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Resumo:
Na prática, o que tem acontecido é que muitas demissões são unicamente motivadas pelo preconceito em relação ao portador do HIV. Diante disto, não resta outra senão a posição que os tribunais vêm tomando, reintegrar o trabalhador ao antigo emprego.
Texto enviado ao JurisWay em 14/11/2012.
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Orientador: Pedro Zilli Neto[1]
Coautora: Rosiane da Rosa Bianco[2]
INTRODUÇÃO
Partindo do princípio de que o Estado brasileiro repudia qualquer ato de discriminação, com base na atual constituição federal, a dispensa do empregado portador do HIV motivada pela discriminação é um tema que merece atenção. Por isso, é alvo da presente pesquisa, que pretende discutir de modo breve qual deve ser a consequência de tal dispensa, ao passo que ela se caracteriza um atentado à carta fundamental.
Como se verá, o simples fato de portar o HIV não torna o empregado incapaz de realizar suas atividades laborais. Logo, não havendo causa que justifique a demissão, fica caracterizada a discriminação na conduta, que mascaradamente carrega consigo um preconceito concernente à própria capacidade do trabalhador.
Objetivando evidenciar a repugnância que deve ter tal conduta do empregador, a presente pesquisa ganha contornos constitucionais ao trazer à baila o aclamado princípio da dignidade da pessoa, faltamente ferido no caso em tela.
No entanto, antes de partirmos para a propriamente dita discussão aqui proposta, perante a complexidade teórica que envolve o tema em tela, mister se faz a prévia abordagem de alguns conceitos presentes na rotina trabalhista. De modo mais preciso, em verdade, necessita-se de conceitos até básicos, como o do próprio contrato de trabalho e suas ramificações, porém estes são imprescindíveis para uma fática compreensão da demasiada gravidade inerente à realidade assustadora e discriminatória aqui contraditada.
1 DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
1.1 Contrato de trabalho
Entender-se-á como contrato de trabalho o acordo tácito ou expresso decorrente de uma relação de emprego (ou seja, envolvendo um empregado e um empregador), conforme dispõe o artigo 442 do Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, popularmente conhecido como a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
Em regra, trata-se de um pacto de adesão, no qual o empregado adere às cláusulas sem discussão. Todavia, tem-se como características: o ajuste de duração, a exigência de continuidade, as prestações sucessivas, a onerosidade, a pessoalidade (do empregado, pois é estabelecido em função de certa e específica pessoa), o trabalho por conta alheia e, por fim, as obrigações contrárias e equivalentes.
Aponta Martins (2009, p. 80) que
contrato de trabalho é o negócio jurídico entre uma pessoa física (empregado) e uma pessoa física ou jurídica (empregador) sobre condições de trabalho. No conceito é indicado o gênero próximo, que é o negócio jurídico, como espécie de ato jurídico. A relação se forma entre empregado e empregador. O que se discute são condições de trabalho a serem aplicadas à relação entre empregado e empregador. [...] Deve haver continuidade na prestação de serviços.
Portanto, assim como é regra com o negócio jurídico comum, em tese, o contrato de trabalho não deve ser rescindido desmotivadamente. Algo como o Pacta sunt servanda[3].
Ainda, importante notar que o artigo 444 da CLT aponta a impossibilidade de o contrato de trabalho contrariar a Lei, disposições contidas em convenções coletivas e decisões das autoridades competentes.
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Quanto ao prazo de duração, os contratos de trabalho podem ser determinados ou indeterminados. Denominam-se determinados os contratos cuja data de término já está previamente definida desde o momento da contratação. Os requisitos para sua validade são encontrados na CLT, art. 443, § 2º, alíneas a, b, c. São usados quando necessários, porém não é a regra. O contrato por prazo indeterminado é a regra, é aquele com limite indefinido para seu término, irá durar enquanto patrão e empregado julgarem conveniente.
1.2 Princípio da continuidade da relação trabalhista
O ramo do direito chamado Direito do Trabalho possui, dentre outros, o principio norteador chamado Princípio da continuidade da relação trabalhista de emprego. Sob a análise deste, presume-se que o empregado sempre deseja continuar trabalhando, e em caso de demissão imotivada o empregador paga uma multa.
Conforme Martins (2009, p. 63),
presume-se que o contrato de trabalho terá validade por tempo indeterminado, ou seja, haverá a continuidade da relação de emprego. A exceção à regra são os contratos por prazo determinado, inclusive o contrato de trabalho temporário. A ideia geral é a de que se deve preservar o contrato de trabalho do trabalhador com a empresa, proibindo-se, por exemplo, uma sucessão de contratos de trabalho por prazo determinado.
A aplicabilidade deste princípio se estende a todos os trabalhadores, não comportando exceções (senão os casos apontados por Martins acima, isto é, a aplicação deste princípio é preponderante nos contratos por prazo indeterminado). Entretanto, na prática diária dos empregadores, no “chão de fábrica”, o principio da continuidade da relação de emprego não vem sendo observado em alguns casos, mesmo nos contratos por prazo indeterminado. Existem situações em que trabalhadores pertencentes a grupos considerados vulneráveis são demitidos sem que se possa evidenciar outra causa senão o preconceito, a discriminação. Dentre estes se encontra o empregado cuja situação merece uma análise cuidadosa, e que será tema principal neste artigo, o portador de HIV.
1.3 Diferença entre HIV e AIDS
Em verdade, há uma diferença fundamental entre o portador de HIV e o portador da SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida). Ruth de Gouvêa Duarte, citada por Regiane Margonar (2006, p. ), discorre sobre a AIDS:
em inglês, a sigla AIDS é formada pelas iniciais da expressão Acquired Immuno Deficiency Syndrome, que, traduzido para o português, é Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). No Brasil, porém, é corrente o uso da sigla AIDS. A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou a comumente chamada AIDS é, portanto, desencadeada pela presença do vírus no organismo. Pode-se afirmar, desta maneira, que o doente de AIDS, necessariamente, é portador do vírus HIV. A recíproca, no entanto, não é verdadeira. O portador do vírus da imunodeficiência pode deixar de desenvolver a doença, quando então se assevera que o “indivíduo pode ser portador do vírus HIV, sem, contudo, estar sofrendo de AIDS”. (grifo nosso)
Tal distinção ganha importância ao passo que tratamos nesta pesquisa do portador de HIV, não se entendendo então extensivamente àquele que sofre de AIDS.
1.4 Princípio da dignidade da pessoa humana
Previsto no ordenamento jurídico brasileiro no inciso III do artigo primeiro de nossa carta magna como fundamento da República Federativa do Brasil, tal princípio vem ganhando força desde as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, e, com fulcro no constitucionalista José Afonso da Silva (2003, p. 105), estabelece-se que a
dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. "Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais (observam Gomes Canotilho e Vital Moreira), o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construtir "teoria do núcleo da personalidade" individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana". Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.
2 DEMISSÃO DISCRIMINATÓRIA DO PORTADOR DO HIV
O Brasil possui legislação específica protegendo o empregado que já adquiriu a doença, ou seja, aquele que =sofre de AIDS. A Lei federal nº 7.670, de 8 de setembro de 1988, em seu artigo primeiro, esclarece a situação daquele que se encontra nestas condições:
“Art. 1º A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS fica considerada, para os efeitos legais, causa que justifica: e) auxílio-doença ou aposentadoria, independentemente do período de carência, para o segurado que, após filiação à Previdência Social, vier a manifestá-la, bem como a pensão por morte aos seus dependentes;”
Pode-se perceber que a aplicação desta Lei não se estende ao tão somente portador do vírus, aquele que ainda não desenvolveu a doença. Este precisa continuar trabalhando, garantir muitas vezes o sustento próprio e de sua família. Isto se justifica pelo simples fato de que possuir o vírus HIV não impossibilita o trabalho nem mesmo as atividades do cotidiano, portanto o portador tem plenas capacidades de dar continuidade ao emprego que possui.
Destarte, ao demitir o empregado soropositivo única e exclusivamente por sua sorologia, o empregador está violando direitos garantidos constitucionalmente não só a todos os trabalhadores como a todos os indivíduos, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana e ainda praticando ato discriminatório.
A Lei Nº 9.029, de 13 de abril de 1995, faz menção a discriminação entre empregado e empregador:
Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade [...].
Mesmo não especificando como amparado o portador de HIV, por interpretação extensiva esta norma tem sido usada pelos Juízes para determinar a reintegração do empregado demitido por discriminação.Tais decisões têm sido mantidas pelos tribunais, afinal nossa constituição proíbe e abomina qualquer tipo de discriminação. Neste sentido:
RECURSO DE EMBARGOS. EMPREGADO PORTADOR DO HIV. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. REINTEGRAÇÃO. INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA. A jurisprudência desta Corte Superior entende por presumidamente discriminatória a despedida do empregado sempre que o empregador tem ciência de que o trabalhador é portador do HIV, e não comprova que o ato foi motivado por outra causa. Aplicação e interpretação dos arts. 3º, inciso IV, 5º, inciso XLI, e 7º, inciso I, da Constituição Federal, da Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, dos arts. 1º e 4º da Lei nº 9.029/95 e arts. 8º e 9º da Consolidação das Leis do Trabalho. Embargos não conhecidos. (Processo: E-ED-RR - 2438/2001-069-09-00.3 Data de Julgamento: 06/11/2008, Relator Ministro: Vantuil Abdala, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ 14/11/2008).
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência tem considerado que, se o empregador tiver conhecimento da condição de soropositivo do empregado, não pode demiti-lo, pois tal fato pode gerar a presunção de arbitrariedade da demissão. Sabe-se que o empregador tem o poder potestativo quanto à dispensa de seus empregados, porém tal poder encontra-se limitado, uma vez que deve ser observado o principio da dignidade humana, e enquanto o portador de HIV não for afastado pelo INSS não poderá ter seus contratos rescindidos, a não ser em razão da pratica de falta grave devidamente comprovada.
Conforme decisões dos tribunais, o empregador não pode praticar qualquer ato que cause lesão a moral, a honra ou a dignidade do trabalhador portador do HIV e que mesmo existindo salvaguarda ao soropositivo, o mesmo está devidamente amparado por nossa constituição federal por meio do principio da dignidade humana que repudia qualquer forma de discriminação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto conclui-se que a dispensa arbitrária e discriminatória do empregado portador do HIV gera direito à reintegração em face dos princípios constitucionais que proíbem as praticas discriminatórias.
Uma leitura descuidada pode gerar a impressão de que o portador do HIV tem uma superproteção em relação ao seu contrato de trabalho, o que é incorreto, esta superproteção não existe[4], o que existe é a garantia de que o empregado, mesmo que exerça com perfeição e habilidade suas funções, não seja demitido somente pelo fato de ser portador do HIV. O Tribunal Superior do Trabalho aponta seu entendimento neste sentido:
Comprovado nos autos que o Autor foi dispensado em razão do enxugamento de pessoal na empresa, pois reduzido drasticamente o número de funcionários do setor em que trabalhava. Igualmente demonstrada a ausência de qualquer conduta discriminatória contra o Reclamante, no curso do contrato de trabalho e no momento da dispensa. Ausente qualquer violação constitucional ou legal. Arestos inespecíficos (Súmula 296 do TST). Recurso de Revista não conhecido. (TST, RR - 21881/2002-651-09-00, 2ª Turma, Rel. Min. JOSÉ SIMPLICIANO FONTES DE F. FERNANDES, julgado em 20/09/2006, DJ 29/09/2006) - A presença do vírus no organismo do empregado, portanto, não o torna imune a uma possível dispensa. O portador da moléstia pode ter seu contrato de trabalho resilido desde que aquela (moléstia) não tenha sido a motivação para a escolha e atitude do empregador.
Portanto, o ponto crucial de toda a discussão é o motivo da demissão. Sabemos que, em regra, quando a demissão é desmotivada, sem justa causa, a consequência é tão somente o pagamento das verbas rescisórias por parte do empregador. No entanto, este caso é faticamente uma exceção. Em verdade, no caso do portador do HIV a demissão é mascarada. Apesar de “no papel” ser desmotivada, sem justa causa, na realidade é oriunda de um ato absurdamente discriminatório do empregador, conduta repudiada pelo Estado brasileiro.
Sendo assim, restando esta conduta discriminatória comprovada (por qualquer meio de prova, como a própria presunção no caso de dispensa sem nenhum motivo), o empregado deve ser reintegrado ao trabalho.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil - 1988. Diário oficial [da] republica federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988.
______. Lei nº 7.670, de 8 de setembro de 1988. Diário oficial [da] republica federativa do Brasil, Brasília, DF.
______. Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995. Diário oficial [da] republica federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 abr. 1995.
HISTORIA da Aids. Disponível em:
MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo, SP: LTr, 2006.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
[1]Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho no Centro Universitário Barriga Verde, Orleans/SC; Advogado trabalhista.
[3]Pacta sunt servanda é um brocardo latino que significa "os pactos devem ser respeitados", ou mesmo "os acordos devem ser cumpridos". É um princípio base do Direito Civil e do Direito Internacional.
[4] Ao declararmos a não existência de superproteção, restringimos ao caso específico. Pois, entendemos sim que em muitos casos o princípio da proteção é aplicado excessivamente. Vide artigo científico “O Acidente de Trabalho e a Responsabilidade do Empregado” publicado no Portal eletrônico Conteúdo Jurídico, no qual já tratamos do tema Princípio da Proteção e sua aplicação excessiva: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.38227
Comentários e Opiniões
1) Francisco (06/11/2017 às 18:18:05) Sou soropositivo E estou de aviso no trabalho mas a empresa não sabe q tenho HIV imunidade baixa tbem hj assinei o aviso será q a empresa pode me demitir sem ela saber q tenho HIV imunidade baixa? | |
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