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A inexigibilidade de conduta diversa na prática da Eutanásia como causa supralegal de exclusão da culpabilidade


Autoria:

Patricia Prado Loponte Feijó


Acabei de apresentar minha tese de monografia, sendo aprovada como bacharel em Direito com nota 10 no curso de direito da Universidade Braz Cubas, não exerço ainda a profissão pois, também acabei de passar no VIII exame da Ordem.

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Resumo:

Este trabalho visa abir a discussão acerca da possibilidade de inclusão da eutanásia em nosso ordenamento jurídico, através da interpretação constitucional bem como pela flexibilização da lei penal, com base na autonomia e dignidade da pessoa humana.

Texto enviado ao JurisWay em 14/12/2012.



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INTRODUÇÃO

 

Vivemos e fazemos parte de um Estado Democrático de Direito no qual, a dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais que regem nosso ordenamento jurídico. Norteados por esse Princípio, e nele nos baseando para honrar tudo o que for escrito daqui por diante, daremos início a essa etapa introdutória com um questionamento: a pessoa tem o direito de renunciar à sua vida? De acordo com o autor Ramon Sampedro, categoricamente sim, a partir do instante em que adquire uma consciência ética. Primeiro, porque está capacitada para formar um juízo de valor sobre o sentido da vida como um todo genérico e de seus direitos pessoais e coletivos entrelaçados. E segundo, porque está capacitada para compreender o valor de sua vida individual e as consequências de renunciar a ela conscientemente. Assim, a morte como um ato de liberdade é uma reflexão exclusivamente pessoal. Os graus de compreensão, aceitação e tolerância social, embora possam servir como pontos de referência, não devem ser determinantes na hora de exercer um direito que é exclusivamente pessoal. Na realidade que vivemos, marcada pelos consideráveis avanços científicos, acentuam-se os problemas relacionados às obstinadas tentativas de prolongamento da vida e à protelação do processo de morte, o que, por vezes, afeta diretamente a dignidade da pessoa, sua autonomia e a concepção que se tem da própria vida. Daí a crescente importância da discussão do direito à morte digna.

Somente a análise que o indivíduo faz a partir de suas próprias condições pode determinar o conceito de sua própria dignidade. Toda pessoa tem o direito de rejeitar qualquer imposição que seja feita sobre sua vida arbitrariamente. A pessoa só pode ser regida por sua consciência. Reger-se pela consciência significa algo mais do que a liberdade de pensar. Guiar-se pela consciência traz implícito o direito de que a vontade seja integralmente respeitada. Não pode haver qualquer impedimento para a liberdade de agir com consciência dentro dos limites éticos de igualdade. À luz dos princípios da dignidade humana, autonomia e liberdade, é possível recepcionar o direito à morte digna como direito fundamental implícito decorrente dos princípios e do regime adotados pela Constituição Federal de 1988. Nos ensinamentos do doutrinador Ronald Dworkin, “todos os dias, no mundo todo, pessoas racionais pedem que lhes seja permitido morrer. Às vezes, pedem que outras as matem. Algumas delas já estão morrendo, muitas em meio a grandes sofrimentos” (DWORKIN, 2009, p.251). Algumas pessoas querem morrer porque não querem continuar vivas da única maneira que lhes resta. No que diz respeito ao sentido da vida, cada indivíduo é um ser único. Como ser racional ele tem o direito de ter seus próprios juízos de valor e de determinar até que limite de degradação física está disposto a suportar para conservá-la. Ao tentar compreender as razões por que uma pessoa deseja renunciar a sua vida, veremos que isso lhe parece o correto, o mais digno e justo diante de sua situação, seja ela qual for. Não podemos tampouco deixar de abordar o tema eutanásia sob o prisma religioso. Embora encontremos casos de eutanásia citados na própria Bíblia sagrada, a maior combatente da eutanásia de todos os tempos é a igreja católica, é a que apresenta o maior conteúdo de textos sobre o assunto, bem como de outros de igual polêmica. A exposição de tal posicionamento que será abordado futuramente terá maior relevância pelo fato de tal instituição ser considerada, dentro de nosso país, como sendo aquela que tem o maior número de adeptos e que exerce maior influência na formação de opiniões. Tal qual como o tema referente à visão religiosa e o posicionamento das principais religiões mundiais, também será demonstrado com maior profundidade a dignidade da pessoa humana, alicerce deste trabalho de pesquisa, a autonomia de vontade do indivíduo, sujeito de direitos, bem como será traçado um paralelo entre a legislação penal pátria e as legislações estrangeiras que aceitam integralmente, parcialmente ou não permitem a prática de tal instituto. Buscaremos demonstrar que há uma grande diferença  entre o “morrer” e o “morrer com dignidade”. Além disso, faremos a distinção da eutanásia com outros institutos que são erroneamente confundidos como sendo um só. Por fim, serão abordados os principais argumentos favoráveis e contrários á eutanásia sob o enfoque de diversos autores, doutrinadores e aplicadores da lei. Este trabalho não tem o intuito de encerrar o assunto, mas sim, de analisar alguns aspectos referentes à eutanásia sob a ótica do paradigma da dignidade da pessoa humana, essa pessoa como dona de si mesma, ou seja, de sua vida e de sua morte, realçando a laicidade do Estado como condição para uma sociedade democrática, livre e justa. Assim, o objetivo desse trabalho é o de abordar a morte não como algo a ser evitado, mas como um direito a ser garantido diante de certas circunstâncias e sob a proteção constitucional da autonomia e da dignidade da pessoa humana.

 

 

 

.

1 - CONCEITO, ORIGEM E HISTÓRIA DA EUTANÁSIA.

 

O tema eutanásia surge diante de diversos questionamentos, não só médicos, mas também religiosos, morais, éticos e até mesmo econômicos, que se referem ao viver numa situação irreversível de dor e sofrimento, e a possibilidade de abrir mão desse viver, e optar em morrer. Quem opta pela eutanásia visa a um único objetivo, de acordo com Ramón Sampedro que é

 

defender a dignidade da pessoa humana e sua liberdade de consciência, pois viver é um direito e não uma obrigação (...) as coisas fundamentais que dão sentido à vida são a liberdade e o desejo de vivê-la. (SAMPEDRO, 2005, p. 221).

 

A presente monografia realiza um estudo sobre a eutanásia, em todos os seus aspectos, tendo como base o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa humana, sua liberdade de escolha e sua autodeterminação. Visa a colocar a eutanásia sob um prisma diferente do que foi até agora, a possibilidade e o uso de sua prática em determinadas circunstâncias específicas, respaldada na inexigibilidade de conduta diversa, como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, no sentido de dar ao ser humano o direito de morrer com dignidade, se assim for de sua vontade, livre e consciente. Para tanto, se faz necessário o conhecimento etimológico da palavra eutanásia bem como suas definições e aplicações ao longo de nossa história, só assim, será possível buscar uma colocação para essa prática tão polêmica em nossa realidade atual. Segundo José Roberto Gondim[1],

 

a palavra eutanásia tem sido utilizada de maneira confusa e ambígua, pois tem assumido diferentes significados conforme o tempo e o autor que a utiliza. Várias novas palavras, como distanásia, ortotanásia, mistanásia, têm sido criadas para evitar esta situação. Contudo, esta proliferação vocabular, ao invés de auxiliar, tem gerado alguns problemas conceituais.

 

Ana Maria Marcos Del Cano registra “que a história da eutanásia tem intrínseca ligação com o valor e a proteção, desde a antiguidade, que se atribuem à vida humana”. (DEL CANO apud VIEIRA, 2009, p. 113). A palavra eutanásia, segundo Eduardo Luiz Cabette, derivada do grego eu (bom) e thánatos (morte), significa, portanto, a boa morte, a morte calma, a morte doce, indolor e tranquila.   O termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623, em sua obra "Historia vitae et mortis", como sendo o "tratamento adequado às doenças incuráveis", descreveu-a como designação da função do médico, quando este proporcionava ao enfermo uma morte digna, honesta e gloriosa. (CABETTE, 2009, p. 19). São vários os conceitos existentes sobre o tema, seguimos com a apresentação de alguns autores, doutrinadores, e estudiosos do assunto, para que possamos ter um parâmetro mais amplo sobre o que se entende por eutanásia. Nas palavras de Casabona, a eutanásia consiste “na produção da morte de uma pessoa sem sofrimentos físicos e morais" (CASABONA apud CABETTE, 2009, p.19). Ramón Sampedro, em uma das cartas publicadas em seu livro autobiográfico “Cartas do inferno” descreve que “a eutanásia é uma forma racional e humana de ajudar. Sacralizar o sofrimento me parece ser a forma mais cruel de escravidão". (SAMPEDRO, 2005, p. 55). Hélio Gomes, nos traz conceitos sobre a eutanásia de vários autores. (GOMES apud WENDT[2],). Segundo Morselli, “é aquela morte que alguém dá a outrem que sofre de uma enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, para abreviar agonia muito grande e dolorosa”. Pinan define-a como

 

o ato pelo qual uma pessoa põe termo à vida da outra, que sofre de enfermidade incurável ou então a aleijados padecendo dores cruéis, atendendo às suas solicitações reiteradas, levada puramente pelo espírito de piedade e humanidade.

 

Ricardo Royo-Vilanova y Morales, por sua vez, assim definem a eutanásia:

 

É a morte doce e tranquila, sem dores físicas nem torturas morais, que pode sobrevir de um modo natural nas idades mais avançadas da vida, surgir de modo sobrenatural como graça divina, ser sugerida por uma exaltação das virtudes estoicas, ou ser provocada artificialmente, já por motivos eugênicos, ou com fins terapêuticos, para suprimir ou abreviar uma inevitável, larga e dolorosa agonia, mas sempre com prévio consentimento do paciente ou prévia regulamentação legal.

 

Luiz Jimenez de Asúa ressalta em seu livro “Liberdade de amar e direito a morrer” que

 

                                          a eutanásia significa “boa morte”, mas em sentimento mais próprio e estrito é a que outro proporciona a uma pessoa que padece uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a que tende a truncar a agonia excessivamente cruel ou prolongada. (ASÚA, 2003, p. 30).

 

Seguindo as anotações de Eduardo Luiz Cabette,

 

há quem defenda a tese de que a origem do termo é ainda mais antiga, encontrando-se no pensamento estoico. Cícero (106 - 43 a.C.), na carta a Ático, já teria empregado a palavra eutanásia como designativa de morte digna, honesta e gloriosa. Noticia-se ainda o uso do vocábulo desde a época do Imperador Augusto, sendo também utilizada pelo historiador romano Suetônio. Finalmente, Sêneca[3], na Epístola a Lucílio (Carta 77), também teria usado a palavra para referir-se à “arte da boa ou doce morte”. (CABETTE, 2009, p. 19).

 

Segundo Mônica Silveira Vieira, diversos povos, como os celtas, por exemplo, tinham por hábito a imposição de uma obrigação sagrada ao filho de administrar a “morte branca” ao pai velho e doente. Na Índia os doentes incuráveis eram levados até a beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca obstruídas com o que eles consideravam lama sagrada. Uma vez feito isto eram atirados ao rio para morrerem (VIEIRA, 2009, p. 114). Xavier Hurtado Oliver explana de que são “abundantes na história os casos célebres de eutanásia, destaca, ainda que na Bíblia há relatada a ocorrência da eutanásia quando o rei Saul, de Israel, que, gravemente ferido na guerra, para furtar-se ao sofrimento atroz e à possibilidade de cair vivo nas mãos dos filisteus, apressou a própria morte precipitando-se em sua espada, como não morreu imediatamente, pedira insistentemente que seu servo lhe tirasse da vida. E o servo, movido por piedade, praticou a primeira eutanásia, de que há positivo registro na história da bíblia (OLIVER apud VIEIRA, 2009, P.116). Paulo Daher Rodrigues explana que:

 

na idade média, os guerreiros possuíam um punhal, em forma de folha de louro, de que se utilizavam para matar aqueles que se feriam nos combates ou nos duelos dos chamados “juízos de Deus”, sendo tal arma denominada misericordiae.(RODRIGUES apud VIEIRA, 2009, p. 117).

 

Pessini informa que o movimento pró-eutanásia surgiu em 1935, na Inglaterra, sendo “a mais antiga das associações com o objetivo de reivindicar o reconhecimento de suposto direito a morrer com dignidade denominada EXIT, que se traduz como “saída”,” isto é, interrupção de uma situação de sofrimento. O movimento alcançou os Estados Unidos em 1938 e, na década de 1970, Austrália, Holanda e Suécia. Em 1980, foi criada a Federação Mundial das Associações para o direito de Morrer com Dignidade. (VIEIRA, 2009, p. 119). Hurtado Oliver acrescenta que,

 

como decorrência dessa evolução, existem organizações semelhantes na Austrália, Alemanha, Japão, China, Filipinas e Israel, entre outros países. Destaca que o chamado direito a morrer é defendido especialmente nos países de grande desenvolvimento cultural, em que se pleiteia a defesa da autonomia do indivíduo, incluída, aí, a livre disposição do corpo, como direito inerente à privacidade, devendo ficar a salvo da intromissão do Estado. (OLIVER apud VIEIRA, 2009, p. 119).

 

Hoje, de acordo com reportagem da Revista Época, uma das mais atuais Associações existentes, foi fundada em 1998, pelo advogado Ludwig Minelli, está situada em Zurique na Suíça e denomina-se Dignitas. Essa instituição ajuda pessoas do mundo todo que querem apressar o processo morte. São entre 6.261 inscritos, de 74 países, sendo que dentre estes há 10 brasileiros.[4]Em julho de 1974, de acordo com Mônica Vieira, “quarenta personalidades ilustres assinaram o Manifesto sobre a eutanásia, publicado no The Humanist, incluindo-se entre tais pessoas Monod, Pauling e Thompson, ganhadores do prêmio Nobel.” (VIEIRA, 2009, p. 119). No texto, explica a autora, “afirmava-se ser imoral impor o sofrimento às pessoas que desejavam morrer, violando-se, assim, tanto o valor quanto a dignidade do indivíduo, ao qual se deveria permitir decidir livre e racionalmente o que fazer de sua vida”. (VIEIRA, 2009, p. 120). Julio Cezar Meirelles Gomes assevera que

 

o primeiro livro brasileiro a tratar especificamente da eutanásia, do ponto de vista médico-filosófico, foi a obra Euthanasia, do autor Januário Cicco, publicado pela Editora Irmãos Pongetti, do Rio de Janeiro, datada de 1937. (GOMES apud VIEIRA, 2009, p. 120).

 

Segundo Gomes, “Cicco provavelmente era médico e escreveu, de forma romanceada, um livro de conteúdo técnico impressionante e muito humano, defendendo a prática da eutanásia”. Mônica Silveira Vieira citando Pessini, observa que

 

entre os povos antigos, adotava-se uma espécie de “eutanásia ritualizada”, passando-se, a partir do surgimento da Medicina, na Grécia, à “eutanásia medicalizada”, chegando-se, hoje, à “eutanásia autônoma”, pois o paciente passou a ser o protagonista das discussões sobre a eutanásia, enquanto, em tempos passados, era deixado em segundo plano. (PESSINI apud VIEIRA, 2009, p. 121).

 

Pessini ensina que essa nova visão “corresponde ao questionamento do próprio papel e do modo de agir da Medicina, ao movimento para que se afaste o paternalismo médico, situação que claramente denotava a supremacia do médico em relação ao paciente”. Assevera ainda Pessini que, “com o reconhecimento da autonomia, passam a ser reconhecidos também os direitos dos enfermos, inclusive o de influenciar na escolha das terapêuticas a serem aplicadas e nas decisões a serem tomadas no fim de sua vida”. (PESSINI apud VIEIRA, 2009, p. 121).

De acordo com o autor, pode-se dizer que a eutanásia teve uma de suas raízes (inclusive, sua interpretação negativa) atrelada ao nazismo. Em suas palavras

 

a eutanásia tornou-se um conceito polissêmico, daí a necessidade de sempre se perguntar por seu sentido. Esse conceito passou por uma mudança de significado semântico ao longo dos tempos. Entendida como a ajuda do médico atencioso prestada ao moribundo proporcionando-lhe uma “boa morte”, a partir da Segunda Guerra Mundial adquire um significado negativo de abreviar direta e intencionalmente a vida humana. (PESSINI, 2004, p. 285).

 

O primeiro caso de prática da eutanásia na Alemanha ensina Léo Pessini, foi o de um recém-nascido cego e deformado, cujo próprio pai pediu que seu filho deficiente fosse morto, segundo suas convicções “uma vida com graves deficiências físicas não tinha sentido”. Adolf Hitler, em vista de tantas campanhas em prol da eutanásia, autorizou um médico a dar uma injeção letal no bebê. “Esse caso tornou-se a mola propulsora para que os demais médicos alemães, com a colaboração, inclusive, de alguns pediatras, matassem todos os recém-nascidos que tivessem algum defeito”. Com o tempo, os doentes mentais, não importando a idade, foram classificados como inúteis, sendo assim, cerca de 280 mil pessoas alemãs com doenças mentais foram mortas. (PESSINI, 2004, p. 175 - 177). Em 1940 foi proposta uma lei que dizia:

 

qualquer paciente que esteja sofrendo de uma doença incurável que leve à forte debilitação de si mesmo ou de outros pode, mediante pedido explícito e com a permissão de um médico especificamente nomeado, receber ajuda para morrer (“sterbehilfe”) de um médico.

 

Segundo Léo Pessini

 

a conotação pejorativa, negativa quando se fala em eutanásia, advém desse método utilizado pelo Terceiro Reich para eliminação dos inúteis. Esse foi o caminho pelo qual, não só os doentes ou os indesejáveis sociais fossem considerados inúteis, mas também pessoas de outras raças e, de judeus, com suas tristes consequências históricas, psicológicas e ideológicas que permanecem até hoje em nossas mentes. (PESSINI, 1990, p. 215).

Há décadas defensores da antiga prática da eutanásia e de morte libertadora, como alguns a definem, tentam introduzir a prática na legislação. Há alguns países, como veremos adiante, nos quais a tentativa foi bem sucedida.

 

1.1 – Direito à Vida: Dignidade da pessoa humana e Eutanásia.

Esse trabalho não tem a pretensão de definir a vida, em sentido literal, até porque ela é indefinível genericamente. A vida, de acordo com o mestre e doutor em direito constitucional Roberto Dias,

 

é muito mais do que o ciclo que se inicia em certo momento e termina com a morte, pois a sua complexidade e, principalmente, em sua qualidade, intensidade e dignidade, e não como um intervalo de tempo ou apenas como um fenômeno biológico. (DIAS, 2012, p. 117).

 

Para a compreensão desse tópico importa entender a vida como um direito, pois a vida é um pressuposto para o exercício dos outros direitos. Antes, porém, serão registrados alguns questionamentos feitos por Roberto Dias para que, ao longo da conclusão deste trabalho, possamos refletir:

 

mas será que a vida, além de um direito e um pressuposto para o exercício dos outros direitos, é também uma obrigação, um dever? Ou será que a vida, afora um direito, é também, em certas circunstâncias, um pressuposto para o exercício de um último direito, o direito à morte? Será que, em determinadas situações, um direito, qual seja, o direito à liberdade, amparado na autonomia e na dignidade, pode ser exercido para pôr fim à vida? E será que a dignidade, diante de certas condições, é contemplada constitucionalmente de tal modo que autorizaria o próprio fim da vida? (DIAS, 2012, p. 118).

 

 

No entendimento de Marcelo Ovídio Guimarães,

 

a maior ou menor resistência à eutanásia poderá advir, assim, do grau de aceitação, pelo intérprete, da ideia de disponibilidade ou indisponibilidade da vida (própria ou alheia), como bem jurídico, ideia esta indelevelmente marcada pela presença ou ausência da natureza espiritual no conceito de vida defendido por cada indivíduo. (GUIMARÃES, 2011, p. 80).

 

Segundo o autor, a ideia de que a vida é um direito indisponível, em princípio, parece mesmo indiscutível, porém, ocorre que “a realidade cuida de flexibilizar essa noção, de um ou outro modo, e os fatos da vida impelem a norma jurídica de acompanhar essa realidade” (GUIMARÃES, 2011, p. 81), principalmente quando não se está tratando da vida alheia, mas sim da vida de um indivíduo específico, assim como ocorre nas situações de suicídio. A vida alheia, entretanto,

 

                                      e com mais rigor, é geralmente considerada direito indisponível absoluto. Terceiro não pode dispor da vida de outrem, pura e simplesmente. Aqui também, no entanto, é cabível a expressão “em princípio”, posto haver situações em que, faticamente, a disponibilidade pode existir, com efeitos no ordenamento jurídico. (GUIMARÃES, 2011, p. 81).

 

Roberto Dias assevera que apesar das normas constitucionais fazerem parte de um conjunto harmônico, isso não significa que todas elas estejam, “do ponto de vista material ou axiológico, num mesmo patamar hierárquico”. Sem dúvida, algumas têm maior importância do que outras, mitigando, nesse sentido, “a ideia de unidade da Constituição e, permitindo, no caso concreto, a ponderação de bens e direitos”. (DIAS, 2012, p. 47). Quando ocorre a colisão de princípios constitucionais que contemplam direitos fundamentais com normas materialmente constitucionais e pétreas, de acordo com Roberto Dias,

 

o sopesamento deverá ocorrer diante das circunstâncias do caso concreto e, como se verá, a prevalência não poderá deixar de lado a análise da dignidade da pessoa humana como núcleo básico e informador de todo ordenamento jurídico, como valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais. (DIAS, 2012, p. 48).

 

Assim, de acordo com o autor, quando o intérprete se deparar com a colisão de princípios constitucionais que consagram direitos fundamentais, “deverá refletir sobre o peso de cada um deles para o caso concreto”, o que implica dizer que “discutirá, obrigatoriamente, a importância do direito para aquela hipótese posta à sua apreciação, analisando a hierarquia material das normas”. (DIAS, 2012, p. 48). O indivíduo pode dispor da vida alheia, por exemplo, quando age em legítima defesa própria ou mesmo de terceiro, ou então em estado de necessidade. Roberto Dias assevera que a expressão “inviolabilidade do direito à vida”, consagrada constitucionalmente, “não indica que a vida é um dever para consigo mesmo e para com os outros, tampouco pode ser entendida como um direito absoluto, indisponível e irrenunciável”. Nos termos da Constituição, a “inviolabilidade” de tal direito significa “que ele não tem conteúdo econômico-patrimonial e, mais do que isso, ninguém pode ser privado dele arbitrariamente”. (DIAS, 2012, p. 122). Assim, é nesse sentido que ele deve ser entendido como indisponível: ninguém pode dispor da vida de outrem arbitrariamente, “a inviolabilidade da vida tem que ver com terceiros, cuja ação contra a vida alheia é coibida, mas não se pode ler o texto constitucional de forma a proibir que qualquer pessoa decida sobre a duração de sua vida”. (DIAS, 2012, p. 123). As considerações  de Marco Segre e Gabriela Guz dão a dimensão exata da confusão que deve ser evitada entre as noções de inviolabilidade e disponibilidade do direito à vida:

é preciso que fique clara a distinção entre a “inviolabilidade” do direito à vida – pelo qual se reconhece uma proteção contra terceiros – e a “disponibilidade” do direito à vida, que alcança a própria pessoa envolvida e corresponde, efetivamente, à possibilidade de cada um guiar-se de acordo com a própria concepção de vida. Ambas as noções – inviolabilidade e disponibilidade – devem compor o direito à vida. Entretanto, verifica-se que, sob a argumentação de que a vida constitui direito inviolável, alguns juristas entendem pela impossibilidade de um indivíduo tomar decisões que digam respeito à sua vida – e morte. Em que pesem as opiniões contrárias, fica claro, para nós, que tal entendimento manifesta uma confusão entre as noções antes aludidas de inviolabilidade e disponibilidade, de modo a trazer a ideia de um “dever de viver” imposto pelo Estado – frise-se, inexistente no ordenamento jurídico brasileiro. (SEGRE, GUZ apud DIAS).

 

Nesse sentido e de forma mais precisa, Luiz Flávio Gomes, depois de afirmar que ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente, assevera que

 

o ser humano, dono da vida, deve também ser, dentro de determinadas circunstâncias e segundo certos limites, o dono da sua própria morte. Aliás, já o é no suicídio, o que significa, desde logo, uma relativização do “direito à vida”, que equivocadamente tem sido entendido, de modo geral, como algo absolutamente indisponível. (GOMES apud DIAS, 2012, p. 124).

 

Diante de tais posicionamentos, pretende-se estabelecer a ideia de que a previsão constitucional acerca da inviolabilidade do direito à vida se destina a impedir que as pessoas tenham a sua vida tirada arbitrariamente. Contudo, não significa que tal direito seja indisponível e que, portanto, as pessoas não possam escolher seus próprios caminhos no que diz respeito à própria vida e à própria morte. Também não é correto afirmar que o direito fundamental à vida é irrenunciável, sob pena de transformá-lo em um dever de viver. Adentraremos a seguir no assunto o qual acreditamos ser o alicerce principal que sustenta a discussão sobre esse tema tão polêmico, a dignidade da pessoa humana, ou seja, a autonomia do ser:

                                      a dignidade da pessoa humana é da pessoa concreta, na sua vida real e cotidiana, não é de um ser ideal e abstrato. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível, insubstituível e irrepetível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege.

                                                        Jorge Miranda e Rui Medeiros – juristas portugueses.

 

Transcreve-se a seguir, um pequeno texto extraído do livro de Ramón Sampedro, “Cartas do Inferno” (SAMPEDRO, 2005, p. 168), com sua visão sobre o assunto: “A DIGNIDADE E A MORTE”

 

Somente a análise que o indivíduo faz a partir de suas próprias condições pode determinar o conceito de sua própria dignidade. Somente a consciência pessoal pode aceitar como digna e tolerável uma condição dolorosa que outro qualquer consideraria irracional, indigna e insuportável. (...) Diz-se que viver em sociedade implica deveres e direitos. Sim, mas quando uma parte é que impõe as normas, para a outra só sobram o direito de obediência e o direito a uma atitude estéril como única forma de divergência. Isso não é respeito e sim, paternalismo. (...) Não pode haver dignidade possível nem livre-arbítrio sem plena liberdade. Ninguém é dono de sua vida, se não tiver o direito de renunciar a ela.

 

O princípio da dignidade humana, segundo Mônica S. Vieira, “é a pedra angular do sistema jurídico”,

 

muito antes de ser positivado nas legislações ocidentais, já era tido como fundamental por grandes juristas, ainda que não o denominassem assim, tendo Kant ensinado que a dignidade tem como corolário a constatação de que o homem é um fim em si mesmo, nunca podendo ser utilizado como meio para a consecução de qualquer finalidade.(VIEIRA, 2009, p.45).

 

Além das diversas indagações que se levantam sobre o princípio da dignidade, Ingo Wolfgang Sarlet, constata que:

 

um postulado da construção Kantiana permanece como verdade incensurável: o de que a pessoa deve sempre ser considerada como fim, não como meio, o que conduz diretamente ao repúdio de toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano.(WOLFGANG apud VIEIRA, p. 46).

 

O reconhecimento da dignidade e da liberdade inerentes a cada indivíduo, conforme ensina Maria Lúcia Karan,

 

                                          garante-lhe a autonomia de escolher sua própria moral e impede que ele seja coagido a uma transformação moral forçada ou a uma mudança de pensamentos, sentimentos, concepções ou opiniões sobre o que quer que seja. (KARAM, 2009, p.09).

 

Por outro lado, segundo a autora,

 

                                      esse mesmo reconhecimento da dignidade e da liberdade inerentes a cada indivíduo obriga o Estado a assegurar a liberdade de consciência, a autonomia e a relatividade da moral, obrigando-o a tolerar qualquer posicionamento ou qualquer comportamento individual não lesivo a terceiros, ainda que julgado imoral pela maioria das pessoas.(KARAM, 2009, p.09).

 

Cabe recordar o conteúdo do princípio das liberdades iguais: enquanto não atinja concreta, direta e imediatamente um direito alheio, o indivíduo há de ser livre para pensar, dizer e fazer o que bem quiser. (KARAM, 2009, p. 09).  Antônio Junqueira de Azevedo ensina que “a pessoa é um bem, e a dignidade, o seu valor”. Ainda de acordo com os ensinamentos do citado autor,

 

é errôneo afirmar que a dignidade apenas deve ser resguardada quando o direito a reconhecer, pois se trata de dado pré-jurídico, devendo o Estado atuar em sua garantia e promoção, sendo mesmo desnecessária uma definição jurídica da dignidade, que constitui o valor próprio, da natureza do ser humano como tal, ou seja, é necessariamente algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido ou alienado. A função da dignidade não é meramente de princípio informador de outros direitos, podendo ser aplicada de forma direta e autônoma, com força normativa total, existindo verdadeiro direito subjetivo de toda pessoa a exigir a garantia e proteção de sua dignidade. (AZEVEDO apud VIEIRA, 2009, p. 46).

 

Segundo Marcello Ovídio Lopes Guimarães, a Constituição Federal dispõe que, entre os fundamentos em que se assenta a república é destacado o da dignidade da pessoa humana. Guilherme Nostre  aduz que a expressão “pessoa humana”,

 

em sua acepção ontológica, é o ente dotado de vida humana, sendo a vida, portanto, o pressuposto da pessoa, e esta, por sua vez, a essência do Estado e, ao mesmo tempo, seu fim permanente, cabendo-lhe garantir a existência da pessoa, isto é, da vida, e o desenvolvimento de suas potencialidades, com a realização de seus valores, ou seja, a dignidade. (GUIMARÃES apud NOSTRE, 2011, p. 81).

 

Lembrando que a proteção à dignidade como fundamento do Estado democrático impõe concomitantemente à ordem jurídica o dever de garantir e de crias condições para a realização de valores, além de garantir proteção contra atividades que desconsiderem o indivíduo como pessoa. Justamente em virtude do que se entende, particularmente, por direito à vida, à integridade física e à dignidade da pessoa humana, “além das ideias de intimidade e autonomia pessoal, tem a eutanásia recebido opiniões favoráveis e contrárias à sua prática, centradas na interpretação do alcance e limites desses princípios e direitos” (GUIMARÃES, 2011, p. 82). Nos ensinamentos de Ronald Dworkin, “a expressão “direito à dignidade” é usada de muitas formas e em muitos sentidos na filosofia moral e política”. Ensina que devemos examinar uma ideia mais limitada: a de que as pessoas “têm o direito de não ser vítimas da indignidade, de não ser tratadas de um modo que, em sua cultura ou comunidade, se entende como demonstração de desrespeito”. O direito à dignidade “é mais imperativo: exige que a comunidade lance mão de qualquer recurso necessário para assegurá-lo”. (DWORKIN, 2009, p. 333-334). Segundo o autor, a indignidade provoca um sofrimento mental especialmente grave e característico, do qual as pessoas “se ressentem e que as leva, em consequência, a sofrer mais com a indignidade do que com qualquer outra forma de privação”. Assenta ainda que, além disso,

 

as pessoas às quais se nega a dignidade podem perder o amor-próprio que ela protege, e tal recusa, por sua vez, faz com que mergulhem em uma forma ainda mais terrível de sofrimento: o desprezo e a aversão que passam a sentir por si próprias. (DWORKIN, 2009, p. 335).

 

Leciona Rachel Sztajn, outrossim

 

acerca da distinção entre “direito à vida” e “direito sobre a vida”, assevera que quem diz direito à vida, de que cada pessoa é titular, reconhece a existência de uma relação subjacente entre sujeito e um bem cuja indisponibilidade é absoluta. Refere que o bem “vida” se liga ao titular para o único fim que é o seu gozo, e por tal motivo há de ser respeitado, sendo ampla a tutela. O “direito à vida” indicaria, assim, o reconhecimento de um valor primário que deve ser conservado erga omnis, independente de qualquer decisão individual, não se colocando a hipótese, portanto, como questão de ato voluntário válido, aduzindo-se que a expressão “direito sobre a vida”, por outro lado, denota que a indisponibilidade do direito afeta terceiros, não o titular que é livre para dele poder dispor como melhor lhe convenha, daí se compreende que, partindo da  noção de direito à vida, tanto o suicídio como também a eutanásia serão condenados pela sociedade e assim haverá reflexo nas normas jurídicas, ao passo que, partindo do direito sobre a vida, a análise será outra, permitindo a interrupção da vida fora do curso natural da existência, em determinadas e particulares situações. (GUIMARÃES apud SZTAJN, 2011, p. 83).

        

Atualmente, os estudiosos em sua grande maioria, entendem que a dignidade humana tem caráter fundamental em todo sistema jurídico, devendo ser garantida e respeitada em toda e qualquer situação que possa ser considerada relevante para o direito. Justamente por essa característica podemos afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana se sobrepõe a todas as regras e princípios infraconstitucionais, constituindo verdadeiro alicerce de nosso ordenamento jurídico. Infelizmente, não é isso que se vê exatamente, não só no mundo dos fatos, mas, também, no universo jurídico, onde se constata a banalização do princípio da dignidade, empregado para justificar posições desrespeitosas ao ser humano e ao seu valor intrínseco. Aqueles que pedem, às vezes clamam pela eutanásia, buscam o DIREITO de morrer suavemente, sem sofrimentos, frente a uma situação intolerável de dor e humilhação com dignidade, a SUA dignidade, não aquela que lhe impõe uma sociedade que acredita que digno é o viver, não o morrer. Antes de se verificar, diretamente, qual o alcance da proteção do direito à vida, deve-se notar que a vida não pode ser simplificada, devendo ser compreendida de modo dinâmico, como um processo complexo, não só orgânico, mas também mental, intelectual e espiritual, que se instaura a partir da concepção. O movimento em favor da legalização da eutanásia, segundo Pascal Hintermeyer, faz uso de dois argumentos principais: a dignidade, que acabamos de mencionar, e a liberdade. A liberdade invocada aqui é aquela pela qual uma pessoa entende dispor de si mesma, escolher o que lhe diz respeito diretamente e, em particular, agir segundo seu desejo com relação ao próprio corpo. De acordo com o autor:

 

essa reivindicação não se funda num conteúdo particular; ela exige suspender toda restrição à decisão de ser ou de não ser. Desse ponto de vista, os direitos naturais reconhecidos aos indivíduos pressupõem um direito mais fundamental à existência, que se prolonga negativamente num direito a não mais existir. (HINTERMEYER, 2006, p.58).

 

No entendimento de Roberto Dias, deve-se admitir o direito de cada pessoa, livremente, conduzir sua vida com base em seus próprios valores, decidindo como viver e como morrer. Por outro lado, compete ao Estado e aos particulares reconhecer como legítimas as escolhas por elas feitas, desde que não cause dano a outros indivíduos. (DIAS, 2012, p. 140). Como explica John Stuart Mill,

com relação à ofensa simplesmente eventual ou construtiva, por assim dizer, que uma pessoa cause à sociedade sem violar nenhum dever específico para com o público e sem ocasionar dano perceptível a um outro indivíduo além de si mesma, a sociedade pode e deve tolerar essa inconveniência, em nome do bem superior da liberdade humana. (MILL apud DIAS, 2012, p. 140).

 

Especificamente acerca da visão liberal da eutanásia, Albert Calsamiglia afirma

 

que a decisão de como morrer não é uma questão que interesse ao Estado, sendo que a intervenção estatal neste assunto supõe um paternalismo injustificado. Não deixar as pessoas decidirem é um erro e tal equívoco existe porque há uma confusão acerca do significado de dano. (CALSAMIGLIA apud DIAS, 2012, p.141).

 

Ainda de acordo com o citado autor,

 

adotar uma posição paternalista e, além disso, tratar do assunto no âmbito do direito penal nada mais faz do que empurrar a prática da eutanásia para a clandestinidade e, assim, deixar fora de controle eventuais abusos cometidos em nome da preservação de uma vida ou de uma morte digna.(CALSAMIGLIA apud DIAS, 2012, p. 142).

Diante de tais considerações, o próximo tópico irá analisar a diferença entre o direito à morte, e o direito à morte digna.

 

1.2 – Direito à Morte e Direito à Morte Digna

 

De acordo com Marcello Ovídio Guimarães, os temas do direito à morte e do direito à morte digna causam discussão intensa e profunda, principalmente na filosofia e na religião. Em suas palavras:

 

questiona-se,  inevitavelmente se o indivíduo tem direito de dispor de sua vida. Em caso positivo, discute-se se essa disposição tem limitações, e quais são elas, além da responsabilização de terceiro que, de qualquer modo, venha a concorrer para a ocorrência do evento morte desejado pelo interessado. (GUIMARÃES, 2011, p. 84).

Nos ensinamentos do autor, não se confunde o direito à morte, em uma análise mais profunda, com o direito à morte digna, ou seja

aquele tem estrita e quase ilimitada correlação com a autonomia privada, isto é, com a autonomia da vontade, enquanto este tem, além disso, particularmente, intenso contato com o tema da eutanásia, com as noções de piedade e dignidade pessoal. (GUIMARÃES, 2011, p. 84).

 

Leciona Paulo Lúcio Nogueira que a morte “é o nivelamento de todos os seres, já que é a única certeza que temos é que ninguém dela escapará”, razão pela qual defende que falar em direito de morrer seria uma “impropriedade, eis que seria este o único direito inalienável e intransferível”. (NOGUEIRA apud GUIMARÃES, 2011, p. 85). No que diz respeito ao direito à morte digna, em oposição com o denominado direito de morrer propriamente dito, Marcelo Ovídio ressalta que,

 

a situação deve ser tida como sensivelmente distinta, justamente porque o desejo de abreviar o fim da vida é fundamentado na busca da manutenção da dignidade da pessoa humana no estágio final do período vital, vale dizer, a antecipação da morte é calcada em ocorrência de um argumento sério e respeitável, ainda que, pelos mais variados motivos, sobretudo filosófico-religiosos, possa não ser aceito ou não se concorde com ele, qual seja, o acometimento do interessado  por um mal sem cura, já em estado terminal ou próximo dele, que lhe esteja causando sofrimento profundo e insuportável, de modo a impedir uma qualidade de vida minimamente digna. (GUIMARÃES, 2011, p. 86).

 

Dworkin (2009, p. 280) diz que “a ênfase que colocamos no “morrer com dignidade”, mostra como é importante que a vida termine apropriadamente, que a morte seja um reflexo do modo como desejamos ter vivido”. Assevera que não podemos compreender o que a morte significa para as pessoas, porque alguns preferem morrer a continuar existindo, permanentemente sedados e inconscientes, e, porque outros preferem “lutar até o fim”, mesmo quando em meio a sofrimentos terríveis ou quando já perderam a consciência e não têm como saborear a luta. No entendimento de Marcello Ovídio, o direito à morte digna (direito de morrer dignamente), ligado à prática eutanásica,

                                         evidentemente descobre a outra face da questão, que é a do “direito” de matar dignamente, posto que em muitas das vezes o interessado, justamente por sua situação fisicamente debilitada, não tem condições de agir sozinho, daí a importância do tema do consentimento e dos limites de atuação do terceiro que, de algum modo, venha a concorrer para que tal direito seja exercido, sem que a conduta se confunda, pura e simplesmente, com homicídio ou auxílio ao suicídio. (GUIMARÃES, 2011, p. 86).

 

Evandro Corrêa de Menezes, por sua vez, argumenta que “num sentido filosófico poder-se-ia argumentar que a vida se confunde com a própria morte”, pois, desde que nasce vivo o ser humano está sujeito à morte, “sendo a morte nada mais do que a cessação da vida, daí porque, posta a questão dessa forma menos complexa, compreende a existência do direito de matar”, isto é, indica o autor a licitude de alguém dispor da vida de outrem, pondo fim à sua existência, “afirmando que o direito penal já anotou tal possibilidade, ao admitir a pena de morte, a legítima defesa ou o estado de necessidade”. (GUIMARÃES apud MENEZES, 2011, p. 87).  Ou seja, quem quer que não suporte mais seu corpo, deve ser livre para dele dispor. Portanto, entende-se que não se pode privilegiar apenas o aspecto biológico, físico da vida humana, negligenciando a qualidade de vida do indivíduo. A obstinação em prolongar o máximo possível o funcionamento do organismo de pacientes terminais, ou daqueles cuja humilhação, dor e sofrimento sejam insuportáveis mesmo não estando à beira da morte, não devem mais encontrar respaldo num Estado Democrático de direito. Ao argumentar que “a colisão de direitos fundamentais pode criar novos direitos, por expressa autorização do artigo 5º, §2º, da Constituição Federal”, sustenta Roberto Dias que “o direito à morte digna surge exatamente da colisão entre o direito à vida e à liberdade, com base na concepção de dignidade do titular desses direitos” (DIAS, 2012, p. 15). O prolongamento da vida somente pode ser justificado se oferecer à pessoa algum benefício, ainda assim, se esse benefício não ferir a dignidade do viver e do morrer, conforme sua opção. Se as medidas paliativas, no entanto, "mostram-se de todo inócuas, tendo o profundo sofrimento se alastrado e permanecido, a prática eutanásica, para que o processo distanásico não se instale, é de ser aceita”, sempre ressaltando que não há direito de morrer propriamente dito (e menos ainda direito de matar, pura e simplesmente), mas sim direito de morrer com dignidade, diretamente relacionado ao terceiro que age, com a aceitação social da conduta de abreviar a morte de outrem, piedosamente, a seu pedido, em “uma ação que se consubstancia essencialmente, não em matar, mas sim em livrar o interessado, de sofrimento intolerável, fornecendo-lhe dignidade no momento final da vida”. (GUIMARÃES, 2011, p. 90). Assim, de acordo com Ronald Dworkin, agora podemos dar um resposta melhor à pergunta que pretende saber por que as pessoas pensam o que pensam sobre a morte e por que diferem tão radicalmente. Para Dworkin,

 

o fato de estar ou não entre os interesses fundamentais de uma pessoa ter um final de vida de um jeito ou de outro depende de tantas outras coisas que lhe são essenciais – a forma e o caráter de sua vida, seu senso de integridade e seus interesses críticos – que não se pode esperar que uma decisão, coletiva uniforme sirva a todos da mesma maneira. É assim que alegamos razões de beneficência e de autonomia em nome das quais o Estado não deve impor uma concepção geral e única à guisa de lei soberana, mas deve, antes, estimular as pessoas a tomar as melhores providências possíveis tendo em vista o seu futuro. E, nos casos em que tais providências não foram tomadas, o governo deve permitir, na medida do possível, que as decisões fiquem a cargo de parentes ou outras pessoas mais próximas, pessoas cuja percepção dos interesses fundamentais dos doentes – formadas ao longo de um estreito conhecimento de tudo que constitui esses interesses – possa ser mais apurada que qualquer outro juízo universal, teórico e abstrato. (DWORKIN, 2009, p.301).       

 Portanto, mais do que respeitar a autonomia de vontade de um ser humano, devemos aceitar sua vontade diante de sua vida, mas, principalmente, lhe garantir dignidade diante de sua morte.

 

1.3 – Distinção da Eutanásia com outros institutos.

 

As discussões e discordâncias acerca do tema eutanásia são mais intensas no que tange ao  meio utilizado para alcançar tal finalidade, do que à preocupação de defender a dignidade da pessoa humana que por seus motivos únicos, deseja dar um fim digno à sua vida. Um fato que dificulta ainda mais, tanto a compreensão do tema, quanto sua aceitação pelas pessoas é a confusão terminológica que se faz em relação à palavra, ou seja, é preciso que saibamos distinguir a eutanásia dos demais institutos existentes que também tratam, em regra, da vida e da morte, quais sejam, a distanásia, a mistanásia, ortotanásia e o suicídio assistido. Para nos nortearmos e termos uma visão diferenciada entre os temas, propomos dar seguimento ao trabalho sobre o conceito de eutanásia como sendo o ato médico ou de particular com a finalidade de eliminar a dor e a indignidade de pessoa com doença incurável ou que, de qualquer forma sinta a necessidade de recorrer à eutanásia por motivos de relevância moral, sentimental, ética ou que de qualquer outra forma o agrida em sua dignidade, mediante sua manifestação de vontade consciente para esse fim.

Marcello Ovídio Lopes Guimarães relata que a distanásia, também conhecida como “obstinação terapêutica ou ainda futilidade médica, advém do neologismo composto do prefixo dys, que significa distanciamento, ato defeituoso, e thanatos, morte”. De acordo com o autor é definida como

 

a manutenção dos tratamentos invasivos em pacientes sem possibilidade de recuperação, levando-os a um processo de morte lenta, ansiosa e dolorosa, isto é, a uma verdadeira morte defeituosa, com aumento de sofrimento e agonia, pelo que a suspensão desses tratamentos configuraria questão de bom senso e racionalidade. (GUIMARÃES, 2011, p. 135).

 

Léo Pessini complementa dizendo que a “distanásia se dedica a prolongar o máximo a quantidade de vida humana, combatendo a morte como o grande e último inimigo”. (PESSINI, 2004, p. 218). Assevera Mônica Silveira Vieira que a distanásia também atenta contra a dignidade da pessoa humana, e

 

                                      só deve ser utilizada essa medida terapêutica  com a expressa manifestação de vontade do paciente que solicita que sejam utilizados todos os meios terapêuticos disponíveis para prolongar sua vida o máximo possível, ainda que se trate de existência antinatural, totalmente mantida de forma mecânica. (VIEIRA, 2009, p.233).

 

Ainda de acordo com a citada autora, a palavra distanásia,

 

                                         designa uma ação, intervenção ou um procedimento médico que não atinge o objetivo de beneficiar a pessoa em fase terminal e que prolonga inútil e sofridamente o processo do morrer, procurando distanciar a morte. (VIEIRA, 2009, p. 233).

 

Eduardo Luiz Cabette não só corrobora essa afirmação, como acrescenta que a “distanásia está, portanto, ligada às chamadas “obstinação terapêutica” e “futilidade médica”.” (CABETTE, 2009, p. 26). Fechando a conceituação de distanásia, citaremos Léo Pessini que nos dá uma explicação clara e objetiva acerca do assunto. Segundo o autor,

 

                                      os avanços tecnológicos e científicos e os sucessos no tratamento de tantas doenças e deficiências humanas levaram a medicina a se preocupar cada vez mais com a cura de patologias e a colocar em segundo plano as preocupações mais tradicionais com o cuidado do portador das patologias. Ou seja, o importante é prolongar a vida, não importando o estado ou estágio em que ela esteja a qualidade dessa vida cai para segundo plano. (PESSINI, 2004, p. 221).

 

A mistanásia consiste na morte miserável, morte antecipada de uma pessoa, resultante da maldade humana (mistanásia ativa) ou da má prática médica (mistanásia passiva). Outro termo utilizado para este instituto de Bioética é eutanásia social, entretanto, é uma denominação errada, já que eutanásia significa boa morte, suave, tranquila, ausente de sofrimento, o que está longe das características resultantes da morte miserável. Realmente, a mistanásia é a institucionalização da exclusão. As estruturas estatais civilizadas, especificamente o Estado brasileiro, que têm como função fundamental garantir a dignidade de seus cidadãos, acabam direta ou indiretamente, devido a sua inoperância, institucionalizando o fenômeno da mistanásia. Um dos deveres fundamentais do Estado Democrático de Direito junto ao cidadão, em nome da vida digna, é a garantia do direito de seguridade social prevista nos artigos 194 a 204 da Constituição Federal. O direito de seguridade social se divide em direito de assistência social e o direito universal à saúde preventiva e terapêutica. O grave problema da mistanásia se encontra no último direito em epígrafe, pois o Estado não atinge o fim quantitativo e qualitativo adequado de prevenção e tratamento de doenças a todos, privando incontável número de pessoas ao acesso à saúde, integridade física e dignidade.[5]

A grande maioria das vítimas da mistanásia são pessoas pobres, vítimas da exclusão social e econômica, pessoas que levam uma vida precária, desprovidas dos cuidados de saúde e que morrem prematuramente. O termo mistanásia foi sugerido para denominar a morte miserável, fora e antes da hora[6]. Na visão de Maria de Fátima Freire de Sá, a mistanásia nada tem de boa, suave ou indolor, sendo que a mistanásia pode focalizar três situações distintas:

 

primeiro, a grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chega a ser paciente, que não consegue ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico: segundo, os doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, se tornarem vítimas de erro médico: e, terceiro, os pacientes que acabam sendo vítimas de má prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos. A mistanásia é uma categoria que nos permite levar a sério o fenômeno da maldade humana. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 40).

 

Já na conceituação um pouco mais radical de Cabette, etimologicamente, a mistanásia tem o significado de “morrer como um rato”,

 

                                      essa prática traduz o abandono social, econômico, sanitário, higiênico, educacional, de saúde e segurança a que se encontram submetidas grandes parcelas das populações do mundo, simplesmente morrendo pelo descaso e desrespeito dos mais comezinhos Direitos Humanos. (CABETTE, 2009, p. 31).

 

A ortotanásia, por sua vez, tem íntima relação com o prefixo grego orto, que significa “correto”, e thanatos, que significa morte (CABETTE, 2009, p. 24). Para Vieira, o conceito de ortotanásia se verifica como “a arte de bem morrer, que rejeita toda forma de mistanásia sem recair sobre a eutanásia nem na distanásia”. (VIEIRA, 2009, p. 247). A ortotanásia permite ao doente que já entrou na fase final e àqueles que o cercam enfrentar a morte com certa tranquilidade, porque, nessa perspectiva, “a morte não é uma doença a curar, mas sim algo que faz parte da vida”. Cabette assevera que “a ortotanásia consiste na morte a seu tempo, sem abreviação do período, nem prolongamentos irracionais do processo de morrer (distanásia)”.(CABETTE 2009, p. 25). No entendimento de Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, “a única hipótese que justifica a denominação de ortotanásia é aquela em que o enfermo já se acha inserido num processo marcado pela irreversibilidade da chegada da morte”. (SANTOS apud CABETTE, 2009, p. 25). Por fim o suicídio assistido ocorre quando uma pessoa solicita o auxílio de outra para alcançar o óbito, caso não seja capaz de tornar fato sua disposição de morrer. Neste caso, o enfermo está, em princípio, sempre consciente, manifestando seu desejo pelo término de sua vida. Tal instituto está previsto no Código Penal Brasileiro, em seu artigo 122, segundo o qual:

 

                                          induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

 

Se for realizado por profissional médico, este responderá por infração ao artigo 66 do Código de Ética Médica. De acordo com Maria de Fátima,

 

no suicídio assistido, a morte não depende diretamente da ação de terceiro. Ela é consequência de uma ação do próprio paciente, que pode ter sido orientado, auxiliado ou apenas observado por esse terceiro. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 40).

 

Seguindo os ensinamentos da citada autora, tanto na eutanásia quanto no suicídio assistido, “há que ser observada a vontade do paciente, o seu consentimento. É a morte voluntária”. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 40). Neste caso, o enfermo está, em princípio, sempre consciente, manifestando seu desejo pelo término de sua vida. No entanto, segundo Pascal Hintermeyer, a eutanásia não equivale ao suicídio. “Difere dele pelo fato de que a relação destrutiva do si consigo mesmo requer a mediação de outro”. Para pôr fim aos seus dias, o indivíduo recorre a outro que fará em seu lugar o gesto que provocará a morte. Para Hintermeyer,

 

é de resto essa intervenção do outro que transgride a lei e a deontologia e que conduz à sua condenação por homicídio ou não assistência à pessoa em perigo. É também aí que reside um paradoxo da eutanásia: o direito à autodeterminação do indivíduo se afirma em sua liberdade de acabar com a própria vida, mas ele se aliena postulando sua incapacidade de agir e delegando de antemão esse cuidado a uma pessoa próxima ou a um especialista. (HINTERMEYER, 2006, p. 59).

 

Feita a conceituação dos institutos, passemos à análise das espécies de Eutanásia. A doutrina especializada sobre o tema tem utilizado algumas classificações da eutanásia,        comumente citadas e as quais, surgem muitas contradições e dúvidas. Atualmente a eutanásia pode ser classificada de várias formas, de acordo com o critério considerado, conforme ensina Gondim (2004)[7]:

 

                                         quanto ao tipo de ação a eutanásia pode serativa, e caracteriza-se como o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos. Na eutanásia passiva ou indireta a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento. Por fim, em relação ação, temos a eutanásia de duplo efeito, quando a morte é acelerada como uma consequência indireta das ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal.

 

Quanto ao consentimento do paciente, tem-se a eutanásia voluntária que ocorre quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente, ao contrário, há a eutanásia involuntária quando a morte é provocada contra a vontade do paciente. E, a eutanásia não voluntária, quando a morte é provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela. Esta classificação, quanto ao consentimento, visa a estabelecer a responsabilidade do agente, no caso o médico. Gondim ainda explica que “inúmeros autores utilizam de forma indevida o termo voluntária e involuntária”, em relação ao agente, isto é, ao profissional médico. Entretanto, essas definições são “inadequadas, pois a voluntariedade neste tipo de procedimento refere-se sempre ao paciente e nunca ao profissional.” (GONDIN, 2004).[8] Eduardo Luiz Cabette, nos traz uma classificação bastante diferenciada dos demais doutrinadores que tratam da eutanásia. Segundo o autor,

                                      a modalidade de eutanásia provocada se subdivide em autônoma e heterônoma. Sendo assim, na eutanásia autônoma, não há intervenção de terceiros, de modo que o próprio doente dá cabo em sua vida. Já na heterônoma, ocorre a atuação de terceiros (médicos, parentes etc.) para eliminação da vida e do sofrimento do paciente.

De acordo com Eduardo Luiz Santos Cabette, no caso da eutanásia provocada autônoma, o interesse jurídico-penal se “esvai por tratar-se de suicídio, fato atípico em nosso ordenamento jurídico”. (CABETTE, 2009, p. 20). Existem ainda outras classificações que Cabette nos traz, a eutanásia Solutiva, “é também denominada de pura, autêntica ou genuína, tratando-se da ajuda prestada para a ocorrência de uma boa morte sem que haja um encurtamento do curso vital”. A eutanásia Resolutiva, que diversamente, “atua de forma a reduzir o tempo do curso vital no suposto interesse do doente, com seu consentimento ou de seus representantes legais, consentimento espontâneo e de livre consciência”. A eutanásia Eugênica, ou selecionadora, “ocorre a eliminação indolor de pessoas deformadas, com doenças incuráveis e contagiosas e de neonato em degeneração com o fito de perseguir o aprimoramento da espécie humana”. O objetivo dessa espécie de prática eutanásica, visa a “obstar a procriação de sujeitos possuidores de anomalias genéticas, doenças mentais ou com tendências criminosas, de forma a evitar que se propaguem tais males pela sociedade”. (CABETTE, 2009, p.21). E, por fim, a eutanásia Econômica, que consiste “na supressão de deficientes mentais, alienados irreversíveis, inválidos e idosos com a finalidade de liberar a sociedade do ônus que representam pessoas economicamente inativas”. De acordo com Pessini,

 

                                        a eutanásia econômica, também denominada social é uma opção da sociedade, em consequência do fato de se recusar a investir em casos de custos elevadíssimos no tratamento de doentes com enfermidades prolongadas. A alegação para o uso dessa espécie de eutanásia é para que os recursos econômicos seriam reservados aos doentes em condições de voltar sadios à vida produtiva, trata-se de relação custo benefício. (PESSINI apud CABETTE, 2009, p. 22).

 

Assevera Cabette que analisando essas três últimas modalidades expostas, somente a eutanásia libertadora ou terapêutica

 

pode ser considerada própria e genuinamente uma espécie de eutanásia”, as demais (eugênica e econômica) não podem ser denominadas como sendo eutanásia, pois “inexiste nelas qualquer móvel piedoso ou humanitário”, estas estão cobertas de frieza, crueldade e desumanidade. (CABETTE, 2009, p. 22).

 

Na esfera criminal, de acordo com Gisele Mendes de Carvalho, “as chamadas eutanásia eugênica e econômica configurariam homicídios qualificados pelo motivo torpe, de acordo com o artigo 121, § 2º, I, do Código Penal Brasileiro”. Poderiam inclusive, conforme Cabette, “amoldar-se a crimes contra a humanidade submissíveis a regras de jurisdição internacional (Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, art.5º, I)”. (CABETTE, 2009, p.23). Diante dessas distinções entre as inúmeras que existem, a proposta seguinte é a de visualizar a prática da eutanásia sob o prisma religioso.

 

1.4 – A Eutanásia na visão Religiosa.

 

Tendo em mente todas essas classificações acerca da eutanásia, passaremos a analisar o tema sob um ponto de vista diverso do que foi demonstrado até o presente estágio deste trabalho, qual seja, a posição religiosa. Morrer é parte integral da vida, tão natural e previsível quanto nascer. É inevitável. Partindo dessas afirmativas, buscaremos conhecer os pensamentos e credos de culturas diversas. É o que se pretende mostrar nesse segmento, com uma abordagem sobre a eutanásia e alguns aspectos do morrer nas quatro maiores religiões do mundo: o judaísmo, o budismo, o islamismo e o cristianismo[9]. Porém, antes de darmos início às considerações sobre o tópico, se faz necessária uma breve consideração sobre o tema. De acordo com Roberto Dias, a religião pode ser considerada como um “fator real de poder”, mas, a partir do momento em que uma determinada nação opta, livremente, pela laicidade, deixando de lado uma religião oficial, como ocorreu no Brasil, quando da Proclamação da República, “esse fator de poder não está autorizado, por meio da força do Estado, a obrigar as pessoas” (DIAS, 2012, p. 82). Mônica de Melo, abordando essa questão sob o ponto de vista democrático, explica o seguinte:

 

não se ignora que as religiões possuem códigos de valores que encontram respaldo na comunidade e que estão entranhados em sua cultura e vivência e que, por muitas vezes, o próprio Direito, nas suas mais diversas expressões – lei, doutrina e decisão judicial – os assume e os reconhece. Porém, sempre há de haver um limite para as decisões da maioria, ou seja, ainda que tenhamos uma maioria religiosa expressiva numericamente, bem organizada e que elege representantes no Parlamento, no Executivo entre outras instâncias, capaz, de forma legítima, de fazer predominar sua orientação moral, a minoria tem que encontrar na Constituição proteção para a defesa de seus direitos e de sua liberdade e a possibilidade de resistir a padrões morais de uma maioria eventual. (MELO apud DIAS, 2012, p. 82).

 

  A religião judaica, conforme ensina Maria de Fátima Freire de Sá,

 

                                          é a mais antiga tradição de fé monoteísta. Ela estabelece regras de conduta para seus seguidores, regras essas que se fundamentam nas interpretações da Escritura, como também em outros princípios morais. Além da Torá escrita, os judeus tinham regras que eram transmitidas oralmente. A tradição judaica é no sentido de que Moisés recebeu de Deus não apenas a lei escrita, mas também a lei falada. (FREIRE DE SÁ, 2005, p.62).

 

De acordo com a história, a lei falada não podia se transformar em lei escrita, porque, no entendimento dos judeus, deveria ser interpretada de acordo com as condições reais da vida em diferentes lugares e épocas.

 

contudo, com a consequente dispersão do povo judeu, surgiu o medo de que os mandamentos se perdessem. Foi feito, então, nos séculos que se seguiram à destruição de Jerusalém, o registro das leis faladas, todas inseridas no Talmud. Esse livro não é, em si, um livro de ensinamentos, mas um texto usado pelos rabinos em suas lições para orientação dos fiéis em situações concretas. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 63).

 

Assevera Freire de Sá que a questão de definição de morte no judaísmo, leva em consideração os “escritos do judaísmo tradicional, ou seja, o que se deve considerar é a parada cardiorrespiratória”. Assim, muitos rabinos conservadores entendem que o critério tradicional deve ser interpretado literalmente. Para os rabinos mais liberais, “a morte encefálica é que constitui o fundamento para se desligar o paciente do respirador”. A tradição legal hebraica (halakhah) é contrária à eutanásia. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 63). Contudo, essa mesma tradição “procede à distinção entre o prolongamento da vida do paciente, que é obrigatório, e o prolongamento da agonia, que não é”. Para os judeus, a eutanásia “afigura-se franco assassinato”, sendo assim, definitivamente proibida. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 64). Segundo Léo Pessini, o argumento frequentemente utilizado por aqueles contrários à eutanásia, é que “o moribundo é, de qualquer maneira, uma pessoa viva, e deve ser tratado com a mesma consideração devida a toda e qualquer pessoa viva”. Mesmo na situação de o paciente ser terminal, “em meio a muita dor e diante da solicitação de acabar com tudo, essa prática não pode ser permitida segundo o judaísmo”. (PESSINI, 2004, p. 245).

 

                                      é importante assinalar que, mesmo nos casos de extremo sofrimento, tirar a vida humana, na perspectiva judaica, nunca pode ser o objeto de qualquer intervenção. Quando a cura não pode ser conseguida, o cuidado é sempre exigido até o final da vida humana. (PESSINI, 2004, p. 246)

 

Resumindo a posição judaica, ainda nos ensinamentos de Pessini, “o médico serve como um mediador de Deus para preservar a vida humana, sendo-lhe proibido arrogar-se a prerrogativa divina de decisão entre a vida e a morte de seus pacientes”. (2004, p. 246) Para os judeus, portanto, “a sacralidade da vida tem precedência sobre todos os outros valores humanos, pelo que se deve fazer todo o possível para mantê-la”. (VIEIRA, 2009, p. 157).

O budismo, segundo Freire de Sá, foi fundado na Índia, por Siddhartha Gautama (480-400 a.C.), que, após iluminado aos 35 anos, passou a ser conhecido com o título honorífico de “Buda[10]” (o iluminado). Buda é o desperto, estado a que todos devem aspirar e realizar. O budismo tem como objetivo a iluminação,[11] chamada nirvana, que pode ser traduzida como um estado de espírito e perfeição moral. Esse estado pode ser alcançado por qualquer ser humano que viva de acordo com os ensinamentos de Buda. Abaixo está descrita a última mensagem deixada por Buda:

                                          tudo inevitavelmente chega à extinção, ainda que dure um milênio. Tudo deve ser separado do que deseja no fim. Reconhecer que todas as coisas vivas (mineral, vegetal, animal, humana e divina) estão sujeitas à lei da morte. Reconhecer, portanto, a verdadeira natureza do mundo vivo e não ficar ansioso a respeito de sua vida ou sua morte – Quando a luz do verdadeiro conhecimento tiver dispersado as trevas da ignorância, quando toda a existência for considerada como sem substância, a paz se seguirá quando a vida estiver acabando, o que parece curar, por fim, uma longa moléstia. Tudo fixo ou móvel, tende a perecer. Portanto, sê cuidadoso e vigilante. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 64).

Interessante ressaltar que essa religião não prega a existência de um ser superior ou um Deus. Portanto, o budismo, no ensinamento de Freire de Sá, “não é uma religião de deus, mas uma via não-teísta”. Muitos estudiosos encaram o budismo mais como uma filosofia de vida do que como propriamente uma religião. O budismo não vê a morte como o fim da vida, mas como uma transição. Acreditam no Karma e no renascimento (esse também é o pensamento da doutrina Espírita – vida após a morte, reencarnação). (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 65). Portanto, por não enxergar a morte como o fim da vida, “a leitura que os budistas fazem do suicídio é que essa ação não se afigura como meio de “escape””. Entretanto, o budismo não pune o suicídio, este será perdoado desde que, o “indivíduo à morte encontre-se com a mente livre de egoísmo e de desejo, portanto, iluminado”. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 66). A situação daquele que auxilia outra pessoa a suicidar-se, passará a ser “moralmente aceitável no caso de morte digna, songenshi, quando a morte é iminente, e mais, se o motivo for a compaixão”. Ainda dentro dos ensinamentos de Maria de Fátima, “é importante assinalar que o código samurai do suicídio incluía uma disposição para a eutanásia: o kaishakunin (assistente)”, prática milenar utilizada pelos samurais e por aqueles seguidores que se sentiam desonrados de alguma forma. O simples corte do hara (abdome) era muito doloroso e não provocava uma morte rápida. Depois de cortar o hara, poucos samurais tinham forças suficientes para degolar-se ou cortar a espinha dorsal. Depois que o samurai terminasse de abrir o ponto preestabelecido ou desse qualquer outro sinal ao assistente, este tinha o dever de cortar-lhe o pescoço para terminar com sua dor, dando-lhe o golpe de misericórdia. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 66). Na visão de Vieira “fica claro, pois, que não há oposição ferrenha à eutanásia, podendo ser aplicada em certas circunstâncias, dando-se ênfase ao estado de consciência e paz, no momento da morte”. (VIEIRA, 2009, p. 159). A autora ressalta que “os budistas concordam quanto à questão acerca da utilização de drogas para o alívio da dor”. No Japão há uma entidade, denominada Associação para a Morte com Dignidade, que sugere exatamente isso: a utilização de remédios, ainda que esses venham a acelerar a morte do paciente. Assevera Léo Pessini que o budismo “reconheceu há tempos o direito de as pessoas determinarem quando deveriam passar desta existência para a seguinte”. (PESSINI apud FREIRE DE SÁ, 2005, p. 66).

O islamismo, por sua vez, é a mais jovem e a última das grandes religiões mundiais e a única surgida após o cristianismo (Maomé, 570-632 d.C.)[12]. Hoje se calcula que a população mulçumana mundial alcance a casa de um bilhão, quase um quinto da humanidade. (PESSINI, 2004, p. 239). Segundo Freire de Sá, a palavra árabe íslam significa submissão, o homem deve se entregar a Deus e se submeter à Sua Vontade em todas as áreas da vida. O principal documento que trata sobre o valor da vida e também sobre a eutanásia é a declaração Islâmica dos Direitos Humanos, que tem como fonte o Corão e a Suna (tradição dos ditos e ações do Profeta). (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 69). A Declaração Islâmica foi elaborada por pessoas de notório saber e juristas muçulmanos, além de pessoas que representam movimentos e correntes de pensamento islâmico. De acordo com a autora,

 

 ao tratar do direito á vida, a declaração afirma que esta é sagrada e inviolável e, por isso mesmo, deve ser protegida em todos os seus aspectos. A não ser sob a autoridade da lei, nenhuma pessoa deve ser exposta a lesões ou morte. O documento afirma ainda que o corpo humano possui caráter sagrado tanto durante a vida quanto após a morte. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 69).

 

 Segundo os islâmicos, os direitos humanos provêm de Deus, são revelados no Corão e, “independentemente de qualquer punição legal que eventualmente venha a ser imposta a possíveis infratores, os direitos humanos são uma confirmação religiosa e moral”. O pensamento islâmico atribui todo o poder a Deus e limita drasticamente a autonomia da ação humana. Essa é, portanto, a importância da vida humana para os islâmicos: “a vida de uma única pessoa é tão valiosa quanto a vida de toda a espécie”. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 69). O código Islâmico de ética médica sobre o valor da vida humana e eutanásia, segundo Léo Pessini, traz o juramento do médico que promete “proteger a vida humana em todos os estágios e sob quaisquer circunstâncias, fazendo o máximo para libertá-la da morte, doença, dor e ansiedade”. O mesmo código assim descreve:

 

a vida humana é sagrada (...) e não deve ser tirada voluntariamente, exceto nas indicações específicas de jurisprudência islâmica, as quais estão fora do domínio da profissão médica. O médico não tirará a vida, mesmo quando movido pela compaixão. Se é cientificamente certo que a vida não pode ser restaurada, então é uma futilidade manter o paciente em estado vegetativo utilizando-se de medidas heroicas de animação ou preservá-lo por congelamento ou outros métodos artificiais. (...) Em relação ao paciente incurável, o médico fará o melhor para cuidar da vida, prestará bons cuidados, apoio moral e procurará livrar o paciente da dor e aflição. (PESSINI, 2004, p. 242).

 

Conclui Freire de Sá, portanto, que o islamismo condena o suicídio e a eutanásia, mas, demonstra certa aceitação em relação a ortotanásia, uma vez que condena a adoção de medidas desnecessárias para manter, a todo custo, a vida de alguém com morte iminente. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 70). Finalizando o ponto de vista religioso, abordaremos o posicionamento da igreja Católica, uma das mais relevantes em relação à Eutanásia. Para a autora, o cristianismo é a religião que, de “maneira geral, mais caracteriza a sociedade ocidental”. Basta verificar que há dois mil anos aparece na história, literatura, filosofia, arquitetura e na arte dos países europeus. “Sem contar que é fato notório que a Bíblia é o livro mais lido do mundo”. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 71). Para os cristãos, conforme ensina Mônica Silveira Vieira, “a vida é sagrada, uma dádiva de Deus que não pode ser exterminada a não ser por Ele próprio, sendo o homicídio, assim como o suicídio, um pecado gravíssimo”. (VIEIRA, 2009, p. 153). De acordo com Pessini há várias tradições cristãs expressivas, embora seja o catolicismo romano o detentor de maior expressão no estudo da eutanásia e do morrer, haja vista o vasto material já publicado sobre o assunto. O documento mais significativo, e o mais completo, segundo Pessini (2004, p. 247), é a Declaração sobre a eutanásia da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, datada de 5 de Maio de 1980. Tal Declaração conceitua a eutanásia com a seguinte redação:

 

por eutanásia, entendemos uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a fim de eliminar toda a dor. A eutanásia situa-se, portanto, no nível das intenções e no nível dos métodos empregados. (PESSINI, 2004, p. 247).

 

A condenação da eutanásia é clara, afirmando o documento ser ela “violação da Lei Divina, de uma ofensa à dignidade humana, de um crime contra a vida, e de um atentado contra a humanidade”. A vida humana, por sua vez,

 

é entendida como sendo o fundamento de todos os bens, a fonte e a condição necessária de toda a atividade humana e de toda a convivência social (...). Os crentes veem nela, também, um dom do amor de Deus, que eles têm a responsabilidade de conservar e fazer frutificar[13]. (PESSINI, 2004, p. 247).

 

Mônica Silveira corrobora tal entendimento, no sentido de que nessa Declaração, “sustenta-se que o direito a vida encontra-se intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, condenando-se todos os crimes contra a vida, como o homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio”. Afirma ainda que

 

a vida humana é a base de todos os bens, origem e condição necessária de toda atividade humana e da vida em sociedade. Considerando a vida como um dom divino, sustenta-se que ninguém pode atentar contra a vida de uma pessoa inocente, sem violar a vontade divina e um direito fundamental, cometendo, se o fizer, crime de maior gravidade. (VIEIRA, 2009, p. 154).

 

De acordo com Maria de Fátima Freire de Sá, outro documento importante e, “vale dizer, recente (1995) é a carta Encíclica Evangelium Vitae, de autoria do Papa João Paulo II”. Essa carta trata tanto da eutanásia quanto da distanásia. Em relação ao primeiro aspecto, declara ser a eutanásia “um dos sintomas mais alarmantes da cultura da morte”. A distanásia é também condenada,

 

distinta da eutanásia, é a decisão de renunciar ao chamado “excesso terapêutico”, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para sua família. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 72).

 

A tradição moral católica ensina Maria de Fátima, “deixa clara a distinção entre matar e deixar morrer”. Para a doutrina católica, “matar significa a ação ou omissão que visa causar a morte”. Já deixar morrer “é considerar que a natureza seguirá seu curso, não empregando tratamento desnecessário em paciente terminal no momento em que nada mais pode ser feito”. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 7). Como se pode perceber, a Igreja Católica apresenta uma série de documentos sobre a questão ligada à eutanásia, deixando claro a sua posição contrária ao tema.

 

1.5 – Bioética e Biodireito.

 

Para que possamos nos situar na seara da medicina, faz-se necessária uma breve introdução sobre Biodireito e Bioética, uma vez que estão intimamente ligados ao tema em estudo. O Biodireito é um novo ramo jurídico ainda muito recente na realidade jurídica brasileira. Este novo ramo do direito define-se como uma positivação jurídica de permissão de comportamentos médico-científicos e de sanções pelo descumprimento dessas normas. É um ramo do direito público que se associa à bioética, estudando as relações jurídicas entre o direito e os avanços tecnológicos conectados à medicina e à biotecnologia, peculiaridades relacionadas ao corpo, à dignidade da pessoa humana.[14] Destaque-se que o biodireito possui relações com muitos ramos do direito, quais sejam: o direito civil, direito penal, direito ambiental, direito constitucional e direito administrativo. O direito penal (que neste ponto do trabalho mais nos interessa), guarda relação com o biodireito na medida em que estabelece a tipificação de condutas condenadas pelo mesmo, como mais uma forma de controle e repressão. Abrange, portanto, todo um “conjunto de leis positivas que visam estabelecer a obrigatoriedade de observância dos mandamentos bioéticos, e, ao mesmo tempo, é a discussão sobre a adequação, sobre a necessidade de ampliação ou restrição da legislação”. O Biodireito se ocupa de normas, princípios e relações jurídicas vinculadas à (ao): procriação assistida e manipulação genética em sentido amplo; natureza jurídica do embrião; aborto; recombinação de genes; eugenia; transplante de órgãos entre seres vivos e “post mortem”; direito à saúde; genoma humano; criação e patenteamento de seres vivos; eutanásia; propriedade do corpo vivo ou morto[15].

A bioética, de acordo com Mônica Silveira Vieira, “é um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética)”, podendo ser definida como

 

o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar. (VIEIRA, 2009, p. 99).

 

Segundo a autora, a grande importância de recorrer aos ensinamentos da Bioética decorre do fato de esta possuir “como referência central,” nas palavras de Olindo Pegoraro, “o ser humano especialmente considerado em dois momentos básicos: o nascimento e a morte”. (PEGORARO apud VIEIRA, 2009, p. 99). Etimologicamente, pode ser entendida como uma reflexão sobre os costumes ou sobre as ações humanas em suas diversas manifestações, nas mais diversas áreas. O termo ética deriva do grego ethos que significa modo de ser, caráter. Seu campo é o do juízo de valor e não o do juízo de realidade, ou da existência. Estuda as normas e regras de conduta estabelecidas pelo homem em sociedade, procurando identificar sua natureza, origem, fundamentação racional[16]. Para que exista a conduta ética, é necessário que o agente seja consciente, ou seja, que possua capacidade de discernir o bem e o mal. A consciência moral possui a capacidade de discernir entre um e outro, avaliar, julgando o valor das condutas, e agir conforme os padrões morais, desde que essa ação não agrida sua autonomia, nem tampouco sua dignidade. Por isso, é responsável pelas suas ações e emoções, tornando-se responsável também pelas suas consequências. Os valores podem ser entendidos como padrões sociais ou princípios aceitos e mantidos por pessoas, pela sociedade, dentre outros. Assim, cada um adquire uma percepção individual do que lhe é de valor, possuem pesos diferenciados, de modo que, quando comparados, se tornam mais ou menos valiosos. Tornam-se, sob determinado enfoque, subjetivos, uma vez que dependerão do modo de existência de cada pessoa, de suas convicções filosóficas, experiências vividas ou até, de crenças religiosas. Portanto, as pessoas, a sociedade, as classes, cada qual têm seus valores, que devem ser considerados em qualquer situação[17]. A consciência se manifesta na capacidade de decidir diante de possibilidades variadas, decorrentes de alguma ação que será realizada. No processo de escolha das condutas, avaliam-se os meios em relação aos fins, pesa-se o que será necessário para realizá-las, quais ações a fazer, e que consequências esperar. Buscando respaldo na história, nos ensina Pessini que,

 

                                         na era medieval, a morte era cercada de sacralidade. A vontade de Deus, a boa ou má sorte governava os destinos humanos. Não havia técnicas para intervir sobre esses fatores, pois os desígnios de Deus e da fortuna eram inacessíveis ao homem, a magia e a oração poderiam mudar o fluxo das coisas, mas este dependia da vontade de Deus. (PESSINI, 2004, p.42).

 

A partir do Século XVI, começa a acontecer uma mudança nesse paradigma com a

 

                                         separação do corpo e da alma, dos assuntos vistos como humanos. O homem começa a ser considerado uma das espécies biológicas, a ser visto como parte da natureza. Consequentemente, seus processos fisiológicos são submetidos à investigação da ciência. (PESSINI, 2004, p. 43).

 

A ciência que insere o homem na natureza dá a ele ao mesmo tempo “a capacidade de manipulá-la, de alterar o fluxo natural das coisas, de acordo com sua vontade” (PESSINI, 2004, p. 43). De acordo com Pessini;

 

F. Bacon, como já visto anteriormente, é o primeiro a falar do dever da medicina de prolongar a vida como novo dever dos médicos. Junto com as funções de preservação da saúde e cura das doenças, temos a terceira função, embora nova, considerada a mais nobre de todas, segundo ele: a eutanásia. Esta é vista como uma área essencial da habilidade médica. Aliviar o sofrimento é o ponto central, e, consequentemente o médico pode apressar a morte.(BACON  apud PESSINI, 2004, p. 43).

 

 No final do século XVIII, segundo Léo Pessini, o interesse do médico se desloca do doente para a doença. O doente se transforma em “caso”. Hoje em dia, a morte assusta a maioria das pessoas tanto quanto antigamente, porém, a razão do medo e da angústia é diversa. “Num passado mais remoto, o crente tinha medo do que acontecia após a morte, do juízo de Deus e da sorte eterna a que era destinado.” Hoje,

 

o medo predominante é outro: o homem teme mais os tormentos da agonia, o medo de ser transformado “num vegetal”, que jazeria por um tempo indefinido naquela terra de ninguém que a terapia intensiva criou entre a vida e a morte, entre o mundo dos vivos e dos mortos, e de tornar-se um corpo vegetando que não acaba mais de morrer. (PESSINI, 2004, p. 56).

 

 Léo Pessini assevera que a sociedade criou muitas formas de combater a dor (analgésicos, anestesias etc.). “Definitivamente, as pessoas não toleram sentir dor ou qualquer tipo de sofrimento, seja ele físico, mental, ou espiritual, procurando bani-lo através de medicações”. Entretanto, essa tentativa nem sempre se dá com sucesso. Nesse sentido “torna-se fácil não ver sentido algum numa vida que necessite de tais subterfúgios médicos para continuar a viver”. É no sentido de não se poder eliminar o sofrimento, que se abre a “possibilidade legítima de cortar a vida, por causa do sofrimento”. (PESSINI, 2004, p. 61). A medicina moderna não trata do tema da eutanásia, pois assim como o código penal brasileiro, para o Código de Ética médica[18], entre seus princípios fundamentais está previsto o inciso VI:

 

                                          o médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

 

Oliveira explica que

 

a partir do juramento de Hipócrates, principal pilar de sustentação da dignidade da profissão médica até os dias de hoje, a administração de drogas letais ao paciente terminal ou a omissão de determinados recursos disponíveis na terapêutica têm motivado intenso debate no seio das sociedades[19]. (jvascbr. 2003, vol.2 nº3).

 

 

Ainda de acordo com o citado autor a atuação médica é movida por dois grandes princípios morais: a preservação da vida e o alívio do sofrimento. Explica Oliveira que, tais princípios, “na maioria das vezes se complementam, entretanto, em determinadas situações, podem tornar-se totalmente opostos, cabendo, no caso concreto, uma escolha difícil: qual deles se sobreporá ao outro?”. A eutanásia, de acordo com a consultora jurídica do Estado do Pará, Sônia Maria Teixeira da Silva, em seu artigo publicado na revista eletrônica Jus Navigandi:     

                          

                                      é principalmente um problema médico, tendo em vista envolver temas centrais da dor humana, da incurabilidade da doença ou da inevitabilidade da morte, entretanto, grande parte dos médicos e cientistas ligados à medicina é contrária à eutanásia, alegando o compromisso da medicina com a VIDA, sendo, portanto, incompatível a prática da eutanásia[20].

 

1.6 – Resolução nº 1. 805/2006 do Conselho Federal de medicina e a Lei Paulista sobre os Direitos dos pacientes

 

Em 1999 foi promulgada, no Estado de São Paulo, a Lei nº 10.241, que dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde nessa unidade da federação brasileira. No artigo 2º, inciso I, consta expressamente que todo paciente tem direito a um atendimento digno. No mesmo dispositivo, no inciso VI, a lei regula, de acordo com Roberto Dias, o direito à informação da seguinte maneira:

 

receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre: hipóteses diagnósticas; diagnósticos realizados; exames solicitados; ações terapêuticas; riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas; duração prevista do tratamento proposto; no caso de procedimentos de diagnósticos e terapêuticos invasivos, a necessidade ou não de anestesia. O tipo de anestesia a ser aplicada, o instrumental a ser utilizado, entre outros. (DIAS, 2012, p. 191-192).

 

Recebidas as informações, a lei garante ao paciente o direito de não só consentir ou recusar, de forma livre e voluntária, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (inciso VII), mas também de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida (inciso XXIII) e, finalmente, permitir que o paciente escolha o local de sua morte (inciso XXIV). (DIAS, 2012, p. 191). Na avaliação de Rachel Sztajn, a Lei nº 10.241, de 17 de Março de 1999,

 

dá, ao menos no Estado de São Paulo, a base para a eutanásia passiva, na medida em que permite a retirada de aparelhos que prolonguem a atividade cardiorrespiratória, autoriza que o paciente opte por morrer em casa, além de facultar ao doente recusar tratamentos que provoquem dor, reconhecendo seu direito de morrer com dignidade. (SZTAJ apud DIAS, 2012, p. 191).

 

Na visão de Roberto Dias, “parece mais correto afirmar que a mencionada lei apenas disciplina de maneira mais minuciosa e clara o direito à recusa de tratamento e, em última análise, à eutanásia passiva, que já estavam consagradas constitucionalmente”. (DIAS, 2012, p. 191). Em 28 de novembro de 2006 foi publicada a Resolução nº 1.805 do Conselho Federal de Medicina,

 

depois de fazer referência aos dispositivos constitucionais que tratam da dignidade da pessoa humana (art.1º, inciso III) e da proibição de submeter qualquer pessoa a tortura ou a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III), tal norma permite que o médico limite ou suspenda procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal (art. 1º). (DIAS, 2012, p. 192-193).

 

Assim, no entendimento de Roberto Dias, trata-se de

 

evidente regramento sobre a prática da eutanásia que, além de reconhecer o nascimento de tal direito das disposições constitucionais que menciona, busca assegurar ao médico que, nas hipóteses em que agir de acordo com a Resolução, ele não sofrerá sanções disciplinares. (DIAS, 2012, p. 192).

 

Esta resolução foi suspensa, em 2007, a pedido do Ministério Público Federal, por decisão liminar do juiz Roberto Luis Luchi Demo, nos autos da Ação Civil Pública nº 2007.34.00.014809-3, da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. No entanto, em 6 de Dezembro de 2010, depois da mudança de opinião do Ministério Público Federal, foi publicada a sentença que revogou a antecipação de tutela anteriormente concedida e julgou improcedente o pedido formulado, preservando a Resolução nº 1.805/06, do Conselho Federal de Medicina. 

Com essas considerações em mente, o próximo capítulo abordará de maneira mais detalhada a eutanásia e o ordenamento jurídico brasileiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 - A EUTANÁSIA E A LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA

 

Retrocedendo na história da legislação brasileira, concluímos que nosso ordenamento jurídico nunca regulamentou a prática da eutanásia. A legislação no Brasil sempre se preocupou com o suicídio, não com a conduta do indivíduo que tira a própria vida, mas sim, com a conduta daquele que instiga, induz ou auxilia alguém a dar fim a própria vida. Nas lições de Guimarães,

 

                                         dentre os bens jurídicos tutelados pela lei penal não constitui novidade o fato de que a vida é, na generalidade dos ordenamentos jurídicos, o bem considerado mais precioso, estando normal e precipuamente em patamar superior aos demais, ainda que possa restar também, em certas sociedades e em determinados momentos históricos em próximo grau de relevância em relação a outros valores essencialmente caros, como os da dignidade humana, liberdade de ir e vir, de expressão e de crença. (GUIMARÃES, 2011, p. 68).

 

Pela importância do bem jurídico em tela, que o tema eutanásia tem provocado tanto debate,

 

                                      ao confrontar bens jurídicos com os mais diversos valores sociais, impondo apreciação direta do balanceamento entre tais bens e valores, e também entre dois ou mais bens tutelados pela lei, mormente quando advindos de princípios constitucionais, criando conflitos (aparentes ou reais) de normas muitas vezes compreendidas, de início, como inconciliáveis, parecendo indicar como insolúveis tais conflitos.(GUIMARÃES, 2011, p. 68).

 

De acordo com o autor, é o que ocorre quando se coloca a proteção da vida em estado terminal de um lado, e a dignidade da pessoa humana, a liberdade de expressão e de escolha, a intimidade e a autonomia pessoal, de outro, dentro da visão eutanásica. (GUIMARÃES, 2011, p. 69). Nos apontamentos de Roberto Dias, o artigo 5º, §2º da Constituição Federal, estabelece que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Isso significa que nem todos os direitos fundamentais estão formalmente arrolados no texto constitucional, abrindo assim a possibilidade de se garantir o direito à morte digna. Desse modo, não existindo, ainda, na atual lei penal brasileira, a figura da eutanásia, faz-se necessário trazer alguns apontamentos na legislação acerca do homicídio, através dos tempos, bem como a verificação de situações que traziam a noção de morte piedosa. Ensina Marcello Ovídio Guimarães que o Código Criminal do Império do Brasil de 1830 dispunha quanto ao homicídio, em seu artigo 192,

 

                                       que “matar” alguém com qualquer das circunstâncias agravantes mencionadas no artigo 16, faria com que se impusesse a pena de morte no grau máximo, a sanção de galés perpétuas no grau médio e a reprimenda de 20 anos de prisão com trabalho no grau mínimo. (GUIMARÃES, 2011, p. 72)

 

O artigo 193 determinava sanções menos rigorosas, e sem a pena de morte, se o homicídio não estivesse revestido das circunstâncias agravantes indicadas no artigo anterior. De acordo com o autor, o Código Criminal de 1830, nada menciona quanto ao homicídio piedoso, muito menos de condutas eutanásicas. O código penal de 1940, em vigor,

 

retirou as explícitas menções de justificação do delito contidas na legislação anterior, nas situações em que o agente procurava, com sua conduta em princípio infratora da lei penal, evitar “mal maior”, ou em que não houvesse “intenção criminosa”, ou ainda em que ocorresse o resultado por falta de observância das medidas médico-higiênicas (por parte do ofendido ou mesmo de alguém por ele, com sua aquiescência), reclamadas pelo estado do interessado. (GUIMARÃES, 2011, p. 75).

 

Guimarães assevera, ainda, que a possibilidade de se justificar uma conduta provocadora da morte, ligando-a a uma prática eutanásica,

                                         com base na interpretação do que consta da lei penal, foi, assim, reduzida ou inviabilizada. Antes, já poderia não ser aceitável uma interpretação nesse sentido, do ponto de vista cultural, mormente para a época em que vigoravam os códigos anteriores, ainda que a lei concedesse, em primeira análise, mais amplitude para a defesa de uma justificação nesses casos. Agora, ao contrário, mesmo que possa não haver um quase intransponível impedimento sócio-cultural como outrora, é a lei penal que, ao menos pelo seu texto expresso, não traz maior subsídio para uma justificação criminal da conduta eutanásica.(GUIMARÃES, 2011, p. 75).

 

O código penal de 1940, e a alteração de sua parte geral, com a redação ocorrida em 1984,

 

                                          nada trouxeram quanto ao “homicídio eutanásico”, limitando-se a tratar, no capítulo dos crimes contra a vida, especificamente no tocante ao homicídio, das causas de diminuição de pena abarcadas pela figura do homicídio privilegiado, o que hodiernamente poderia se acoplar ao  homicídio piedoso (caso do § 1º do art.121, como analisado algures, ao determinar que,  praticado o crime por motivo de relevante valor social ou moral, poderá o juiz reduzir a pena do agente impelido por tal motivação, de um sexto a um terço) (GUIMARÃES, 2011, p. 76)

 

Por outro lado, o Código penal de 1969 (Decreto-Lei nº 1004), que não chegou a vigorar, trouxe interessante disposição que, de acordo com Guimarães, diferenciava o estado de necessidade como excludente de culpabilidade:

 

                                         art.25: não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa. (GUIMARÃES, 2011, p. 76).

 

Assevera ainda o autor que,

                                        do estado de necessidade como excludente do crime (a lei anotava a expressão “excludente do crime” e não “excludente de ilicitude”, como faz o código penal atual), dispondo, no art.28, que se considera em estado de necessidade quem pratica um mal para preservar direito seu, ou alheio, de perigo certo ou atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, pela sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo.(GUIMARÃES, p. 76).

 

O código penal de 1969, assim, parece que de alguma forma permitia ao intérprete ampliar a aceitação de uma dirimente que pudesse englobar os casos de homicídio piedoso,

 

                                         depreende-se tal ilação da disposição da lei acerca do estado de necessidade justamente também como causa excludente de culpabilidade, anotando-se a preocupação com a proteção de direito ameaçado de pessoa a quem o agente estivesse ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, circunstância que ainda mais aproxima, de qualquer modo, o texto legal de uma hipótese eutanásica. (GUIMARÃES, 2011, p.77).

 

Assim, esse agente buscaria proteger direitos desse interessado, como o direito à dignidade e ao livre arbítrio, contra perigo certo e atual que não provocou e não podia evitar,

 

consubstanciado na existência da doença e no sofrimento intolerável que dela advém, mesmo com o sacrifício de bem jurídico superior (vida) em relação ao que se procurou proteger com a prática da conduta, e desde que verificado não ser razoável, in casu, exigir-se do agente conduta diversa.(GUIMARÃES, 2011, p. 77). 

 

Pois bem, hoje, a vida é, conforme já afirmado, um direito inalienável, significando que o consentimento da pessoa, permitindo a alguém que disponha da sua vida, em nosso ordenamento jurídico não é válido. Por outro lado, o fato de o suicídio em si, mais precisamente a tentativa do suicídio, não ser considerado crime, até porque, se consumado, a pena seria inútil. No caso da tentativa, a pessoa necessitaria de um tratamento psicológico e não de uma reprimenda penal. Discordamos desse posicionamento, uma vez que, nem sempre aqueles que se valem do suicídio, estão debilitados mentalmente, ao ponto de necessitarem de tratamento psiquiátrico. Sendo assim, diante de uma tentativa frustrada de suicídio, deveria haver uma forma legal de punição, uma vez que a vida, diante da legislação em vigor, é um bem indisponível. Colocamos tal confronto para tentar demonstrar o quanto a legislação brasileira é controversa nesse sentido. É bem verdade que o suicídio ofende os ideais religiosos e, por que não dizer os morais. Mas, juridicamente, o suicídio ou sua tentativa, são condutas lícitas, posto não serem proibidas. Diante dessas considerações, entendemos  que a vida é um bem disponível se tirada espontânea e voluntariamente, por pessoa com capacidade de entender e discernir, e sendo dessa forma, por que então, não excluir a culpabilidade daquele que auxilia alguém que, não tendo mais condições físicas, em razão de sofrimento inestimável ou por estar desenganada, pretende de forma livre, consciente, voluntária e espontânea, suprimir a própria vida?

 

 2.1 – A Eutanásia e o Projeto de Reforma do Código Penal Brasileiro

 

Nos ensinamentos de Maria de Fátima freire de Sá, “a eutanásia, em suas diversas formas, vem sendo tratada pelo Direito Penal Brasileiro como homicídio, ainda que privilegiado”. Da regra do art.121, §1º, do Código Penal, entende-se que o ato de tirar a vida de outrem que se encontre em grande sofrimento pode ser considerado motivo de relevante valor moral e, por isso, o agente que praticar o delito terá sua pena reduzida de um sexto a um terço. Observe-se, conforme explica a autora, que o referido parágrafo não determina quem seja o agente, sendo assim, conclui-se que, qualquer pessoa que realizar o ato, desde que “compelida por motivo de relevante valor moral, terá se valido da eutanásia”. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 128). Não há, portanto, no direito brasileiro, a exigência de que a eutanásia seja praticada por médico, “como, tecnicamente, é entendida”. Independente de tais regras, a comissão de juristas que trabalhou na elaboração do Anteprojeto de reforma do Código Penal, vigente desde 1942, não só incluiu a previsão da eutanásia no artigo 121, como foi citada norma penal “explicativa no sentido de classificar como atípica a chamada eutanásia passiva ou ortotanásia. Essa passa a ser entendida como mero exercício regular da medicina”. Leia-se o texto da primeira Subcomissão de Reforma da Parte Especial do Código Penal brasileiro de 1993, que introduzia o §6º ao artigo 121:

 

não constitui crime a conduta de médico que omite ou interrompe terapia que mantém artificialmente a vida de pessoa, vítima de enfermidade grave e que, de acordo com o conhecimento médico atual, perdeu irremediavelmente a consciência ou nunca chegará a adquiri-la. A omissão ou interrupção da terapia devem ser precedidas de atestação, por dois médicos, da iminência e inevitabilidade da morte, do consentimento expresso do cônjuge, do companheiro em união estável, ou na falta, sucessivamente do ascendente, do descendente ou do irmão e de autorização judicial. Presume-se concedida a autorização, se feita imediata conclusão dos autos ao juiz, com as condições exigidas, o pedido não for por ele despachado no prazo de três dias. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 129).

 

Mônica Silveira Vieira assevera que o Projeto de Lei nº 125/96 foi o único projeto de lei sobre o assunto da legalização da Eutanásia no Brasil tramitando no Congresso Nacional, de iniciativa do senador amapaense Gilvam Borges, sendo que jamais foi colocado em votação. Ele propõe que a eutanásia seja permitida, desde que uma junta de cinco médicos ateste a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente. O próprio paciente teria que requisitar a eutanásia. Se não estiver consciente, a decisão caberia a seus parentes próximos. (VIEIRA, 2009, p. 121). De acordo com Isaac Peixoto Costa Rosa, o projeto foi apresentado com base em critérios pré-definidos para que a eutanásia possa ser realizada, inclusive, com a exigência de uma junta médica que atestasse a inutilidade do tratamento para os casos em questão, bem como da autorização do paciente ou de seus familiares. O Senador Gilvam informou que "essa lei não tem nenhuma chance de ser aprovada". O deputado federal Marcos Rolim, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara à época, disse que "ninguém quer discutir a eutanásia porque isso traz prejuízos eleitorais", e que nos dois anos em que esteve dirigindo esta comissão, o assunto em questão jamais havia sido debatido (PEIXOTO, 2007)[21]. Posteriormente, em 24.3.1998, o Diário Oficial da União fez publicar o texto que alteraria os dispositivos da Parte Especial do Código Penal, e, em relação à eutanásia, ficou consignado o seguinte:

                                     

                                      Art.121:

§3º se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena – reclusão de três a seis anos. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 129).

 

Tal norma penal explicativa insere o § 4º ao artigo 121, que passaria a viger da seguinte maneira:

 

                                     §4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 130).

 

Importante notar que os dois parágrafos do anteprojeto do Código Penal tratam da “imprescindibilidade do consentimento do paciente”. Segundo o professor Pierangelli,

 

1º O consentimento é válido quando manifestado expressa ou tacitamente, sempre reclamando uma manifestação exterior que permita ao médico conhecer de sua existência. 2º O consentimento deve ser prestado pela própria pessoa que dispõe do bem jurídico, quando apto para tanto. 3º São incapazes de consentir os menores de 18 anos. Quanto às pessoas que possuem idade superior, faz-se necessário indagar, caso por caso, se no momento em que o consentimento é dado, possuíam  capacidade de entendimento e de autodeterminação. Quando isto não for possível, ou seja, quando faltar a capacidade de entender e de querer, apresenta-se uma clara hipótese de incapacidade natural que exclui toda e qualquer validade do consentimento. 4º Ao consenciente deve ser dada uma clara representação do tratamento que lhe será ministrado pelo médico (...). 5º O consentimento deve ser prestado ante factum e subsistir no momento em que o tratamento médico é realizado. O consentimento post factum, ou seja, a ratificação do consentimento, não pode assumir qualquer eficácia justificante (...). 6º O consentimento do paciente deve ser livre. O vício, o dolo, a violência e o erro excluem a validade do consentimento. (PIERANGELLI apud FREIRE DE SÁ, 2005, p. 130).

 

Conforme ensina Marcello Ovídio Lopes Guimarães, o consentimento do ofendido, de qualquer modo, pode ser principalmente conceituado como a “anuência ou adesão do ofendido (da vítima) que autoriza a lesão ou perigo de lesão a algum bem jurídico que lhe pertence (e que está inserido no âmbito da sua autonomia pessoal)”. (GUIMARÃES, 2011, p. 143). O estudo do consentimento do ofendido na esfera penal é, atualmente, cada vez mais relevante, principalmente em matéria onde sua aplicação é essencial, como ocorre com o tema da eutanásia. Guimarães explica que “o Código Penal brasileiro não coloca o consentimento do ofendido entre as causas expressas de justificação”. René Ariel Dotti ensina, “entretanto, que o fenômeno pode ser reconhecido pelo sistema nas hipóteses em que decorrer da vontade juridicamente válida do titular do direito, como causa supralegal de justificação”. (GUIMARÃES apud DOTTI, 2011, p. 144). O fato é que os projetos de lei quanto ao tema, segundo Guimarães (2011, p. 243), “sempre foram muito difusos em seu conteúdo, havendo desde propostas que descriminalizavam a eutanásia em geral, até as que, em sentido diametralmente oposto, tornavam as práticas eutanásicas crime hediondo”. Assim, ainda que o tema esteja longe de ser conclusivamente debatido, há indícios de que essa possibilidade não é remota, ao contrário, surgem, a cada momento novas situações fáticas que ensejam uma solução prática de nosso ordenamento jurídico, e, essa solução só virá quando o tema eutanásia for discutido sem restrições. Assevera Roberto Dias que com base nos princípios e no regime adotados pela Constituição Federal de 1988, abre-se a possibilidade de recepcionar o direito à morte digna como direito fundamental, e, “por consequência, com base na interpretação conforme a constituição” o autor defende

 

 a urgência de ressignificar o alcance interpretativo da norma enunciada no artigo 121 do diploma penal, tipificadora do crime de homicídio, sob o argumento de que a  eutanásia não estaria abrangida pelo mencionado comando penal, remanescendo fora do campo de incidência da norma penal incriminadora.(DIAS, 2012, p. 15).

 

Com razão, enfatiza o autor que a Constituição,

 

ao tratar da dignidade da pessoa humana, do direito à vida e do direito à liberdade, impõe seu conteúdo às demais normas do ordenamento jurídico, exigindo que, nas hipóteses ora analisadas, o Código Penal seja interpretado de modo a autorizar que o titular do direito à vida possa dela dispor, decidindo, livremente, com fundamento em sua concepção de dignidade, sobre a intenção de continuar a viver e o modo como pretende morrer. (DIAS, 2012, p.16).

O tópico a seguir ira propor uma forma de incluir a prática da eutanásia buscando respaldo na inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de excludente de culpabilidade.

 

2.2 A Inexigibilidade de Conduta Diversa como causa supra legal de excludente de Culpabilidade.

 

Diante do exposto até aqui, o presente trabalho vem tratar da possibilidade de adoção da tese da Inexigibilidade de conduta diversa nos casos de Eutanásia como Causa Supralegal de Excludente de culpabilidade, por ausência do elemento de reprovação. No direito penal moderno, como ensina Flávio Augusto Monteiro de Barros, vigora a máxima nullum poena sine culpa (não há pena sem crime). O fato típico e a antijuridicidade são insuficientes para imposição da pena ao autor, é necessária, portanto, a presença da culpabilidade, esta, é o pressuposto da aplicação da pena. (BARROS, 2008, p.224). Na culpabilidade examina-se se o fato antijurídico deve ser imposto pessoalmente ao agente. De acordo com o autor,

 

o fundamento do princípio da culpabilidade e responsabilidade é constituído pela capacidade do homem de se decidir livre e corretamente entre o direito e o injusto. Só quando existe esta liberdade de decisão é que terá sentido impor uma censura de culpabilidade contra o agente. (BARROS, 2008, p. 358).

 

De acordo com o Princípio da Culpabilidade, esta é o juízo de censura que analisa a relação entre o autor e o fato praticado, indagando se ele tinha possibilidade de realizar a conduta na direção da ordem jurídica e de evitar o mal cometido. Flávio Augusto ensina que:

 

de acordo com a Teoria Normativa pura, a culpabilidade passa então a ser mero juízo de reprovação que recai sobre o autor do fato típico e antijurídico. Culpabilidade é um juízo de valor de quem julga. Concentra-se na cabeça do juiz, e não no psiquismo do réu. (BARROS, 2008, p.362).

 

Ainda de acordo com tal Teoria, a culpabilidade tem como um de seus elementos, a exigibilidade de conduta diversa, ou seja, que a conduta ilícita tenha sido realizada em circunstâncias normais, de modo que o agente podia e devia agir de acordo com as normas. Sendo assim, a inexigibilidade de uma conduta conforme o direito exclui a culpabilidade. Seguindo com os ensinamentos do citado autor,

 

todas as condutas disciplinadas pela norma jurídica como modelos a serem seguidos, somente serão considerados dentro da normalidade das circunstâncias, a transgressão da norma jurídica em situações anormais, em que não se podia exigir do agente um comportamento diferente, consequentemente, faz desaparecer a culpabilidade. (BARROS, 2008, p. 398).

 

 Embora sejam divergentes os posicionamentos doutrinários quanto à possibilidade de adoção da inexigibilidade de conduta diversa, de origem supralegal, como causa excludente da culpabilidade, filiamo-nos à tese da admissibilidade considerando a faculdade do uso da analogia, de que o legislador jamais poderá prever todos os acontecimentos do mundo dos fatos, e, sendo assim, não há impedimento para que se adote a inexigibilidade de conduta diversa (ainda que não prevista em lei), diante da eutanásia como causa supralegal de excludente de culpabilidade. Já em meados do século XX, anota Lameira Bittencourt

 ser mesmo difícil, a julgar pela constância da doutrina pátria quanto ao tema, quer como estudo abstrato e científico, quer como apreciação objetiva da lei escrita, encontrar no repositório legal brasileiro, mormente na conjuntura sócio-cultural de então, solução favorável à morte piedosa. (BITTENCOURT  apud  GUIMARÃES 2011, p.78).

 

Assinala ainda o autor, ser comum a não aceitação da prática da eutanásia na doutrina, “com ataques direitos à ideia do direito de morrer, em especial como proclamado pela escola positiva de Ferri, com sua defesa do homicídio piedoso”. Propondo desde então uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico no tocante à eutanásia, em particular, assenta, de seu turno,

 

                                                                        que não existe impossibilidade de encontrar solução legal favorável a essa prática, com a concessão justa e líquida da absolvição para quem a exercitar, lembrando que interpretar uma lei é menos traduzir-lhe o significado gramatical das palavras, o que seria mero trabalho de dicionário, ou mesmo procurar apanhar a intenção inicial de seu autor, o que seria encargo de pesquisador ou função de adivinho, e mais o dever de adaptá-la e ajustá-la, dentro de sua finalidade real e desejada, às exigências, situações e necessidades que se forem suscitando com o envolver natural da sociedade (BITTENCOURT apud GUIMARÃES, 2011, p.78).

 

Conclui Guimarães,

 

no tocante à eventual possibilidade de se englobar a conduta eutanásica na situação compreendida pelas normas legais que indicam as causas dirimentes da criminalidade e justificadoras dos crimes, e a não intenção criminosa, que não se pode negar a quem mata a outrem por compaixão e piedade, para não deixá-lo mais sofrer, como este único desígnio, a aceitação de que agiu sem intenção criminosa. Assim, matar em condições tais, impelido por semelhante móvel e agindo com tão elevado e humanitário desígnio, não constitui crime, não devendo o agente ser passível de penalidade, mesmo diante da lei pátria.  (GUIMARÃES, 2011, p.81).

 

A questão que se levanta diante de tal proposta é por que razão a inexigibilidade de conduta diversa é autorizada para certos elementos da culpabilidade e não para outros não previstos em lei? A resposta está no fato de que os casos de inexigibilidade de outra conduta não foram esgotados pelo legislador, e nem poderiam ser, uma vez que a todo instante constatam-se novas hipóteses, situações e circunstâncias que ensejam a uma conduta diversa do que determina o ordenamento jurídico, levando o indivíduo a agir de outra forma, e diante dessa ação ou omissão, contrariando tal ordenamento, Marcello Ovídio Guimarães, exemplifica que,

 

 em análise sistemática do texto constitucional, ademais, verifica-se dele emergir que da mesma forma que há, em certas situações limite, licenças (suspensões) excepcionais aos direitos à liberdade de ir e vir (casos de prisões em flagrante delito ou por ordem de autoridade judiciária competente), à igualdade (tratamento desigual a situações desiguais), ou à propriedade (submissão à sua função social, além das desapropriações), de igual modo existem tais exceções em relação à vida, sobretudo quando genericamente considerada. (GUIMARÃES, 2011, p.213).

 

 O caso concreto deve ser analisado em todas as circunstâncias, assim o julgador decidirá ser ou não ser possível a exigência de outra conduta. Para que a Eutanásia seja aceita no ordenamento jurídico, deve-se analisar a seguinte situação, segundo Fernanda Figueira Tonetto[22]:

é exigível do “homo medius” que, ao presenciar o sofrimento e a morte inevitável (mas que tarda) de um ente querido seu, deixe de atender ao pedido de fazer cessar o padecimento? É censurável a conduta daquele que atende ao último desejo de um moribundo?

 

Poderíamos ainda, na busca por um caminho apto a solucionar tais situações, fazermos uso do que hoje se conhece por Direito Alternativo[23]. Como o Direito Alternativo trata a lei como meio e o direito como o fim, poderíamos nos nortear por tal pensamento, ou seja, hoje, o que se busca, é  que a orientação diante de um caso de  prática da eutanásia, seja voltada para o autor de tal prática, excluindo-lhe a culpabilidade por tal ato, bem como voltar-se ao interesse daquele que desejando  morrer, pede ajuda a outra pessoa por estar impossibilitado de tirar sua própria vida. O Direito não se esgota na Lei, é sistema de princípios (valores) que definem e orientam a vida jurídica. Mas a lei nem sempre traduz esse comando, quase nunca o concretiza. Não raro, ela busca impedir, ou, pelo menos, retardar a eficácia do princípio. A lei, muitas vezes, resulta da prevalência de interesses de grupos, na tramitação legislativa. Aparentemente, ela seria o ápice da pirâmide jurídica. Nada acima dela, nada contra ela[24]. Porém, visível é a existência de lacunas, contradições e ambiguidades no Direito positivo. Diante disso, surge o Direito Alternativo, como tentativa de suprir essa lacuna, esse vazio que o Estado tem deixado na solução dos conflitos. Nas palavras de Benedito Calheiros Bomfim, ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros: “do desencontro entre a lei e o direito, entre códigos e justiça, nasce o Direito Alternativo, que nada mais é do que a aplicação da lei em função do justo, sob a ótica do interesse social e das exigências do bem comum”. Hoje, a maior busca que se faz diante de situações complexas como a eutanásia, é o Justo (que é diferente do direito) onde “o juiz é o representante da justiça e o mediador de todo o processo de aplicação da justiça corretiva. Ele é o responsável por retirar o injusto em excesso ou garantir o injusto por carência, de forma cega, pois a lei não percebe a diferença entre indivíduos”. Os questionamentos que cercam a Eutanásia residem no fato de saber se a lei pode criar uma espécie legal de escusa para tal instituto (visto como homicídio e auxílio ao suicídio), uma vez que essa mesma espécie de escusa existe em nosso ordenamento quando ampara a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito, quando ocorre a exclusão da ilicitude, ou seja, apesar de todo crime, via de regra ser considerado um ato ilícito, haverá situações em que mesmo cometendo um crime, isto é, praticando uma conduta expressamente proibida pela lei, a conduta do agente não será considerada ilícita. Mesmo sem fazer um aprofundamento no assunto da antijuridicidade, é necessário uma breve explanação sobre o assunto, em especial na conceituação da antijuridicidade material ou substancial como destacam alguns autores, sendo considerada:

 

                                         lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal violada. É, portanto, o caráter anti-social do fato típico. Nessa concepção material permite-se a construção das chamadas causas supralegais de exclusão da ilicitude (BARROS, 2008, pg.305).

 

Seguindo as lições de Bettiol, “o direito penal é na sua essência tutelar de valores, complexo de normas predispostas à garantia das exigências ético-sociais dominantes”. (BETTIOL apud BARROS, 2008, p. 305). Diante dessa premissa, o direito penal vigente é unânime quanto à aceitação das causas de exclusão da ilicitude, bem como das causas supralegais, não havendo, em momento algum diante do caso concreto, qualquer divergência ou dificuldade em se aplicar tais institutos. O fundamento para a utilização de tais situações justificantes encontra respaldo na

 

teoria das normas de cultura, desenvolvida por Mayer, preconizando que a antijuridicidade depende do contraste do fato com as concepções éticas, sociais e políticas dominantes em determinada fase da sociedade. Com essas ideias o juiz passa a ter o poder de investigar o verdadeiro valor social ou moral tutelado pela norma jurídica. (BARROS, 2008, pg. 305).

 

Com a exclusão da ilicitude em tais situações onde não há crime, mesmo havendo fato típico (observe-se que esse posicionamento é pacífico na doutrina e jurisprudência), ou seja, tem-se o MAIS da legislação penal, uma vez que se exclui o crime, incoerente, portanto, a não possibilidade de se dar o MENOS, qual seja, excluir a culpa daquele que auxilia ou pratica a eutanásia concedendo a essa conduta uma causa de justificação, fazendo com que o fato, embora típico, seja enquadrado a um modelo legal de conduta previsto como crime, não assumindo um caráter de contrariedade ao direito. Diante de tais colocações, no presente trabalho a análise da antijuridicidade é superada.

Segundo Flávio Ribeiro da Costa[25] “não deveria haver diferença entre a ação daquele que se suicida com uma arma ou veneno e a ação daquele que, a pedido, usa a vontade de outro para a prática da eutanásia”, lembrando que o que está em pauta nessa situação é a autodeterminação da pessoa e não uma situação imposta por alguém. “Pela lei, o ser humano pode tirar a vida de outro ser humano que injustamente lhe agrida, mas está proibido de sentir compaixão pelos seus semelhantes”. Podemos citar como exemplo dessa situação que se cria diante de tais divergências, a comunicabilidade do estado de necessidade, ou seja, o estado de necessidade exclui o crime, por consequência, estende-se a sua aplicação aos co-autores e partícipes do fato necessitado (BARROS, 2008, p.329). Mais uma vez, estamos diante de uma incoerência do nosso ordenamento jurídico que necessita de ajustes diante de tais situações complexas. Ainda dentro do pensamento de Flávio Ribeiro:

 

na aplicação  da eutanásia se deve ter em mente a pessoa do aplicador, observada a sua conduta social, aptidão legal e idoneidade. Todos os casos eutanásicos realizados à revelia de um pedido formal e com parecer do Ministério Público, deverá ser julgado como homicídio, depois de devidamente analisada as provas. Se, provado, por testemunhas e por outros meios de provas admitidos em direito, ser o matador inocente e que fora levado a esse ato por sentimentos nobres, deverá ser sumariamente absolvido, sem passar pelo vexame do Tribunal do Júri.[26]

 

Entendemos, portanto, haver a possibilidade de introdução da eutanásia em nosso ordenamento jurídico, mediante discussões profundas sobre o assunto, com o intuito de evitar os questionamentos que por ventura surjam diante dos casos concretos. Devem ser apresentados requisitos objetivos e específicos para tal finalidade, e assim, em cada caso, seja possível decidir ou não pela sua prática, bem como a possibilidade de exclusão da culpabilidade daquele que a praticar.

 

2.3 – Direito Comparado

 

O estudo de um tema jurídico sob a ótica do direito comparado, de acordo com Mônica Vieira,

 

seja comparando-se o tratamento dispensado pelo Direito a uma dada situação, em países diversos, em uma mesma época, seja através da análise do desenvolvimento das concepções a respeito, no decorrer da história, tem imensa relevância, ajudando a compreender como se chegou ao estado atual do desenvolvimento jurídico acerca da matéria analisada. (VIEIRA, 2009, P. 123).

 

Assevera a autora que o direito não existe como um fim em si mesmo, mas como um meio para se alcançar o bem-estar do homem, em “uma perspectiva de alteridade, ou seja, compreendendo-se que uma pessoa apenas pode se realizar plenamente quando todas as demais se realizarem, na mesma medida”. Assim, no tocante a qualquer matéria jurídica, e especialmente quando se trata de temas que se referem diretamente à vida e à personalidade humana, em seus aspectos fundamentais, devem-se procurar soluções adequadas à realidade de cada sociedade e compatíveis com os princípios fundamentais vigentes em cada ordem jurídica. (VIEIRA, 2009, p. 123). Não se pode negar a grande utilidade do estudo das normas jurídicas de outros países, para que se aprenda com sua experiência. Nos Estados Unidos, a autonomia legislativa dos Estados componentes da Federação é bastante ampla, inclusive no tocante ao tratamento ministrado aos pacientes terminais, sendo relevante mencionar as mais importantes normas regionais editadas a respeito. Em 01.01.1977, entrou em vigor, na Califórnia, uma lei chamada Natural death act (Lei da morte natural), na qual se estabeleceu que

as pessoas adultas têm o direito fundamental de controlar as decisões relacionadas com os cuidados médicos que lhe possam ser prestados, inclusive o de dispor sobre a utilização ou interrupção de procedimentos clínicos tendentes a prolongar-lhes a vida em caso de situação terminal, uma vez que a tecnologia médica moderna tornou possível o prolongamento da vida humana para além dos limites naturais. (VIEIRA, 2009, p. 124).

 

No diploma legal mencionado, encontra-se a consideração de que o prolongamento da vida em caso de pessoas em situação terminal “pode causar perda da dignidade da pessoa, dor e sofrimento desnecessários, além de representar um ônus emocional tanto para o paciente quanto para sua família”. (VIEIRA, 2009, p. 125). Diplomas jurídicos semelhantes foram sendo adotados por outros estados americanos, especialmente reconhecendo validade aos chamados “testamentos vitais[27]”. (FERNÁNDEZ apud VIEIRA, 2009, p. 125). Em 1980, foi constituída em Oxford a Federação Mundial das Associações pelo Direito de Morrer. Ela agrupa hoje mais setecentos mil simpatizantes. Já com relação às normas de caráter federal, encontra-se em vigor uma lei, denominada Paciente Self Determination Act – PSDA (Lei da autodeterminação do paciente), vigente desde 1991. Tal lei determina que todas as instituições de saúde americanas, ao admitirem um paciente, informem a ele sobre seu direito a limitar ou rejeitar determinados tratamentos médicos tendentes a prolongar a vida, quando o processo de morte se tenha iniciado naturalmente, indagando a ele ou a seu representante se redigiu um “testamento vital”, importante registrar que neste mesmo documento, o testador pode designar a pessoa ou pessoas que se encarregariam de transmitir sua vontade e vigiar seu cumprimento, em caso de incapacidade. (VIEIRA, 2009, p. 126). Diante de tais considerações, percebe-se que, embora sejam bastante liberais com relação à disponibilidade de direitos, inclusive daqueles que são inerentes à personalidade humana, os Estados Unidos ainda não firmaram posição efetivamente favorável à legalização da eutanásia.

Já nos territórios do Norte da Austrália, vigorou, no período entre 01.07.1996 e 24.03.1997, a primeira lei que autorizou a eutanásia ativa, a chamada “Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais”, que foi revogada por 38 votos a 34, apesar de, na época, ter-se apurado, através de pesquisas, que 74% dos australianos eram contrários à revogação. (VIEIRA, 2009, p. 130). Os critérios estabelecidos pela Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais segundo Mônica S. Vieira eram: solicitação do paciente a um médico, para que fosse realizada a eutanásia; aceitação do médico de assistir o doente nesse processo; que o paciente tivesse idade mínima de dezoito anos; ser este portador de doença que, em seu curso normal, sem a utilização de medidas extraordinárias, acarretaria sua morte; inexistência de possibilidade de cura; ausência de tratamentos disponíveis para reduzir a dor, o sofrimento ou o desconforto; confirmação do diagnóstico e do prognóstico por um médico especialista; atestado de um psiquiatra qualificado de que o paciente não sofria de depressão clínica tratável; tratar-se de doença que causasse dor ou sofrimento; dever do médico de informar todos os tratamentos disponíveis, inclusive os paliativos; ter o paciente expressado formalmente o desejo de pôr fim à sua vida; dever do paciente de levar em consideração as implicações sobre sua família; encontrar-se o paciente mentalmente são e capaz de tomar decisões livremente; observância de um prazo mínimo de sete dias após a formalização do desejo de morrer; preenchimento, pelo paciente, de certificado de solicitação; necessidade de o médico assistente testemunhar o preenchimento e a assinatura de tal certificado; assinatura por outro médico, do certificado, atestando que o paciente encontrava-se mentalmente competente para tomar a decisão livremente; assinatura do certificado por um intérprete, caso o paciente não falasse o mesmo idioma dos médicos; vedação de que os médicos envolvidos obtivessem qualquer ganho financeiro, além dos honorários habituais, com a morte do paciente; prazo mínimo de quarenta e oito horas entre a assinatura do certificado e a prática da eutanásia; não ter o paciente dado qualquer indicação de que não mais desejava morrer; possibilidade de assistência ao término voluntário da vida. Apesar de ter sido revogada essa lei, a Austrália, inclusive em virtude das concepções predominantes na sociedade, continua liberal em relação à eutanásia, não se tendo notícias de que se empreendam grandes esforços para reprimir tal prática, naquele país. (VIEIRA, 2009, p. 130).

Por sua vez, na Inglaterra, de acordo com Mônica Vieira, “fortalece-se cada vez mais um movimento chamado Voluntary Euthanasia Society (Sociedade da eutanásia voluntária), em prol da eutanásia”. Em 1990, o Instituto de Ética Médica da Inglaterra emitiu opinião favorável a que “se autorizassem os médicos, atuando conscientemente e com boas intenções, a encontrarem na morte a solução para evitar que o paciente sofra com dores intensas e incessantes ou com o desespero” causado por enfermidade incurável, depois de considerarem os prejuízos e benefícios que possam derivar do prolongamento da vida, nos casos em que o doente tenha reiteradamente manifestado seu direito de morrer. No caso dos pacientes em estado vegetativo persistente, podem-se suspender as medidas de sustentação da vida, havendo acordo entre a equipe médica e a família. Apesar de tudo isso, a prática da eutanásia ativa ainda não foi legalizada naquele país. Em relação à eutanásia, assim como no tocante a tantos outros temas controversos, como a liberação do uso e venda de tóxicos, a Holanda tem-se mostrado mais liberal que a maioria dos outros países. (VIEIRA, 2009, p. 131). Em 12.04.2001, a Holanda despenalizou a prática da eutanásia, inclusive na modalidade ativa, aprovando, por 46 votos a 28, projeto de lei permitindo aos médicos abreviar a vida dos pacientes terminais.

 

apesar das diversas manifestações contrárias à aprovação da lei, pesquisas revelaram que 90% dos holandeses eram favoráveis à legalização da eutanásia, observando-se que, na verdade, a nova lei representou a legalização de prática que, havia décadas, já vinha sendo adotada em hospitais holandeses.(VIEIRA, 2009, p. 131).

 

 A lei holandesa estabelece sete condições para a prática da eutanásia: a doença do candidato deve ser incurável e lhe causar sofrimentos insuportáveis; o pedido do paciente deve ser voluntário e refletido; o paciente receber do médico informação completa sobre sua condição; o médico deverá consultar pelo menos um colega que concorde com uma intervenção; a assistência ao falecimento ser minuciosamente preparada e organizada; a eutanásia, uma vez praticada, deve ser submetida ao controle de uma comissão paritária regional composta por um magistrado, um médico e um especialista, que verifique se os critérios de minúcia foram efetivamente respeitados; em caso de desrespeito, a comissão deverá apresentar uma denúncia à Justiça Penal. Apesar de essa lei ter sido aprovada em 2001, a Holanda já vinha tolerando a prática da eutanásia, sob condições especiais, desde 1997” (VIEIRA, 2009, p.132). De acordo com José Roberto Gondim, já em 1990,

 

o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica Holandesa – RDMA haviam entrado em acordo para estabelecer um procedimento de notificação da prática da eutanásia, o que a tornou um procedimento aceito, embora ainda não fosse legalizado, eximindo-se o médico, assim, da acusação de homicídio. Em 20 de maio de 2002, o Parlamento da Bélgica aprovou a lei sobre a eutanásia, publicada no Diário Oficial em 22.06.2002, regulamentando o art.78 da Constituição, definindo, em seu artigo 2º, a eutanásia “como o ato, realizado por terceiros, que faz cessar intencionalmente a vida de uma pessoa a pedido desta”. (GONDIN apud VIEIRA, 2009, p. 133).

 

 Para que o ato do médico que pratica a eutanásia seja considerado legal, a norma exige que o profissional se tenha assegurado de que o paciente, adulto ou ao menos emancipado, tenha plena capacidade e consciência, no momento da realização do pedido; que este seja ponderado e reiterado, não decorrendo de qualquer pressão externa; que a condição do paciente seja irreversível, caracterizando-se sofrimento físico ou mental constante e insuportável; que tenham sido atendidos todos os procedimentos estabelecidos na lei. (VIEIRA, 2009, p. 133). O art.4 permite que um adulto capaz ou menor emancipado, prevendo a possibilidade de, em algum momento da vida, não poder exprimir seus desejos, deixe uma declaração escrita, autorizando o médico a realizar a eutanásia, caso verifique que o paciente foi vítima de condição acidental ou patológica grave e incurável, que está inconsciente e que a situação é irreversível. Estamos, novamente, diante da possibilidade do testamento Vital. Por fim, o art.15 da lei em estudo estabelece que a morte decorrente da prática de eutanásia, deverá ser considerada como morte natural, no que diz respeito à execução de contratos privados de seguro de que o falecido era parte. (PESSINI apud VIEIRA, 2009, p. 134-135).

Em relação à França, de acordo com os ensinamentos de Mônica Vieira, a Associação pelo Direito de Morrer com dignidade (Association pour Le Droit de Mourir dans La Dignité – ADMC) abrange noventa e quatro delegações provinciais e afirma ter cerca de vinte e oito mil membros. Quase três quartos deles são mulheres. Os agricultores e os operários não têm uma representação significativa, mas são numerosos os executivos, os escritores, os professores, as pessoas que exercem profissões intelectuais ou ligadas à saúde (VIEIRA, 2009, p. 139-140). A legalização da eutanásia não é tema recente no país, há trinta anos essa questão vem sendo colocada em debate pela população. Em recente reportagem do colunista Gilles Lapouge[28], no Jornal Estadão de São Paulo, mais precisamente no dia 27.03.2012, demonstra que a França às vésperas de eleição, mais uma vez se vê as voltas com o assunto. A pressão social, bem como das entidades favoráveis à eutanásia foram tão intensas que os candidatos das próximas eleições presidenciais, foram chamados a se manifestar sobre o assunto, demonstrando que a sociedade busca por mudanças que atendam suas necessidades, bem como que respeitem suas opiniões e escolhas.

Em matéria de eutanásia a Espanha foi um dos primeiros países a discutir com profundidade a questão de sua regulamentação, na década de 1920, especialmente em virtude da influência do penalista espanhol Jimenéz de Asúa,

 

analisando-se a proposta de se considerar a eutanásia como homicídio piedoso, de forma a excluir a punibilidade do ilícito cometido por piedade, diante da súplica reiterada da vítima, desde que o sujeito ativo tivesse bons antecedentes. Tal proposta, porém, jamais chegou a ser implantada naquele país, onde se continua a considerar a eutanásia e o suicídio assistido como crimes (VIEIRA, 2009, p. 147).

 

 Na década de 1990, o tema voltou a ser discutido no país, em virtude do caso de Ramón Sampedro, que por 30 anos, solicitou ao Poder Judiciário espanhol o reconhecimento do seu “direito de morrer”, por estar tetraplégico, desde seus 26 anos. Sampedro  não obteve êxito em seus pedidos e morreu na clandestinidade com a ajuda de uma amiga (VIEIRA, 2009). Percebe-se, diante dos fatos apresentados que o tema é realmente complexo, ao ponto de várias legislações estrangeiras, bem como a brasileira, não chegarem a um consenso sobre o assunto. Entretanto, nem por isso, a discussão acerca da eutanásia deve ser abandonada por sua complexidade.

 

2.4 – Argumentos Contrários à Eutanásia.

Nesse ponto do trabalho, o que se busca é a distinção entre os principais argumentos contrários e favoráveis encontrados durante a pesquisa realizada. São posicionamentos bastante antagônicos, entretanto se faz necessário, uma vez que tal distinção é fundamental para nos posicionarmos em relação ao tema ora abordado. Essa distinção entre o valor intrínseco da vida e seu valor pessoal para aquele que deseja dispor de sua vida, explica Ronald Dworkin, é a causa do porque

 

tantas pessoas acham que a eutanásia é condenável em todas as circunstâncias. Elas pensam que uma pessoa deve tolerar o sofrimento, ou receber a assistência devida caso se torne inconsciente, até que a vida chegue a seu fim natural – com o que se pretende dizer que tudo, menos uma decisão humana, pode ser o agente de tal fim – porque acreditam que o fato de eliminar deliberadamente uma vida humana nega seu valor cósmico inerente. (DWORKIN, 2009, p. 275).

 

John Locke, filósofo inglês do século XVII “que exerceu grande influência sobre os redatores da Constituição dos Estados Unidos, opunha-se ao suicídio por uma razão semelhante”, dizia que a vida humana é propriedade “não da pessoa que a vive, que é apenas um “locatário”, mas de Deus, o que torna o suicídio uma espécie de roubo ou peculato”. (LOCKE apud DWORKIN, 2009, p. 275). Compreende-se diante de tais considerações que a convicção de que a vida humana é sagrada talvez seja a mais poderosa base para a oposição à eutanásia. Leonard Martin, “admite que as pessoas que praticam eutanásia podem ser movidas de boas intenções, mas, adverte, porém, que estas intenções, nem sempre levam a bons resultados”. O citado autor refuta o argumento comumente lançado pelos defensores da eutanásia, de que esta se justificaria em virtude do intuito de quem a pratica, que age movido pela compaixão. Afirma que

 

                                      a atitude guiada pela compaixão apenas pode ser considerada eticamente louvável quando conduzir a uma postura de alívio da dor, apoio e tomada de todas as medidas possíveis para garantir o bem estar do paciente terminal. Por outro lado, no caso de a compaixão se externalizar em ato que tira a vida, acaba-se tirando da pessoa não apenas a possibilidade de sentir dor, mas também qualquer outra possibilidade existencial. (MARTIN apud VIEIRA, 2004, p. 189).

Para Marcio Palis Horta,

 

admitir que os médicos pratiquem a eutanásia acarretaria sério transtorno na relação médico-paciente, pois o médico, que, tradicionalmente, sempre teve o dever de curar e cuidar, passaria a inserir entre suas atribuições a de tirar a vida, o que poderia causar desconforto, medo e desconfiança no paciente (HORTA, apud VIEIRA, 2009, p. 189).

 

Roberto Dias assevera que esses argumentos não se sustentam. Primeiro porque, “os médicos conhecem a diferença entre ajudar uma pessoa que implora para morrer e matar outra que pretende viver” e segundo, “o risco de abuso não torna ilegítimo o uso de um determinado procedimento”. Além disso,

 

é imprescindível se certificar de que a vontade do paciente não foi influenciada por qualquer agente interno ou externo, como por exemplo a depressão, a culpa ou a coação. Finalmente, uma vez que a relação médico-paciente é um vínculo de confiança, ou o paciente confia no médico escolhido e sabe que o profissional agirá para proteger seus interesses, ou não confia no médico e tem o direito de substituí-lo por outro que lhe inspire confiança e lhe dê segurança de que somente agirá em atenção a seus interesses. (DIAS, 2012, p. 172).

 

Outro ponto, destacado por aqueles contrários à eutanásia, é a necessidade de valorizar a vida daqueles que se encontram em situações de maior fragilidade. Campbel afirma que “essa valorização inclui especialmente a atitude de assegurar uma morte tranquila, no tempo natural, sem excessos distanásicos, quando se verificar que os tratamentos artificiais disponíveis não mais podem ser úteis”. Assim, a verdadeira valorização da vida desses pacientes,

apenas pode advir da aplicação de cuidados especiais, que incluem o alívio do sofrimento físico e imensas doses de compreensão e carinho, tanto por parte da equipe médica quanto da família. Evidencia-se, assim, o desacerto daqueles que teimam em afirmar que a eutanásia, que suprime a existência, seria uma forma de valorização da vida (CAMPBELL apud VIEIRA, 2009, p. 192).

 

Léo Pessini sustenta que, quando se fala em morte com dignidade, “o princípio fundamental é gravemente desvirtuado”. Ensina que respeitar a pessoa significa fazê-lo em todo e qualquer momento da existência, especialmente quando a morte se aproxima. Explica ainda que,

 

                                          os partidários da suposta morte com dignidade não estão compromissados com o reconhecimento do mesmo valor a toda pessoa, independentemente de suas características particulares, mas, sim, pretendem ligar o valor do ser humano às capacidades e condições de vida do indivíduo”. Dessa forma, a dignidade deixaria de ser valor intrínseco a todo ser humano, para significar apenas autonomia, autodeterminação, capacidade de agir e decidir. (PESSINI, apud VIEIRA, 2009, p. 196).

 

Seguindo as considerações de VIEIRA (2009, p. 198), “a razão comumente invocada contra a eutanásia, especialmente por estudiosos da área médica, é a considerável possibilidade de erro de diagnóstico da doença de que o paciente é portador”. Na maioria das vezes, o diagnóstico pode ser seguro, mas em alguns casos não é. A doutrinadora explica “ser de conhecimento dos profissionais da medicina que em aproximadamente 30% das doenças não se consegue estabelecer, com segurança, o diagnóstico”. Quanto ao prognóstico, ensina que “é elaborado em função de dados estatísticos, a partir dos quais se estabelece uma estimativa de probabilidade de um desfecho futuro” (VIEIRA, 2009, p. 199). Assim, entende que uma das razões que tornam a eutanásia uma prática eticamente condenável é a possibilidade de se cometerem erros no diagnóstico e no prognóstico. Diante desse argumento, Roberto Dias rebate no sentido de que,

 

o erro médico de diagnóstico ou prognóstico, pode causar a morte não apenas nos casos de eutanásia, mas em inúmeras outras hipóteses, como por exemplo, na inexatidão de diagnósticos de câncer, de meningite, entre outros. Nessas situações, o sistema jurídico já contempla uma série de medidas voltadas não somente a prevenir o erro como a punir o profissional que agiu com imprudência, negligência e, especialmente nesse caso, imperícia. (DIAS, 2012, p. 170).

 

De acordo com Guimarães, um argumento recorrente contra a eutanásia “resume-se ao fato de que a vida não nos pertence, pois é um presente de Deus”. Esse fundamento teria relevância jurídica em um Estado que adotasse uma religião oficial segundo a qual “a vida é dada por Deus e, portanto, não pode ser eliminada a não ser por vontade única e exclusiva Dele”. Contudo, como já se afirmou o Brasil é um Estado laico e, sendo assim, não adota uma religião oficial. “A laicidade do Estado implica a pluralidade de ideias, convicções e ações, independentemente de crenças religiosas”. Assim, as religiões podem, no máximo, impor sanções religiosas a seus seguidores, mas não se pode exigir a mesma conduta do Estado,

 

que deve se manifestar de modo positivo e negativo, garantindo o exercício da liberdade constitucional de crença, que inclui a liberdade de não crer, bem como o direito de as pessoas agirem ou se omitirem segundo sua fé ou com base na ausência dela.(DIAS, 2012, p. 170).

 

Assim, diante de tal fundamento, em um Estado laico, se a pessoa que acredita que a vida é um dom de Deus e, portanto, tem um valor sagrado que a torna indisponível, obviamente não estaria obrigada, nem iria querer praticar a eutanásia.  Outro argumento contrário à eutanásia é o de que, a cada dia, tem-se a real possibilidade de descoberta da cura para doenças antes tida como incuráveis o que enfraquece muito o argumento daqueles que defendem a prática da eutanásia nos pacientes diagnosticados como portadores de tais doenças, “eis que se trata de conceito marcado por absoluta insegurança”(VIEIRA, 2009, p. 199). Luis Jiménez de Asúa entende que

 

a incurabilidade é um dos conceitos mais duvidosos. De um lado, doenças que em tempos foram incuráveis, venceram-se hoje e não podemos afirmar que as que por tais reputadas presentemente, não possam ser um dia vencidas. Na realidade, todos estamos condenados à morte em um prazo desconhecido, mas certo. Prolongar a vida é vivê-la. Para estas situações, em que a morte não é imediata, a eutanásia não deve ser praticada, ainda que a enfermidade continue a destruir o organismo e acabe por fim com a existência. (ASÚA apud VIEIRA, 2009, p. 200).

 

No tocante ao avanço da medicina, assevera Roberto Dias que “é de se lembrar, que normalmente os novos descobrimentos científicos não se encontram ao alcance para aplicá-los imediatamente”. Segundo o autor, “a análise sobre essa possibilidade deve ser feita criteriosamente com base nas informações científicas que se tem no momento, e não amparada em infundadas especulações, suposições ou conjecturas”. (DIAS, 2012, p. 171).  Um dos argumentos principais apresentados pelos defensores da eutanásia é o de que a eutanásia representaria a consagração do respeito pela autonomia do paciente. Entretanto, Paulo Daher Rodrigues, é categórico ao afirmar que “o consentimento do enfermo, nas situações de agonia extrema, não merece qualquer crédito, muito menos da ordem jurídica” (RODRIGUES apud VIEIRA, 2009. p. 203). Afirma que o estado emocional do sujeito não permite que aja de forma coerente, de modo que sua declaração de vontade não é manifestamente válida. Assim, de acordo com tais doutrinadores,

 

não resta dúvida de que o paciente terminal encontra-se coagido pelas próprias circunstâncias de sua doença, pelo sofrimento, pela dor, pelo medo da morte, de modo que o eventual consentimento para que se realize a eutanásia é desprovido de valor jurídico” (VIEIRA, 2009, p. 204).

 

 Se o direito à vida é indisponível, isto é, se nem o próprio titular pode dele dispor como bem entender, entende Mônica S. Vieira que, muito menos se pode admitir que outra pessoa, ainda que se trate do representante do paciente, realize tal ato em seu lugar. Apesar disso, há autores, como José Ildefonso Bizzato, que entendem que,

 

quando o doente não puder decidir por si próprio, por não mais se encontrar no domínio perfeito de suas faculdades mentais, as decisões, inclusive relativas à prática da eutanásia, deverão ser tomadas pelo seu representante legal, encontrando-se autorizações nesse sentido em diversas das leis estrangeiras que tem admitido a prática da eutanásia e do suicídio medicamente assistido. (BIZZATO apud VIEIRA, 2009, p.205-206).

 

O último argumento contrário à prática da eutanásia, que em nosso entendimento é o mais radical, pra não dizer absurdo prega que:

 

                                      uma das grandes razões do aumento do número de defensores da eutanásia, pelo mundo afora, é o fato de a sociedade contemporânea exaltar o hedonismo, cultuar a beleza, a juventude e o prazer, procurando afastar de sua vida e de seus pensamentos tudo que é feio, triste e velho.(VIEIRA, 2009, p. 207).

 

 Segundo a autora,

 

tal sociedade se esquece de uma verdade inegável: o sofrimento é parte inseparável da vida, e, assim sendo, o melhor que se tem a fazer é buscar conviver com ele da forma mais adequada possível, ajudar os que sofrem a superar seu padecimento, sem lhes retirar a vida e, se possível, até aproveitar os momentos de sofrimento como oportunidades de crescimento.(VIEIRA, 2009, p. 207).

 

Diante de tais posicionamentos contrários à prática da eutanásia, damos seguimento ao trabalho com a opinião daqueles que não só são a favor, como defendem a prática da eutanásia como forma de fazer valer o direito do indivíduo de dispor de sua vida.

 

2.5 – Argumentos Favoráveis à Eutanásia

 

 Para quem argumenta a favor da eutanásia, acredita-se que esta seja um caminho para evitar a dor e o sofrimento de pessoas em fase terminal ou sem qualidade de vida (na concepção íntima do indivíduo), um caminho consciente que reflete uma escolha informada, o término de uma vida em que, quem morre não perde o poder de ser digno até o fim. São raciocínios que buscam  na defesa da autonomia absoluta de cada ser individual, na alegação do direito à autodeterminação, direito à escolha pela sua vida e pelo momento da morte. Uma defesa que assume o interesse individual acima do da sociedade que, nas suas leis e códigos, visa a proteger a vida. A eutanásia não defende a morte, mas a escolha pela mesma por parte de quem a concebe como melhor opção ou a única.[29] No Brasil, de acordo com Vieira (2009, p. 163), o doutrinador  José Ildefonso Bizzato é um dos destacados partidários da possibilidade de abreviação da vida do paciente terminal. Para ele,

desde que se verifique que os recursos médicos não mais podem proporcionar a cura, e em manifestando o paciente desejo de abreviar a vida, deve-se admitir a prática da eutanásia, inexistindo razão para deixar que o doente morra sozinho. (BIZZATO apud VIEIRA, 2009, P. 164).

 

Também defensora da eutanásia, Rachel Sztajn se inclui entre aqueles que, discutindo a questão, conferem especial importância à autonomia individual,  que define como “um poder exercido com absoluta independência pelo sujeito”, acrescenta ainda   que, “o conjunto de regras que as pessoas escolhem para disciplinar seus interesses nas relações recíprocas, ou seja, o desenho de um autorregramento privado é que consiste no que se denomina autonomia privada”.( SZTJAN apud VIEIRA, 2009, p. 173). Afirma a doutrinadora que, para que a manifestação de vontade possa ser realmente considerada livre,

 

é necessário que o sujeito seja capaz, competente, com discernimento para tomar decisões que melhor concorram para a realização de seus interesses e que, do ponto de vista bioético, a autonomia importa reconhecimento de que nenhuma pessoa pode impor sua vontade sobre outra. (SZTAJN apud VIEIRA, 2009, p. 173).

 

Para a autora, a liberdade e a privacidade são fundamentais para o respeito da dignidade humana, porém, “a manifestação autônoma da pessoa , por dispor e regrar os próprios interesses, deve estar livre de influências, coação ou pressão externa para produzir os regulares efeitos previstos no ordenamento jurídico” (SZTAJN apud  VIEIRA, 2009, p. 173). Buscando corroborar seu próprio posicionamento, Sztajn afirma que o Estado apenas tem interesse em preservar a vida de modo geral, não uma vida em particular. Assim, “se a vida de determinada pessoa se torna muito difícil, impossível de suportar, chegando a degradação física, deve prevalecer o interesse individual, como forma de garantia da dignidade” (SZTAJN apud VIEIRA, 2009, p. 174). A seu ver, o direito á vida não pode prevalecer a qualquer custo. Quando o paciente se encontra em grande sofrimento, é o

 

direito de morrer com dignidade que se torna a salvaguarda dos direitos individuais, incluindo a maneira de ser lembrado após a morte, como pessoa competente, não como forma humana sem conteúdo intelectivo e emocional. (SZTAJN apud VIEIRA, p. 175).

 

 Aceitar a solicitação de eutanásia seria respeitar o princípio de autodeterminação do paciente sobre o seu corpo e sua vida. Seria, portanto, um aumento, ao invés de uma diminuição, do respeito pela vida humana. Nesta linha de raciocínio, é moralmente contraditório permitir ao paciente recusar tratamento que prolongue sua vida e, ao mesmo tempo, negar-lhe o direito de solicitar a eutanásia.  A eutanásia seria a solução para se lidar mais humanamente com o problema do sofrimento prolongado e sem sentido, pois constituiria uma atitude mais humana praticá-la do que forçar o paciente a continuar uma vida de sofrimento insuportável, contra sua vontade, para a qual não existe alívio ou terapia disponível. Sendo o indivíduo livre para escolher entre um comportamento e outro  como decorre do reconhecimento de sua dignidade e de sua liberdade:

 

há de ser absoluta enquanto sua ações não atingirem ou não ameaçarem concretamente direitos de terceiros. Esse é o conteúdo do princípio das liberdades iguais, que rege o modelo do Estado de direito democrático: o exercício da liberdade ou de quaisquer outros direitos do indivíduo há de ser sempre garantido até o ponto em que não for lesivo a iguais direitos dos demais. (VIEIRA, 2009, p. 174-175).

 

Rodrigo Siqueira Batista[30], professor Titular da Fundação Educacional Serra dos Órgãos - FESO,e médico do Hospital Universitário - UFRJ diz que:

 

 

                                         quando o assunto é dor, sofrimento e enfermidade, é impossível, do aspecto jurídico, sociológico e médico definir até que ponto o ser humano é capaz de aguentar tal situação física e mental, considerando o aspecto de uma existência digna. Tal definição se faz impossível ante a subjetividade do tema, somente aquele que é exposto a tal dificuldade e sofrimento pode avaliar o quanto tal situação é sofrível ou não.

 

 

Diante de todas essas consagradas considerações, torna-se necessário abordarmos outro assunto de relevante importância quanto ao tema eutanásia, qual seja, a autonomia. Mônica Silveira Vieira assevera que um dos principais argumentos apresentados pelos defensores da eutanásia é o de que a eutanásia “representa a consagração do respeito pela autonomia do paciente”. (VIEIRA, 2009, p. 201). Ramón Sampedro, por seu turno acredita que,

 

submeter-se ou não a ética profissional para sobreviver um pouco mais deve ficar a critério do seu livre-arbítrio. Só você deve saber se quer quantidade ou qualidade de vida, se deseja reabilitar-se ou começar de novo, indo para um outro estado e para um outro tempo, ou para nada, segundo suas crenças (SAMPEDRO, 2005, p. 253).

 

 

Ainda dentro do entendimento de Sampedro, a organização social é necessária e até justa, às vezes, mas “tirar da pessoa a propriedade de sua vida e de sua morte significa valorizá-la menos que a um animal. Se sua vontade já não mais existe, se é propriedade do Estado, da religião ou da lei, qual é o sentido ou razão de ser?” (SAMPEDRO, 2009, p. 254).  Quando a ciência modifica o tempo de vida, “se supõe que tem como finalidade prolongar o prazer, mas não a dor e o sofrimento”. Prolongar o sofrimento quando esse não é o desejo nem a vontade pessoal “é uma forma de totalitarismo imposta pelos profissionais por causa de um falso conceito de sua ética particular”. (SAMPEDRO, 2009, p. 256).  Assim sendo, a manifestação de vontade do paciente e a consideração da mesma se faz necessária para que a tutela dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais lhe seja conferida também em seus últimos momentos de vida. Nas palavras de Ramón Sampedro,

 

 

a eutanásia não é uma lei planejada a partir da consciência moral – ou amoral – de um Estado, mas é um direito e uma liberdade tutelada pela consciência pessoal e com a colaboração – se necessário for – de alguém que nos ame e respeite o suficiente para não contrapor suas crenças ou interesses aos nossos (SAMPEDRO, 2005, p. 189).

 

 

 A medicina evolui, a sociedade evolui e todos precisamos acompanhar tais evoluções. Se a prática da eutanásia se faz existente em nossa sociedade, “fechar os olhos” para tal acontecimento é negar a própria evolução. É necessário que em determinados casos, o cuidado seja dirigido ao paciente, e não a sua doença, tratar o paciente com dignidade e respeitar a sua autonomia e não apenas focar sua doença. A pessoa humana deve ser considerada em sua totalidade e não apenas pela doença que possui. Ao tentar compreender as razões por que uma pessoa deseja renunciar a sua vida, vemos que isso é o que lhe parece mais correto, conforme sua consciência ética. O justo, então, não é proibir porque assim a lei estabelece, mas modificar a lei que protege uma prática supersticiosa. Ramón Sampedro questiona em seu livro:

 

                                         que classe de humanidade racional é essa que compreende o direito daquele que reclama, mas não modifica a norma que o impede de exercer livremente esse direito? À justiça só caberia julgar se os códigos se ajustam a uma conduta ética, e não fazer que a conduta ética se ajuste aos códigos. (SAMPEDRO, 2005, p.186).

 

Podemos afirmar que a todos é assegurado o direito à vida, o que de fato é consagrado em nosso ordenamento jurídico, pois ele é o alicerce fundamental de qualquer prerrogativa jurídica da pessoa, razão pela qual o Estado protege a vida humana, desde a concepção até a morte. A vida deve ser preservada em toda e qualquer circunstância, sendo inconcebível sua eliminação quer pelo homem, quer pelo Estado. Apesar dessa afirmativa, em algumas circunstâncias, o próprio Estado permite que o cidadão, legitimamente, pratique condutas que venham a retirar a vida de outrem, como já visto anteriormente, pelo estado de necessidade ou pela legítima defesa. Sendo assim, o direito à vida não pode ser visto isoladamente dentro de nosso ordenamento jurídico, que possui diversos princípios norteadores, como o já tão discutido, da dignidade da pessoa humana, a proibição de tratamentos desumanos e degradantes, dentre outros. O que nos ensina Maria Lúcia Karam, é que,

 

o que efetivamente importa é a afirmação da relevância jurídico-penal do consentimento do titular do direito à vida e, consequentemente, a licitude de todos os comportamentos de qualquer terceiro que, de comum acordo com o indivíduo que quer morrer (seja porque não suporta mais os sofrimentos causados por uma doença incurável, ou, por qualquer outro motivo), contribui para seu suicídio, omite a ação que evitaria sua morte ou realiza a ação que a causa.(KARAM, 2009, p. 22).

 

O consentimento do titular do direito à vida torna lícitos todos estes comportamentos desde

 

o plano do aspecto objetivo da tipicidade penal, na medida em que, de acordo com o já mencionado princípio da exigência de ofensividade da conduta proibida, a proibição expressa na definição típica do crime não alcança as situações em que não haja uma ofensa relevante ao bem jurídico, ofensa que naturalmente pressupõe a existência de um conflito entre o titular do bem jurídico e aquele que o lesiona. (KARAM, 2009, p. 23).

 

A licitude do comportamento de alguém, que, a pedido daquele que quer morrer, vem diretamente do reconhecimento da dignidade, e, assim, da liberdade e autonomia daquele indivíduo que quer morrer, garantidas “pelas normas fundamentais inscritas nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas”. Trata-se, portanto, da afirmação de que,

 

                                          não depende de nenhuma mudança legislativa, pois naturalmente implica e decorre da imediata proclamação da invalidade (ou da ineficácia) de todas as leis penais que criminalizam o auxílio ao suicídio e o homicídio consentido (ou homicídio a pedido do “ofendido”), diante de sua manifesta contrariedade àquelas normas fundamentais. (KARAM, 2009, p. 23).

 

Na concepção da autora, tais leis penais que tratam do assunto, deveriam ser tidas como inválidas ou ineficazes, uma vez que não atendem às necessidades de nossa atual sociedade. Nem por isso, deve-se deixar de lado a necessidade, a importância e a urgência de se buscar uma solução para o assunto.  Karam ressalta que no que se refere

à eutanásia e a outros fenômenos igualmente submetidos a interdições de origem proibicionista[31], a revogação das leis penais inconstitucionais e a clara legalização são importantes também para trazer à luz práticas que se desenvolvem na clandestinidade, de modo a assim permitir sua regulação racional e evitar danos direta ou indiretamente provocados pela ilegalidade.(KARAM, 2009, p. 24).

 

O valor da vida é desrespeitado exatamente quando este valor se torna indisponível, ou seja, quando se pretende que o indivíduo seja obrigado a viver contra sua própria vontade, quando é tirado dele sua liberdade de decidir sobre sua própria vida e sua própria morte, e, assim, se transfere para o Estado a sua qualidade de titular do direito à vida de alguém (KARAM, 2009, p. 25). Por outro lado, segundo a autora,

 

                                     o temor de uma prática generalizada de homicídios contra doentes esconde, em primeiro lugar, o fato de que o sistema penal não é um instrumento apto a evitar qualquer conflito ou qualquer situação negativa ou desagradável. (KARAM, 2009, p. 25).

 

 E a realidade demonstra que a criminalização, de fato, não evita a prática da eutanásia. A falta de regulação e o ambiente de clandestinidade, em que se desenvolvem as “não evitadas práticas tornadas ilegais, provocam problemas mais graves do que aquele que se afirma pretender impedir.” (KARAM, 2009, p. 25), pois, sem regulamentação, as praticas ocorrem de qualquer maneira, sem preparo específico e sem assistência correta, causando, como em muitos outros aspectos polêmicos, consequências piores do que a morte. Uma discussão ampla sobre o tema, gerando a possibilidade de aceitar-se a eutanásia como causa supralegal de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, facilitaria

a busca de alternativas que possam conduzir a meios menos danosos, mais livres, mais justos, mais racionais e mais eficazes de regulação. Atividades humanas controvertidas, complexas, tidas como polêmicas, aceitas por uns e não por outros, causam menos danos quando se desenvolvem em um ambiente legal. (KARAM, 2009, p. 26).

 

Karam nos ensina que:

 

                                      descriminalizar uma conduta não importa necessariamente em falta de controle sobre tal conduta (e em matéria de eutanásia, basta pensar na regulação feita pelas leis que iniciaram a descriminalização, mesmo que ainda tímida). Descriminalizar significa apenas excluir uma dentre tantas formas de controle social, reconhecendo a dignidade daquele que clama por um direito que é seu. (KARAM, 2009, p. 26).

Diante de todo o exposto, no próximo e último tópico, serão feitas as considerações finais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS – DIREITO DE MORRER

 

O debate sobre a eutanásia é um doloroso debate sobre a vida e sobre a morte, mas é, mas do que isso, um debate necessário sobre a liberdade de viver e de morrer, um debate sobre a dignidade da pessoa, esta, como um ser único, individual e determinado em seus ideais e suas crenças pessoais. Propusemos a reflexão sobre esses temas, direitos fundamentais que são, com o intuito de abrir novamente o debate sobre o mais importante de todos os direitos, qual seja, o direito á vida, e assim, trazer ao contexto o debate sobre a eutanásia e a proibição de sua prática, ainda imposta pela quase totalidade dos ordenamentos jurídicos em todo o mundo. O reconhecimento da dignidade e da liberdade inerentes a cada indivíduo garante-lhe a autonomia de escolher sua própria moral e impede que ele seja coagido a uma transformação moral forçada ou a uma mudança de pensamentos, sentimentos, concepções e opiniões sobre o que quer que seja. Sem sombra de dúvida, o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos. Sem a vida, nenhum outro direito poderá ser exercido. Sem a garantia do direito à vida, o reconhecimento de qualquer outro direito seria inútil. Entretanto, isto não significa que a vida seja ou deva ser um bem jurídico indisponível. Dispor vale lembrar, significa aproveitar, empregar, utilizar, sendo assim, as pessoas dispõem constantemente de suas vidas. A ofensa aos direitos de terceiros é exatamente o que autoriza a intervenção estatal, pois, é dever do Estado evitar que as condutas de um indivíduo lesionem, bens jurídicos alheios, ou seja, quando interferem em suas vidas. Mas, quando um ser, individual e determinado é o único titular do bem jurídico, e esse é o caso da vida, sua possibilidade de disposição não pode sofrer qualquer limitação contra sua vontade. Quando a lei trata a vida como um bem indisponível, ilegalmente tira do indivíduo sua autonomia, pois a qualidade de titular de sua própria vida, seu bem jurídico, é transferida para o Estado e, esse mesmo indivíduo acaba sendo submetido à vontade e aos poderes estatais. Ninguém pode ser obrigado a exercer um direito, se existe a obrigação, este direito desaparece e se transforma em dever, certamente, viver não é, nem pode ser um dever. Nos dizeres de Dworkin, “o direito de uma pessoa a ser tratada com dignidade é o direito a que os outros reconheçam seus verdadeiros interesses”. O Estado não pode tomar o lugar do indivíduo em seus direitos, nem nas decisões que dizem respeito apenas a ele mesmo. A esse indivíduo deve ser garantida a liberdade de decidir, mesmo que sua decisão lhe cause uma perda ou um dano irreversível, como a eliminação de sua própria vida. Leis e quaisquer outros mecanismos que, sob o pretexto de tutelar ou proteger pessoas consideradas frágeis devido a sua condição física ou estado de saúde, apenas servem para inferiorizá-las, pois lhes tiram a capacidade de escolha, sua autodeterminação sobre aquilo que acreditam ser o melhor para si mesmos. Acusar da prática de um crime, e ameaçar com uma pena aquele que ajuda uma pessoa que deseja pôr fim a sua própria vida ou que, a seu pedido, não evita ou realiza a ação que causa a desejada morte, significa negar-lhe sua liberdade e tratá-lo como se fosse um objeto, submisso ao Estado que se acha na condição de saber o que seria melhor para essa pessoa. Cria, portanto, um obstáculo ao seu desejo de pôr fim à sua própria vida através da ameaça de punição a pessoa a quem ela pediu ajuda para realizar seu desejo e a quem não quer ver punido. É essa ilegítima intervenção do Estado sobre a liberdade individual, essa ilegítima subtração do direito do indivíduo à sua vida e à sua morte, que norteia o ponto principal a ser enfrentado no debate sobre a eutanásia. Nas palavras de Sampedro, “desejar a eutanásia não significa, necessariamente, estar desesperado, triste ou necessitado de carinho. É procurar a sensatez na razão humana. A razão humana é o que deve prevalecer”. A dúvida que surge, já não está mais em saber se a eutanásia, é ou não uma ação racional, se deve ou não ser um direito pessoal. A dúvida consiste em saber se alguém pode nos obrigar a viver de maneira irracional.

Compreendemos a partir do que foi aqui apresentado que a autonomia deve ser respeitada como um caminho para a liberdade moral do indivíduo, ligada diretamente à dignidade humana, exatamente como pensava Kant. Assim, acabar com a vida de uma pessoa que optou por não ser morta, constitui um desrespeito à sua autonomia, da mesma forma que mantê-la viva, quando for de sua escolha autônoma morrer. Obrigar alguém a persistir, contra sua vontade, em uma vida indigna e cheia de sofrimentos com base na “sacralidade da vida” ou no “paternalismo”, constitui um erro considerável. Legalizar a eutanásia ou, ao menos descriminalizar a sua prática, não punindo aqueles que a realizam e permitir que os pacientes decidam se a sua situação é ou não suportável estaria, talvez, muito mais de acordo com o respeito pela liberdade individual e pela autonomia do indivíduo. Como ensina Dworkin: “Levar alguém a “viver” de uma maneira que outros aprovam, mas que para ele representa uma terrível contradição de sua própria vida é uma devastadora e odiosa forma de tirania”. Portanto, como tivemos a oportunidade de ver, “morte”, às vezes pode significar “viver”; e “vida”, às vezes, pode significar algo semelhante a “morrer”. Encerramos este trabalho com uma reflexão de  Sampedro para que possamos analisar, agora com outros olhos, o que é Justiça?

“É possível eximir-se da responsabilidade dizendo que este é um assunto a ser resolvido pelo legislador, e, enquanto a lei nos favorecer, o mais cômodo é cumprir com o dever?” (SAMPEDRO, 2005, p.191).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

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disponível em: Ética e eutanásia – Oliveira HB - J Vasc Br 2003, Vol. 2, Nº3 –  acesso em: 25.04.2011

 

disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/1863/eutanasia/2 - acesso em:  25.04.2011

 



[1] GONDIM, José Roberto – Breve Histórico da Eutanásia: disponível em:  http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanasi.htm - acesso em: 15.01.2009.

 

[3]PESSINI cita um trecho da carta de Sêneca: "O sábio se separará da vida por motivos bem fundados: para salvar a pátria ou os amigos, porém, igualmente quando está agoniado por dores demasiado cruéis, em casos de mutilações ou de uma enfermidade incurável [...] não se dará a morte, caso se trate de uma enfermidade que pode ser curada e não danifica a alma; não se matará por causa das dores, mas quando a dor impede tudo aquilo pelo que se vive, prefiro matar-me a ver como se perdem as forças estando morto em vida”.

[4] Revista Época/Junho de 2012/Edição 736 de 23.06.2012 – 00h20 – edição digital - http://revistaepoca.globo.com/vida/noticia/2012/06/eles-querem-decidir-como-morrer.html

[7] GONDIM, José Roberto – Eutanásia – disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanasi.htm - 15.01.2009

[8] GONDIM, José Roberto – Eutanásia – disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanasi.htm - 15.01.2009

 

[9] O Hinduísmo não foi abordado por não estar presente em nenhum dos livros doutrinários utilizados para a elaboração deste trabalho.

[10] Buddha vem da raiz Buddh, que significa despertar, conhecer, ir às profundezas.

[11] Sobre a iluminação de Buda, afirma-se que, durante sete dias e sete noites, Buda ficou sentado debaixo de uma arvore (arvore da iluminação). Ganhou dessa forma, a compreensão de uma realidade absoluta, acima do tempo e do espaço, chamada nirvana. Tendo dominado seu desejo de viver, Buda não mais produziu carma, não estando mais sujeito à lei do renascimento.

[12] Maomé era filho de Meca. Sua família era uma das principais da cidade. Como ficou órfão ainda criança, um tio levou Maomé a trabalhar como condutor de camelos para Khadidja, rica viúva de um mercador. Embora 15 anos mais velha, tornou-se esposa de Maomé. Khadidja foi a primeira seguidora de Maomé quando ele lhe falava das revelações que tinha. FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima.  Direito de morrer. Eutanásia, Suicídio Assistido – 2ª edição. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

[13]Sagrada Congregação para a doutrina da Fé. Declaração sobre a eutanásia, 5.5.1980, em SEDOC XIII, col. 171.

[19]  disponível em: Ética e eutanásia – Oliveira HB - J Vasc Br 2003, Vol. 2, Nº3 – 25.04.2011

 

[20] Pesquisa realizada em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/1863/eutanasia/2 - 25.04.2011

[21] A eutanásia no direito brasileiro – Isaac Peixoto Costa Rosa – disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/a-eutanasia-no-direito-brasileiro/1783/ - 10.10.2010

[22]TONETTO, Fernanda Figueira. A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de esclusão da culpabilidade – disponível em:  http://jus.com.br/revista/texto/3163/a-inexigibilidade-de-conduta-diversa-como-causa-supralegal-de-exclusao-da-culpabilidade

[23]O Direito Alternativo surgiu na Alemanha, sendo a Escola do Direito Livre, que foi iniciada por Hermann Kantorowicz (com o pseudônimo de Gnaeus Flavius) através da publicação, em 1906 da ousada A Luta pela Ciência do Direito. O Direito Alternativo não é uma teoria que explica o Direito, mas sim uma corrente que sugere que alei é apenas uma fonte do Direito e que o Direito pode estar fora ou até mesmo acima da lei. Segundo esta corrente o juiz deve ter uma função social, deve ser um exegeta que interprete a lei na concepção da justiça. Segundo o Juiz de Direito da Comarca de Tubarão, Dr. Lédio Rosa de Andrade, o episódio responsável pelo surgimento do movimento do Direito Alternativo no Brasil, ocorreu no dia 25 de outubro de 1990, quando um importante veículo da imprensa escrita, o Jornal da Tarde, de São Paulo, veiculou um artigo redigido pelo jornalista Luiz Makouf, com a manchete JUÍZES GAÚCHOS COLOCAM DIREITO ACIMA DA LEI. A reportagem buscava desmoralizar o grupo de estudos e, em especial, o magistrado Amílton Bueno de Carvalho. Ao contrário do desejado, acabou dando início ao movimento no mês de outubro de 1990, sendo o I Encontro Internacional de Direito Alternativo, realizado na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, nos dias 04 a 07 de setembro de 1991 e o livro Lições de Direito Alternativo 1, editora Acadêmica, os dois marcos históricos iniciais.

[25]COSTA, Flávio Ribeiro de. A questão jurídica da eutanásia como causa supralegal de exclusão da culpabilidade – disponível em: http://br.vlex.com/source/revista-juridica-eletronica-unicoc-4669 - 20.02.2012.

 

[26] COSTA, Flávio Ribeiro de. A questão jurídica da eutanásia como causa supralegal de exclusão da culpabilidade – disponível em: http://br.vlex.com/source/revista-juridica-eletronica-unicoc-4669 - 20.02.2012.

 

[27]O Testamento Vital, também denominado Documento de Vontades Antecipadas, é um instrumento jurídico no qual os indivíduos capazes para tal, em sã consciência, expressem sua vontade acerca das atenções médicas que deseja receber, ou não, no caso de padecer de uma enfermidade irreversível ou terminal que lhe haja conduzido a um estado em que seja impossível expressar-se por si mesmo. Nos Estados Unidos estes documentos gozam de estatuto legal e concedem imunidade civil e criminal aos profissionais de saúde que respeitam o testamento de vida. Tal documento tem grande utilidade para preservar a autonomia e a dignidade da pessoa, bem como respeita os princípios bioéticos da beneficência e da Justiça. No Brasil, o conceito para o Living Will, ou testamento vital ou biológico, foi introduzido pela Profª Roxana Cardoso Brasileiro Borges, da universidade federal da Bahia. DIAS, Roberto. O direito fundamental à morte digna: uma visão constitucional da eutanásia. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p, 194.

 

[28] LAPOUGE, Gilles. A morte em debate. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-morte-em-debate-,853802,0.htm – 27.03.2012.

[30] BATISTA, Rodrigo Siqueira. Eutanásia e Compaixão – disponível em: http://www.inca.gov.br/rbc/n_50/v04/pdf/secao4.pdf - 15.05.2010.

[31] O proibicionismo pode ser entendido como um posicionamento ideológico, de fundo moral, que se traduz em ações políticas voltadas para a regulação de fenômenos, comportamentos ou produtos vistos como negativos, através de proibições estabelecidas notadamente com a intervenção do sistema penal, sem deixar espaço para as escolhas individuais, para o âmbito de liberdade de cada um, ainda quando os comportamentos regulados não impliquem em um dano ou em um perigo concreto de dano para terceiros.

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