são, por isso, constituídas intuitu personae. Nelas, o fator dominante em sua formação é a afinidade e identificação pessoal entre os acionistas, marcadas pela confiança mútua. Em tais circunstâncias, muitas vezes, o que se tem, na prática, é uma sociedade limitada travestida de sociedade anônima, sendo, por conseguinte, equivocado querer generalizar as sociedades anônimas em um único grupo, com características rígidas e bem definidas. Em casos que tais, porquanto reconhecida a existência da affectio societatis como fator preponderante na constituição da empresa, não pode tal circunstância ser desconsiderada por ocasião de sua dissolução. Do contrário, e de que é exemplo a hipótese em tela, a ruptura da affectio societatis representa verdadeiro impedimento a que a companhia continue a realizar o seu fim, com a obtenção de lucros e distribuição de dividendos, em consonância com o artigo 206, inciso II, b, da Lei nº. 6.404/1976, já que dificilmente pode prosperar uma sociedade em que a confiança, a harmonia, a fidelidade e o respeito mútuo entre os seus sócios tenham sido rompidos.” (STJ, REsp 111.294, rel. Min. Castro Filho, j. 28.06.20013).
* * *
“Considerando o inequívoco caráter intuitu personae da sociedade em causa, que apenas formalmente se reveste da natureza de sociedade anônima, merece sufrágio o voto majoritário que admitiu o exercício do direito de recesso, aplicando o Código comercial, como regra geral (art. 335, § 5º), diante da lacuna da lei.” (TJRJ, Apelação Cível 12372/98, j. 23.09.1999)
Existindo nas sociedades acionárias de pessoas o intuitu personae e, por conseguinte, a affectio societatis, caberá a dissolução parcial.
Sobre a existência do direito de recesso, referida parte da doutrina e jurisprudência entende que o direito de recesso do acionista e a dissolução parcial constituem institutos absolutamente distintos, sendo sua única semelhança o fato de constituírem modalidade de extinção parcial do vínculo societário.
Ainda, de acordo com o art. 206, inciso II, b, da Lei das Sociedades Anônimas, que determina hipótese dissolutória que poderia ser substituída pela dissolução parcial, “quando provado que não pode esta preencher o seu fim”, em ação proposta por acionistas que representem 5% ou mais do capital social. Neste sentido:
DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. FIM DA AFFECTIO SOCIETATIS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. POSSIBILIDADE.
I - A affectio societatis, elemento especifico do contrato de sociedade comercial, caracteriza-se como uma vontade de união e aceitação das áleas comuns do negocio. Quando este elemento não mais existe em relação a algum dos sócios, causando a impossibilidade da consecução do fim social, plenamente possível a dissolução parcial, com fundamento no art. 336, i, do CCO., permitindo a continuação da sociedade com relação aos sócios remanescentes. II - Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no Ag 90995, 3ª Turma, rel. Min. Cláudio Santos, j. 05.03.1996)
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Comercial. Dissolução de sociedade anônima de capital fechado. Art. 206 da Lei n. 6.404/76. Não distribuição de dividendos por razoável lapso de tempo. Sociedade constituída para desenvolvimento de projetos florestais. Plantio de árvores de longo prazo de maturação. Empresa cuja atividade não produz lucros a curto prazo. Inexistência de impossibilidade jurídica. Necessidade, contudo, de exame do caso em concreto. Insubsistência do argumento de reduzida composição do quadro social, se ausente vínculo de natureza pessoal e nem se tratar de grupo familiar. - Não há impossibilidade jurídica no pedido de dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado, que pode ser analisado sob a ótica do art. 335, item 5, do Código Comercial, desde que diante de peculiaridades do caso concreto. - A "affectio societatis" decorre do sentimento de empreendimento comum que reúne os sócios em torno do objeto social, e não como consequência lógica do restrito quadro social, característica peculiar da maioria das sociedades anônimas de capital fechado. - Não é plausível a dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado sem antes aferir cada uma e todas as razões que militam em prol da preservação da empresa e da cessação de sua função social, tendo em vista que os interesses sociais hão que prevalecer sobre os de natureza pessoal de alguns dos acionistas. (STJ, REsp 247002, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 04.12.2001)
Cumpre ressaltar que a quebra da affectio societatis não se denota suficiente para, por si só, ditar a impossibilidade de a companhia atingir o seu fim. O simples desentendimento entre os sócios não é suficiente para que se possa reputar dissolvido o ente social. O dissenso deve ser de tal ordem que impeça efetivamente a sociedade de explorar a atividade empresária.
Conclusão
Pelo exposto, a aplicação do instituto da dissolução parcial nas sociedades anônimas, só existirá quando a companhia não puder preencher seu fim, ou seja, não houver a distribuição de lucro.
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