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SPRAY DE PIMENTA NOS OLHOS DOS OUTROS NÃO É REFRESCO
Texto enviado ao JurisWay em 16/07/2013.
Spray de Pimenta nos olhos dos outros não é refresco
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
Talvez o maior pilar da democracia seja a liberdade de manifestação do pensamento, insculpida no Inciso IV de nossa vigente Constituição Federal de 1988. E funciona como verdadeiro termômetro do Estado Democrático de Direito. Tanto que a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948, no seu Artigo XIX proclama que “toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
As manifestações populares que têm tomado as ruas e praças de todo o País bem representam o exercício legítimo da garantia fundamental de liberdade de manifestação do pensamento, exercida por milhões de brasileiros de todas as idades, inclusive através das redes sociais na internet. Se o Egito era a bola da vez, hoje, o mundo volta os seus olhos para o que acontece no Brasil. Desde o fenômeno das “Diretas-Já”, nunca se viu tanta gente nas ruas clamando por mudanças, exigindo que a República seja depurada da corrupção e da improbidade administrativas.
Na outra margem da marcha popular, muitas vezes confundindo-se com o próprio alvo direto dos protestos, o Poder Público local lança mão de sua tropa de choque da polícia militar para fiscalizar e conter a ação de pseudo-manifestantes que extravasem dos limites da manifestação ordeira e pacífica. Mesmo porque para o vândalo qualquer oportunidade de desfilar suas barbaridades é oportuno e conveniente, ainda mais quando centenas ou milhares de pessoas de bem protestam nas ruas, sabedor aquele que a ocupada polícia não disporá naquele momento, naturalmente, de efetivo suficiente para contê-lo.
Auxiliando o aparato policial de elite para conter os excessos e desvios cometidos por alguns não-manifestantes, destacam-se principalmente o uso de balas de borracha, bombas de efeito moral e spray de pimenta. Devendo ser utilizados sempre e estritamente como resposta proporcional aos atos de vandalismo cometidos por desordeiros infiltrados na turba cidadã. Preservando-se, a todo custo, a integridade física e a saúde dos demais manifestantes inocentes.
Entretanto, assim como presenciado inaceitáveis atos de destruição e saques praticados por vândalos infiltrados entre os manifestantes, contra o patrimônio público e privado, imagens chocantes espalhadas pela internet e pela TV aberta nos revelam ação de alguns policiais militares que ilegítima e desproporcionalmente lançam spray de pimenta nos olhos de indivíduos que em nenhum momento esboçavam qualquer ato comezinho de violência ou injúria grave. Simplesmente foram, propositadamente, atingidos pelo artefato químico por estarem exercendo seu direito constitucional – e também universal – de protestar. Há relatos de transeuntes alheios às manifestações e profissionais da imprensa que foram gratuitamente atingidos pelo composto lacrimogêneo.
Particularmente, sou veementemente contra a idéia de se borrifar qualquer tipo de gás em quem quer que seja e, ainda, em qualquer local. Nenhum ser humano, por mais odioso ou reprovável a sua conduta, deve ser alvo de qualquer experimento químico. O desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos praticados pelo Terceiro Reich há exatos 68 anos, que resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade, muitas vezes pelo uso de compostos químicos contra uma massa indefesa nos campos de concentração e através de bombas que caíam sobre civis nas cidades europeias, africanas e asiáticas, revelam o perigo de seu manejo pelo Estado. Ainda sou a favor da boa e velha prisão em flagrante, conduzindo-se o malandro ao DPJ mais próximo, para ser ouvido pelo Delegado de plantão.
Ouvi alguém dizer que nos cursos de arquitetura e paisagismo ensina-se que, agora, o vidro está fora de moda. Que o gosto do momento seria por tapumes. Pois bem, então chegou a hora de dizer que spray de pimenta nos olhos dos outros não é refresco! Trocadilhos à parte, penso que o Supremo Tribunal Federal deva ser provocado para se manifestar a respeito da constitucionalidade e dos limites do uso de balas de borracha, bombas de efeito moral e spray de pimenta em manifestações populares, assim como já ocorreu no passado com o uso de algemas.
Curioso ressaltar que a “Convenção Internacional sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sobre a Destruição das Armas Químicas Existentes no Mundo”, assinada pelo Brasil em Paris, em 13 de Janeiro de 1993, no seu Art. I, Item 5, estabelece expressamente que “cada Estado-Parte se compromete a não usar agentes de repressão de distúrbios como método de guerra”. Esclarecendo no seu Art. II, Item 7, que por "agente de repressão de distúrbios" entende-se qualquer substância química que possa rapidamente produzir nos seres humanos “irritação sensorial ou efeitos incapacitantes físicos que em pouco tempo desaparecem após concluída a exposição ao agente”.
É uma velha e conhecida lição do Direito Canônico: “Cui non licet quod est minus, utique non licet quod est plus”. Ou seja, "Quem não pode o menos, não pode o mais". Se o Estado brasileiro em caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira não pode fazer uso de spray de pimenta contra o inimigo externo, quanto mais contra a sua própria população – os filhos da Pátria – que apenas está a desfilar seu sagrado direito constitucional de manifestação contra a corrupção e a maracutaia políticas impregnadas em todas as esferas da política brasileira.
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público no Estado do Espírito Santo
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