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O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e os seus reflexos no ordenamento jurídico nacional


Autoria:

Lucas Soares Santos


Olá, Sou Lucas, estudante do curso de Direito Bacharelado da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Além disso, estagio na Justiça Federal de São Luís do Maranhão. Obrigado!

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Resumo:

O presente artigo pretende demonstrar o caráter fundamental no qual se reveste o princípio da dignidade da pessoa humana, mediante a demonstração de sua extrema relevância no ordenamento jurídico nacional.

Texto enviado ao JurisWay em 05/11/2018.

Última edição/atualização em 06/11/2018.



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O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e os seus reflexos no ordenamento jurídico nacional

Lucas Soares Santos [1]

 

RESUMO

O presente artigo pretende demonstrar o caráter fundamental no qual se reveste o princípio da dignidade da pessoa humana, mediante a demonstração de sua extrema relevância no ordenamento jurídico nacional, explicita e implicitamente, e por meio da verificação de sua estreita relação com os direitos fundamentais, com os direitos da personalidade e com o devido processo legal.

Palavras-chave: Dignidade humana. Direitos fundamentais. Ordem constitucional. Devido processo legal.

ABSTRACT

This article intends to demonstrate the fundamental character in which the principle of the dignity of the human being is met, demonstrating its extreme relevance in the national legal system, explicitly and implicitly, and by verifying its close relation with fundamental rights, with personality rights and the due process of law.

Key Words: Human dignity. Fundamental rights. Constitutional order. Due processo of law.

 

1. Introdução

A dignidade da pessoa humana, mesmo antes de sua positivização jurídica, configura-se como um valor emergente das peculiaridades de cada sociedade, sendo objeto dos reflexos espaço-temporais.

O reconhecimento da normatividade do princípio da dignidade da pessoa humana implicou na proclamação dos princípios como normas embasadoras de toda a ordem jurídica.

O ser humano é possuidor de valores éticos indiscutíveis, a exemplo da dignidade, da liberdade e da autonomia. Tais conquistas obtidas no âmbito dos direitos humanos impõem, cada vez mais, uma permanente guarda (FARIAS, 1996, p. 45).

Diretamente relacionado a tais valores, encontra-se o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, exercendo a função de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais e dos direitos da personalidade e constituindo-se como um críterio regente do ordenamento jurídico em sua completude (FARIAS, 1996, p. 54).

Pelo exposto, imperioso aprofundar o conteúdo do princípio da dignidade humana, a partir de seu histórico, entendimento doutrinário acerca de sua conceituação e a sua adequação à ordem constitucional nacional.

 

2. O príncípio da dignidade da pessoa humana enquanto fundamento constitucional

2.1 Histórico

Etimologicamente, o termo “dignidade”, do latim dignitas, consiste em um valor intrínseco, mérito ou nobreza, isto é, aquele merecedor de estima, de honra, de importância (SOARES, 2010).

Conforme Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p.131), o termo “dignidade” é objeto de constante elaboração ao longo da história. Para o autor (2010, p. 131), a dignidade da vida humana, nos tempos da Antiguidade Clássica, estava diretamente ligada à posição do indivíduo no meio social e ao seu nível de prestígio dentre os demais membros de uma comunidade.

Já Cleber Francisco Alves (2001, p. 17) aduz que os alicerces da dignidade da vida humana residem na doutrina do Cristianismo, seja nos manuscritos da Bíblia, seja na longeva tradição da Igreja Católica, os quais são importantes fontes de orientações e mensagens acerca do ser humano, representando a base do entendimento cristão no tocante à dignidade humana.

Na era medieval, por sua vez, tal ideal cristão continuou mantido por importantes nomes da história, tal como Tomás de Aquino, que, explicitamente, utilizava a expressão dignitas humana. Esse doutrinador entendia que a base primordial da humanidade se assentava nos fatos de que o ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus e de possuir, intrinsecamente, a qualidade da autodeterminação (SARLET, 2001).

O ideal da dignidade da pessoa humana, no contexto dos séculos XVII e XVIII – momentos históricos de predominância do pensamento jusnaturalista, defensor da ideia de que um ordenamento jurídico pautado na dignidade humana deveria assegurar ao ser humano a titularidade de direitos e o respeito do Estado a eles –, foi objeto de todo um processo de racionalização e de laicização, porém com a manutenção do entendimento de igualdade entre os seres humanos quanto à dignidade e à liberdade (SOARES, 2010).

No entanto, o principal objeto de atuação do princípio da dignidade da pessoa humana, qual seja, a tutela de inúmeros valores de ética e de civilidade no ordenamento normativo-jurídico mundial, somente passou a ter significativa relevância na primeira metade do século XX, devido aos sérios atos de desumanidade executados pelos regimes totalitários, sobretudo quando do período nazista, regime no qual objetificou-se o ser humano, vítima de exterminações. [1]

Posteriormente à Segunda Guerra Mundial, emergiu um processo de internacionalização dos direitos humanos, a partir do qual passou a ser possível a constitucionalização de tais direitos, que foram denominados como direitos fundamentais, elevando, dessa maneira, a viabilidade de aplicação dos mesmos nas relações sociais presentes em cada ordem jurídica (SOARES, 2010). Percebe-se, assim, a busca de um modelo a ser atingido por todo o mundo, expressado por meio do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948. [2]

 

2.2 Conceito

Ao considerar que a natureza do ser humano é de um ser mutável, dinâmico e sujeito às evoluções sociais e históricas, o entendimento de Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p. 142) é o de que a dignidade da pessoa humana não possui um conceito jurídico, em decorrência da impossibilidade de sua definição de modo absoluto, devendo ser almejada em cada contexto histórico-cultural, em conformidade com os valores de cada caso concreto.

Ainda de acordo com o autor, o princípio da dignidade humana deve ser considerado como uma cláusula geral, para fins de entendimento e defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos, bem como um elo entre as normas rígidas e a permanente necessidade de evolução, diante de um contexto de inúmeras transformações (SOARES, 2010).

Conforme o entendimento de Alexandre de Moraes (2017, p. 35), ao se manifestar na autodeterminação consciente da própria vida e no desejo de respeito por parte das demais pessoas, o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se, também, além de valor moral, como valor espiritual inato ao indivíduo na busca de estima social e da felicidade.

Em decorrência de tamanha importância, Walber de Moura Agra (2014, p. 166) afirma:

Dessa relevância advém suas características: inata, inalienável e absoluta, Inata porque não depende de qualquer tipo de condição para sua realização, seja jurídica ou metajurídica. Inalienável em razão de que não pode ser cedida, nem mesmo por meio de contrato ou por livre vontade. Absoluta, pois não pode ser objeto de mitigação, a não ser em casos específicos, em que haja necessidade de compatibilização, adequando-se ao princípio da proporcionalidade.

 

Ensina, também, Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p.60):

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

 

Evilásio Almeida Ramos Filho (2014, p. 29-30) ressalta, ainda, que o princípio da dignidade da pessoa humana não apenas tutela os direitos fundamentais, mas também atua em um papel de regulação e de limitação, reprimindo, dessa forma, o uso abusivo de direitos, o que acaba por violar outros direitos.

No contexto atual, conforme o entendimento de Fahd Awad (2006, p. 6), a necessidade de defender os direitos constitucionalmente assegurados, como a dignidade da vida humana e os direitos da personalidade, acentua-se ainda mais ante as evoluções tecnológica e científica, as quais intensificam os perigos e os danos aos indivíduos.

Diante da unânime relevância do princípio da dignidade da pessoa humana na atual sociedade, Ana Paula de Barcellos(2002, p. 103) entende que uma das poucas concordâncias, na atualidade, é relativa ao valor fundamental do ser humano, revestindo-se a dignidade da vida humana da roupagem de postulado da civilização ocidental e, por certo, o único restante no novo milênio.

Assim sendo, é possível asseverar que o princípio da dignidade da pessoa humana configura-se como um atributo inato a qualquer indivíduo, não importando, para tanto, a sua crença, o seu sexo, a sua origem, a sua raça ou a sua condição social, devendo ser respeitado pelo Estado e pelas demais pessoas tão somente pelo fato de alguém possuir a condição humana e impedindo qualquer movimento na tentativa de discriminar ou objetificar o homem (NOVELINO, 2015, p. 252).


2.3 O princípio da dignidade da pessoa humana na ordem constitucional brasileira

A adoção da positivização, constitucionalmente, do postulado da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais que dele se originam reflete-se, claramente, no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988, por exemplo, na qual tal postulado encontra-se previsto no art. 1º, III, enquanto um princípio fundamental, estabelece que o mesmo configura-se como um fundamento essencial para o Estado Democrático de Direito.

Nesses termos, posiciona-se o Supremo Tribunal Federal [3]:

“A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III)– significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.” (HC 85.237, Rel. Min. Celso de Melo, j. 17/03/05, DJ 29/04/05).

 

Ao considerar o princípio da dignidade da pessoa humana como um princípio basilar da Constituição Federal, atribuiu-se ao ideal da dignidade humana a característica de norma sustentáculo de todo o ordenamento jurídico, a qual rege o entendimento de todo o rol de direitos fundamentais (NOVELINO, 2016, p. 251).

Conforme o entendimento de Marcelo Novelino (2016, p. 251):

Núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, a dignidade é considerada o valor constitucional supremo e, enquanto tal, deve servir, não apenas como razão para a decisão de casos concretos, mas principalmente como diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem a ordem jurídica em geral, e o sistema de direitos fundamentais, em particular.

 

E também Edilson Pereira de Farias (1996, p. 66):

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte jurídico-positiva de direitos fundamentais. Aquele princípio é o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Destarte o extenso rol de direitos e garantias fundamentais consagrados no título II da Constituição Federal de 1988, traduz uma especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Em suma, os direitos fundamentais são uma primeira e importante concretização desse último princípio, quer se trate dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), dos direitos sociais (arts. 6º e 11), ou dos direitos políticos (art. 14 a 17).

 

Portanto, é claramente admissível que a introdução, na Carta Maior, do princípio da dignidade da pessoa humana reveste-se de essencialidade na busca pela efetiva proteção do texto constitucional e o seu amplo desenvolvimento pelos órgãos aplicadores do direito.

Além de ser incluído como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade ainda se faz presente, expressamente, em outras passagens da Constituição Federal de 1988, como no art. 227, caput – estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado garantir à criança e ao adolescente o direito à dignidade –, no art. 227, §7º - preceitua que os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável são basilares ao planejamento familiar – e no art. 230, caput – dispõe que o dever de amparo aos idosos é da família, da sociedade e do Estado, tutelando a sua dignidade.

Implicitamente, o princípio da dignidade humana ainda está contido em outros artigos constitucionais, como no art. 3º, I – que estabelece que construir uma sociedade livre, justa e solidária é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil – e no art. 3ª, IV – inclui como outro objetivo fundamental a promoção do bem estar de todos os indivíduos, sem quaisquer formas de preconceito e de discriminação.

Dessa maneira, torna-se perfeitamente possível conceituar o princípio da dignidade da pessoa humana como um atributo inerente e indiscutível de todos os seres humanos, tornando-os dignos de tratamento e proteção iguais por parte do Poder Público e da sociedade no sentido mais amplo, independentemente de origem, sexo, idade, condição social (NOVELINO, 2016, p. 252).

Por meio desse complexo, asseguram-se aos indivíduos o chamado mínimo existencial para uma vida favorável, isto é, um conjunto de bens e utilidades básicas imprescindíveis para uma vida humana digna, bem como a vedação a qualquer atitude discriminante (NOVELINO, 2016, p. 463).

Ainda nesse sentido, conforme Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2015, p. 127) pode-se afirmar que a dignidade humana tem como cerne a integridade moral e física a todos os indivíduos pelo simples fato de sua existência no mundo, além de assegurar a sua autonomia e o livre desenvolvimento de sua personalidade.

Sob o ângulo do princípio da dignidade da pessoa humana, o ser humano possui um fim em si próprio, assume o papel de epicentro no ordenamento jurídico, na medida em que as normas são elaboradas para os indivíduos e para sua realização existencial (CHAVES E ROSENVALD, 2015, p. 127).

Nas palavras de Kant (2009, pp. 58-59):

Agora eu afirmo: o homem - e, de uma maneira geral, todo o ser racional - existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim. Todos os objetos das inclinações têm um valor apenas condicional, pois se não existissem as inclinações e as necessidades que nelas se fundamentam seria sem valor o seu objeto. As próprias inclinações, porém, como fontes das necessidades, tão longe estão de possuir um valor absoluto que as torne desejáveis em si mesmas que, muito pelo contrário, melhor deve ser o desejo universal de todos os seres racionais em libertar-se totalmente delas. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres, cuja existência não assenta em nossa vontade, mas na natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, um valor meramente relativo, como meios, e por isso denominam-se coisas, ao passo que os seres racionais denominam-se pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, ou seja, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, portanto, nessa medida, limita todo o arbítrio (e é um objeto de respeito).

 

Além do que, importante ressaltar, também, que o princípio da dignidade da pessoa humana, tão significativo no ordenamento jurídico brasileiro, não deve ser encarado apenas como princípio, isto é, somente em seu sentido formal, mas também enquanto regra e como metanorma, isto é, como diretriz a ser observada na criação e na interpretação de outras normas (NOVELINO, 2016, p. 254).

Relacionados com a dignidade humana, emergem alguns deveres, os quais, quando não cumpridos, geram sua violação no plano jurídico. Dentre eles, destacam-se os deveres de respeito, de proteção e de promoção (NOVELINO, 2016, p. 253).

O dever de respeito não permite a prática de atos atentatórios à tal dignidade, impedindo que determinada pessoa seja tratada, mediante desprezo à sua condição, como um mero meio para o alcance de dada finalidade (NOVELINO, 2016, p 253).

O dever de proteção, por sua vez, estabelece que incumbe aos Poderes Públicos defender a dignidade humana, por meio de normas adequadas, contra toda lesão, criminalizando condutas nesse sentido. Finalmente, o dever de promoção exige a adoção de medidas que possibilitem acessar aquilo que configura-se como imprescindível para uma vida digna, impondo, também, ações positivas do Estado (NOVELINO, 2016, p. 253).

No que se refere ao aspecto material do princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, à sua força normativa, presente uma dupla eficácia: a objetiva e a subjetiva.[4]

A dimensão objetiva da dignidade humana fundamenta-se na compreensão da independência dos direitos fundamentais frente aos seus titulares, apresentando o caráter de um conjunto de valores e finalidades por meio da ação direta do Estado.[5]

Já a dimensão subjetiva da dignidade da pessoa humana corresponde ao seu status negativo, isto é, à prerrogativa do indivíduo de opor-se à interferência do Poder Público sobre a sua liberdade, bem como ao seu status positivo, cenário em que o titular possui um nível de liberdade que depreende a ação do Estado, que, por sua vez, assume a obrigação de oferecer o mínimo para a sobrevivência dos seus indivíduos. [6]

Nesse contexto, é possível analisar, ainda, a capacidade de o princípio da dignidade da pessoa humana produzir eficácia jurídica positiva, negativa e hermenêutica. [7]

Assim, a eficácia positiva significa a garantia à pessoa favorecida pela norma na qual reside o direito fundamental do direito de gerar efeitos inatos à tal norma, por meio de medidas administrativas ou judiciais, para fins de alcançar a prestação do Estado. [8]

Já a eficácia negativa, por sua vez, limita as ações estatais e de particulares ofensoras à liberdade das pessoas. A eficácia negativa, então, atribui aos indivíduos a possibilidade de questionamento das normas contrárias à dignidade humana. [9]

No tocante à eficácia negativa, explica Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 110):

Não restam dúvidas de que toda a atividade estatal e todos os órgãos públicos se encontram vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-lhes, nesse sentido, um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal quanto no dever de protegê-la contra agressões por parte de terceiros, seja qual for sua procedência.

 

Finalmente, a eficácia hermenêutica consiste no fato de que o princípio da dignidade da pessoa humana deve pautar a interpretação e execução das normas jurídicas - constitucionais e infraconstitucionais –, a fim de que o intérprete julgue a mais adequada na defesa de uma vida digna. [10]

Ademais, partindo-se para termos práticos quanto ao princípio ora em análise, segundo Alexandre de Moraes (2017, p. 35), o Supremo Tribunal Federal, ao interpretá-lo, promoveu a edição da Súmula Vinculante nº 11, que assim estabelece:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

 

Explica, ainda, Moraes (2017, p. 35) que, no tocante ao tratamento constitucional da tortura, o princípio da dignidade humana e a Lei da Anistia, o Supremo Tribunal Federal decidiu que:

[...] o argumento descolado da dignidade da pessoa humana para afirmar a invalidade da conexão criminal que aproveitaria aos agentes políticos que praticaram crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não, durante o regime militar, não prospera.

 

É de suma importância ressaltar, também, a necessidade de verificação da intrínseca relação entre a dignidade humana e a personalidade, uma vez que todas as normas relativas à esta têm de estar vocacionadas à dignidade do ser humano (CHAVES E ROSENVALD, 2015, p. 130).

Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 85), sobre a ligação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade, aduz que:

[...] é precipuamente com fundamento no reconhecimento da dignidade da pessoa por nossa Constituição, que se poderá admitir, também entre nós e apesar do Constituinte neste particular, a consagração – ainda de modo implícito – de um direito ao livre desenvolvimento da personalidade [...] situa-se o reconhecimento e proteção da identidade pessoal (no sentido de autonomia e integridade psíquica e intelectual), concretizando-se – entre outras dimensões – no respeito pela privacidade, intimidade, honra, imagem, assim como o direito ao nome, todas as dimensões umbilicalmente vinculadas à dignidade da pessoa.

 

Dessa forma, pode-se verificar que, apesar de o princípio fundamentar, em maior ou menor escala, todas as normas jurídicas, o mesmo relaciona-se mais proximamente com dois tipos de direitos: os direitos fundamentais e os direitos da personalidade.

 

2.3.1 Os direitos fundamentais

Empregando expressões como “direitos humanos”, “direitos públicos subjetivos”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais”, “direitos humanos fundamentais”, “direitos naturais”, entre outras, a expressão “direitos fundamentais” não é unânime na doutrina.

Quanto ao texto constitucional, essa pluralidade de termos também se faz presente, fazendo-se referência a “direitos humanos” – arts. 4º, II e 7º -, “direitos e garantias fundamentais” – Título II e art. 5º, §1º -, “direitos e garantias individuais” – art. 60, §4º, IV – e “direitos fundamentais da pessoa humana” – art. 17 –, entre outros.

Conforme Sarlet (2001, p. 31), necessário distinguir as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”. A primeira deveria ser atribuída “para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado”, ao passo que a segunda deveria fazer referência:

[...] àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

 

Ainda segundo Sarlet (2001, p. 35), tal diferenciação entre as duas categorias de direitos não assume caráter substancial, mas tão somente indica se sobre os mesmos incide o direito internacional – no caso dos direitos humanos – ou o direito constitucional de um dado Estado – no caso dos direitos fundamentais.

Já no tocante à efetividade desses direitos, a distinção tem fundamental relevância, visto que a expressa previsão dos direitos humanos em um texto constitucional lhes permite mais possibilidade de efetivação (SARLET, 2001, p. 36).

Na Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais são previstos extensamente. A título de ilustração, no Título II da CRFB/88, presente está o art. 5º com seus inúmeros incisos, o qual estabelece os direitos e deveres individuais e coletivos. Ainda no Título II, também previstos os arts. 6º e 7º, que dispõem acerca dos direitos sociais e dos trabalhadores.Fora do Título II, também enquadrado como direito fundamental o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, por meio do art. 225.

Ademais, o art. 5º, §2º do texto constitucional previu os direitos fundamentais denominados implícitos e decorrentes, não previstos explicitamente na Constituição Federal, em virtude da impossibilidade de determinar de maneira taxativa e imutável todos os direitos que devem assumir o caráter de fundamentais.

 

2.3.2 Os direitos da personalidade

Consagrados explicitamente dos arts. 11 a 21, do Código Civil, os direitos da personalidade possuem íntima relação com os direitos fundamentais, visto que não vislumbram qualquer diferenciação em virtude de cores, raças ou sexos e assumem um essencial papel no real alcance de uma vida digna, livre e igualitária a todos (TARTUCE, 2015, p. 89).

Previstos de maneira não taxativa, mas meramente exemplificativa no Código Civil brasileiro, fortalece-se, cada vez mais, o ideal de constitucionalização da proteção ampla e ilimitada da personalidade humana (CHAVES E ROSENVALD, 2015, p. 138).

Dessa maneira, hodiernamente, evidencia-se, ainda mais, a tamanha relevância dos direitos da personalidade nos campos teórico e, sobretudo, prático, objeto de um exame detalhado a seguir.

 

2.3.2.1 Histórico

Conforme o entendimento de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2015, p. 137), no mundo grego, os direitos da personalidade não eram considerados, visto que, naquela época, na Grécia Antiga, o indivíduo não possuía qualquer prestígio, mas apenas a sua condição social e os direitos dela decorrentes.

Para Chaves e Rosenvald (2015, p. 137), a tutela da personalidade humana somente foi iniciada de maneira mais relevante através do Cristianismo e do ideal de fraternidade universal. O entendimento de pessoa, feita à imagem e semelhança de Deus e possuidor de racionalidade, emerge da tradição cristã, fazendo serem assegurados os direitos da personalidade.

Os autores (2015, p. 137) explicam, ainda, que, na Era Medieval, por sua vez, a proteção à personalidade do ser humano, como à sua liberdade, ganhou ainda mais força por meio da Magna Carta de 1215, a qual reconheceu, de maneira implícita, os direitos da personalidade.

Posteriormente, segundo Chaves e Rosenvald (2015, p. 137), surge, em 1789, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, importante documento à valorização da proteção da personalidade do ser humano e de direitos individuais. Contudo, apenas no período Pós-Segunda Guerra Mundial, em virtude de todas as atrocidades cometidas contra as pessoas e contra os povos, torna-se evidente a necessidade de assegurar uma tutela fundamental da personalidade humana. Com esse entendimento, promulgou-se, em 1948, a Declaração Universal de Direitos.

No contexto brasileiro, de acordo com Flávio Tartuce (2015, p. 88), tornou-se forte o processo de constitucionalizar tal proteção à personalidade humana, assumindo, nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 o papel de enumerar os direitos fundamentais colocados à disposição da pessoa humana, com o objetivo de conferir maior efetividade à dignidade da vida humana.

No plano infraconstitucional, por sua vez, o Código Civil de 2002 assegurou os direitos da personalidade em um só capítulo de seu texto, dos arts. 11 a 21, sendo esta uma de suas principais inovações, segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017, p. 66).

 

2.3.2.2 Conceito

A partir da ideia de que a personalidade tem como cerne a dignidade da pessoa humana, os direitos da personalidade configuram-se como direitos verdadeiramente subjetivos, inatos e essenciais à própria natureza humana. Assim, são entendidos como direitos que tutelam qualidades morais, físicas e psíquicas do ser humano (CHAVES E ROSENVALD, 2015, p. 139).

O entendimento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017, p. 67) também corrobora a ideia de que os direitos da personalidade são aqueles que possuem como objeto os atributos físicos, morais e psíquicos dos indivíduos e de suas relações na sociedade.

Conforme Orlando Gomes (1995, p.153), inseridos nos direitos da personalidade encontram-se “os direitos essenciais à pessoa humana, a fim de resguardar a sua própria dignidade”.

Além disso, afirmam, também, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017, p. 67):

A ideia a nortear a disciplina dos direitos da personalidade é a de uma esfera extrapatrimonial do indivíduo, em que o sujeito tem reconhecidamente tutelada pela ordem jurídica uma série indeterminada de valores não redutíveis pecuniariamente, como a vida, a integridade física, a intimidade, a honra, entre outros.

 

Segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2015, p. 139), tratando-se de elementos em constante e cotidiana evolução, os direitos da personalidade permitem à determinada pessoa atuar em sua própria defesa, seja no aspecto físico, intelectual ou psíquico.

Nas palavras de Chaves e Rosenvald (2015, p. 139), os direitos da personalidade:

Compõem, em verdade, um conjunto de prerrogativas jurídicas reconhecidas à pessoa, atinentes aos seus diferentes aspectos em si mesma e às suas projeções e aos seus prolongamentos.

 

Tamanho é o valor dos direitos da personalidade que Flávio Tartuce (2015, p. 91) compara:

Didaticamente, podemos aqui trazer uma regra de três, afirmando que, na visão civil-constitucional, assim como os direitos da personalidade estão para o Código Civil, os direitos fundamentais estão para a Constituição Federal. Justamente por isso é que o Enunciado n. 274 da IV Jornada de Direito Civil estabelece que o rol dos direitos da personalidade previsto entre os arts. 11 a 21 do CC é meramente exemplificativo (numerus apertus). Aliás, mesmo o rol constante da Constituição não é taxativo, pois não exclui outros direitos colocados a favor da pessoa humana.

 

Em resumo, pode-se concluir que os direitos da personalidade decorrem da dignidade do ser humano, defensora dos seus principais valores, seja em detrimento do Poder Público ou da sociedade em geral, exteriorizando aquilo que é considerado como o mínimo a uma vida digna (CHAVES E ROSENVALD, 2015, p. 140).

Para reforçar ainda mais a evidente simbiose entre direitos da personalidade e dignidade do ser humano e a impossibilidade de se definir, taxativamente, os direitos da personalidade, ficou estabelecido, por meio do Enunciado nº 274 da Jornada de Direito Civil, que “os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição Federal”.

 

2.3.2.3 Características

Em decorrência do forte elo com a própria natureza humana, em suas influências física, moral e mental, são bem peculiares as características que marcam os direitos da personalidade (GAGLIANO E FILHO, 2017, p. 68).

Os direitos da personalidade são gerais, ou seja, eles são atribuídos a todos os indivíduos, apenas pelo fato de estarem presentes no humano, sendo direitos inerentes à pessoa humana (GAGLIANO E FILHO, 2017, p. 68).

São absolutos, significando que são causadores de efeitos erga omnes e determinam a todos a obrigação de cumpri-los (GAGLIANO E FILHO, 2017, p. 68).

Outra característica marcante dos direitos da personalidade é o fato de serem indisponíveis. Desse modo, não é permitido àquele que o possui dele livrar-se total ou permanentemente, ou seja, nem pelo espontâneo desejo do titular o direito pode mudar de mãos. Essa característica também engloba a irrenunciabilidade, por meio da qual o titular dos direitos da personalidade não pode abdicá-los, e a inalienabilidade, o que significa a não permissão de ser transmitido, seja de maneira onerosa, seja de maneira gratuita (GAGLIANO E FILHO, 2017, p. 68).

Quanto à característica da indisponibilidade dos direitos da personalidade, explica Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2015, p. 142):

Dessa maneira, muito embora os direitos da personalidade sejam indisponíveis ao seu titular, admite-se, eventualmente, a cessão do seu exercício, em determinadas situações e dentro de certos limites. Significa, pois, a possibilidade do titular de um direito da personalidade dele dispor, dês que em caráter relativo, não sacrificando a própria dignidade.

 

Como ilustração dessa natureza relativa da indisponibilidade dos direitos da personalidade a cessão de direitos autorais ou o fato de ser possível ceder, gratuita ou onerosamente, o uso do direito à imagem para determinada publicação (CHAVES e ROSENVALD, 2015, p. 143). Entretanto, tal relativização apenas pode ser concretizada se o ato de dispor não seja genérico, não seja permanente e não viole a dignidade do indivíduo titular do direito.

Os direitos da personalidade também constituem-se como extrapatrimoniais, característica que significa dizer que não podem ser apreciados do ponto de vista econômico, apesar de, excepcionalmente, os casos de ofensa a tais direitos possuírem efeitos econômicos (GAGLIANO E FILHO, 2017, p. 68).

São também imprescritíveis, isto é, não há prazo determinado para exercê-los, razão pela qual os direitos da personalidade não se extinguem pelo não uso. Essa característica significa, também, que uma violação a qualquer direito da personalidade não será passível de convalidação com o decorrer do tempo (GAGLIANO E FILHO, 2017, p. 68).

No contexto da imprescritibilidade dos direitos da personalidade, é necessário destacar que essa característica refere-se aos efeitos temporais para aquisição ou fim desses direitos e não com a validade de aspiração indenizatória decorrente de lesão à personalidade. No segundo caso, o titular tem a possibilidade de requerer ressarcimento pelos prejuízos que lhe foram causados, o que irá prescrever dentro do período de 03 (três) anos, conforme preceitua o art. 206, §3º, do Código Civil (GAGLIANO E FILHO, 2017, p. 68).

Finalmente, outra característica definidora dos direitos da personalidade é a sua vitaliciedade, sendo inerentes ao ser humano e permanentes, só sendo objeto de extinção quando da morte do titular (GAGLIANO E FILHO, 2017, p. 69).

 

2.3.2.4 Classificação

Os direitos da personalidade podem ser divididos em três grandes grupos, conforme Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017, p. 69), quais sejam: integridade física – direito à vida, direito ao cadáver e direito ao próprio corpo –; integridade moral – direito à liberdade, direito à intimidade, direito à honra, direito à imagem, direito à vida privada, entre outros –; integridade intelectual – direito à autoria científica ou literária, entre outros.

Apesar de tal classificação, é importante ressaltar a impossibilidade de estabelecer um rol taxativo e definidor dos direitos da personalidade, visto a amplitude e evolução dessa categoria de direitos, abrangendo as mais diversas áreas da vida humana, tais como os elementos físicos, sociais, culturais, psíquicos, entre outros (CHAVES E ROSENVALD, 2015, p. 171).

Com foco maior no segundo grupo, em razão da natureza do presente trabalho, o direito à integridade moral configura-se como a proteção a qualidades psicológicas inerentes às pessoas, como a sua honra, a liberdade, a imagem, a vida privada, a intimidade e o nome, impondo-se, dessa maneira, a proteção nesse sentido, por parte do Estado e da sociedade em geral, a todo e qualquer indivíduo (CHAVES E ROSENVALD, 2015, p. 201-202).

Esses direitos estão assegurados na Constituição Federal, sempre com o centro na dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, destacam-se o art. 5º, incisos V e X, que assim dispõem:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 

Consoante o entendimento de Edilson Pereira de Farias (1996, p. 105), os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem tem um caráter dúplice, uma vez que, de um lado, se constituem como direitos fundamentais, do outro, são, simultaneamente, direitos da personalidade, também protegidos legalmente pelo Código Civil, nos seus arts. 11 a 21.

Para Farias (1996, p. 106):

Na verdade, os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem foram paulatinamente sendo perfilados primeiramente como direitos subjetivos da personalidade, com eficácia prevalente no âmbito inter privato para só mais tarde alcançar a estatura constitucional.

 

Diante de todo o exposto, constata-se que a dignidade da pessoa humana é o núcleo da personalidade e que os direitos da personalidade visam tutelar tal dignidade, visto que têm como fim precípuo não permitir que as pessoas sejam, por qualquer forma, discriminadas, seja pela sociedade, seja pelo Poder Público (NOVELINO, 2016, p. 253).

 

3. O princípio da dignidade da pessoa humana e o devido processo legal

Influenciado pelos valores do Estado liberal de Direito, segundo Marinoni (2005, p. 13), o processo jurisdicional surgiu como instrumento de defesa de direitos subjetivos privadora eventualmente lesados. Tal tutela acarretou na elaboração da teoria da atuação da vontade da lei e, por conseguinte, nas teorias clássicas de Chiovenda e de Carnelutti.

Contudo, na Era Moderna, novos fatos e valores sociais emergiram, o que motivou um remodelamento da finalidade mencionada do processo jurisdicional, em direção a configurá-lo como um instrumento concretizador dos direitos fundamentais sociais.

A pós-modernidade jurídica também seguiu nesse sentido, sendo marcada por pluralidade – o processo deixa de solucionar apenas conflitos individuais, tornando-se mais heterogêneo –, discursividade – vislumbrada pela valorização da retórica processual e pelo exercício da comunicação – e relatividade – negação de um processo rígido, fechado e exercício de um papel ativo do julgador.

Assim, consolida-se o direito fundamental à obtenção de uma tutela jurisdicional eficaz, impondo ao julgador o dever de eliminar lacunas que constituem obstáculos a tal tutela e retirar das normas jurídicas o potencial necessário para efetivar qualquer espécie de direito material, o que inclui, por óbvio, os direitos fundamentais, cumprindo, assim, as exigências para o alcance de uma vida digna.

Dessa maneira, a busca por essa ordem jurídica justa relaciona-se, intimamente, ao devido processo legal, em virtude de este ter a obrigação de possibilitar o meio e o fim para a materialização de um direito efetivamente justo, devendo, para tanto, demonstrar os caminhos para a obtenção dessa justiça e ser obediente aos valores ético-sociais de uma determinada sociedade.

Essa relação meio-fim que caracteriza o devido processo legal na atualidade define o caráter democrático do processo nacional no intuito de alcançar decisões jurídicas eficazes e concretiza, em termos práticos, os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo este princípio pautar e operacionalizar o devido processo legal.

 

4. Considerações finais

Dado ao exposto, verifica-se que o princípio da dignidade da pessoa humana assegura a todos os indivíduos, tão somente pela sua existência no mundo, integridades física e moral, tutela de valores espirituais e a manutenção das condições mínimas de subsistência.

A dignidade humana ostenta o status de fundamento da República Federativa do Brasil e de princípio basilar do ordenamento jurídico nacional, pautando a aplicação e a interpretação de suas normas e de seus valores éticos e sociais.

Se desdobrando em várias outras regras e em inúmeros princípios pela ordem constitucional brasileira, o sentido jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana reside em impedir qualquer discriminação e/ou objetificação dos indivíduos e na defesa da igualdade e da subsistência humanas.

Ademais, este princípio potencializa a obtenção da justiça ao possibilitar uma aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais, o reconhecimento da essencialidade na qual se revestem os direitos sociais e a recusa a qualquer forma de retrocesso no tocante aos direitos fundamentais.

No que se refere ao devido processo legal, este não pode ser compreendido de maneira apartada do princípio da dignidade humana, visto que configura-se como um dos reflexos desse princípio e como um dos meios de proteção de uma existência digna.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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______. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro 2002. Brasília, 2002. Disponível em: . Acesso em: 04 nov. 2018.

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FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1996.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Saraiva, 2017.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado contemporâneo. Estudos de Direito Processual Civil. Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: RT, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016. São Paulo: Atlas, 2017.

NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

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TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

 

[1] Discente do Curso de Direito Bacharelado da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).



[1]ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. O princípio fundamental da dignidade humana e sua concretização judicial. Disponível em Acesso em 21 out. 2018.

[2]  Artigo 1º: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

[3]HC 85.237, Rel. Min. Celso de Melo, j. 17/03/05, DJ 29/04/05.

[4]SOARES, Ricardo Maurício Freire. O discurso constitucional da dignidade da pessoa humana: uma proposta de concretização do direito justo no pós-positivismo brasileiro. 2008. 277 f. Tese (Doutorado em Direito Público) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, Bahia, 2008, p. 179.

[5]  Ibid, p. 180.

[6]SOARES, Ricardo Maurício Freire. O discurso constitucional da dignidade da pessoa humana: uma proposta de concretização do direito justo no pós-positivismo brasileiro. 2008. 277 f. Tese (Doutorado em Direito Público) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, Bahia, 2008, p. 179.

[7]  Ibid, p. 180.

[8] Ibid, p. 180.

[9] Ibid, p. 181.

[10] Ibid, p. 181.

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