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Resumo:
Este artigo descreve aspectos doutrinários e legislativos da responsabilidade penal da pessoa jurídica de acordo com a Lei n° 9.605/98. Conclui pela pronta aplicação das sanções estabelecidas como meio de impedir a prática lesiva ao meio ambiente.
Texto enviado ao JurisWay em 16/10/2008.
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Palavras-chaves: Direito Ambiental - Responsabilidade – Penal – Pessoa Jurídica.
Sumário: 1. Introdução. 2. O meio ambiental como objeto de proteção legal. 3. Os princípios de Direito Ambiental no Direito Brasileiro. 3.1 Princípio do Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 3.2 Princípio da natureza pública da proteção ambiental. 3.3 Princípio do controle do poluidor pelo poder Público. 3.4 Princípio da consideração variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento. 3.5 Princípio da participação comunitária. 3.6 Princípio do poluidor pagador. 3.7 Princípio da prevenção. 3.8 Princípio da função sócio-ambiental da propriedade. 3.9 Princípio do direito ao desenvolvimento sustentável. 3.10 Princípio da cooperação entre os povos. 4. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 5. Responsabilidade penal ambiental e as sanções para a pessoa jurídica. 6. Considerações Finais. 7 Referências Bibliográficas.
1. Introdução
Em nossa infância tivemos contato com a então ainda pouco explorada região sul do Maranhão e do Pará. Um tempo em que se ouvia as histórias de caçadas de veados, pacas e jacarés, onde se falava de encontro com as onças, com os gatos maracajás e da algazarra dos macacos.
Tempo em que se mediam cobras em metros, onde ainda havia o medo dos catitus e sempre se achava as tocas dos tatus. Tempo em que se descia o rio Tocantins em pequenas canoas, caniços nas mãos a pescar piaus, sardinhas, voadores, mandis, barbados, dourados, corvinas e outros peixes.
Tempo em que os mais velhos usavam as matas com seus cheiros, folhas e cascas - canela, pinhão roxo, imburana, malva - e nós, os mais novos, nos aventurávamos em busca dos buritis, cajás, cajus, macaúbas, muricis, pitombas e tamarindos.
Ainda na infância também assistimos ao desmatamento destas mesmas regiões, impulsionado principalmente pela busca do ouro e da madeira, período no qual a cidade de Imperatriz-MA encontrava-se cheia de madeireiras e serrarias por todos os lados, dividindo conosco o espaço que se tinha.
Hoje, não se contam mais as mesmas histórias, não se acham os mesmos peixes e, explorada toda a madeira, as serrarias e madeireiras em sua maioria já se mudaram para outros lugares mais ao norte do Brasil, aonde ainda há troncos de Ipê, Mogno, Massaranduba, Jatobá e Peroba para alimentar os dentes das lâminas de serra.
Embora infantil, hoje percebo, a lembrança denota a ganância daqueles que, em busca do lucro, ultrapassam os limites do possível ou do juridicamente aceitável escondendo-se atrás de pessoas jurídicas para perpetrar crimes contra o meio ambiente e, por conseqüência, contra o próprio ser humano.
Os fatos ainda se repetem, no entanto o Direito Ambiental brasileiro não aceita a mesma desculpa e estabelece a punição, também criminal, das empresas que agridem o meio ambiente.
Este trabalho é sobre a importância da proteção ao meio ambiente, através da uma perfunctória análise da Constituição Federal e, a partir da Lei 9.605/98, estabelecer os critérios de responsabilidade penal da pessoa jurídica face aos crimes ambientais por estas praticados e as penas aplicáveis nestes casos.
Informamos não ser nossa pretensão esgotar a matéria, mas tão somente lançar olhares sobre o tema, trazendo à baila a questão como elemento de discussão e aprofundamento.
2. O Meio Ambiente como objeto de proteção legal.
Desde priscas eras o homem busca atender as suas necessidades. Primeiramente estas se resumiam a manter-se vivo face às intempéries da vida e a permitir-se a perpetuação da espécie.
Com o surgimento da sociedade e, posteriormente, do Estado surgem necessidades mais específicas, mormente voltadas à preservação do indivíduo ante a sociedade e face o próprio Estado.
Assim, o ser humano começa a criar um sistema de direitos e garantias próprias visando a sua proteção, sendo vários os marcos históricos que poderiam ser elencados, tais como a Magna Carta de João Sem Terra, o bill of rights, os documentos de Virgínia, a Constituição dos Estados Unidos da América, os documentos da Revolução Francesa, a constituição francesa de 1891 e
Os Direitos humanos são frutos das lutas contínuas de homens e mulheres por liberdade, igualdade e fraternidade, são conquistas obtidas nas mais adversas circunstâncias, enfrentados graves obstáculos políticos, sociais e culturais no curso da história.
Assim como as necessidades foram ampliadas, igualmente foi ampliado o leque destes Direitos Fundamentais, surgindo gerações de Direitos Humanos que se sucedem e se complementam.
Em um primeiro momento surgem os Direitos da Liberdade: liberdade religiosa, política, liberdades civis clássicas como o direito a vida, à segurança e etc. Esta primeira geração encerra os postulados protetivos dos cidadãos em face da atuação do Estado, limitando o poder do governante a fim de que este respeite as liberdades individuais da pessoa humana.
Inclui os direitos civis e políticos: Os direitos à vida, a liberdade, à propriedade, à segurança pública, a proibição da escravidão, a proibição à tortura, a igualdade perante a lei, a proibição da prisão arbitrária, o direito a um julgamento justo, direito a hábeas corpus, o direito a privacidade, o direito à religião e a expressão de pensamento, a liberdade de ir e vir, o direito a asilo político e a nacionalidade, a liberdade de imprensa e de informação, a liberdade de associação e de participação política, à soberania e regras básicas da democracia;
Garantidas as liberdades e limitada a ação estatal, percebe o ser humano a necessidade de que o Estado atue em benefício da sociedade e, assim, surge a segunda geração de Direitos Humanos.
São os direitos da Igualdade: proteção do trabalho contra o desemprego; direito de instrução contra o analfabetismo; assistência para a invalidez e a velhice, direito à saúde, ao lazer e à cultura. Tal geração significa uma exigência ao Poder Público no sentido de este atue em favor do cidadão e não mais para deixar de fazer alguma coisa.
Esta necessidade de prestação do Estado corresponderia aos direitos sociais dos cidadãos, não mais considerados individualmente, mas sim de caráter econômico e social, com o fito de garantir à sociedade melhores condições de vida.
Guarda estreita relação com as condições de trabalho da população que se viu, após o capitalismo, necessitada de uma regulamentação e garantias para as novas relações de trabalho.
Ainda inclui os direitos econômicos, sociais e culturais: o direito à seguridade social, o direito ao trabalho e a segurança no trabalho, ao seguro desemprego, salário condigno, a vedação a discriminação salarial, o direito ao lazer e ao descanso remunerado, o direito ao bem estar social, proteção a maternidade e a infância, o direito a educação pública gratuita e universal, o direito e participação na vida cultural e de se beneficiar do progresso científico e artístico.
Por sua vez, a terceira geração de direitos humanos é composta pelos direitos da fraternidade, terceiro elemento da revolução francesa correspondendo a evolução dos direitos individuais para alcançar uma sociedade modernamente organizada, onde a densa urbanização e a industrialização exigiam novas proteções.
A esse respeito é interessante o que leciona o professor Nicolao Dino de Castro e Costa Neto[1], vejamos:
“A matriz individualista que caracterizou os chamados direitos de primeira e segunda dimensão não mais se evidenciou suficiente para atender eficazmente as exigências decorrentes da complexidade das relações sociais, notadamente a partir da década de sessenta. Surge então, uma nova perspectiva de direitos de solidariedade, não mais centrados na concepção do homem-indivíduo, mas na idéia do homem-ser-fraterno”.
Nesta geração podemos incluir os direitos relacionados a grupos mais vulneráveis, o direito de ter uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na declaração dos direitos humanos sejam plenamente realizados. Nela se incluem, entre outros, o direito a paz, ao desenvolvimento e ao meio ambiente.
É nesta geração que o ser humano efetivamente se desvincula de si mesmo para preocupar-se com o grupamento humano, com a sociedade como um todo, com a humanidade.
Nela o homem se preocupa com o seu habitat, com o que o cerca, com o que está além da sua ação, mas que é efetivamente atingido por esta, reclamando pela criação de normas que protejam o meio ambiente.
O já citado professor Nicolao Dino de Castro e Costa Neto[2] ensina que:
“Quando o homem finalmente se apercebeu de que sua capacidade de ‘transformar’ a natureza poderia implicar graves perturbações no equilíbrio ecológico e, até mesmo, a deteriorização irremediável do seu próprio habitat, iniciou a disseminação da idéia de que o ambiente, mercê de sua importância, estava a merecer atenção específica do Direito. A generalização mundial dessa convicção, na avaliação de Cláudia Maria Cruz Santos, José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias e Maria Alexandra de Sousa Aragão, ‘está na base da emergência recente do ambiente como bem digno de proteção ou tutela jurídica, o mesmo é dizer, na base de sua transmutação de mero interesse socialmente relevante em autêntico bem jurídico’”.
Alçado o meio ambiente a esfera de bem jurídico a ser tutelado, há de se dizer que este encontra guarida no âmbito dos Direito Fundamentais por estar intimamente vinculado à dignidade humana, bem como ao próprio direito à vida.
Desta forma, proteger o meio ambiente é garantir a existência, não pura e simples existência – estar vivo, mas existência com dignidade, com recursos inerentes a essa dignidade tais como alimentação, saúde e lazer, isto é viver plenamente.
Entendemos ser extensivo este direito à vida não só ao ser humano vivente hoje, mas também àqueles que virão a existir, sendo nossa responsabilidade e obrigação garantir a eles condições melhores do que aquelas que recebemos dos nossos antecessores ou, pelo menos, não piores que elas.
E indo um pouco além, penso que já que fomos responsáveis por brutais mudanças na natureza, quiçá indeléveis, somos igualmente responsáveis por aqueles que dela dependem e que conosco partilham deste planeta. Existem conosco e não existiremos sem eles. É, portanto, necessário, proteger e tutelar o meio ambiente.
3. Os princípios de Direito Ambiental no Direito Brasileiro.
Como bem jurídico, o meio ambiente encontra no Direito Ambiental sua tutela e proteção realizados através de um conjunto de normas coercitivas, norteadores da ação jurisdicional.
Esta ação visa controlar as atividades relacionadas ao meio ambiente, buscando a preservação ambiental e punindo aqueles que venham a desrespeitar tais normas.
Como em qualquer ramo do Direito as normas se originam em um conjunto de princípios que orientam o Direito Ambiental, tais como:
3.1 Princípio do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
Incube ao Estado e também à sociedade manter o delicado equilíbrio ecológico, como elemento fundamental à qualidade de vida, o que foi consagrado no Brasil
“Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
3.2 Princípio da natureza pública da proteção ambiental
O Direito Ambiental é estendido a todos, constituindo-se em direito difuso, de interesse publico. O parágrafo 1° do Artigo 225 anteriormente citado prescreve que o Estado, visando à proteção coletiva, agirá através de seus institutos, visando alcançar o objetivo de levar qualidade de vida a todos.
3.3 Princípio do controle do poluidor pelo Poder Público
Com base no mesmíssimo artigo 225 da Constituição Federal, cabe ao Estado o dever de fiscalizar e orientar os particulares quanto à utilização coerente do meio ambiente. A ação primordial deve ser educativa com o intuito de conscientizar sobre a importância de observar sempre o bem e o interesse coletivo, nunca o individual.
3.4 Princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento
Na tomada de decisões, sejam particulares, sejam públicas, há de se observar os possíveis impactos ambientais decorrentes, respeitando-se, assim, o contido no inciso V, do parágrafo 1°, do artigo 225 da Constituição Federal.
A observância deste princípio é meio eficaz para impedir ou minimizar lesão ao meio ambiente, permitindo que as ações estatais e também particulares estejam em consonância com o desenvolvimento ecologicamente sustentado.
3.5 Princípio da participação comunitária.
Com base no caput do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira, este princípio busca fortalecer a cooperação entre Estado e sociedade, a fim de que a partir da discussão conjunta possam ser instituídas políticas ambientais.
E o sucesso nos resultados alcançados indica que a participação da sociedade tem sido fundamental para definir e corrigir tais políticas.
3.6 Princípio do poluidor pagador.
Por este principio fica estabelecido que os agentes econômicos devem contabilizar o custo social da poluição por eles gerada, assumindo com os ônus decorrentes esta poluição.
É fato que o processo produtivo traz em si elementos prejudiciais ao meio ambiente, devendo o poluidor ter consciência do fato que aufere lucro deixando para a coletividade prejuízos ambientais que deve reparar.
Trata-se de punição ao poluidor e não uma licença para poluir, a bem da verdade diga-se tratar-se também de meio de conscientização acerca da necessidade de preservação do meio ambiente, inclusive no processo de produção e desenvolvimento.
3.7 Princípio da prevenção.
Em se tratando de Meio Ambiental e de danos de difícil reparação, toda a ação deve estar voltada para medidas que evitem o surgimento de atentados ao ambiente, impeçam, reduzam ou eliminem as causas capazes de alterar a sua qualidade.
Em outras palavras, agir antes para evitar o prejuízo ambiental reduzindo-se ao máximo a possibilidade de ocorrência de qualquer lesão ao meio ambiente como meio de proteção a sociedade atual e futura.
3.8 Princípio da função sócio-ambiental da propriedade.
A propriedade deve cumprir não só com a sua função social, mas também com a sua função ambiental, servindo de meio para a preservação da flora, fauna, belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitar a poluição do ar e das águas.
Cabe ao Estado realizar a competente fiscalização e, em caso de descumprimento a este princípio, utilizar de medidas eficazes para a imediata aplicação da função ambiental coma conseqüente proteção do meio ambiente.
3.9 Princípio do direito ao desenvolvimento sustentável.
De certa forma sustentabilidade quer dizer usufruir sem causar danos, isto é protegendo, resguardando. O princípio revelar estar assegurado o direito de corretamente usufruir do meio ambiente e, par-e-passo, o dever de o preservar.
Trata-se de reação à ação humana que durante séculos vem explorando o meio ambiente sem se preocupar com sua conservação ou com o impacto de suas ações no mundo atual e futuro.
Aliás, as conseqüências destes atos hoje se revelam em forma de aquecimento global, diminuição do volume de água potável, poluição de rios e mares incidência de chuvas ácidas, desertificação de áreas e extinção de diversas espécies animais e vegetais.
A assunção do princípio revela uma dúplice preocupação: Permitir-se o desenvolvimento humano sem prejudicar a sua própria existência e a do planeta, mormente quando se trata de recursos não renováveis.
A tomada de atitudes positivas e que levem à diminuição dos índices de poluentes, a preservação dos rios e mares, a manutenção de florestas, a utilização de tecnologias limpas e mais eficientes, certamente impedirá o desperdício, o consumo desordenado, bem como o desrespeito a todos os recursos disponíveis, oportunizando, quiçá, uma gradativa recuperação dos sistemas já afetados pela ação humana.
3.10 Princípio da cooperação entre os povos.
É inegável que o meio ambiente é matéria comum a todos os povos, não havendo como negar que as lesões ao meio ambiente praticadas em um país afetam diretamente aos demais.
A poluição dos mares alcança a todos que por ele são banhados, o mesmo se diga em relação ao ar que todos respiram. Desta maneira, é clara a necessidade de integração e cooperação entre todos os povos, com o fito de discutir o assunto meio ambiente, criar políticas ambientais, resolver problemas desta ordem, bem como disseminar a cultura de proteção a todo custo do meio ambiente.
Neste sentido ainda há muita resistência seja de países seja de grupos econômicos, mas já é visível a conjugação de esforços para construção de uma política ambiental mundial.
A responsabilidade penal da pessoa física pela prática de crimes ambientais (assim como para os demais crimes) não levanta controvérsias, até mesmo porque o Direito Penal surgiu e evoluiu em função ser humano, das ações praticadas pelas pessoas físicas, sendo tal responsabilidade plenamente aceitável, desde que observados os requisitos legais impostos pelo ordenamento jurídico.
No entanto, em se tratando de pessoas jurídicas a aceitação da responsabilidade penal, em qualquer esfera, não é pacífica. A bem da verdade registre-se que o tema vem gerando inúmeras discussões acadêmicas.
De fato, no que diz respeito à responsabilidade penal da pessoa jurídica duas teorias têm grande relevância, levando a posicionamentos distintos em suas conclusões. A primeira corrente, com base na Teoria da Ficção, de Savigny, afirma a inexistência das pessoas jurídicas e por conseqüência a impossibilidade de sua responsabilização penal. A segunda corrente defende a responsabilidade penal da pessoa jurídica com base na sua realidade e no funcionamento de seus órgãos.
A concepção de Savigny estabelece que cada direito pressupõe um ser ao qual ele pertence. Desta forma, apenas o homem seria capaz de ser sujeito de direitos e, face a sua capacidade de manifestação consciente da sua vontade, também ser agente na prática de crimes[3].
Por não exprimir a realidade das coisas, esta teoria foi bastante contestada, haja vista que de um lado demanda a existência de um sujeito para o reconhecimento de um direito a ele pertencente, e, de outro, reconhecia às pessoas jurídicas a possibilidade de possuírem certos direitos, o que é, a princípio, contraditório, mesmo sob a assertiva de que, na verdade, é a pessoa física detentora de tais Direito.
Por sua vez, a Teoria da Realidade, defendida por Otto Gierke e Zitelman, entre outros, admite as pessoas jurídicas como entidades de existência indiscutível, distinta da dos indivíduos que a compõem e caracterizada por finalidades e ações específicas.
Por essa teoria reconhece-se a real existência da pessoa jurídica, posto que tem capacidade de atuar e vontade própria, distinta da de seus membros. Nesta linha de pensamento a pessoa física é um órgão e não um representante da pessoa jurídica[4].
Tendo este ponto de partida encontra-se justificada a responsabilização penal da pessoa jurídica, vez que um “ser” real, detentor de direitos e também sujeito de deveres.
Para o desembargador Lagrasta Neto[5], a responsabilização penal da pessoa jurídica se deve à evolução histórica do Direito, sendo que os conceitos penais tradicionais, baseados na culpabilidade, são teorias conservadoras, as quais se contrapõem à criatividade e à proteção efetiva da sociedade.
Como dito algures, esta corrente defende que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não pode ser compreendida em face de responsabilidade penal baseada na culpa individual e subjetiva, mas deve ser buscada com base em uma responsabilidade social. Sequer poderiam ser suscitados os elementos impeditivos da responsabilização, posto que já superados pelo próprio Direito.
Primeiramente, porque a pessoa jurídica possui capacidade para agir e reagir através de seus órgãos cujas ações e omissões são consideradas da própria pessoa jurídica. É o que afirma Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes[6], in verbis:
"O tipo objetivo não se refere à objetivação da vontade em um fato externo, senão a descrição da ação com prescindência de fenômenos anímicos, entre os quais encontramos a vontade. Na qualidade de sujeito ativo, se atribui âmbito das pessoas jurídicas deve-se limitar a quem se atribui à qualidade de sujeito ativo, se ao órgão ou a entidade. Se a pessoa jurídica não tem outra forma de atuar a não ser através de seus órgãos, deve atribuir-se a qualidade de sujeito ativo a esta, o órgão constituído obviamente por pessoas físicas atua em sua representação".
É fato que a pessoa jurídica não tem um agir independente, movido por vontade própria, tal como a pessoa física, mas age através de seus representantes e, teoricamente, estes representantes não agem em razão de seus próprios interesses, mas nos da pessoa jurídica, o que caracteriza as atividades da empresa como suas e não da pessoa natural de seus representantes.
Aliás, ao nosso ver, trata-se claramente de representação; a pessoa física representa a pessoa jurídica nos atos por esta praticados, havendo clara distinção acerca do núcleo jurídico da pessoa jurídica do núcleo da pessoa física.
A admissão da capacidade de agir nos leva necessariamente à capacidade de culpa com base na teoria da vantagem econômica.
De fato, quanto à culpabilidade registre-se que não se aplica à pessoa jurídica o mesmo conceito de culpabilidade utilizado para pessoa física, medindo-a, nesses casos, de acordo com a capacidade de atribuição: o crime é praticado pela pessoa jurídica quando houver, na prática do delito, interesse institucional, o qual se verifica através do interesse ou benefício econômico.
É o que ocorre com as empresas que exploram o meio ambiente, suas ações visam o lucro a partir do que se encontra na natureza, seja fauna, seja flora.
No desenvolvimento destas suas atividades, pode vir a agredir os bens juridicamente tutelados, sendo essa agressão uma conseqüência de interesse institucional na obtenção de proveito econômico ou algum tipo de benefício.
É este interesse institucional que, verificado, implica na capacidade de atribuição do delito à pessoa jurídica, sendo o interesse econômico, portanto, uma forma de confirmar o interesse institucional na prática do ilícito.
Por sua vez, o juízo acerca da ação é feito pelo legislador. É este que, recolhendo do meio no qual está inserido um juízo de reprovação social, deve determinar se essa ou aquela conduta da pessoa jurídica é merecedora de uma censura ética e como tal susceptível de criminalização.
Ora, a exigibilidade de conduta diversa, verificada através deste juízo de reprovação social e do conhecimento técnico da empresa, somada à capacidade de atribuição, implica na responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Esta concepção encontra-se, ao nosso ver, mais adequada aos novos tempos em que vivemos, nos quais o Direito Penal não tem como escopo apenas compensar a culpa com a pena, mas sim fazer funcionar toda a sociedade, não havendo como se aceitar a continuidade da responsabilização penal apenas da pessoa física, quando lesões gravíssimas são provocadas por pessoas jurídicas.
Ao largo de toda a discussão doutrinária, o legislador constituinte de 1988 estabeleceu, em atitude inovadora, a responsabilização da pessoa jurídica por crimes contra o meio ambiente.
É o que se depreende do parágrafo 3° do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, verbis:
Art. 225, § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente a obrigação de reparar os danos causados.
Segundo Sílvia Cappelli[7]:
“Assim, dado que as Constituições Federais anteriores jamais previram tal hipótese, certo é convir que a Carta Magna vigente teve o intuito de inovar prevendo a possibilidade de que a legislação infraconstitucional venha a contemplar delitos ambientais perpetrados por pessoas jurídicas. Evidentemente que, respeitado o Princípio da Legalidade, não haverá nenhum óbice para que tal possa ocorrer, dada a hierarquia das normas.”
Contudo, até a edição da Lei n° 9.605/98, a Lei dos Crimes Ambientais, o ordenamento jurídico brasileiro não havia tratado expressamente acerca dos crimes praticados pelas pessoas jurídicas e as sanções decorrentes da agressão ao Meio Ambiente.
De fato, somente a partir da Lei n° 9.605/98 que se regulamentou o disposto na Constituição Federal, introduzindo-se no Direito Brasileiro, a nível infraconstitucional, a responsabilidade criminal da pessoa jurídica por prática de crimes ambientais, abordando-se expressamente esse tipo de responsabilidade penal, inclusive quanto às sanções aplicáveis.
Esta lei reconheceu a indispensabilidade de uma proteção penal clara e ordenada, coerente com a importância do bem jurídico e com o crescente clamor social de uma maior proteção do meio ambiente do qual fazemos parte.
Como afirma Guilherme José Purvin de Figueiredo[8]:
“O que a Lei 9.605/98 consagrou, em cumprimento ao disposto no art. 225, § 3°, da Constituição Federal, foi a responsabilidade penal da pessoa jurídica — este sim um grande avanço do Direito Brasileiro na luta contra a impunidade diante de crimes ambientais. Nesse sentido, é de uma importância vital que os recentes e consecutivos acidentes ecológicos ocorridos em nosso país por uma mesma e riquíssima sociedade de economia mista estatal (pessoa jurídica de direito privado, portanto), sejam investigados com a seriedade que merecem, em especial para fins de ressarcimento civil dos danos causados.”
Aliás, como se encontra previsto no artigo 3° daquele diploma:
"Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único – A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das físicas autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato."
A referida Lei 9.605/98 fixou inclusive o tipo de ação penal decorrente dos crimes ambientais – pública incondicionada, em conformidade com o seu artigo 26 – indicando igualmente as sanções aplicáveis tanto para a pessoa física quanto para a pessoa jurídica.
Para estas (pessoas jurídicas), destacam-se as penas restritivas de direito, cuja aplicação, segundo Sidney Bittencourt[9], foi priorizada na Lei dos Crimes Ambientais (arts. 7º, do referido diploma) por ser mostrarem mais adequadas, posto que claramente têm o condão de substituir as penas privativas de liberdade.
No entanto, continua o mesmo artigo 7, sua aplicação só é possível quando:
"I - se tratar de crime culposo ou for aplicada pena privativa de liberdade inferior a quatro anos;
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime."
Para pessoa jurídica a legislação ambiental estabelece, em conformidade com o estatuído no artigo 22 da mencionada lei 9.605/98, as seguintes penas restritivas de direito:
I. suspensão total ou parcial das atividades;
II. Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade.
III. Proibição de contratar com o Poder Público e de obter subsídios, subvenções ou doações pelo prazo de até 10 anos; e,
Em relação aos incisos I e II acima elencados, a própria lei estabeleceu critérios condicionantes.
A suspensão será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade não estiverem cumprindo as disposições legais pertinentes, em conformidade com o estabelecido no § 1° do mencionado artigo 22.
Por sua vez, só correrá a interdição quando o funcionamento ocorrer sem a devida autorização; em desacordo com autorização concedida; ou com violação de disposição legal ou regulamentar, a teor do § 2° do mesmo artigo.
Embora preferenciais, as penas restritivas de direitos não são as únicas sanções aplicáveis às pessoas jurídicas. De fato, A lei 9.605/98 em seu artigo 21 também elencou, como penas aplicáveis, a multa e a prestação de serviços à comunidade.
Como de correntio saber, a multa é penalidade igualmente apropriada para reprovar e prevenir a prática da conduta ilícita haja vista que, alcançando valores significativos, é capaz de inibir a ação até mesmo de empresas de grande porte.
Por sua vez, a prestação de serviços à comunidade encontra-se regulamentada no artigo 23 da Lei de Crimes Ambientais e consiste em custeio de programas e projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos; e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
A Lei de Crimes Ambientais ainda prevê, em seu artigo
A sanção implica na “extinção” da pessoa jurídica ou em termos mais corriqueiros o encerramento de suas atividades e o fechamento de suas portas, impedindo-se a continuidade da prática lesiva ao Meio Ambiente.
A sanção é tão grave que determina não só a liquidação da empresa, mas também a transferência de todo o seu patrimônio para o Fundo Penitenciário Nacional - que dele poderá se utilizar da forma que melhor lhe convier -, o que impede ou pelos menos dificulta a criação de nova pessoa jurídica para dar continuidade ao ato lesivo ao meio ambiente.
Independentemente da sanção a ser aplicada – até porque esta virá em razão do caso em concreto – o avanço legislativo se deu ao permitir-se o alcance das pessoas jurídicas que hoje não podem mais agir sob o manto da impunidade.
E muito embora Kelsen[10] tenha afirmado que o Direito não ensina a conduta, mas tão somente a regula, é inegável que a conduta regulada serve de orientação, positiva ou negativa para o fato, servindo de balizador para ação ou omissão das pessoas jurídicas no que diz respeito ao Meio Ambiente e à sua Proteção.
6. Considerações finais.
Como se vê, seja em razão da inversão do pensamento quanto à responsabilidade da pessoa jurídica, seja em razão da evolução dos direitos fundamentais, com a elevação do Direito a Ambiental a questão de importância mundial, não há como permitir-se a ação desmedida ou irresponsável das empresas que se utilizam de fauna e flora como instrumento de suas atividades.
Acreditamos que tal mudança vem se impondo face à realidade em que vivemos, onde crimes ambientais praticados em razão do interesse e benefício das pessoas jurídicas não podem permanecer afastados da responsabilização Penal.
E não há como ser diferente.
A civilização se fez às custas de um progresso que, na maioria das vezes, agrediu, dilapidou e destruiu o meio ambiente, progresso este impulsionado tanto por pessoas físicas quantos jurídicas.
Infelizmente essas pessoas ou seus representantes não alcançaram ou não vislumbraram a extensão e conseqüências de seus atos, atos que hoje se voltam não só contra o próprio homem, mas contra todas as espécies que habitam o planeta.
A mídia, os noticiários com os seus desastres climáticos, as descobertas científicas, as constantes discussões mundiais, nos tem alertado que a continuidade de tais prejudiciais condutas nos levará a extinção. Acredito ser papel do Direito agir na defesa do próprio ser humano, sendo este seu verdadeiro motivo deontoteleológico.
Se o ser humano é responsável pelos seus atos contra o meio ambiente igualmente as pessoas jurídicas devem ser responsabilizadas e punidas quando sua ação atingir o veio da existência humana, se preciso for, com o fechamento de suas portas ou com sua própria extinção.
Em um duro pensamento: melhor que sejam extintas elas, as empresas, que nós os seres viventes.
Diante de tais constatações, o Direito Ambiental deve estar integrado à nova realidade social, devendo conceder as pessoas jurídicas tratamento igualmente moderno e atual, adotando institutos legais e conceitos jurídicos pertinentes a estes novos tempos, aptos a prevenir e sancionar a prática atos lesivos não só à sociedade, mas ao próprio planeta terra.
7. Referências Bibliográficas
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BITTENCOURT, Sidney. Comentários à nova lei de crimes contra o meio ambiente e suas sanções administrativas, Temas e Idéias Editora, Rio de Janeiro, 1999.
CAPPELLI, Sílvia. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e, Proteção Jurídica do Meio Ambiente – I Florestas, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, pág. 16.
DIAS, Marcus Vinicius de Viveiros. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: Avanço ou retrocesso?. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 16 de novembro de 2007.
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Crimes ambientais e responsabilidade penal objetiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em:
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SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral, Curitiba: ICPC; Ed. Lumen Júris, 2006.
[1] COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e, Proteção Jurídica do Meio Ambiente – I Florestas, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, pág. 16.
[2] COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e, op. citada, pág. 10/11.
[3] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral, Curitiba: ICPC; Ed. Lumen Júris, 2006, p. 430.
[4] SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. Cit, p. 430.
[5] NETO, Lagrasta. Responsabilidade da Pessoa Jurídica nos Crimes Ambientais. HC nº 8.150/SP. In Boletim IBCCRIM nº 116/Jurisprudência. Ano 10 – Julho/2002
[6] GOMES, Celeste Leite dos Santos Pereira. Crimes contra o meio ambiente – responsabilidade e sanção penal. 2ª ed. São Paulo, Juarez de Oliveira, 1999, pág. 30.
[7] CAPPELLI, Sílvia. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica
[8] FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Crimes ambientais e responsabilidade penal objetiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em:
[9] BITTENCOURT, Sidney. Comentários à nova lei de crimes contra o meio ambiente e suas sanções administrativas, Temas e Idéias Editora, Rio de Janeiro, 1999, pág. 33.
[10] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 5ª Edição. São Paulo, Martins Fontes, 1996, pág. 46/48, passim.
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