Essa nova modalidade de prescrição da pretensão punitiva vem sendo largamente discutida, tanto doutrinária como jurisprudencialmente.
A prescrição antecipada, também chamada de virtual, projetada ou em perspectiva, não tem base legal em nosso ordenamento jurídico. Ela vem sendo criada por parte da doutrina e da jurisprudência brasileira e, segundo José Júlio Lozano Júnior[1], consiste:
no reconhecimento da prescrição retroativa antes mesmo do oferecimento da denúncia ou queixa e, no curso do processo, anteriormente à prolação de sentença, sob o raciocínio de que eventual pena a ser aplicada em caso de hipotética condenação traria a lume um prazo prescricional já decorrido.
Assim, ao analisar o caso em questão, faz-se a conta da possível pena a ser aplicada ao réu na sentença final, analisando os dados objetivos que envolvem o réu e o crime em questão, como por exemplo, os antecedentes do agente, as questões de aumento e diminuição da pena aplicáveis ao caso, dentre outros dados, chegando-se ao valor da pena que provavelmente seria aplicada pelo Juiz na sentença final.
Atingida essa primeira fase, verifica-se se já não teria ocorrido a prescrição retroativa (com base nessa provável sentença), extinguindo-se o feito antecipadamente pela prescrição, antes mesmo da sentença final, posto que seria inútil continuar com toda a movimentação da máquina judiciária para, ao final, ser extinta a punibilidade pela prescrição retroativa.
As correntes que defendem esse reconhecimento antecipado da prescrição se fundamentam: a) na falta de interesse ou de justa causa em se movimentar a máquina judiciária, sabendo-se da impossibilidade da aplicação de alguma sanção ao réu, mesmo que haja uma sentença condenatória ao final; b) na economia processual; c) no combate à morosidade da Justiça e; d) na preservação da imagem e do prestígio do Judiciário, uma vez que a ineficácia de suas decisões lhe causa sérios desgastes perante os olhos da sociedade.
Já as correntes que rebatem fortemente a prescrição antecipada, enumeram das mais variadas formas os seus fundamentos, dentre eles estão: a) alegam que a prescrição antecipada desrespeita o princípio da obrigatoriedade da ação penal; b) que impede ao réu que prove a sua inocência; c) alegam que com o reconhecimento antecipado da prescrição, impede-se a eventual apuração de um crime mais grave, que poderia ser detectado durante a instrução criminal e, com isso, aumentaria o prazo prescricional e; d) alertam que a pena, provisoriamente calculada, poderia ser majorada através de um eventual recurso interposto pela acusação.
Rogério Greco[2] entende que, mesmo havendo a possibilidade de uma futura ocorrência da prescrição, o Ministério Público não poderá requerê-la, nem mesmo o Juiz deverá reconhecê-la. Ele entende que a ação deverá sim ser extinta sem o julgamento do mérito, mas não motivada em uma futura prescrição, e sim na falta de interesse de agir ou justa causa para continuidade da ação penal.
Acreditamos ser passível a aplicação dessa modalidade de prescrição, porém de maneira bastante cautelosa e minuciosamente motivada quando da sua constatação. Melhor ainda seria se a mesma fosse incluída ou excluída legalmente em nosso ordenamento jurídico, pondo fim a essas discussões.
Cumpre-nos ressaltar que a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de não se admitir essa espécie de prescrição por ausência de previsão legal em nosso ordenamento jurídico, descartando a utilização dessa modalidade de prescrição[3].
Por fim, é digno de nota salientar que essa modalidade de prescrição provavelmente será formalmente excluída, por força do Projeto de Lei 1.383/2003, de autoria do Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia.
Referido Projeto de Lei pretende extinguir a prescrição retroativa, revogando o § 2º do art. 110 do Código Penal e alterando o § 1º do citado artigo, que passaria a vigorar com o seguinte texto:
Art. 110 - ...
§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da publicação da sentença ou do acórdão.
Portanto, a prescrição antecipada, que é uma forma de se reconhecer antes da sentença final a ocorrência da prescrição retroativa pode estar com seus dias contados, face ao avançado estágio do PL 1.383/2003[4], que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e revisado no Senado Federal, estando muito próximo de sua promulgação.
[1] LOZANO JÚNIOR, José Júlio. Prescrição Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. p.181.
Nesse mesmo sentido: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 9ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. v. 1. p.575.
[2] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 10ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. vol. 1. p. 755.
[3] Vide HC 96.653, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma STF
EMENTA: HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU EM PERSPECTIVA. ORDEM DENEGADA. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se contrariamente à tese da chamada prescrição antecipada ou em perspectiva. Precedentes: RHC 94.757, rel. min. Cármen Lúcia, DJe-206 de 31.10.2008; Inq 1.070, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 1º.7.2005; HC 83.458, rel. min. Joaquim Barbosa, DJ de 6.2.2004; e HC 82.155, rel. min. Ellen Gracie, DJ de 7.3.2003. Ordem denegada.
[4] PROJETO DE LEI Nº 1.383, DE 2003
(Do Sr. Antônio Carlos Biscaia)
Altera os artigos 109 e 110 do Decreto-Lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - No Decreto-Lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, ficam introduzidas as seguintes alterações:
I – O artigo 109 passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no parágrafo único do artigo 110 deste código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:” (NR)
II - O § 1º do art. 110 passa a vigorar com a redação seguinte:
“Art. 110 - ...
§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da publicação da sentença ou do acórdão.”
III – Revoga-se o § 2º do art. 110 do Código Penal.
Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.