A Responsabilidade Penal da Pessoa jurídica consta expressamente na Constituição Federal de 88 em seu artigo 225, §3º, e no artigo 3º da lei 9.605/98. O tema é fortemente debatido na doutrina pátria, discutindo-se até mesmo a constitucionalidade da norma.
Antes de analisar as diferentes correntes doutrinárias existentes, é imperioso discorrer brevemente sobre duas teorias, a Teoria da Ficção Jurídica e a Teoria da Realidade Jurídica.
A teoria da Ficção Jurídica, que teve como percursor Savigny, considera que cada direito supõe essencialmente um ser ao qual ele pertence, e somente o homem (pessoa física), por sua natureza, possui aptidão de ser sujeito de direito, sendo as pessoas jurídicas uma criação artificial da lei, irreais. Sua existência somente se dá para facilitar determinadas funções. Assim, ao lado do homem, o legislador aceita a criação de uma outra pessoa, a jurídica, constituída em um grupamento de pessoas e bens, todavia, somente o homem, pessoa física, seria detentor de direitos, sendo excluída as pessoas jurídicas.
Já a Teoria da Realidade Jurídica, que teve como precursores Otto Gierke e Zitelman, admite que as pessoas jurídicas são entidades de existência real, diferentes das pessoas que as criaram, possuindo características e finalidades próprias, sendo pessoa possuidora de direitos, embora não signifique que sua existência seja exatamente igual a de uma pessoa física.
Nesse diapasão, após esse breve esclarecimento sobre o que seria as Teorias da Ficção e da Realidade Jurídica, passa-se para a analise das principais correntes doutrinárias existentes sobre o tema.
A primeira corrente doutrinária defende a inconstitucionalidade da responsabilidade penal das Pessoas Jurídicas, alegando para tanto que no texto constitucional a previsão de sanção penal é só para as pessoas físicas. Para as Pessoas Jurídicas, há somente previsão de sanções administrativas, como se no texto constitucional, implicitamente, estivesse contida a palavra “respectivamente” em seu escopo, fazendo com que o texto legal ficasse da seguinte forma: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, as sanções penais e administrativas, 'respectivamente', independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Além disso, alegam também que a Constituição Federal traz como Garantia Fundamental o principio da Intranscendência da pena (artigo 5º, XLV, da CF), ou seja, não pode a pessoa jurídica ser condenada por uma infração praticada por outrem (Pessoa Física), já que ela mesma não pode, por sua natureza, praticar ação propriamente dita. Nesse sentido afirma José Antonio Paganella Boschi.
Data máxima vênia, cumpre dizer que é afastar-se demais da realidade alegar a inconstitucionalidade da responsabilização penal das pessoas jurídicas. O legislador constitucional foi bem claro quando expressou no §3º do artigo 225 da CF que a pessoa jurídica seria penalizada penalmente por seus atos lesivos ao meio ambiente, não pode o operador do direito interpretar de forma equivocada o texto constitucional somente para satisfazer suas teses pessoais. A lei deve ser interpretada de acordo com que o legislador, atuando em nome do povo, quis dizer.
A segunda corrente, adepta à Teoria da Ficção Jurídica, defende que a Pessoa Jurídica não pode cometer crime, uma vez que não são detentoras de consciência, vontade e/ou finalidade, ou seja, não agem com dólo e nem com culpa. Justificam sua tese dizendo, ainda, que não tem como englobar os requisitos da culpabilidade à pessoa jurídica, quais sejam, imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do fato e possibilidade de conduta diversa, não sendo possível, assim, na Teoria do Crime vigente, ser concebido a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
A terceira corrente de doutrinadores rezam pela possibilidade sim da pessoa jurídica ser sancionada criminalmente por suas infrações, baseando-se, para tanto, na Teoria da Realidade Jurídica. Alegam os adeptos a essa corrente que a pessoa jurídica pode ser responsável por seus atos e o juízo de culpabilidade deve adaptar-se às suas características. A reprovação da conduta da pessoa jurídica baseia-se na exigência de uma conduta diversa que é perfeitamente possível. Nesse sentido corrobora Sérgio Salomão Shecaira, dizendo que as pessoas juridicas “fazem com que se reconheça, modernamente, sua vontade, não no sentido próprio que se atribui ao ser humano, resultante da própria existência natural, mas em um plano pragmático-sociológico, reconhecível socialmente. Essa perspectiva permite a criação de um conceito novo denominado 'ação delituosa institucional', ao lado das ações humanas individuais”.
Há ainda uma corrente moderada que afirma que o artigo 225,§3º, da CF, é constitucional e perfeitamente cabível, entretanto, não é uma norma autoaplicável, depende de uma regulamentação que adeque a Teoria do Crime para responsabilizar as pessoas jurídicas na esfera penal.
A jurisprudência já se manifestou a respeito e, majoritariamente, tem-se entendido pela possibilidade de responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas. Segundo entendimento do STJ, a Pessoa Jurídica é passível de sanção penal desde que a denúncia traga junto a(s) pessoa(s) física(s) responsável(eis) pela infração, sob pena de, se assim não fizer, ocorrer a inépcia da denúncia.
Assim, conclui-se que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é constitucional, todavia, sua aplicação não segue os princípios penais correntes e não surte efeito na vida prática.
O direito Penal detém em seu caule o princípio da intervenção mínima (ultima ratio), que diz que só cabe ao direito penal proteger aqueles bens que os outros ramos do direito não se apresentam capazes de proteger. No caso em tela, a esfera administrativa apresenta-se com uma performa-se mais adequada à proteção do meio ambiente que o próprio direito penal, uma vez que todas as penalidades previstas na lei 9.605/98, também são previstas e tem uma penalização mais severa no Decreto 6.514/2008.
E também, os princípios preventivo e retributivo das penas não são atingidos adequadamente, uma vez que as empresas que infringem a norma penal ambiental não se sentem intimidadas com a aplicação das sanções penais, até mesmo porque, como dito anteriormente, as sanções não são tão severas quando comparadas com as sanções administrativas, e a repercussão no mercado consumerista é mínima, já que a grande maioria dos consumidores, se não todos, pelo menos no Brasil, não deixam de consumir os produtos de certa empresa devido esta ter sofrido qualquer sanção penal ambiental, ademais, tal fato nem é fortemente divulgado na mídia, escapando o fato do conhecimento geral da população.
NOTAS
BIBLIOGRAFIA
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva. 2010.
GRECCO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 11ª Ed. Niterói, RJ: Ed. Impetus. 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Lei Penais e Processuais Penais Comentadas. 4ª Ed. São Paulo: Ed. RT. 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª Ed. São Paulo: Ed. Malheiros. 2003.
SHECAIRA. Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 1ª Ed. São Paulo. Ed. RT. 1999.
BOSCHI, José Antonio Paganella. Das Penas e seus critérios de aplicação. 2ª Ed. Porto Alegre. Ed. Livraria Do Advogado. 2002.