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O fornecimento de aparelho auditivo como materialização da cobertura integral por parte do plano de saúde


Autoria:

Emiliani Nascimento


Graduada em direito pela Universidade Salesiana de São Paulo. Advogada especialista em direito médico e à saúde pela Escola Superior de Advocacia de São Paulo

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Resumo:

Ao negar o fornecimento do aparelho auditivo indicado pelo médico assistente o plano de saúde ataca frontalmente direitos fundamentais inerentes ao contrato, quais sejam assegurar a saúde e a vida do consumidor.

Texto enviado ao JurisWay em 28/07/2022.



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Muito se tem discutido acerca da obrigatoriedade de cobertura de tratamentos e procedimentos por parte dos planos de saúde, quando tais eventos não constam no rol da ANS.

Embora a discussão esteja longe de terminar, é oportuno fazermos relevantes considerações acerca dos entendimentos mais recentes que visam garantir os direitos dos pacientes em situação de negativa de cobertura.

Cumpre então abordar o posicionamento dos tribunais no tocante ao fornecimento de aparelho auditivo por parte dos planos de saúde, quando da negativa ao paciente.

Cientificamente, eis o conceito de tratamento trabalhado pelo professor Joffre Marcondes de Rezende, da Universidade Federal de Goiás (UFG):

 

é o conjunto de meios (terapias) visando a debelar uma doença ou proporcionar ao doente cuidados paliativos. Na linguagem médica corrente, usa-se o tratamento como sinônimo tanto de terapia quanto de terapêutica.[1]

 

Em continuidade ao raciocínio, o professor esclarece, citando o dicionário Aurélio, que terapêutica é: "parte da medicina que estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou curar os doentes".

Assim, constata-se que o tratamento não se destina apenas à cura, mas também ao alívio das enfermidades e demais contratempos que afetem a saúde do paciente. Conforme, inclusive, se verifica no art. 35-F da Lei nº 9.656/98:

 

Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1º desta Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes.

 

Ao receber o encaminhamento médico, o paciente que sofre com perda auditiva se vê diante de plausível possibilidade de garantir melhor qualidade de vida e desenvolvimento, inclusive escolar e de alfabetização nos casos de pacientes em fase estudantil.

Neste sentido, o profissional que acompanha o quadro clínico do paciente tem total domínio do diagnóstico a ser realizado, bem como na possibilidade de oferecer ao enfermo um caminho para a materialização de princípios fundamentais como o da dignidade da pessoa humana, uma vez que no centro do direito encontra-se o ser humano.

Portanto, torna-se oportuno pontuar que a indicação clínica do médico assistente é verdadeiramente conhecedora da situação adversa em que possa se encontrar o quadro clínico do paciente, sendo de rigor que tal encaminhamento seja devidamente considerado para o respectivo tratamento a ser realizado.

Desta forma, o Código de Ética Médica (Resolução Conselho Federal de Medicina nº 2.217/2018 Capítulo I, número VII) esclarece acerca da Autonomia do Médico:

 

O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.

 

Destaca-se que o profissional possui ampla liberdade, dentro dos conhecimentos científicos proporcionados pela militância médica, cabendo a este prescrever o melhor tratamento para o paciente.

Dessa forma, ao prescrever a necessidade de utilização de aparelho auditivo, o médico busca amenizar os sintomas da perda auditiva que o paciente vem sofrendo.

Ademais, importa esclarecer que a não cobertura no fornecimento do aparelho auditivo, já prescrito pelo médico assistente, implica em ônus demasiadamente excessivo ao consumidor, confrontando o que determina o próprio Código de Defesa do Consumidor em seu Art. 51:

 

São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

(...)

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

(...)

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

(destaque nosso)

 

Portanto, ao negar o fornecimento do aparelho auditivo indicado pelo médico assistente o plano de saúde ataca frontalmente direitos fundamentais inerentes ao contrato, quais sejam assegurar a saúde e a vida do consumidor.

Razoável presumir-se que, ao se judicializar a demanda, e em havendo dúvida, tal deveria ser deveria ser dirimida em favor do paciente, conforme o princípio da prevalência do direito social à saúde sobre o interesse particular e, também, do art. 47 do Código de Defesa do Consumidor: "Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor".

Uma vez que as mensalidades pagas pelo beneficiário estejam em dia, assegurado está o interesse particular da operadora do plano de saúde, não se desprezando a autonomia privada nem o interesse econômico do contrato de adesão. Assim, é razoável ponderar pelo direito social fundamental à saúde em detrimento do interesse econômico particular.

Por meio do arrazoado ora exposto, evidenciado está que ao negar tratamento ao paciente o plano de saúde lhe impõe uma exagerada desvantagem. Nessa hipótese há, portanto, evidente restrição a direitos fundamentais inerentes à natureza do contrato, o que consequentemente ameaça o objeto, bem como, o equilíbrio contratual, haja vista aparelho o auditivo ser indispensável ao tratamento.

Assim, por meio do amparo da Lei nº 9.656/1998 e do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), a operadora tem o dever de custear o aparelho auditivo ao paciente, não sendo necessário que o aparelho esteja previsto no rol de procedimentos da ANS, sendo suficiente a declaração do médico, que se baseia em critérios científicos.

Nesse sentido, indispensável o esclarecimento que traz o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em seus importantes enunciados sobre o tema:

 

Súmula 96: Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento.

Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.

 

O mesmo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem reconhecendo o direito ao aparelho auditivo no caso de surdez, conforme destacamos:

 

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVADE COBERTURA DE MASTOIDECTOMIA PARA TRATAMENTO DA SURDEZCOM. COLOCAÇÃO DE PRÓTESE AUDITIVA PELO SISTEMA BAHA. AUTORA PORTADORA DE PERDA AUDITIVA NO OUVIDO ESQUERDO. APLICABILIDADE DOCÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CLÁUSULA RESTRITIVA QUE SE MOSTRA ABUSIVA. OBRIGAÇÃO DA APELANTE RECONHECIDA. AÇÃO PROCEDENTE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.

(TJSP, 5ª Câmara de Direito Privado, ApCív nº 1007017-03.2014.8.26.0577, rel. Erickson Gavazza Marques, j. 30/01/2019, DJe de 12/02/2019)

 

Indispensável registrar ainda importante precedente que assegura, inclusive, o princípio da autonomia do Médico:

 

JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Existência de prova suficiente para a formação da convicção do juiz Não caracterização de cerceamento de defesa, ainda que haja pedido expresso de dilação probatória Preliminar rejeitada Recursos improvidos. CONTRATO Prestação de serviços Plano de saúde Negativa de cobertura de prótese/órtese, consistente em aparelho auditivo prescrito ao autor Inadmissibilidade Inclusão, na apólice, de tratamento para a moléstia, devendo toda e qualquer medida tendente a minimizá-la ou eliminá-la ser coberta, nãocabendo à seguradora estabelecer a terapia, o material ou a medicação a ser prescrita, mas ao profissional que assiste o paciente, por ser o profissional habilitado para tanto Inteligência do art. 35-F da Lei nº 9.656/98 Rol da ANS que não é taxativo e prevê cobertura mínima obrigatória(grifos meus) Dano moral. Configuração Manutenção do "quantum" fixado em R$ 7.000,00Recursos improvidos.

(TJSP, 2ª Câm. de Direito Privado, ApCív nº 0003349-36.2015.8.26.0438, rel. Álvaro Passos, j. 06/11/2018, DJe de 08/11/2018).

 

Conclui-se, portanto, ser abusiva a negativa de fornecimento de aparelho auditivo ao paciente e usuário do plano de saúde. Tal negativa afronta direitos consagrados na magna carta, em especial:

 

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

 

Assim, não se pode deixar de reconhecer que, conforme brilhantemente explica o professor de Direito Civil e Processo Civil da EMERJ e Juiz de Direito do TJRJ André Gustavo Corrêa de Andrade:

 

No plano jurídico, como em tudo mais, “o homem é a medida de todas as coisas”[2].A finalidade última do direito é a realização dos valores do ser humano. Pode-se, pois, dizer que o direito mais se aproxima de sua finalidade quanto mais considere o homem, em todas as suas dimensões, realizando os valores que lhe são mais caros.

 

Dessa forma, cabe ao plano de saúde prover a seus pacientes o aparelho auditivo em caso de surdez diagnosticada.



[1] REZENDE, Joffre Marcondes de. Linguagem médica: terapia, terapêutica, tratamento. Revista de Patologia Tropical. Vol. 39 (2): 149-150. abr.-jun. 2010. p. 149.

[2] Citando Protágoras.

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