Ao fazer um esboço histórico, o aparecimento da enfiteuse tem origens no Império do Ocidente, e de acordo com PEREIRA, os primeiros contratos enfitêuticos datam do século II da nossa era. Mas foram as condições econômicas do Baixo Império que propiciaram o seu desenvolvimento. Na fase Justiniana, o instituto enfitêutico passou a ser conceituado, onde o uso das terras pertencentes ao Estado, aos Municípios, foram dadas em locação perpétua, constituindo uma modalidade locatícia, e não um direito real, mas devido à sua longa duração, tornou-se mais tarde em perpetuidade. RODRIGUES, coloca que no direito romano aparecem em épocas diversas, dois institutos de natureza muito semelhante que, reunidos por Justiniano em um só, vão constituir a enfiteuse na forma que hoje a conhecemos.São os arrendamentos perpétuos. A enfiteuse foi retirada do rol dos direitos reais do artigo 1.225 do Código Civil, sendo prevista no artigo 2.038, no Livro Complementar, que estabelece as Disposições Finais e Transitórias. A nova regulamentação civil brasileira proíbe a instituição de novas enfiteuses, subenfiteuses e determina que as já existentes sejam disciplinadas de acordo com o Código Civil de 1916. Portanto as enfiteuses já constituídas são direitos reais. Desta maneira, pode a nova lei proibir a sua constituição, mas não pode desconhecer as já existentes. A enfiteuse também chamada de emprazamento ou aforamento, é a relação jurídica por via da qual o senhorio direto (proprietário) autoriza outra pessoa, chamada de enfiteuta, a usar, gozar e dispor da coisa e transmiti-la por herança. O titular do direito real sobre a coisa alheia, o enfiteuta tem um poder muito amplo sobre a coisa. Por isto se diz que a enfiteuse é o mais amplo dos direitos reais sobre coisas alheias. O proprietário praticamente conserva apenas o nome do dono da coisa e alguns poucos direitos sobre ela, que se manifestam em ocasiões restritas. PEREIRA, é de opinião que enfiteuse é um direito real e perpétuo de possuir, usar e gozar de coisa alheia e de empregá-la na sua destinação natural sem lhe destruir a substância, mediante o pagamento de uma pensão anual invariável. Sendo diverso de outros direitos reais, que são parciais e fragmentários, a enfiteuse revela total amplitude que retira do proprietário quase todas as faculdades inerentes ao domínio. Portanto não pode haver enfiteuse sobre bens móveis, prédios construídos e terrenos colonizados. Segundo DINIZ, enfiteuse vem a ser o direito real sobre a coisa alheia que autoriza o enfiteuta a exercer, restrita e perpetuamente, sobre coisa imóvel, todos os poderes do domínio, mediante pagamento. Portanto podemos extrair algumas características básicas deste tipo de direito. Em primeiro lugar, ele requer a presença de duas pessoas, a que tem o domínio do imóvel, também chamado de senhorio direto e da que possui o bem de modo direto, tendo sobre ele uso, gozo e disposição, chamado de enfiteuta.O senhorio direto é titular do domínio direto ou eminente, e está afastado da coisa. O enfiteuta é do domínio útil. A segunda característica é que constitui um direito real imobiliário, só pode recair sobre bens imóveis alheios. Ainda, se caracteriza em não ser temporária, a perpetuidade lhe é essencial. E contém a obrigação do enfiteuta de pagar renda anual e invariável chamada pensão. E o senhorio, tem o direito de preferência, quando o enfiteuta pretende transferir a outrem o domínio útil em caso de venda judicial. Constitui-se a enfiteuse como diz o Código Civil de 1916, por ato entre vivos ou de última vontade.Pode ser estabelecido por contrato ou por testamento.Pelo contrato, tratando-se de imóvel de valor superior ao legal, exige escritura pública, registrando-se, em seguida, na circunscrição imobiliária competente. Pode ainda ser constituída por testamento, sujeita a transcrição, a fim de possibilitar a sua eventual alienação. Alguns autores colocam que se pode constituir-se enfiteuse, por usucapião, desde que concorram os requisitos legais, em três casos: quando estabelecida a enfiteuse por quem não é dono do prédio, verificados os requisitos da prescrição aquisitiva, o enfiteuta adquire o direito real, ainda contra o verdadeiro dono. Pode também, quando alguém na posse do imóvel, sem título de enfiteuse, paga, pensão ao dono. E finalmente quando o dono do imóvel, por ignorância, ou outro motivo, paga, como enfiteuta, pensão a outrem que toma como senhorio. Mas a enfiteuse, não se extingue pelo usucapião em favor do foreiro, que não pode adquirir contra o próprio título. Segundo DINIZ, os direito e deveres do enfiteuta são: - tem o direito de usufruir do bem enfitêutico desde que não lhe destrua a substância; pode tirar do imóvel todas as vantagens que forem de seu interesse, percebendo-lhe os frutos e rendimentos, dentro dos limites estabelecidos pela lei; - os bens enfitêuticos podem ser transmitidos causa mortis aos herdeiros do foreiro, segundo a ordem de vocação hereditária estabelecida a respeito dos bens livres e alienáveis, sem necessidade de autorização de quem quer que seja; - o enfiteuta tem o direito de alienar o imóvel enfitêutico, a título oneroso ou gratuito, no todo ou em partes, desde que comunique o fato, previamente, ao senhorio direto, para que este exerça o seu direito de opção. - tem também o direito de adquirir o imóvel, tendo portanto, direito de preferência, no caso do senhorio direto pretender vender o domínio direto ou dá-lo em pagamento. Este deverá notificá-lo, para que exerça sua preferência dentro de 30 dias, declarando-a por escrito. - o enfiteuta tem o direito de abandonar o bem enfitêutico ao senhorio direto, levando o assento, independente de consentimento do senhorio, no registro imobiliário. Porém não tem direito à remissão do foro, por esterilidade ou destruição parcial do prédio enfitêutico, nem pela perda total de seus frutos; - pode gravar a coisa enfitêutica de servidões, usufrutos e hipotecas, subordinados à condição de se extinguirem com a cessação da enfiteuse; - o enfiteuta podia instituir subenfiteuse, que consistia na transferência que o foreiro fazia de seu direito a outrem, sem desligar-se da relação jurídica; - tem o direito de constituir coenfiteuse, pois a enfiteuse admite a titularidade simultânea de várias pessoas; - tem direito às benfeitorias necessárias em caso de comisso; - o enfiteuta tem direito ao resgate do foro, após dez anos, mediante pagamento de um laudêmio, que será de 2,5 % sobre o valor atual da propriedade plena e de dez pensões anuais; - o enfiteuta tem direito à metade do tesouro achado por terceiro em terreno aforado, mas se for ele o descobridor fará jus ao encontrado por inteiro. Em relação aos deveres temos: - o enfiteuta não pode atingir a substância da coisa com sua fruição. O que envolve a proibição de dividi-la sem autorização do senhorio direto; - não pode vender nem dar em pagamento a coisa sem avisar o senhorio para que possa exercer o seu direito de opção, dentro de trinta dias; - o enfiteuta deve avisar o senhorio quando doar, der em dote ou trocar por coisa não fungível o prédio aforado; - o enfiteuta deverá eleger um cabecel quando houver coenfiteuse; - o foreiro deverá pagar o foro anual, mesmo em estado de transmissão, se não tiver avisado o senhorio direto; - o enfiteuta deverá pagar previamente os credores, quando abandonar gratuitamente ao senhorio o prédio aforado. Em relação aos direitos do senhorio direto temos: - o direito de exigir a conservação da substância da coisa; - o direito de opção, na hipótese de venda do domínio útil por parte do foreiro em igualdade de preços e condições; - o direito de alienar o domínio direto; - o direito de promover a consolidação do domínio, se o foreiro alienar o domínio útil sem notificá-lo para que exerça o direito de preferência, depositando o preço; - o direito de ser citado, no caso de penhora do domínio útil por dívida do foreiro, para assistir a praça e exercer o direito de preferência, no caso de arrematação, sobre os demais lançadores, em iguais condições; - o de consentir ou não na divisão em glebas, do imóvel aforado; - o direito de receber os pagamentos das pensões ou foros anuais; o de receber o do foro de cada gleba na hipótese de divisão da enfiteuse; e o direito de receber o resgate, quando este ocorrer. Dentre suas principais obrigações, segundo DINIZ, temos: a obrigação de respeitar o domínio útil do foreiro; a de notificar o enfiteuta quando for alienar o seu domínio e a de conceder o resgate nos termos do contrato. Como toda relação jurídica, a enfiteuse se extingue das seguintes maneiras: pelo perecimento do objeto, se o imóvel for destruído totalmente, desaparece a enfiteuse, por falta do objeto. Em caso de desapropriação do imóvel, a relação jurídica do aforamento cessa. Também pode cessar a enfiteuse por usucapião do imóvel aforado. Outra maneira de extinção é se o prédio vir a deteriorar-se a ponto de não valer o capital correspondente ao foro e mais um quinto deste. Cessa também a enfiteuse pelo falecimento do enfiteuta, sem deixar herdeiros. Extingue-se também em caso de venda ou dação em pagamento do domínio útil. VENOSA, coloca que a enfiteuse cumpriu seu papel de adequação social no passado, não justificando mais sua manutenção como direito positivo, tanto que não foi contemplado pelo vigente código." Acrescenta ainda que "requer-se do julgador atualidade no tempo que julga e presença efetiva no espaço onde aplica o direito ambos aspectos que apresentam situações fáticas mutantes essencialmente dinâmicas, em face da evolução muito rápida dos padrões sociais e econômicos atualmente". Pode-se afirmar que o atual desinteresse do instituto deve-se ao desaparecimento de grandes porções de terra desocupadas e à valorização das terras, independentemente da inflação, e à impossibilidade do aumento do foro, ressaltando-se que os novos problemas de ocupação do solo improdutivo no país têm sido enfrentados com outros meios jurídicos. Contudo, poucas são as legislações que ainda abrigam esse arcaísmo histórico e o Brasil caminha para a sua total extinção. BIBLIOGRAFIA DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v. 4. 25º ed. São Paulo: Saraiva, 2010. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. 5º ed. São Paulo: Saraiva, 2010. HIRONAKA, Gisewa Maria Fernandes. Enfiteuse: instituto em extinção. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/20124/enfiteuse.pdf?sequence=1. Acesso em: 01/12/2010. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.3.39ºed. São Paulo: Saraiva, 2009. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais. v.4. 20º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. VENOSA, Sílvio de Salvo.Direito Civil: Direitos Reais. 4º ed. São Paulo: Atlas, 2004.