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Responsabilidade Civil do Estado por omissão na transferência de paciente do SUS após a solicitação pela Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (Sistema Cross)


Autoria:

Emiliani Nascimento


Graduada em direito pela Universidade Salesiana de São Paulo. Advogada especialista em direito médico e à saúde pela Escola Superior de Advocacia de São Paulo

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Resumo:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção.

Texto enviado ao JurisWay em 29/07/2022.



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1. INTRODUÇÃO

 

A Constituição Federal de 1988 estabelece a garantia da saúde da seguinte forma:

 

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

 

A reflexão acerca do dispositivo constitucional supra trará a compreensão inicial sobre a diretriz a ser seguida diante das demandas e eventos em saúde.

Verificam-se, portanto, presentes os princípios norteadores do Sistema Único de Saúde que se estabelecem pela universalidade, equidade, integralidade, descentralização, participação social e a organização da rede de serviços de modo regionalizado e hierarquizado.

 

2. CONTEXTO HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

 

Com a reforma sanitária no final dos anos setenta, vislumbrou-se a necessidade de nortear a atuação do Estado nas ações em saúde. A busca por melhoria nas condições de vida da população norteou tal reforma e trouxe importantes mudanças para o cenário da saúde nos anos que se seguiram.

Tal movimento precedeu a magna carta, que posteriormente ratificou parte dos resultados pretendidos e trouxe a criação do Sistema Único de Saúde.

Diante das responsabilidades atribuídas ao estado, o art. 37, §6º, da Constituição Federal, esclarece sobre a responsabilidade civil do Estado, nos seguintes termos:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 

Assim, consagrou-se na nova ordem constitucional a Teoria do Risco Administrativo, que atribui responsabilização objetiva por atos comissivos dos entes públicos. Por inflexão, a melhor doutrina postula que, diante de atos omissivos, existe também a responsabilidade civil quando o Estado é juridicamente obrigado a garantir ao administrado determinada prestação e se omite diante dessa obrigação.

Todavia, nessa hipótese a responsabilidade é subjetiva, requerendo, para sua incidência, a demonstração de dolo ou culpa da Administração Pública em si, além do nexo de causalidade entre a omissão e o dano.

Destaca-se a visão do doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello sobre o assunto, in verbis:

 

A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não-individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou faute du service dos franceses, entre nós traduzida por "falta do serviço".[1]

 

O entendimento do E. STJ sobre o tema recepciona o teor dessa linha doutrinária, v.g.:

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF.

2. Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos.

3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso".

4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido.

(STJ, 2ª T, AgRg no Ag em REsp 501.507/RJ, rel. MIn. Humberto Martins, j. 27/05/2014, DJe 02/06/2014).

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALTA DE PEÇAS OBRIGATÓRIAS E INDISPENSÁVEIS À COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA. AUSÊNCIA DO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 544, §1º, DO CPC. ATO OMISSIVO DA ADMINISTRAÇÃO. CONDENAÇÃO EM DANOS MATERIAIS E MORAIS. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. A falta de qualquer das peças obrigatórias para a formação do Agravo de Instrumento, previstas no art. 544, §1º do CPC, ou seu traslado incompleto, enseja o não-conhecimento do recurso. Precedentes deste STJ.

2. Cabe ao agravante zelar pela correta formação do Agravo ante a impossibilidade de correção a eventuais desacertos no STJ.

3. Hipótese em que o Tribunal a quo, soberano no exame da prova, entendeu configurada a existência de nexo causal entre o ato lesivo imputado à Administração e o evento danoso.

4. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, caracterizada a responsabilidade subjetiva do Estado, mediante a conjugação concomitante de três elementos – dano, omissão administrativa e nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público –, é inafastável o direito do autor à indenização ou reparação civil dos prejuízos suportados. Rever tal entendimento implica reexame da matéria fático-probatória, obstado pela Súmula 7/STJ.

5. Agravo Regimental não provido.

(STJ, 2ª T, AgRg no AgIn 1.216.939/RJ, rel. MIn. Humberto Martins, j. 16/12/2010, DJe 02/03/2011).

(destaques nossos)

 

Impende, dessa forma, demonstrar o dever de ação do estado, cuja omissão implica negligenciar a essa obrigação.

 

3. DAS VERTENTES DE ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO

 

A própria Constituição Federal é o cerne da positivação do direito à saúde, sendo este um direito social, conforme dispõe o art. 6º. Ainda, convém repisar o supracitado dispositivo que diz:

 

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

(destaque nosso)

 

Aqui, o Estado é concebido em sentido amplo, abrangendo os entes públicos de modo geral. Conforme se depreende, a Constituição Federal delineou a forma de prestação de serviços relacionados à saúde criando três eixos de atuação.

O primeiro eixo é o da promoção, que o Poder Público cumpre, embora com deficiência, ao colocar à disposição da população os serviços de atendimento preventivo e de tratamento através da rede pública de saúde.

O segundo eixo é o da proteção, que o Poder Público cumpre ao possibilitar o acesso universal e igualitário à população aos serviços postos à disposição.

O terceiro eixo é o da recuperação, que o Poder Público cumpre ao disponibilizar os tratamentos, insumos e medicamentos necessários para a recuperação dos enfermos.

Dessa forma, nítida é a percepção de que a saúde é uma obrigação concorrente do Estado em sentido amplo, em todas as esferas, e é também um direito de todo cidadão.

Demonstra-se, portanto, que após feita a devida solicitação por parte do paciente por intermédio do Sistema Cross, o Poder Público obriga-se a transferir o paciente que esteja internado em uma instituição privada a uma instituição ligada ao SUS, sobretudo em situações de urgência em que o atendimento na rede privada só se deu em razão da necessidade de primeiros socorros.

 

4. DO SISTEMA CROSS E DA RESPONSABILIDADE CIVIL

 

Havendo falha em providenciar a urgente remoção para unidade pública com o suporte que se fizer necessário, cria-se um cenário de descumprimento de um dos três eixos da prestação de serviços relacionados à saúde à população, a saber, o da recuperação.

Cabe esclarecer, neste ponto, que o estado em sentido amplo aos usuários do Sistema Único de Saúde a Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (sistema Cross), que promove a regulação do acesso na área hospitalar e ambulatorial, materializando-se a integralidade da assistência, sendo seus dados atualizados pelos próprios médicos com a finalidade de buscar a disponibilidade de leitos.

O sistema é unificado em todo o estado, porém sua principal forma de funcionamento é através das regiões de saúde. Outros serviços, além de vaga hospitalar, também estão concentrados no Cross, como exemplo: vagas, exames, cirurgias e medicamentos.

Não há que se falar, portanto, em “reserva do possível” como eventual subterfúgio para que se justifique tal inércia por parte do ente público, porquanto há sólido entendimento jurisprudencial no sentido de que o direito à saúde decorre do direito à vida, que prepondera no sopesamento entre princípios constitucionais – havendo a possibilidade, inclusive, de internação em rede particular mediante custeio público em caso de falta de vagas (sendo cediço que a relação entre oferta de vagas na rede pública e número de pacientes é desequilibrada).

Nesse sentido existe sólida jurisprudência:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. BLOQUEIO DE CONTAS DO ESTADO. POSSIBILIDADE.

1. Não cabe a esta Corte o exame da assertiva de violação de dispositivos constitucionais, sob pena de se usurpar a competência atribuída ao STF.

2. Tem prevalecido no STJ o entendimento de que é possível, com amparo no art. 461, § 5º, do CPC, o bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado.

3. Embora venha o STF adotando a "Teoria da Reserva do Possível" em algumas hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, aquela Corte não aplica tal entendimento, por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada.

4. Agravo regimental improvido.

(STJ, 2ªT, AgRg no REsp 878.441/RS, rel. Eliana Calmon, j. 10/04/07, DJ 20/04/07).

 

REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO MÉDICA DE URGÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA COMPROVADA. ORDEM CONCEDIDA.

O direito à saúde é direito constitucional basilar e de atendimento impostergável, refletido em norma de que a saúde é direito universal e de responsabilidade do Poder Público, em todos os seus níveis, e com vistas não somente à redução da incidência de doenças, como também à melhora das condições e qualidade de vida dos cidadãos em geral e, sobretudo, do direito à vida e sua preservação. Inteligência do art. 196 da CF/88. Decisão que, ademais, não afronta a autonomia estatal ou o princípio da separação dos poderes, pois cabe ao Poder Judiciário prestar a tutela jurisdicional quando direitos prioritários não são observados. R. Sentença mantida. Recurso desprovido.

(TJSP, 6ª Câm. de Direito Público, Remessa Necessária Cível 1022469-77.2018.8.26.0071, rel. Sidney Romano dos Reis, j. 11/04/2019, DJe de 11/04/2019).

 

REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO LIMINAR. INTERNAÇÃO UTI.

Pretensão inicial da impetrante voltada à internação na UTI do Hospital Estadual de Bauru. Paciente portadora de Diabetes mellitus insulino-dependente (CID 10: E10), Icterícia não especificada (CID 10: R17), Outras dores abdominais e as não especificadas (CID 10: R10.4), Náuseas (CID 10: R11) e Dificuldades de alimentação e erros na administração de alimentos (CID 10: R63.3). Preservação do direito constitucional à saúde. Dever do Poder Público de fornecer medicamentos e tratamentos àqueles que necessitam e se encontram em situação de vulnerabilidade econômica (art. 196, da CF/88). Princípio da reserva do possível inoponível em relação ao direito à vida e à saúde. Necessidade e eficácia do tratamento demonstradas. Sentença mantida, com observação. Recurso oficial desprovido.

(TJSP, 4ª Câm. de Direito Público, Remessa Necessária Cível 0017384-30.2018.8.26.0071, rel. Paulo Barcellos Gatti, j. 10/12/2018, DJe 11/12/2018)

(destaques nossos)

 

Com efeito, a não prestação do atendimento público na área da saúde só se justificaria caso cidadão não requisite esse serviço (seja porque está saudável, seja porque optou por internação em hospital particular). O fato de alguém receber tão somente primeiros socorros em rede particular, para apenas resguardar-se do risco de óbito inerente à emergência da situação, não significa opção por este ou aquele hospital privado, ainda mais quando são tomadas todas as medidas para que houvesse a remoção para algum hospital público.

Nesse sentido tem sido o entendimento jurisprudencial nos julgados do E. TJSP, v.g.:

 

APELAÇÃO. Responsabilidade civil do Estado. Danos materiais. Internação do autor em hospital particular em razão de falta de vaga em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em nosocômio público. Diversas tentativas de transferência desse paciente. Direito fundamental à saúde. Dever do Poder Público de custear as despesas sofridas pelo recorrente. Por outro lado, não se condena a Fazenda do Estado ao pagamento de indenização por dano moral. Atendimento médico prestado. Apelação parcialmente provida, portanto.

(TJSP, 3ª Câm. de Dir. Públ., ApCiv 1032106-77.2016.8.26.0053, rel. Encinas Manfré, j. 26/03/2019, DJe 27/03/2019)

 

Apelação. Responsabilidade civil. Pretensão de compelir o Poder Público a custear as despesas com a internação da autora em hospital particular. Autora que se dirigiu a dois hospitais públicos e não conseguiu atendimento. Internação emergencial em hospital particular, diante de pancreatite e perfuração de úlcera estomacal. Dever do Estado de prestar serviços médicos, com a melhor qualidade possível. Ausente a prestação de serviços nas dependências dos hospitais, caracterizada a ilicitude do ato estatal a justificar o reembolso dos gastos despendidos em hospital da rede privada. Sentença mantida. Recurso desprovido.

(TJSP, 3ª Câm. de Dir. Públ., ApCiv 1050974-69.2017.8.26.0053, rel. Fernão Borba Franco, j. 11/02/2019, DJe 12/02/2019)

 

Também fora do âmbito do tribunal paulista existe sólido posicionamento a respeito do tema, destaque-se:

 

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA E NECESSIDADE. RESSARCIMENTO DE DESPESAS MÉDICAS. INTERNAÇÃO EM UTI DA REDE PRIVADA. AUSÊNCIA DE VAGA NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.

1. Inicialmente não conheço das preliminares de ausência de interesse de agir e de impossibilidade jurídica do pedido, arguidas pela União, pois foram vinculadas ao suposto pedido de fornecimento de medicamentos, que não é objeto de questionamento na inicial e nem decidido pela sentença. O autor pleiteou ressarcimento de despesas hospitalares, em razão da internação de seu genitor na UTI em hospital do setor privado, por ausência de vagas no setor público, portanto, o pedido é possível e o interesse de agir será demonstrado com a análise de mérito da lide.

2. No tocante às preliminares de ilegitimidade passiva dos réus, resta consagrada a jurisprudência no sentido de que, apesar do caráter meramente programático do artigo 196 da Constituição Federal, a responsabilidade é solidária entre os entes federados, integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS, na promoção e garantia do direito fundamental à saúde e à vida, o que envolve ações no campo tanto do fornecimento de medicamentos, como do tratamento médico específico, imediato ou continuado.

3. A Constituição Federal confere à saúde o caráter de direito fundamental, atribuindo ao Poder Público a obrigação de promover políticas públicas específicas, através do Sistema Único de Saúde (artigos 196 e 198).

4. Firma-se a interpretação constitucional da matéria, ou seja, a prevalência da garantia de tutela à saúde do cidadão hipossuficiente, sobre eventual custo financeiro imposto ao Poder Público, pois o Sistema Único de Saúde - SUS deve promover ações e serviços de saúde necessários a pacientes sem condições financeiras, pessoal ou familiar, pois, assim não o fazendo, afasta-se o Estado dessa concepção de tutela social, reconhecida e declarada na Carta Magna.

5. Os princípios invocados pelo Poder Público, inseridos no plano da legalidade, discricionariedade e economicidade de ações e custos, mesmo como emanações do princípio da separação dos Poderes, não podem prevalecer sobre valores como vida, dignidade da pessoa humana, proteção e solidariedade social, bases e fundamentos de nossa civilização.

6. No caso, o autor pleiteia o ressarcimento do valor de R$7.171,47 (sete mil, cento e setenta e um reais e quarenta e sete centavos) relativamente ao período de 07 a 10/12/2002, que teve que despender em favor do hospital Uniclinicas de São José dos Campos/SP, a título de pagamento de despesas concernentes à internação (em Unidade de Tratamento Intensivo) do seu genitor, senhor Antônio Moreira Magalhães, que, posteriormente, em 17/12/02, veio a falecer.

7. Consta que, como o genitor do autor, havia ingressado recentemente no plano de saúde particular, não havia completado a carência necessária para que tivesse acesso à internação na UTI, o hospital o impingiu a firmar termo de autorização e responsabilidade pelo pagamento das eventuais despesas do tratamento. No entanto, apesar de ter se responsabilizado pelas despesas do tratamento, o autor não possuía meios financeiros suficientes para arcar com tais despesas, e diante de tal situação, iniciou as buscas, através da Central de Vagas, por leitos em hospitais públicos ou particulares conveniados ao SUS, para a transferência do seu genitor, o que restou infrutífero, conforme documentação juntada aos autos. Como se observa, não havia leito disponível na rede pública de saúde e, por essa razão, não havia como o genitor do autor ser transferido, tendo sido mantido no hospital particular.

8. O autor continuou em busca de leito disponível na rede pública de saúde, até que, diante de ausência de vaga, o Munícipio de São José dos Campos passou a custear o tratamento do seu pai, a partir de 13/12/2002. No entanto, as despesas do período entre 07 e 10 de dezembro de 2002 ficaram descobertas e foram custeadas pelo autor da ação, em razão da ausência de vaga em leitos de UTI na rede pública de saúde.

9. Destarte, não se sustenta a tese defendida pelos entes federados de que o autor optou por internar seu genitor em um hospital particular. O fato é que não havia vaga na rede pública de saúde, mas apenas em leitos particulares e, diante do grave estado de saúde do seu pai, não teve outra saída a não ser levá-lo ao hospital particular. Assim, demonstrado que os entes federados não mantiveram leitos suficientes em UTI para atendimento pelo SUS, e nem comprovaram que havia leitos disponíveis no período entre 07 e 10/12/2002 e, diante da caracterização de que o direito à saúde é um direito fundamental e indispensável à dignidade da pessoa humana, é de responsabilidade solidária dos réus o custeio na internação de pacientes em leitos de UTI em hospitais particulares.

10. Apelações desprovidas.

(TRF 3ª Região, 3ª T, ApCiv 0007343-76.2005.4.03.6103/SP, rel. Eliana Borges de Mello Marcelo, j. 28/01/2016, DJe 01/02/2016)

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DESPESAS HOSPITALARES. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO.

Todos possuem direito à saúde e é dever do Estado, como determina o art. 196 da Constituição Federal e art. 241 da Constituição Estadual. Descumprimento de ordem judicial, que determinou a disponibilização de leito de UTI pelo SUS para atendimento da paciente. Dever de indenizar as despesas decorrentes do atendimento hospitalar da paciente em clínica não pertencente ao SUS. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, até a vigência da Lei 11.960/09, os juros moratórios são de 1% ao mês, por se tratar de verba alimentar (art. 3° DL 2.322/87). A partir de então, aplica-se o disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97. O termo inicial dos juros moratórios é a data da citação válida (Súmula 204 do STJ). Apelação não provida.

(TJRS, 10ª Cam. Cív, ApCiv 70050054790, rel. Marcelo Cezar Muller, j. 13/12/2012, DJe 06/02/2013)

 

Apelação. Obrigação de fazer. Ressarcimento de gastos com internação em hospital particular. Recurso provido. Inexistindo vaga em UTI na rede pública e sendo a saúde um bem constitucional a ser preservados, deve o ente público arcar com as despesas médico-hospitalares durante o período de internação na rede privada.

(TJRO, 1ª Câm. Esp., ApCiv 0022125-87.2011.8.22.0001, rel. José Viana Filho, j. 19/09/2013, DJe 24/09/2013)

 

Apelação cível. Obrigação de fazer. Internação em UTI. Ausência de vagas. Omissão do ente público. Fornecimento de atendimento médico. Ressarcimento de valores. Tratamento particular. Cabimento. Provimento de recurso. O cidadão que, em virtude de negativa do Estado em fornecer tratamento de saúde, devidamente comprovada nos autos, precisa despender recursos próprios para o fazer, pode ser ressarcido pelos gastos tidos com o referido tratamento. In casu, o ressarcimento dos gastos com a internação em hospital particular deve ser feito pelo Estado, por estar caracterizada a lotação de leitos em UTI na rede pública na época dos fatos, o que impossibilitou a internação do apelante. Recurso a que se dá provimento.

(TJRO, 2ª Câm. Esp., ApCiv 0022219-35.2011.8.22.0001, rel. Walter Waltenberg Silva Junior, j. 22/04/2014, DJe 25/04/2014)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE COBRANÇA. ATENDIMENTO À SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL. INTERNAÇÃO. REDE PÚBLICA DE SAÚDE. FALTA DE VAGA EM UTI. DEVER DO ESTADO. OBRIGAÇÃO DO ENTE PÚBLICO DE CUSTEAR AS DESPESAS DA INTERNAÇÃO EM HOSPITAL PARTICULAR. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

1. É certo que a saúde é direito fundamental previsto nos artigos 6º e 196 do texto constitucional e está intimamente relacionada ao direito à vida (artigo 5º, caput, da CF) e à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, CF).

2. Está pacificado o entendimento de que o Estado deve garantir vaga em hospital público para internação em Unidade de Terapia Intensiva, se a medida for necessária ao tratamento de saúde de paciente acometido de doença grave.

3. Na impossibilidade de prestação do serviço médico-hospitalar em unidade da rede pública de saúde, deve o Distrito Federal arcar com as despesas decorrentes da internação e tratamento do paciente em hospital da rede particular, a partir da comunicação da necessidade de leito de UTI junto à rede pública, o que é feito através do requerimento de inserção do paciente na lista de espera da Central de Regulação de Internação Hospitalar – CRIH.

4. Apelação conhecida e improvida. Unânime.

(TJDF, 7ª Turma Cível, ApCiv 0006441-08.2012.8.07.0001, rel. Romeu Gonzaga Neiva, J. 11/03/2019, DJe 15/03/2019)

(destaques nossos)

 

 

5. CONCLUSÃO

 

Desta forma, verifica-se que princípios constitucionais e direitos essenciais são prejudicados quando da não garantia ao atendimento público, promovido pelo estado nos moldes dos dispositivos constitucionais mencionados.

Oportuno ainda salientar a evidente afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, quando do desamparo estatal nos eventos em saúde, ocasionando demasiadas situações de fragilidade e vulnerabilidade da vida e bem-estar do cidadão.



[1] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

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