A Lei 9605/98 especificou, de forma clara e objetiva, a responsabilidade penal, tanto da pessoa física quanto da jurídica (ente coletivo). Transformou em crimes a maioria das condutas que antes eram tidas como simples contravenções penais. As penas estipuladas atingem, em média, de um a três anos. Corrigiu distorções existentes no Código de Caça; como exemplo disto temos o fato de um simples camponês, que abate um animal silvestre para consumo, ser submetido à alta punição, em crime inafiançável; enquanto os latifúndios são pulverizados com agrotóxicos e ficam isentos de sanções penais.
A inovação da lei 9605/98 foi instituir tal responsabilidade às pessoas jurídicas, quando praticarem crimes contra o meio ambiente. Pode-se acreditar que tal fato foi decorrente das recomendações do " 15º Congresso da Associação Internacional de Direito Penal", no Rio de Janeiro, em 1994. O legislador, dentro deste assunto, optou pelo sistema da Responsabilidade Penal Cumulativa, onde a responsabilidade do ser coletivo não exclui a de seus diretores e administradores, considerando o nexo entre os fatos praticados pela pessoa jurídica e as vantagens que deles podem decorrer às pessoas físicas acima citadas.
O Prof. JOSÉ FREDERICO MARQUES, com clareza magistral, prelecionava o quanto segue: "O Direito Penal tem suas sanções específicas, o que, no entanto, não significa que a pena não se filie, como espécie do mesmo gênero, ao conceito geral de sanção que a doutrina jurídica formula"; e, mais adiante, arrematava, dizendo: "pena e medida de segurança constituem espécies da sanção penal"; por fim, advertia que as penas acessórias (existentes à época) tinham "caráter de sanção penal". É certo que a Reforma da Parte Geral do Estatuto Repressivo, introduzida pela Lei nº 7.209/84, acabou com as chamadas penas acessórias, transformando-as em efeitos secundários da sentença penal condenatória (arts. 91 e 92 da Nova Parte Geral). No entanto, os Profs. ZAFFARONI e PIERANGELI4, como Penalistas modernos, fazem a seguinte observação acerca do tema: "Esclarecemos ter o Código vigente abandonado o sistema de penas principais e acessórias. Todavia, assaltam-nos dúvidas sobre não serem os chamados 'efeitos da condenação' também penas, pelo menos nas hipóteses em que a sua natureza seja penal".
5. Responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz da jurisprudência
O colendo Superior Tribunal de Justiça, sobre o tema em comento, em consonância com os dispositivos anteriormente citados da nossa Constituição Federal reconhece a possibilidade de que seja responsabilizada a pessoa jurídica quando esta seja sujeito ativo de delito. Conforme veremos adiante:
EMENTA:
”RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL.
CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.
POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
OCORRÊNCIA.
1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força
de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a
sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da
pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua
qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o
fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine
actio humana.
2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas
incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa
jurídica, é de rigor.
3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício.”
REsp. 16696/PR, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO (1112), Órgão julgador - T.6 – Sexta Turma, data do julgamento 09/02/2006, P. DJU 13/03/2006.
EMENTA: “HABEAS CORPUS. CRIMES AMBIENTAIS. INÉPCIA DA DENÚNCIA: INOCORRÊNCIA.
EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. EXAME DE PROVAS.
AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA
PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO “SOCIETAS
DELINQUERE NON POTEST”. RESPONSABILIDADE SOCIAL. VIOLAÇÃO DO ART.
225, §3º, DA CF/88 E DO ART. 3º DA LEI 9.608/98. POSSIBILIDADE DO
AJUSTAMENTO DAS SANÇÕES PENAIS A SEREM APLICADAS À PESSOA JURÍDICA.
NECESSIDADE DE MAIOR PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE.
Descabe acoimar de inepta denúncia que enseja a adequação típica,
descrevendo suficientemente os fatos com todos os elementos
indispensáveis, em consonância com os requisitos do art. 41 do
Código de Processo Penal, de modo a permitir o pleno exercício do
contraditório e da ampla defesa.
A alegação de negativa de autoria do delito em questão não pode ser
apreciada e decidida na via do habeas corpus, por demandar exame
aprofundado de provas, providência incompatível com a via eleita.
Ordem denegada.”
Hc. 43751/ES, Rela. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106), T5 – Quinta Turma, Data do julgamento 15/09/2005, DJU – 17/10/2005, pág. 324.
“116247528 – HABEAS CORPUS – CRIMES AMBIENTAIS – INÉPCIA DA DENÚNCIA: INOCORRÊNCIA – EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE – EXAME DE PROVAS – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA – CABIMENTO – MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO "SOCIETAS DELINQUERENON POTEST". RESPONSABILIDADE SOCIAL – VIOLAÇÃO DO ART. 225, §3º, DA CF/88 E DO ART. 3º DA LEI 9.608/98 – POSSIBILIDADE DO AJUSTAMENTO DAS SANÇÕES PENAIS A SEREM APLICADAS À PESSOA JURÍDICA – NECESSIDADE DE MAIOR PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE – Descabe acoimar de inepta denúncia que enseja a adequação típica, descrevendo suficientemente os fatos com todos os elementos indispensáveis, em consonância com os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, de modo a permitir o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. A alegação de negativa de autoria do delito em questão não pode ser apreciada e decidida na via do habeas corpus, por demandar exame aprofundado de provas, providência incompatível com a via eleita. Ordem denegada. (STJ – HC 200500708416 – (43751 ES) – 5ª T. – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 17.10.2005 – p. 00324) JCF.225 JCF.225.3 JCPP.41”
“213611 – CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE – EXTRAÇÃO DE PRODUTO MINERAL SEM AUTORIZAÇÃO – DEGRADAÇÃO DA FLORA NATIVA – ARTS. 48 E 55 DA LEI Nº 9.605/98 – CONDUTAS TÍPICAS – RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA – CABIMENTO – NULIDADES – INOCORRÊNCIA – PROVA – MATERIALIDADE E AUTORIA – SENTENÇA MANTIDA – 1. Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, a Constituição Federal (art. 225, § 3º) bem como a Lei nº 9.605/98 (art. 3º) inovaram o ordenamento penal pátrio, tornando possível a responsabilização criminal da pessoa jurídica. 2. Nos termos do art. 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo, se dele não resultar prejuízo à defesa (pas de nullité sans grief). 3. Na hipótese em tela, restou evidenciada a prática de extrair minerais sem autorização do DNPM, nem licença ambiental da fatma, impedindo a regeneração da vegetação nativa do local. 4. Apelo desprovido. (TRF 4ª R. – ACr 2001.72.04.002225-0 – SC – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro – DJU 20.08.2003 – p. 801)JCF.225 JCF.225.3 JCPP.563”
6. CONCLUSÃO
Contrapondo-se ao princípio "societas delinquere non potest", a lei brasileira (Constituição Federal/88, art. 225 § 3º e Lei dos Crimes Ambientais) admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, objetivando, através disso, uma maior proteção ao meio ambiente, que tanto sofre ao ser colocado de lado por aqueles que buscam o proveito econômico. Tal repressão advém da urgência da tutela requerida pelo meio ambiente, bem de uso comum do povo cuja preservação está intrinsecamente ligada ao direito à vida. Não cabe aos juristas a imposição de obstáculos à aplicação da Lei de Crime Ambientais uma vez que foi ela criada por quem tem legitimidade para tanto, o legislador, encontrando-se em profunda harmonia com o disposto na Constituição Federal. Assim sendo, é possível responsabilizar pessoas jurídicas por crimes ambientais.
Conclui-se que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é perfeitamente cabível e aplicável às pessoas jurídicas de direito privado. Mais do que isso, é constitucional.
A degradação e necessidade de proteção do meio ambiente, amplamente lesado por entes coletivos, é um fato. A vida, dependente do equilíbrio ambiental, sendo este o valor mais precioso a ser tutelado, estando o seu permissivo explicitado na Constituição Federal e nas leis esparsas que regulam seus dispositivos, como a própria Lei de Crimes Ambientais.
BIBLIOGRAFIA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
L. 9.605, LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS
DECRETO-LEI 2.848/40, CÓDIGO PENAL
MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal. 1ª ed., vol. III, São Paulo: Saraiva, 1956.
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. 1, 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1985.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
JR., Philippi Arlindo, ALVES, Alaôr Caffé. Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. São Paulo, Coleção Ambiental 04, ed. Manole, 2005.
FREITAS, Vladimir Passos, A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais, 3. ed. RT, São Paulo, 2004.
TESSLER, Luciane Gonçalves, Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente. Coleção Temas Atuais de Direito Processual Civil, ed. RT, São Paulo.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: RT, 2001.
RIOS, Vieira Virgílio Aurélio e IRIGARAY,
NOTAS
1 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
2 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: RT, 2001.
3 NETO, Lagrasta. Responsabilidade da Pessoa Jurídica nos Crimes Ambientais. HC nº 8.150/SP. In Boletim IBCCRIM nº 116/Jurisprudência. Ano 10 – Julho/2002
MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal. 1ª ed., vol. III, São Paulo: Saraiva, 1956, pp. 100, 163 e 187.