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Lei 11.340/06 Dez anos depois


Autoria:

Fernanda Fernandes


Pós graduada em Direito Público e Pós-Graduada em Direito Processual Penal, ambas pela Escola Paulista da Magistratura.

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Resumo:

Monografia apresentada para obtenção do título de especialista em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, anos 2015/2016.

Texto enviado ao JurisWay em 05/06/2017.

Última edição/atualização em 07/06/2017.



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Lei n. 11.340/06, dez anos depois

 

Direito Processual Penal

 

Monografia apresentada à Escola Paulista de Magistratura, como exigência parcial para aprovação no Curso de Pós-Graduação ‘Lato Sensu’ Especialização em Direito Processual Penal

 

 

“Toda mulher parece com uma árvore. Nas camadas mais

profundas de sua alma ela abriga raízes vitais que puxam a

energia das profundezas para cima, para nutrir suas folhas,

flores e frutos. Ninguém compreende de onde uma mulher

retira tanta força, tanta esperança, tanta vida. Mesmo quando

são cortadas, tolhidas, retalhadas, de suas raízes ainda nascem

brotos que vão trazer tudo de volta à vida outra vez.”  

 

Agradecimentos

 

 

Aos professores da Escola Paulista de Magistratura que me ensinaram e ajudaram na formação profissional. 

A todos, a minha gratidão.

 

Especialmente aos meus pais, meus irmãos e familiares, materiais e espirituais, pelo amor incondicional e por e por acreditarem na minha capacidade.

 

Às pequenas Ulie, Órion e Mariana, meus eternos amores,que me ensinam diariamente o valor do amor incondicional e o valor de sorrir.

 

Que eu saiba honrar a presença de cada um em minha vida.

 

 

RESUMO

 

O presente estudo tem por objetivo após leitura e análise de vasto material consistente em livros, jurisprudências, bem como artigos sobre os tema correlato apresentá-lo abarcando inicialmente um pouco sobre a história da mulher, bem ainda, a que antecede a promulgação da Lei n. 11.340/06 e as mudanças introduzidas pela mesma no sistema jurídico brasileiro no que concerne à proteção às vítimas de violência doméstica. A proteção em apreço, instituto autônomo, é objeto de proteção do Estado, oponível “erga omnes”. Cumpre observar que inicialmente trataremos da formação do conceito de dignidade da pessoa humana pois é a partir daí que passa-se a reconhecer àquela demais direitos. Por conseguinte, parte deste trabalho pretende demonstrar que se trata de direitos conexos ao direito à vida e ainda originados de uma correlação entre si, entretanto dotados de características que os individualizam e definem. A apresentação ao final de jurisprudências de nossos Tribunais sobre a aplicação da proteção às vítimas de violência doméstica, as quais servirão como  orientação ao leitor acerca das explanações, conceitos e conclusões feitas ao longo de todo o estudo revelando a importância do advento da intitulada Lei Maria da Penha ao sistema protetivo jurídico processual brasileiro.

 

Palavras-chave: Proteção. Violência. Garantias Fundamentais. Direitos. Dignidade.

 

 

SUMMARY

 

This study aims after reading and analyzing vast consistent material in books, case law, as well as articles on the correlative theme present it initially covering a little about the history of women, and yet, which precedes the enactment of No Law . 11,340 / 06 and the changes introduced by it in the Brazilian legal system regarding the protection of victims of violence domésticaA protection in case, autonomous institute is state protection object, opposable "erga omnes". It should be noted that initially treat the formation of the concept of human dignity because it is from there that is going to recognize to that other rights. Therefore, part of this work aims to demonstrate that it is related rights the right to life and also originated from a correlation with each other, though endowed with features that individualize and define. The presentation at the end of jurisprudence of our courts on the application of protection for victims of domestic violence, which will serve as guidance to the reader about the explanations, concepts and conclusions made throughout the study revealed the importance of the advent of entitled Law Maria Penha the Brazilian procedural legal protective system.

 

Keywords: protection. Violence. Fundamental guarantees. Rights. Dignity.

 

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO......................................................................................... 9

1. MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES, A ORIGEM DA LEI N. 11.340/06........

2. A LEI N. 11340/06..16

2.1 Sexo e gênero.......................................................................................19

2.2 Conceitos de violência doméstica e violência de gênero.....................21

2.3 Violência doméstica e violação de direitos humanos..........................25

2.4 Projeto de Lei n 477/15.......................................................................26

3. CONSTITUCIONALIDADE...............................................................30

4.TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA...............................................32

4.1 Modalidades de violências: física, psicológica, sexual, patrimonial, moral e feminicídio .......33

5.PRISÃO EM FLAGRANTE, PRISÃO PREVENTIVA E MEDIDAS DE NATUREZA CAUTELAR PROTETIVAS ......41

5.1 Prisão em flagrante e Prisão Preventiva..............................................41

5.2 Medidas e Natureza Cautelar Protetivas..............................................42

5.2.1 Medidas protetivas de urgência: artigos 18 a 21 da Lei n. 11340/06.. ...44

5.2.2 Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor: artigo 22 da Lei n. 11340/06 ....45

5.2.3 Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida: artigos 23 e 24 da Lei n. 11340/06 ............46

6. À LEI N. 11.340/06 NÃO SE APLICA A LEI N. 9.099/95 .................47

7. maria da penha: um caso de litigio internacional .....................................48

8.POLÍTICAS DE DIVULGAÇÃO, REFLEXÃO E CONHECIMENTO ..........................51

CONCLUSÃO.........................................................................................55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................57

ANEXOS..................................................................................................59

Anexo 1 – Entrevista de Maria da Penha à Revista TPM.........................59

Anexo 2 - Marcos da trajetória de luta da mulher......................................67

Anexo 3 – Lei n. 11.340/06, texto oficial e integral...................................70

Anexo 4 – Maria da Penha: uma entre muitas............................................83

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

Historicamente o ser humano do sexo feminino sempre viveu de forma diversa daquela do ser humano do sexo masculino por questões atreladas a um conceito profundo de sociedade patriarcal baseada no moralismo como ideal para a proteção da mulher, o que, por conseguinte, culminava por cerceá-la do livre exercício de sua sexualidade.

Demais disso, é correto afirmar que a mulher sempre foi objeto e não ser.

Não se pode olvidar, por exemplo, que já foi, em dadas sociedades, moeda de troca, propriedade, e, hodiernamente não se faz distinto em países do mundo oriental, de cultura e crença mulçumanas.

A exemplo em países como Marrocos e outros contíguos e regionais, mulheres podem ser trocadas por animais como camelos, dentre outros bens de interesse comercial e financeiro de seus proprietários.

Na Síria e outros países afins, mulheres até este momento, inclusive, tem seus casamentos acertados por seus genitores e familiares, geralmente, na falta dos primeiros, por irmãos que assumem a chefia da família, e, em último caso, até mesmo por mães, de forma que os agenciadores visem algum tipo de lucro, seja recebendo em espécie, seja mantendo o patrimônio em família, aumentando-o, ou, ainda, livrando-se de um peso. 

Não se pode olvidar, ainda, que numa realidade não tão distante desta cruel e lamentável situação, se encontra um passado recente da história brasileira, quando, em tempos imperiais, os casamentos eram feitos entre primos, de acordo com os interesses de monarcas de países irmãos, não necessariamente pela mantença do laço de consaguinidade, mas pela segurança de alianças comerciais, patrimoniais, dentre outras.

Caso extremamente exemplar é da imperatriz Leopoldina, austríaca que casou-se com Dom Pedro I, àquele tempo, futuro imperador do Brasil.

Vejamos:

No final de 1816, começaram as negociações de seu casamento com o príncipe herdeiro do trono português, Pedro de Alcântara, filho de dom João 6o e Carlota Joaquina. Através desse casamento, Portugal ligaria a Casa de Bragança a uma das mais fortes monarquias europeias, além da possibilidade de se livrar do jugo político da Inglaterra. Já para a Áustria, era a possibilidade de participar do comércio de produtos tropicais. Em maio de 1817, celebrou-se o casamento por procuração. Em dezembro, dona Leopoldina chegava ao Brasil. Em nove anos de casamento, ficaria grávida nove vezes, com dois abortos e sete filhos, dos quais o mais novo, Pedro de Alcântara (1825-1891), sucederia o pai no trono brasileiro. (g.n.) 

 

Lembremos das Ordenações Manoelinas que vigeram entre os séculos 18 e 19, que permitiam ao marido exigir que a esposa  prestasse com suas obrigações conjugais, vez que tais integravam o contrato de casamento, sendo, portanto, de direito do primeiro sua exigência e dever da segunda seu cumprimento. 

O intitulado ‘débito conjugal’, tal como obrigação de satisfazer a necessidade ou direito de satisfação sexual do parceiro, ainda é matéria do artigo 1566, inciso II do Novo Código Civil.

Nesse sentido, o texto abaixo colacionado, no qual a autora fazer referência ao grande jurista Orlando Gomes, que bem demostra a questão calcando no quesito ‘permanência’:

 

...débito conjugal na doutrina e na  jurisprudência como o direito-dever dos cônjuges de cederem reciprocamente seus corpos no intuito de obterem satisfação sexual. Enquadra a doutrina esse poder-dever no artigo 1.566, inciso II, do Novo Código Civil Brasileiro que trata da vida em comum no domicílio do casal, vejamos o que diz Orlando Gomes1: "A coabitação representa mais que a simples convivência sob o mesmo teto. (...) Não só convivência, mas união carnal.(...) Importa-se assim a coabitação a permanente satisfação desse débito.   

 

Ou seja, a própria legislação objetava a mulher, e, ainda o faz na medida em que, dada a diferença biológica no que toca à compleição física, a impõe a submissão ao parceiro, não lhe propondo meios protetivos que impeçam este último de fazer uso da força para ver realizado seu intento. 

Nesse sentido, temos que, praticamente, a legislação legitima, ainda que subliminarmente, o estupro conjugal.

E esta manipulação da mulher como objeto vem ocorrendo por séculos.

A despeito de que, cediço que o Homem nasce livre, é ser passível de direitos e deveres, bem ainda, o fato de que biologicamente a distinção que se afere é anatômica entre os gêneros masculino e feminino, secularmente a diversidade de tratamento é ocorrente.

Entretanto, a despeito de diferenciá-la em questões físicas e anatômicas, conforme dito, tal condição não faz a mulher inferior ao homem, especial e essencialmente no que diz respeito à dignidade humana e demais direitos.

Além do mais, Humanos, somos todos exatamente iguais.

Nesse sentido:

 

O Homem enquanto ser humano é único em sua essência biológica e enquanto inserido social e coletivamente nada há que faça com que um seja superior a outro, sendo certo que apenas a morte lhe retira da situação que o iguala aos demais enquanto vivo. 

A morte faz o homem biológico deixar de ser. E só.

A religião o individualizou, a filosofia lhe questionou o que é enquanto ser, a ciência lhe definiu capaz de transformações sucessivas, fato é que a sua própria condição o coloca no topo da cadeia de evolução das espécies, o que se consagra a cada giro da esfera terrestre.” (2014, p.9/10). 

 

A legislação penal brasileira de 1941, por seu turno, não fugiu ao padrão.

Ainda sem as alterações posteriores introduzidas em 2009, pela Lei nº 12015, no capítulo que aferia sobre delitos de natureza sexual, tratou de classificar que somente a mulher honesta (g.n.) poderia ser vítima de rapto ou mesmo estupro.

Observa-se aqui a clara ingerência, e mantença no sistema legal criminal, do conceito patriarcal e machista, do que se afere que, então, a mulher não dotada de honestidade poderia livremente ser objeto de tais delitos, sem qualquer consequência de natureza penal aos seus perpetradores.

Afastava-se então a violência de natureza sexual como violência de gênero, bem ainda, de direitos humanos fundamentais, deixando a dignidade humana à margem de ser direito oponível a todos e exercitado por determinadas mulheres, face à sua não honestidade.

Tais conceitos demonstram a falibilidade do sistema frente à proteção da vulnerabilidade não apenas da mulher, mas do ser humano.

Cumpre asseverar, entretanto, que o que aquilo que praticamente era o direito consumeiro de uma época, não mais se coaduna com a realidade que se apresenta na sociedade.

O ser humano evolui, as relações sociais evoluíram, e direito, por seu turno, tem por dever fazê-lo, sob pena de relegar-se à ineficiência.

A despeito de ocorrente, desconstruir a identidade da vítima, expondo-a, bem ainda, sua vida e condutas pretéritas, a fim de justificar o delito praticado pelo ofensor só faz aumentar a dicotomia ação processual versus pena, afastando a necessária proteção de quem realmente dela necessita. 

Tal conduta, a desconstrução da vítima, enquanto parte ofendida em razão de condutas pretéritas deve ser banida dos tribunais em todas as instâncias, e, aos operadores do direito cabem ações nesse sentido. Ações que venham amparadas pelo Estado com a finalidade de fazer operar a legislação em detrimento de fazê-la obsoleta pela não adequação e consequente desuso.

Em 1988 o legislador fez valer-se de seu árduo trabalho ao produzir uma Constituição Cidadã na qual deixa claro logo de entrada, no Título II, no qual trata dos direitos e garantias fundamentais, em seu capítulo I, dedicado aos direitos individuais e coletivos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;  

 

Desta forma, não há que se falar em superioridade do homem em face da mulher, tampouco, em diversidade de tratamento por parte do Estado e de seus braços Executivo, Legislativo e Judiciário.

Cabe ao Estado promover políticas públicas de tratamento e conscientização da necessidade de ver assegurada a proteção às vítimas de violência doméstica, não se podendo olvidar que o Brasil é signatário de tratados internacionais que visam à proteção da dignidade da pessoa humana, o que o obriga a trabalhar em prol do objetivo em apreço.

É preciso, igualmente, afastar da prestação de serviços públicos a violência e o descaso institucionais, institutos arraigados que não fazem contribuir para a solução de conflitos.

Ao contrário, colocam em descrédito a capacidade do Estado de assegurar direitos.

Faz-se necessário garantir a uma vítima que, ao procurar os serviços do Estado, no caso de violência doméstica, inclusive, desde o primeiro contato, a chamada telefônica à polícia em busca de ajuda, e consequente atendimento de ocorrência por parte desta, já no local dos fatos, que ali jamais será dado início à desconstrução da solicitante enquanto vítima, garantindo-lhe prestação de serviço dotado de respeito à sua condição, bem ainda, com qualidade.

O combate à violência e consequente descaso institucional é passo essencial a evitar a falência do sistema por falta de credibilidade.

Foi promulgada em 2006 a Lei Federal nº 11.340 , que visa coibir a prática de violência doméstica e familiar, punindo o perpetrador dos delitos tanto de natureza física, quanto psicológica e moral, bem ainda, de outras espécies decorrentes do ato violador.

Nessa trilha:

A Lei Maria da Penha surge como resultado de um esforço coletivo dos movimentos de mulheres e poderes públicos no enfrentamento à violência doméstica e familiar e ao alto índice de morte de mulheres no País. Além disso, configura-se como resposta efetiva do Estado brasileiro às recomendações da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher) e da Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), das quais o Brasil é signatário. 

Popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, esta legislação é o objeto de apresentação deste estudo, desde a sua entrada em vigor até o momento atual, mudanças pelas quais passou, além de entendimentos e práticas que sedimentou em seus 10 anos de vigência.

Serão apresentadas questões de procedimento inaugural praticadas em sede policial, bem ainda, as questões de natureza processual penal e, “unt passant”, a questão do Projeto de Lei 477/15, que objetiva trocar a palavra “gênero” pelo termo “sexo”, alterando a lei e seu alcance de aplicabilidade, vetando-o de forma expressivamente prejudicial ao ser humano que daquela necessitava para seu amparo e proteção.

Prisão em flagrante, prisão preventiva e medidas cautelares, momento de aplicação e efetividade, bem ainda, mecanismos de proteção às vítimas, tanto àquelas já vitimizadas, quanto àquelas que se encontram em situação de risco, serão objeto de apreço neste estudo que conta com pesquisas em doutrinas, jurisprudências, sítios da rede mundial de computadores, tais como o Portal de Violência Contra a Mulher, o Conselho Nacional de Justiça, sítio do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sítios internacionais, dentre outros dos quais emana vasto material para pesquisas acerca do elementar tema.

Não temos a pretensão de esgotar o tema.

Diverso disto, desejamos trazer neste ano em que a lei completa 10 anos de efetiva vigência e aplicabilidade, o tema à tona, imbuídos do intuito de que a mesma seja divulgada, debatida e que reflexões possam ser efetivadas, tudo em busca da proteção ao ser humano de sexo e/ou gênero feminino. 

 

1.MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES, A ORIGEM DA LEI N. 11.340/06

 

Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica e bioquímica formada pela Universidade Federal do Ceará que por cerca de 30 anos tentou ver seu ex-marido condenado por reiteradas agressões e duas tentativas de homicídio contra si.

Conheceu seu agressor com quem se casou e teve duas na Universidade de São Paulo, onde cursou pós-graduação em sua área de conhecimento e atuação.

Marcos Viveros, nascido colombiano, começou a agredir a então esposa após o nascimento da segunda filha, período concomitante com o término do processo de naturalização e também com o êxito profissional daquela.

Observa-se neste pequeno apanhado histórico, apenas a título de reflexão, aqui a dicotomia de natureza patológica: mulher bem sucedida versus marido violento.

Em maio de 1983 por meio de um disparo de espingarda feito por Marcos, Maria da Penha ficou paraplégica. 

Após quatro meses hospitalizada e cirurgias corretivas, retornou ao convívio do lar, onde, mais uma vez o ex-marido tentou tirar-lhe a vida, desta feita por meio de eletrochoque enquanto aquela usava a casa de banho.

Investigações deram conta de que o então marido fora o autor dos disparos, creditados por ele mesmo, a assaltantes ao tempo dos fatos.

Após esta segunda tentativa de homicídio, amparada por ordem judicial, Maria da Penha deixou a casa, afastados o abandono do lar e perda de guarda das filhas, passando então, a despeito das condições físicas, a lutar em busca da condenação de seu agressor.

A organização Compromisso e Atitude relata em matéria afeta ao tema:

A primeira condenação viria somente oito anos depois do crime, em 1991. Mas Viveros conseguiu a liberdade. Inconformada, Maria da Penha resolveu contar sua história em um livro intitulado Sobrevivi… posso contar (1994), no qual relata todas as agressões sofridas por ela e pelas filhas. Por meio do livro, Maria da Penha conseguiu contato com o CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional ) e o CLADEM-Brasil (Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), que juntos encaminharam, em 1998, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)  uma petição contra o Estado brasileiro, relativa ao paradigmático caso de impunidade em relação à violência doméstica por ela sofrido (caso Maria da Penha nº 12.051). Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu Informe nº 54 , responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. No mês de outubro de 2002, faltando apenas seis meses para a prescrição do crime, Marco Viveros  foi preso. Cumpriu apenas 1/3 da pena a que fora condenado. Depois de ter seu sofrimento conhecido em todo o mundo, é que Maria da Penha viu o Brasil reconhecer a necessidade de criar  uma lei que punisse a violência doméstica contra as mulheres.  Para ela, que se tornou símbolo desta luta, a Lei nº 11.340 significou dar às mulheres uma outra possibilidade de vida.  (g.nº)

 

A fim de somar um pouco mais as nossas considerações acerca do tema deste estudo fomos agraciados pela Senhora Maria da Penha Maria Fernandes, que, gentilmente, nos cedeu parte de seu tempo, nos respondendo por meio de mensagem eletrônica encaminhada pelo I.M.P., Instituto Maria da Penha  questões sobre  como visualiza a aplicação da Lei nº 11.340/06 no país, dez anos após sua entrada em vigor, bem ainda, acerca da condição das mulheres vulneráveis em situação de violência doméstica.

A seguir as considerações feitas pela Senhora Maria da Penha Maia Fernandes:

Tenho viajado por todo o Brasil proferindo palestras sobre a minha história de vida e divulgando a Lei Maria da Penha e o que tenho percebido é que nos municípios onde existem as políticas públicas que são previstas pela Lei Maria da Penha, o número de denúncias têm aumentado e o número de reincidência diminuído. O fato de o número de denúncias estar aumentando é devido às mulheres acreditarem mais nas políticas públicas e por isso resolvem denunciar, mas a violência sempre existiu. Infelizmente, no aniversário de dez anos da Lei Maria da Penha, poucos são os municípios do nosso Brasil que implementaram estas políticas públicas. Geralmente, somente as capitais e os grandes municípios possuem estes equipamentos. Percebemos que os municípios de médio e pequeno porte ainda precisam do compromisso e sensibilidade do gestor público para implementar estes equipamentos, mas nós vivemos em uma sociedade extremamente machista onde os gestores públicos não dispensam a atenção e o empenho necessários para combatermos esse mal que assola a nossa sociedade, mata as nossas mulheres e deixa órfãs as nossas crianças. Precisamos urgentemente, passar por uma mudança cultural, e, mudança cultural por sua vez precisa passar pela educação. Acho que somente através da educação podemos ressignificar as relações humanas e construir uma sociedade mais justa, igualitária e com equidade de gênero. Maria da Penha  Fortaleza, 08 de julho de 2016

 

Hodiernamente Maria da Penha Maia Fernandes tem cerca de 71 anos e viaja o país divulgando a Lei n. 11.340/06, seus benefícios protetivos e buscando junto aos gestores públicos dos locais por onde passa, além de dar publicidade à referida “legis”, relatando sua própria história de vida.

Tornou-se um ícone mundialmente consagrado e reconhecido na luta de proteção e amparo àquelas que, foram vitimizadas em ambiente familiar.

Maria da Penha encontrou um meio de continuar sua vida promovendo o bem estar próprio e alheio. 

 

2.A LEI N. 11340/06 

 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 8º determinou ao Estado agir em prol da proteção familiar contra a prática de violência: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Pois bem, tratou o constituinte de incitar o Estado a promover meios para amparar as famílias, em seus ambientes de relacionamentos de atos de violência entre si. 

Com o reconhecimento pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, sobre a responsabilidade do Estado brasileiro face ao descaso a que foi relegado o processo contra o agressor de Maria da Penha Maia Fernandes, o texto de recomendações, a partir de seu item 4, alíneas “a” até “e”, culminou por trazer as diretrizes e bases da Lei Maria da Penha.

Vejamos:

 

VIII.          RECOMENDACIONES

 

61.          La Comisión Interamericana de Derechos Humanos reitera al Estado brasileño las siguientes recomendaciones:

4.                 Continuar y profundizar el proceso de reformas que eviten la tolerancia estatal y el tratamiento discriminatorio respecto a la violencia doméstica contra las mujeres en Brasil. En particular la Comisión recomienda:

 a.                   Medidas de capacitación y sensibilización de los funcionarios judiciales y policiales especializados para que comprendan la importancia de no tolerar la violencia doméstica;

 b.                   Simplificar los procedimientos judiciales penales a fin de que puedan reducirse los tiempos procesales, sin afectar los derechos y garantías de debido proceso;

c.                   El establecimiento de formas alternativas a las judiciales, rápidas y efectivas  de solución de conflicto intrafamiliar, así como de sensibilización respecto a su gravedad y las consecuencias penales que genera;

d.                   Multiplicar el número de delegaciones especiales de policía para los derechos de la mujer y dotarlas con los recursos especiales necesarios para la efectiva tramitación e investigación de todas las denuncias de violencia doméstica, así como de recursos y apoyo al Ministerio Público en la preparación de sus informes judiciales;

 e.                   Incluir en sus planes pedagógicos unidades curriculares destinadas a la comprensión de la importancia del respeto a la mujer y a sus derechos reconocidos en la Convención de Belém do Pará, así como al manejo de los conflictos intrafamiliares.

 

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou o Relatório nº 54/2001 , segundo o qual: “a ineficácia judicial, a impunidade e a impossibilidade de a vítima obter uma reparação mostra a falta de cumprimento do compromisso assumido pelo Brasil de reagir adequadamente ante a violência doméstica”.

Nessa trilha, a Lei nº 11.340/06 veio atender não apenas a determinação constitucional, mas também como forma de cumprir a meta estabelecida pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, doravante, Convenção da Mulher.

A Convenção da Mulher  tem como gênese a I Conferência Mundial sobre a Mulher realizada na Cidade do México em 1975 , donde se declarou que o decênio seguinte seria (e foi) a Década das Nações Unidas para a Mulher. 

Em sendo o Brasil signatário desta Convenção, é ela, portanto, também fonte da Lei nº 11.340/06.

O objetivo de tais programas levados a efeitos por Estados interessados em promover a proteção e amparo às vítimas de violência visa à inserção social de indivíduos tidos marginais, e, consequentemente marginalizados, e, que, por tais condições culminam por viver de forma precária e secundária, se comparados ao que se diz ideal socialmente aceito.

Promover políticas públicas como a fim de envidar meios protetivos às vítimas de violência doméstica não cria conflito de qualquer espécie com a igualdade constitucionalmente determinada. 

Todos são iguais e permanecem os mesmos. 

Tão somente busca-se aplicar tratamentos desiguais aos desiguais objetivando promover a igualdade constitucional.

Em 1994 realizou-se a Convenção de Belém do Pará, intitulada Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, movimento regional da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos.

Tal ordenamento entrou em vigor no Brasil por meio do Decreto nº 1973/96, de forma que a passou-se a analisar e a tratar a violência contra a mulher como problema de saúde pública.

Em seu artigo 1º, o texto deixa transbordar a preocupação com a fragilidade da mulher no ambiente doméstico: qualquer ação ou conduta baseada, no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

Por conseguinte dá-se a evolução na busca por políticas públicas protetivas e amparadoras.

Cumpre observar que as medidas em apreço culminam por visar como indivíduo de interesse pessoas dotadas de vulnerabilidade, uma vez que colocam sob a tutela de sua protetividade, além de mulheres, biologicamente frágeis em relação aos homens, também crianças. 

 

2.1 Sexo e gênero

 

Para que se possa aferir com mais precisão o que é violência de gênero, melhor se afigura falar sobre os conceitos de sexo e de gênero, o que, por si, possibilita diferenciá-los, de forma a indicar a melhor trilha a seguir neste estudo.

Entendemos por bem, inicialmente apresentar as definições oriundas do Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa:

 

1 cada um dos grupos (machos e fêmeas) em que se dividem os indivíduos de várias espécies, de acordo com suas características orgânicas e seus papéis na reprodução

1.3 nos seres humanos, o conjunto das características fisiológicas e comportamentais que distinguem os membros de cada sexo

2 p.ext. o conjunto dos seres da mesma espécie, esp. a humana, que pertencem a um dos sexos ('grupo')

    ‹ o s. feminino é majoritariamente o público de seus espetáculos › ‹ os interesses dos s. masculino e feminino são diferentes ›

4 conjunto dos órgãos sexuais externos dos homens (pênis e testículos) e das mulheres (vulva); genitália 

 

Sexo é, portanto, condição, disposição, ocorrência. Não é vicissitude.

O indivíduo, em condições normais, nasce portador de um único desenho que define sua genitália e que, uma vez constatada tal geometria pelo médico que o entrega à vida, constará de seus documentos como um nascido de sexo feminino ou masculino.

É o desenho biológico genital que porta fisicamente o indivíduo que é trazido à luz 

Diferentemente da assertiva acima, gênero é o desenho geométrico mental, emocional e psicológico com que se identifica por sentir-se confortável, o indivíduo em luz e consciência para o exercício das próprias faculdades civis e vitais.

É certo que o gênero é a forma como o indivíduo, independentemente de sua geometria genital se identifica e se apresenta.

Diverso de sexo, portanto, gênero não é condição física.

É psicológica, emocional, mental.

Um indivíduo nascido com desenho geométrico genital dotado de caracteres masculinos poderá ao longo de sua vida reconhecer-se de gênero feminino.

De acordo com o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa temos que gênero é: 1 conceito geral que engloba todas as propriedades comuns que caracterizam um dado grupo ou classe de seres; 13 soc construção cultural das diferenças sexuais entre homens e mulheres. 

Bem por isto, como ilustração o atualíssimo caso da cartunista Laerte Coutinho, que, nascida com genitália masculina, viveu como ser humano de sexo masculino, até que, aos 57 anos de idade entendeu-se de gênero feminino, tendo assumido publicamente sua transição de gênero.

Nesse sentido, declarou em entrevista ao site Ego:

Não sou “crossdresser”. Quando comecei meu movimento pessoal, juntei-me a um grupo de pessoas que adotavam essa identidade, mas minha experiência me levou a entendê-la como uma forma específica de transgeneridade, assim como a travestilidade, a transsexualidade e as inúmeras formas de expressão e comportamento não-binário. Sou uma pessoa transgênero. 

 

Laerte prossegue compartilhando ainda em entrevista a forma como se percebeu transgenêro, o que, por si, vem ratificar a assertiva acima no sentido de que é situação intrínseca, de foro íntimo e particular de cada ser humano, não podendo levar pechas verbais, tais como: “virou transgênero”, “acordou mulher”, dentre outras de cunho sexista e pejorativo.

Ou, ainda, de natureza ainda pior: “isto não é mulher”.

Ora, claro que não.

‘Isto’ não é, porque não é objeto.

‘Isto não é mulher’, porque mulher não é ‘isto’, tampouco objeto.

Esta pessoa humana, digna de direitos e deveres, é um transgênero. 

Feminino ou masculino.

Apenas um ser humano transgênero.

Vejamos as palavras de Laerte:

 

Fiz essa descoberta pelos olhos da minha hoje amiga Paula Malfittani, que percebeu, numa tira onde meu personagem Hugo se travestia, uma desenvoltura que traía o desejo de quem a tinha feito. A partir daí, reconheci a natureza transgênero em mim e a aceitei. Depois de alguns anos, era um processo tão intenso que não vi mais motivo para mantê-lo como uma atividade extraordinária (e secreta) - e resolvi viver publicamente como pessoa transgênero. 

 

O mesmo poderá ocorrer com um indivíduo nascido com caracteres genitais femininos. 

Cumpre anotar que não se trata aqui de mudança de configuração genital. 

A mudança é psicológica e emocional, vertendo na forma como o indivíduo se identifica, vive e se apresenta socialmente e ocorre gradativamente.

Partindo destas premissas entraremos a seguir na questão da violência ocorrente em ambiente familiar que pode ser voltada ao ser humano do sexo feminino ou àquele de gênero feminino.

Ambos sujeitos de amparo e proteção da Lei Maria da Penha. 

 

2.2Conceitos de violência doméstica e violência de gênero

 

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo. O drama do nascimento, o da desmama desenvolvem-se da mesma maneira para as crianças dos dois sexos; têm elas os mesmos interesses, os mesmos prazeres; a sucção é, inicialmente, a fonte de suas sensações mais agradáveis; passam depois por uma fase anal em que tiram, das funções excretórias que lhe são comuns, as maiores satisfações; seu desenvolvimento genital é análogo; exploram o corpo com a mesma curiosidade e a mesma indiferença; do clitóris e do pênis tiram o mesmo prazer incerto; na medida em que já se objetiva sua sensibilidade, voltam–se para a mãe: é a carne feminina, suave, lisa, elástica que suscita desejos sexuais e esses desejos são preensivos; é de uma maneira agressiva que a menina, como o menino, beija a mãe, acaricia-a, apalpa-a; têm o mesmo ciúme se nasce outra criança; manifestam-no da mesma maneira: cólera, emburramento, distúrbios urinários; recorrem aos mesmos ardis para captar o amor dos adultos. 

 

Inicialmente cumpre anotar que a mulher vítima de violência doméstica é antes disto vítima de violência de gênero.

Impôs-se ao longo do desenvolvimento das civilizações, até por questões de ordem biológica, regras ao comportamento e a atuação da mulher dentro da sociedade familiar.

Restou consignado que ao homem cabe prover e à mulher todas as demais tarefas relacionadas ao lar, à criação dos filhos, cuidados com a casa, dentre outros que surgem e passam a volitar nas mesmas condições e sob as mesmas regras que as determinaram e determinam, tornando-se, portanto, tarefas de obrigação para aquela.

E assim, uma vez sedimentado este conceito, o mesmo enraizou-se e proliferou-se ao longo dos séculos.

Ainda que se busque na história das civilizações, pouco se encontrará sobre a mulher enquanto ser superior ao homem, mesmo que nas raras sociedades matriarcais, das quais pouco ou quase nada se registrou para embasamento de pesquisas posteriores sobre o tema.

 Violência de gênero é uma expressão que foi cunhada a partir de movimentos feministas nos anos 70.

Objeto de subordinação ao longo da história da humanidade, o gênero feminino restou legado ao papel de inferior ao masculino.

Desta forma, a violência praticada pelo gênero masculino em detrimento do feminino acontece pelo fato de que a mulher do homem se distingue simplesmente por ser mulher.

E por esta condição asseverou-se ser aquela inferior, conceito sedimentado, enraizado, de difícil transmutação.

 O Conselho Nacional de Justiça, CNJ, em seu sítio virtual da rede mundial de computadores, a Internet, em página designada ao tema em apreço, apresenta o seguinte conceito de violência de gênero: Violência de gênero - violência sofrida pelo fato de se ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino. 

Em assim sendo, faz-se necessária a desconstrução deste conceito de diferenças entre os gêneros masculino e feminino como fator essencial a evitar a prática de violências das mais variadas de um em face de outro. 

Conceituar efetivamente violência doméstica se faz não necessariamente cunhando uma frase que a defina para fins deste estudo, mas, cumpre observar, que quaisquer atos dentro do convívio do ambiente doméstico que visem impedir a mulher de ‘ser o que é’, de viver como melhor lhe aprouver, independentemente da vontade de outrem enquanto pessoa humana dotada de direitos e deveres, bem ainda, de protetividade, de viver com dignidade, constituem-se em violência doméstica.

Afere-se, portanto, que impedir a mulher de vestir-se, maquiar-se, ir e vir, proferir frases que visem destruir sua autoestima, desmerecê-la moral e psicologicamente enquanto ser humano pela sua condição de gênero, raça, social, cultural, econômica, liquidar-lhe o patrimônio, bem ainda, praticar vias de fato em detrimento de sua formação biológica são atos condizentes com aquilo que se constitui em violência doméstica.

Cercear a mulher o direito à prática religiosa dentro de seu meio ambiente familiar é violência doméstica.

O artigo 5º da Lei nº 11.340/06 indica os parâmetros adotados para efeito da legis acerca do que se considera violência doméstica:

 

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

 

 

Não se pode olvidar aqui, além do disposto no “caput” e nos incisos I a II, da especialidade com que lidou o legislador no parágrafo único ao deixar claro e expresso que a lei aplica-se independentemente de ‘orientação sexual’.

Por seu turno, o artigo 7º da Lei nº 11.340/06 apresenta demais formas de violência doméstica e familiar contra a mulher:

 

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. 

 

Portanto, a conjugação de ambos o artigos 5º e 7º da lei em apreço nos traz claras assertivas acerca das possibilidades de atos que um agressor pode vir a ter em meio às relações de ambiente familiar que constituem violência doméstica, portanto, objeto de amparo pela legis ora estudada.

A título de ilustração, em pesquisas on line, via rede mundial de computadores, a intitulada Internet, encontramos em um trabalho monográfico apresentado à Universidade de Coimbra, por Cláudia Alves, no ano de 2005, que, por seu turno, refere aos autores Machado e Gonçalves, um conceito detalhado que entendemos por bem compartilhar:

 

Considera-se violência doméstica “qualquer acto, conduta ou omissão que sirva para infligir, reiteradamente e com intensidade, sofrimentos físicos, sexuais, mentais ou económicos, de modo directo ou indirecto (por meio de ameaças, enganos, coacção ou qualquer outro meio) a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico privado (pessoas – crianças, jovens, mulheres adultas, homens adultos ou idosos – a viver em alojamento comum) ou que, não habitando no mesmo agregado doméstico privado que o agente da violência, seja cônjuge ou companheiro marital ou ex-cônjuge ou ex-companheiro marital”. (Machado e Gonçalves, 2003) 

 

Por fim, cumpre anotar que os verbos: cercear, violar, impedir, denegrir, destruir, furtar, dilapidar, coagir, ameaçar, intimidar, isolar, negar, condenar, dentre outros de cunho devastador ao exercício livre da condição de pessoa humana definem por si possibilidades de violência praticada em ambiente familiar, que, por conseguinte, culminam em violação ao constitucionalizado direito da dignidade humana. 

 

2.3Violência doméstica e violação de direitos humanos

 

Permitir a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher é dar livre acesso para que o perpetrador viole a dignidade daquela enquanto pessoa humana. 

O Conselho Nacional de Justiça assim define a violência praticada em desfavor da mulher: 

Violência contra a mulher - é qualquer conduta - ação ou omissão - de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos como privados.

 

E prossegue, ao externar a razoabilidade acerca do entendimento consolidado sobre violência em ambiente doméstico e familiar:

 

Violência doméstica - quando ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação. 

Violência familiar - violência que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa). 

 

2.4 Projeto de Lei n 477/15

 

De autoria do Deputado Federal Dr. Eros Ferreira Biondini , do Partido PROS, de Minas Gerais, o Projeto de Lei 477/15, em trâmite na Câmara dos Deputados, tem por objetivo alterar a Lei nº 11.340/06, substituindo o termo “gênero” pelo termo “sexo”.

Entende o congressista que a Lei em apreço visa tão somente à proteção e amparo ao indivíduo do sexo feminino, a mulher, deixando, portanto, em sua concepção de amparar os demais, especialmente transgêneros. 

Tais indivíduos estarão, portanto vetados ao amparo da “legis”.

De forma que, para o deputado, permanecendo a lei como está, qualquer pessoa poderá se declarar mulher e fazer uso do amparo e proteção daquela.

 Vejamos:

 

A ideia do autor da proposta é impedir “que sejam abertas brechas para interpretações sobre a quem a lei alcançaria”. No entendimento do deputado, o termo “gênero” poderia gerar “um entendimento de que qualquer pessoa poderia se considerar mulher, sendo assim beneficiado pela lei”.

Eros Biondini ressalta que o conceito de gênero entrou na política mundial a partir da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre discriminação contra as Mulheres realizada em Pequim em 1995. Na ocasião, segundo ele, esclareceu-se que “gênero refere-se às relações entre homens e mulheres com base em papéis socialmente definidos que são atribuídos a um ou outro sexo”.

Porém, para o deputado, “em vez de resolver o problema, esta definição somente serviu para criar mais confusão”. “Devemos retirar termos cujo verdadeiro significado não é conhecido pelo ordenamento jurídico vigente”, argumenta. “A curto prazo, a substituição da luta contra a discriminação da mulher pela luta contra a discriminação de gênero desvirtua o foco pela luta a favor da mulher”, acrescenta. 

 

Observamos uma base um tanto quanto simplista para justificar tal projeto, que visa, segundo nosso entendimento, não mais que velar a verdadeira intenção da alteração legal, qual seja, o preconceito de condição sexual ou preconceito de gênero.

Alterando a lei, passando a constar naquela “sexo” e não “gênero”, mais uma vez diversos indivíduos que podem e devem ser beneficiados pela mesma, deixarão de ser.

Não se pode olvidar, entretanto, que o legislador consagrou no artigo 5º da Lei Maria da Penha a possibilidade de aplicação daquela a casais não heterossexuais, afastando, portanto, a assertiva de que só é passível de proteção e amparo legal quem atende as expectativas de heteronormatividade.

Vejamos: Art. 5º. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Nesse sentido, impossível ceder à prática exclusiva da heteroaplicabilidade da Lei nº 11.340/06.

De outra banda, analisando a biografia do autor do projeto de lei encontramos um homem, na faixa de seus quarenta e poucos anos, que assevera ter como credo religioso o católico. 

Observamos, ainda, que, como tantos outros projetos, este é mais um que visa atender determinada parcela da população, deixando à margem o interesse coletivo.

Oportunista, de cunho eleitoreiro, esperamos seja o mesmo vetado. 

Sua aprovação seria um ato retrógrado desatrelado completamente da realidade social e mundial ocorrentes. 

Entendemos que a legislação deve se modernizar no mesmo ritmo que as relações sociais, atendendo aos anseios do interesse coletivo em detrimento do específico ou mesmo individual, bem ainda, que, para tanto, o Estado deve(ria) permanecer laico, o que, infelizmente, neste país não ocorre.

O que se vê para desespero geral é que o Congresso Nacional é composto, cada vez mais e em maior número, por bancadas religiosas que visam tão somente objetos de cunho eleitoreiro.

Nessa trilha, quem perde a proteção do Estado é a população.

A questão se encaminha a uma situação tão precária que restará ao Poder Judiciário mais uma vez, e como sempre tem feito em situações nas quais o Poder Legislativo fracassa, a aplicação do direito protetivo como forma de vencer o preconceito que gera a inércia na produção de leis justas e favoráveis a todos os cidadãos.

E o mesmo não vem se furtando ao ato.

Nesse sentido:

 

A 9ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha sejam aplicadas em favor de uma transexual ameaçada pelo ex-companheiro. O homem não poderá aproximar-se da vítima, dos familiares dela e das testemunhas do processo, está proibido de entrar em contato e não poderá frequentar determinados lugares.

        A vítima, que não fez cirurgia para alteração de sexo, afirmou que manteve relacionamento amoroso por cerca de um ano com o homem. Após o fim do namoro, ele passou a lhe ofender e ameaçar. Assustada, registrou boletim de ocorrência e pediu em juízo a aplicação das medidas protetivas. O pedido foi negado pelo juízo de primeiro grau, sob fundamento de que a vítima pertence biologicamente ao sexo masculino, estando fora do escopo da Lei Maria da Penha.

        No entanto, em julgamento de Mandado de Segurança impetrado no Tribunal de Justiça, a magistrada Ely Amioka, relatora do caso, afirmou que a lei deve ser interpretada de forma extensiva, sob pena de ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. “A expressão ‘mulher’, contida na lei em apreço, refere-se tanto ao sexo feminino quanto ao gênero feminino. O primeiro diz respeito às características biológicas do ser humano, dentre as quais a impetrante não se enquadra, enquanto o segundo se refere à construção social de cada indivíduo, e aqui a impetrante pode ser considerada mulher.”

        E acrescentou: “É, portanto, na condição de mulher, ex-namorada, que a impetrante vem sendo ameaçada pelo homem inconformado com o término da relação. Sofreu violência doméstica e familiar, cometida pelo então namorado, de modo que a aplicação das normas da Lei Maria da Penha se fazem necessárias no caso em tela, porquanto comprovada sua condição de vulnerabilidade no relacionamento amoroso”.

        O julgamento teve participação dos desembargadores Sérgio Coelho e Roberto Solimene. A decisão foi por maioria de votos.” 

 

Bem ainda:

 

“ESTADO DO RIO DE JANEIRO - PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DE NILÓPOLIS

I JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR CONTRA A MULHER

D E C I S Ã O

Trata-se de pedido de medidas protetivas deduzido pela vítima, que imputa ao autor do fato a prática de violência física e psicológica. A vítima declarou na Delegacia Policial que é transexual e que convive com o suposto autor do fato há 11 anos. Inicialmente, antes de fazer um juízo de valor sobre os fatos constantes do Registro de ocorrência, mister que se decida sobre a possibilidade jurídica de deferimento de medidas protetivas para a pessoa que se diz transexual. E nesse ponto a resposta só pode ser afirmativa. Como se sabe, com o advento da lei 11.340/06 o legislador ordinário deu efetividade à norma constitucional descrita no artigo 226, §8º da Constituição da República, passando a dar uma maior tutela às mulheres no âmbito de suas relações domésticas. Assim, tem-se que a Lei Maria da Penha inovou no ordenamento jurídico brasileiro ao prever medidas de proteção às vítimas de violência doméstica ou familiar pertencentes ao gênero feminino. Ocorre que, com relação ao transexual, a questão ganha relevante interesse, na medida em que, dentro de um raciocínio mais simplista e puramente biológico, o transexual seria pessoa do sexo masculino e, portanto, não poderia sofrer violência de gênero. Todavia, a identidade de gênero deve ser definida como a experiência pessoal de gênero, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído biologicamente. Portanto, trata-se de questão que se refere ao sentimento da pessoa em relação aos seus aspectos corporais e a outras características de gênero, sendo uma construção social, relacionada à lógica de pensamento, emoções e representação da subjetividade íntima de cada pessoa. Com relação ao transexual, tem-se que esse possui uma necessidade íntima de adequação ao gênero com o qual se identifica psicologicamente, tanto física quanto socialmente. Neste sentido, deve se concluir que o transexual deve ser visto como pessoa do gênero feminino, devendo ser dito que o procedimento cirúrgico ou a alteração registral não podem ser determinantes para que o transexual seja considerado pertencente ao gênero com o qual ele já se identifica intimamente. Acrescente-se que, no Brasil a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, “Convenção de Belém do Pará” (Decreto nº 1.973/1996), que precede a Lei Maria da Penha, esclarece, em seu artigo 1ª, que o conceito de violência contra a mulher se refere a qualquer ato ou conduta baseada no gênero. Em âmbito internacional, o Estatuto de Roma, internalizado pelo Decreto nº 4.388/2002, trata do conceito de gênero numa perspectiva social. Por isso, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana, é imprescindível que a livre escolha do indivíduo, baseada em sua identidade de gênero, seja respeitada e amparada juridicamente a fim de se garantir o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Entendimento diverso a esse configuraria verdadeira discriminação, deixando em desamparo o transexual, o que não pode ser chancelado por esse juízo. Portanto, assentada a possibilidade de deferimento de medidas protetivas a pessoa transexual, tenho que no caso em comento, a vítima afirma que o seu relacionamento com o suposto autor do fato sempre foi conturbado e que já foi agredida diversas vezes pelo companheiro, possuindo, inclusive, cicatrizes pelo corpo, o que evidencia o histórico de violência. No dia dos fatos, os envolvidos estavam em um bar, quando o suposto autor do fato ficou nervoso e disse que a vítima estava devendo dinheiro para ele. Ao chegar a casa, o suposto autor do fato, muito nervoso, disse que queria o dinheiro, pegou uma garrafa, quebrou-a e foi na direção da vítima apontando e a ameaçando. A vítima narra que conseguiu contornar a situação e pediu para sua mãe ligar para a polícia. Os fatos narrados no registro de ocorrência atestam que a vítima está exposta a uma situação de grave risco para integridade física e psicológica, impondo um atuar deste Juízo, com o fito de evitar a ocorrência de um mal maior. Ademais, ao menos em sede cognição sumária, verifico que estão presentes elementos suficientes para o deferimento das medidas postuladas. Sendo assim, defere-se, pelo prazo de 180 dias, a aplicação da(s) medida(s), consistente em: a) Afastamento do autor do fato do lar, na forma do artigo 22, II da Lei 11.340/06, facultando somente a retirada de seus bens de uso pessoal no momento do cumprimento do mandado; b) Proibição de aproximação da vítima, fixando o limite mínimo de 100 (cem) metros de distância entre o autor do fato e a vítima, na forma do artigo 22, inciso III, “a” da Lei 11340/06; c) Proibição de contato do autor do fato com a vítima, por qualquer meio de comunicação (internet, inclusive), na forma do artigo 22, inciso III, “b” da Lei 11340/06. Informe-se ao autor do fato que esse poderá constituir advogado para defesa de seus interesses ou comparecer a este Fórum para que seja orientado pela Defensoria Pública que atua em defesa dos autores do fato, alertando-se, ainda, que o descumprimento da presente decisão poderá acarretar a decretação de sua PRISÃO PREVENTIVA, com base no art. 20 da Lei Maria da Penha c/c art. 313, III do CPP. Nos termos do artigo 21 da lei 11.340/06, notifique-se a vítima sobre o deferimento das medidas, devendo ser esclarecido, ainda, que, caso haja necessidade de prorrogação do prazo das protetivas, se houver qualquer fato novo, ou mesmo o descumprimento da presente decisão pelo autor do fato, deverá, comparecer a este Fórum para que seja orientada pelo Ministério Público ou constituir um advogado, ressaltando-se que este Juízo não dispõe de Defensoria Pública para assistência das vítimas de violência doméstica. O não comparecimento da vítima ao Ministério Público ou a ausência de manifestação através de advogado importará na revogação das medidas e extinção do feito pela perda superveniente do interesse de agir após o decurso do prazo de vigência das medidas aplicadas. Expeçam-se mandados de intimação e notificação, devendo o autor do fato, no momento do afastamento, informar o endereço onde poderá ser localizado para futuras intimações. Ciência ao MP. Nilópolis, 02 de junho de 2016. ALBERTO FRAGA Juiz de Direito 

 

Decisões como as acima colacionadas deixam evidente que mais importante que questões semânticas se faz a proteção à dignidade da pessoa humana.

Demais disso, quanto ao ‘projeto’ cumpre anotar que é o desenho letrado do retrocesso. 

É, como tanto outros da safra dos atuais componentes do Congresso Nacional, mais do mesmo.

Mais do mesmo sempre forte e presente desejo de ver retroceder, de ver crescer a supressão de direitos.

Anteriormente à n 11.340/06, lei nenhuma trouxe à baila o conceito de gênero e sua possibilidade protetiva.

No ano de 2006 a Lei Maria da Penha inovou ao introduzir uma legislação nacional própria para coibir a violência em âmbitos doméstico e familiar.

Inovou duas vezes ao apresentar junto com todo o seu objeto em foco, o termo “gênero”, criando um novo sujeito de direito à sua protetividade.

Demais disso, cumpre anotar nossa forte esperança para que tal projeto, natimorto, não passe de mais de uma gaveta cuja tranca seja cerrada e a chave jogada fora, sob pena de o Estado brasileiro perder as rédeas de sua própria função junto ao cidadão, frente a tantos tratados de direitos humanos que integrou e ratificou, sendo parte. 

 

3. CONSTITUCIONALIDADE 

 

Com julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade n. 19, de 09 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal pôs fim às discussões doutrinárias acerca da constitucionalidade ou não da Lei Maria da Penha, restando afirmado pelo Pretório Excelso tratar-se de lei recepcionada pela Constituição Federal de 1988:

 

ADC 19: dispositivos da Lei Maria da Penha são constitucionais

Por votação unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal  (STF) declarou, nesta quinta-feira (09), a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Com a decisão, a Suprema Corte declarou procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19, ajuizada pela Presidência da República com objetivo de propiciar uma interpretação judicial uniforme dos dispositivos contidos nesta lei.

A Presidência da República apontava a existência de conflitos na interpretação da lei, pois há diversos pronunciamentos judiciais declarando a constitucionalidade das normas objeto da ADC e outras que as reputam inconstitucionais.

Votos

Primeira a votar após o ministro Marco Aurélio, relator da ação, a ministra Rosa Weber disse que a Lei Maria da Penha “inaugurou uma nova fase de ações afirmativas em favor da mulher na sociedade brasileira”. Segundo ela, essa lei “tem feição simbólica, que não admite amesquinhamento”.

No mesmo sentido, o ministro Luiz Fux disse que a lei está em consonância com a proteção que cabe ao Estado dar a cada membro da família, nos termos do parágrafo 8º do artigo 226 da Constituição Federal (CF).

Discriminação

Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha observou que julgamentos como o de hoje “significam para mulher que a luta pela igualação e dignificação está longe de acabar”. Ela exemplificou a discriminação contra a mulher em diversas situações, inclusive contra ela própria, no início de sua carreira.

Já hoje, segundo ela, a discriminação é mais disfarçada, em muitos casos. “Não é que não discriminem;  não manifestam essa discriminação”, observou. Por isso, segundo ela, a luta pelos direitos humanos continua. “Enquanto houver uma mulher sofrendo violência neste planeta, eu me sentirei violentada”, afirmou.

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Ricardo Lewandowski lembrou que quando o artigo 41 da Lei Maria da Penha retirou os crimes de violência doméstica do rol dos crimes menos ofensivos, retirando-os dos Juizados Especiais, colocou em prática uma política criminal com tratamento mais severo, consentâneo com sua gravidade.

Por seu turno, o ministro Ayres Britto disse, em seu voto, que a lei está em consonância plena com a Constituição Federal, que se enquadra no que denominou “constitucionalismo fraterno” e prevê proteção especial da mulher. “A Lei Maria da Penha é mecanismo de concreção da tutela especial conferida pela Constituição à mulher. E deve ser interpretada generosamente para robustecer os comandos constitucionais”, afirmou. “Ela rima com a Constituição”.

O ministro Gilmar Mendes observou que o próprio princípio da igualdade contém uma proibição de discriminar e impõe ao legislador a proteção da pessoa mais frágil no quadro social. Segundo ele, “não há inconstitucionalidade em legislação que dá proteção ao menor, ao adolescente, ao idoso e à mulher. Há comandos claros nesse sentido”.

O ministro Celso de Mello, de sua parte, lembrou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos teve uma importante participação no surgimento da Lei Maria da Penha. Na época em que Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à lei, havia sofrido violência por parte de seu então marido, a comissão disse que o crime deveria ser visto sob a ótica de crime de gênero por parte do Estado brasileiro.

Na época, ainda segundo o ministro, a comissão entendeu que a violência sofrida por Maria da Penha era reflexo da ineficácia do Judiciário e recomendou uma investigação séria e a responsabilização penal do autor. Também recomendou que houvesse reparação da vítima e a adoção, pelo Estado brasileiro, de medidas de caráter nacional para coibir a violência contra a mulher.

“Até 2006 (data de promulgação da lei), o Brasil não tinha uma legislação para coibir a violência contra a mulher”, observou o decano. Isso porque, anteriormente, os crimes de violência doméstica eram julgados pelos Juizados Especiais, criados pela Lei 9.099 para julgar crimes de menor poder ofensivo. 

 

4. TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

 

Iniciamos este tópico apresentando a título informativo os conceitos-tipos  introduzidos pelo Conselho Nacional de Justiça, C.N.J., para fomentar uma melhor adequação  aplicativa da Lei n. 11.3434/06 , tendo-os como premissas para os temas correlatos objetos deste estudo.

Passemos aos signos referidos tipos de violência

 

1)Violência contra a mulher - é qualquer conduta - ação ou omissão - de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos como privados. 

 

2)Violência de gênero - violência sofrida pelo fato de se ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino. 

 

3)Violência doméstica - quando ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação.  

 

4)Violência familiar - violência que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa). 

 

5)Violência física - ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade física de uma pessoa.

 

6)Violência institucional - tipo de violência motivada por desigualdades (de gênero, étnico-raciais, econômicas etc.) predominantes em diferentes sociedades. Essas desigualdades se formalizam e institucionalizam nas diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que constituem essas sociedades.

 

7)Violência intrafamiliar/violência doméstica - acontece dentro de casa ou unidade doméstica e geralmente é praticada por um membro da família que viva com a vítima. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, a negligência e o abandono.

 

8)Violência moral - ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação da mulher.

9)Violência patrimonial - ato de violência que implique dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores.

 

10)Violência psicológica - ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal.

 

11)Violência sexual - ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros.

 

Consta ainda do Código Penal Brasileiro:

 

12)a violência sexual pode ser caracterizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, o atentado violento ao pudor e o ato obsceno.

 

4.1 Modalidades de violências: física, psicológica, sexual, patrimonial, moral e feminicídio

 

Inicialmente cumpre anotar que a violência contra a mulher ocorrente no âmbito familiar e doméstico tem início de modo velado, sendo certo que o perpetrador das condutas começa por insultos na honra moral,  passando por condutas como pequenos empurrões, beliscões, apertões a chamadas lesões de natureza leve,  passando ao depois por condutas mais graves, tais como agressões físicas ou lesões de natureza grave gravíssima ou até mesmo a morte.

São situações ocorrentes e recorrentes na grande maioria dos lares brasileiros, não importando a classe econômica e social,  o fato é que as não podem passar despercebidas podem fugir ao amparo da proteção do Estado.

Pode olvidar que a origem da violência doméstica e o convívio entre agressor e vítima muitas vezes é oriundo relações de namoro, união estável, casamento,  condições que por si revelam relações de dependência emocional, psicológica, financeira, dentre outras,  o que por si, não raro faz com que a vítima opte pelo silêncio.

Há situações em que a vítima encontra-se casada legalmente, ou numa relação de união estável com o agressor, com quem tem filhos, patrimônio, nutre em seu íntimo expectativa de longevidade daquela relação, e, em função de  de tais crenças e esperanças termina sempre por esperar, desejar e acreditar que determinada agressão restou em fato isolado e não tornará acontecer.  

De fato a vítima procura a pessoa por quem outrora se apaixonou, com quem mantém uma relação, seja ela de união estável, de casamento, de namoro, pessoa que no inicio não demonstrava ou soube esconder muito bem a própria personalidade agressiva voltada à prática de violência.  

Em nome de um casamento, dos filhos, da manutenção da família, a vítima  na grande maioria das vezes sofre em silêncio, na esperança de uma reviravolta na personalidade no agressor.

Dentro do cenário acima relatado ocorre  ocorre a violência objeto de apreço da Lei Maria da Penha nas suas modalidades: física, psicológica, sexual, patrimonial moral, ora abordadas neste tópico, referidas no artigo 7º, incisos I a V da Lei n. 11.340/06.

O gráfico  que segue tem por finalidade quantificar as modalidades praticadas: 

A violência física consiste em situações que vão que vão desde um tapa,  um beliscão, uma mordida,  chutes,  queimaduras por meio de cigarros e outras  e outras variações ou correntes de acordo com a maldade criativa do agressor que violem a integridade física da vítima.

Nos termos do artigo 7º, inciso I da lei em apreço: a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.

É prática presente em 50% dos casos relatados.

A mesma não encontra meios para se defender até em razão de diferenças biológicas.

Definida a violência psicológica pela via legal do artigo 7º, em seu inciso II.

          Vejamos:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

 

Nem sempre deixa danos aparentes, entretanto é uma das mais graves formas dentre as ocorrentes, evoluindo, eventualmente, também em combinação com as demais tais como a física, a moral, a psicológica, sendo certo que, não raro, precede a prática do feminicídio, o mais grave tipo.

O agressor faz sofrer silente a vítima com palavras que a fazem rememorar afirmativa e incessantemente que dele depende emocionalmente,  que sem ele não vive e que se ele faltar em sua vida a mesma para nada servirá.

O perpetrador vai minando as condições psicológicas da vítima de enxergar-se como um ser humano capaz de viver plenamente sem a sua presença.

Por seu turno, a modalidade violência sexual se manifesta de várias formas. É o meio pelo qual o agressor impõe-se violentamente contra a vontade da vítima.

Nesse sentido acaba por  submetê-la as práticas forçadas de cópula anal, vaginal sexo oral, sexo grupal, dentre outras condutas assemelhadas e correlatas, obrigando-a a ceder a seus instintos lascivos mediante o uso da força física.

O artigo 7º, em seu inciso III especifica, ainda, outras condutas que configuram violência sexual em ambiente doméstico:

 

a violência sexual,entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

Damásio de Jesus, na obra Violência contra a mulher - Aspectos criminais da Lei n. 11.340/2006, apud Oshikata, sobre a face oculta desta modalidade de violência contra a mulher, asserta:

A violência sexual é um crime clandestino e subnotificado, praticado contra a liberdade sexual da mulher. Provoca traumas físicos e psíquicos, além de expor a doenças sexualmente transmissíveis e à gravidez indesejada. Existem poucos serviços no Brasil e na América Latina que oferecem atendimento especializado para diagnosticar e tratar as mulheres vítimas de violência sexual (2010, p.8).

 

A título de ilustração ocorre-nos memória de tempos pretéritos, de fato que, enquanto escrevente de sala  de audiências em vara criminal, participamos da instrução de um processo na qual o réu respondeu ao tempo dos fatos por lesão corporal, cárcere privado e consequente aborto.

Ainda não vigia a Lei Maria da Penha.

Ele manteve em cárcere privado por dias uma mulher que gestava um seu filho.

Durante o período  violentou-a de várias formas: reteve-a acorrentada a uma parede, seguidas vezes esquentava uma colher em fogo elétrico e queimava a genitália dentre outros, o que culminou com o aborto do feto.

Fosse essa prática ocorrida após a entrada em vigor da Lei Maria da Penha certamente aquele agressor teria  teria violado seus tipos penais para efeitos processuais relativos aquele feito.

O inciso IV, do artigo 7º, assim define a violência patrimonial:

 

entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

 

Em conjunto com as demais modalidades de violência doméstica praticadas, ou, ainda que de forma única, há casos em que o agressor também destrói o patrimônio da vítima, saldo em conta corrente, conta poupança, cartões de uso bancário, documentos pessoais, remédios e tudo aquilo que se possa valorar como patrimônio, dificultando o regular acesso a meios que podem a afastá-la dele.

A dependência patrimonial é um dos principais motivos a impedir vítimas de formalizarem denúncias. 

Cuidou o incido V do artigo em epígrafe de definir violência moral: violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Meio cruel de violência contra a mulher, a modalidade moral faz com que a vítima passe a viver sentimentos confusos tais como medo, vergonha, impotência, depressão, situações que com o passar do tempo acabam por levá-la a problemas outros de saúde tais como distúrbios psicológicos e psicossomáticos, stress, angústia, insônia e demais situações que podem levar ao extremo de tirar a própria vida.

Incide na prática de violência moral o agressor que passa a submeter a vítima a atos que tipificados nos artigos 138 a 140 do Código Penal quais sejam, calúnia, difamação e injúria.

Em sendo o Brasil um dos países com maior índice de prática de homicídios em desfavor de mulheres em relação a outros países do mundo, fazem-se necessárias medidas a serem adotadas por órgãos sociais e pela própria sociedade com a finalidade de  de responsabilizar e penalizar o autor deste tipo de conduta, qual seja, o feminicídio, crime cometido contra uma mulher tão somente pela condição de ser mulher.

Nessa trilha: 

Uma certeza entre especialistas é que esses dados mostram que a violência doméstica é a maior motivadora dos feminicídios no Brasil. Para a juíza Adriana Ramos de Mello, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), “este é um problema muito sério. O Brasil está em 7º lugar no Mapa da Violência e grande parte desses assassinatos ocorre no âmbito doméstico e é fruto de uma sociedade patriarcal marcada pela desigualdade de poder nas relações”. 

 

Damásio de Jesus invoca a origem do termo feminicídio e por meio desta, as razões que definem a conduta que culmina com a morte da vítima:

 

O termo "femicídio” é recente. Foi usado pela primeira vez por Radford e Russell8, autoras do livro Femicide: thepolitics ofwoman killing. As definições a seguir baseiam-se nos conceitos das autoras:1) Femicídio: entender-se-á por femicídio o assassinato de mulheres por razões associadas ao seu gênero (sua condição de mulher). Pode

assumir duas formas: femicídio íntimo e femicídio não íntimo. 2) Femicídio íntimo: assassinato cometido por homem com quem a vítima tinha ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afim. 3) Femicídio não íntimo: assassinato cometido por homem com quem a vítima não tinha relação íntima, familiar, de convivência ou afim. Geralmente esse tipo de femicídio evolui ou decorre de um ataque sexual prévio. 4) Femicídio por conexão: refere-se à mulher que foi assassinada por estar na "linha de fogo” de um homem que tenta matar outra mulher. É o caso de mulheres, meninas, parentes ou amigas que intervêm para evitar o feto, ou que simplesmente são afetadas pela ação do femicida. (2010, p.13)

 

O gráfico  que segue demonstra os elevados números de homicídios praticados contra mulheres no Brasil:  

 

Após regular trâmite, restou sancionada em 9 de março pela presidência da república a Lei n.13104/15, que alterou substancialmente o artigo 121 código penal brasileiro para incluir a previsão do feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, tendo alterando também o artigo 1º da lei dos crimes hediondos, com a finalidade de incluir o feminicídio dos crimes dessa natureza substantivo.

A seguir o texto da Lei n. 13104/15, com as promovidas alterações nas redações do artigo 121 do Diploma Substantivo Penal, bem ainda, do artigo 1º da legislação especial penal, ambos em apreço:

“Homicídio simples

Art. 121. ........................................................................

Homicídio qualificado

§ 2o ................................................................................

Feminicídio

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Aumento de pena

§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)

 

Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 1o .........................................................................

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI);

...................................................................................” (NR)

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

 

Com a entrada em vigor da lei a preço resta demonstrada manifestação proativa do Estado brasileiro em fazer recair a responsabilização criminal sobre o  praticante de violência doméstica, nesta legis, especificamente definido o femicídio e suas penas,  do que se afere que o Poder público tem procurado seguir, dentro das medidas possíveis, inclusive, dada a extensão territorial, diferenças consumeiras regionais, as recomendações de tratados e convenções do qual é parte ratificadora.

A aprovação de leis como esta mostra relativa proatividade por parte do Estado brasileiro, na medida do possível, dadas condições de extensão territorial, diferenças culturais e consumeiras regionais, e diversas outras diferenças entre a população, cumprindo com recomendações e obrigações assumidas face à ratificação de tratados e convenções relativas a direitos humanos, dignidade da pessoa humana, coibição, punição, cessação da violência em suas múltiplas formas e preservação da vida humana.

Cediço que, ideal seria que nosso país se constituísse de indivíduos evoluídos cultural e socialmente a ponto de não precisarmos  ver leis desta natureza entrando em vigor.

Fato é que ainda não atingimos o ideal

Ampara-nos a certeza de que enquanto humanos dotados de racionalidade estamos a caminhar na direção correta, se não para erradicar todas as formas de violência, ao menos para coibir as e punir aqueles que insistem em sua prática, levando a nós mesmo Sociedade, melhores condições de vida e esperança de proteção em amparo, conferindo a nossas mulheres a certeza de que não estão sós.

 

5.PRISÃO EM FLAGRANTE, PRISÃO PREVENTIVA E MEDIDAS DE NATUREZA CAUTELAR PROTETIVAS

 

5.1Prisão em flagrante e Prisão Preventiva

 

O legislador, inicialmente, entendeu por bem por acrescentar ao artigo 313 do Código de Processo Penal o inciso IV, no qual há expressa previsão de prisão preventiva, a fim de que sejam garantidas as medidas protetivas de urgência determinadas pelo juízo em se tratando de crimes de violência doméstica e familiar contra mulher.

Ao depois com a alteração legal introduzida pela lei n. 12403/11, o inciso II, do artigo 313 do Código de Processo Penal passou a prever a prisão preventiva para crimes de violência doméstica e familiar contra mulher, acrescentando ainda a possibilidade para outras vítimas: crianças, adolescentes, idosos, enfermos e pessoas com deficiência.

Mais uma vez andou bem o legislador, que, melhor observou a configuração de ambientes domésticos e familiares, nos quais  não há apenas a presença de dois indivíduos.

Existem casos em que várias pessoas compõem família,  e tal configuração também as torna eventuais vítimas de violência doméstica, motivo pelo qual, tanto quanto a mulher são sujeitos hábeis a gozar protetividade e amparo legal.

Cumpre anotar que, o objetivo da prisão preventiva é impedir que o agressor deixe de cumprir as medidas de proteção e torne  à prática violenta consistente em ameaças e demais modalidades previstas já relatados referidas neste estudo.

É certo que a prisão é exceção, entretanto ainda que se trate de crimes apenados com detenção, verificando o juiz que as medidas cautelares mais brandas não apresentem a eficácia necessária no caso concreto sub judice, tem amparo legal para a decretação daquela. 

Observará, também, o juiz ao proferir o decreto prisional, o preenchimento dos requisitos do artigo 312 caput do Código de Processo Penal como razão para fundamentar o decisum.

Objetivo final conforme já assinalado, não é a medida mais rigorosa, não se prentende em princípio e como primeira providência, aprisionar o agressor, mas tão somente impedi-lo de propagar a conduta por  ele praticada visando proteger a vítima, nem ainda a aplicação de outras medidas determinadas judicialmente.

 

5.2 Medidas e Natureza Cautelar Protetivas 

 

Inicialmente cumpre assinalar que juntamente  com as legislações mexicana e Espanhola, a Lei Maria da Penha está dentre as legislações mais avançadas e mais garantidoras, em termos de direitos de proteção à mulher contra a violência de gênero e violência no ambiente doméstico e familiar.

No momento em que o legislador optou para que na Maria Lei Maria da Penha fosse tipificada violência de gênero, escolheu deixar claro que nos lares brasileiros ocorre reiteradamente a violência doméstica de forma que a mesma precisa e deve ser combatida a fim, dentre outros objetivos, de evitar que tal conduta se perpetue como herança familiar passando de pai para filho, Sim porque é impossível negar que um filho que cresce vendo um pai praticando violência contra sua mãe possivelmente poderá vir praticar a mesma conduta quando for a sua vez de ser marido de alguém.

Com esse movimento a Lei Maria da Penha fez com que a violência doméstica praticada contra mulher dentro do seu ambiente familiar deixasse de ser um problema intrínseco e secreto com qual a mulher contava somente consigo para resolver.

A melhor maneira de enfrentar um problema de ordem social e a publicidade. 

E o advento da lei Maria da Penha só fez ratificar assertiva retro

A visibilidade trazida à sociedade acerca da violência doméstica ambiente familiar,  enquanto inovação da Lei Maria da Penha  instou o Estado brasileiro a adoção de medidas de prevenção e combate aquelas  aquelas condutas tipificadas como violência doméstica.

Uma das inovações trazidas pela lei a Lei Maria da Penha é a aplicação de medidas protetivas que são elementos essenciais, não apenas na prevenção da violência em âmbito  doméstico e familiar,  mas também como freio retentor das atividades do agressor.

Nesse sentido:

 

Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) junto aos juizados e varas especializadas nos processos de violência doméstica contra a mulher em todo o país, divulgado nesta quarta-feira (25/4), aponta um crescimento de 106,7% no número de procedimentos instaurados com base na Lei Maria da Penha no período de julho de 2010 a dezembro de 2011. Segundo o levantamento, desde a sanção da Lei Maria da Penha (Lei 11.340) – em 2006 – até dezembro passado foram instaurados 685.905 procedimentos nos estados. O número engloba desde abertura de inquéritos a instauração de ações penais e medidas protetivas, entre outras ações.

Maior ainda foi o crescimento no número de prisões em flagrante e de prisões preventivas decretadas. De acordo com o levantamento, o número de prisões em flagrante cresceu 171% nesse período de um ano e meio, chegando a 26.416 prisões, e as decretações de prisões preventivas chegaram a 4.146, o que representa um aumento de 162% em relação ao levantamento anterior. As informações mostram que, ao longo do mesmo período, 408.013 mil destes procedimentos foram julgados e encerrados. O trabalho foi feito a partir de informações repassadas ao Conselho pelas coordenadorias dos Tribunais de Justiça especializadas em violência doméstica e familiar contra a mulher. Os resultados foram apresentados pela juíza Luciane Bortoleto no encerramento da 6ª Jornada Maria da Penha. O evento, organizado pelo CNJ, reuniu, em Brasília, representantes dos 27 Tribunais de Justiça que trabalham com o atendimento às vítimas de violência doméstica e de outros órgãos públicos que atuam na questão, como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do Governo Federal, o Ministério Público e a Defensoria Pública. 

“Ficou evidente que neste um ano e meio os juizados tiveram uma produtividade muito maior do que no período anterior”, afirmou a magistrada. As informações, segundo ela, serão encaminhadas ao Departamento de Pesquisas Jurídicas do CNJ para que se faça um aprofundamento da leitura dos dados e do que eles representam. 

 

Não raro, a divulgação  midiática  de medidas de ordens cautelares tais como a prisão, o afastamento do lar,  a vetação de contato,  a imposição de multa em caso de descumprimento de medidas protetivas eventualmente impostas,   se a finalidade didática  de ensinar ou avisar a eventuais futuros agressores as quais situações estarão submetidos.

Entretanto, dentre muitas situações adversas  a serem enfrentados na aplicação de todas as medidas presentes na Lei Maria da Penha, infelizmente  no  no ordenamento jurídico pátrio restou formula da reserva igualdade entre homens e mulheres na família havendo legislador usado como base o Código Civil de 1916 da época consagrava a família patriarcal 

Isto é de acordo com esse modelo de família toda autoridade a chefia da unidade familiar eram objeto do ser humano do sexo masculino que compunha o casal.

E tal situação ainda demanda  forte enfrentamento por meio de toda a sociedade bem como do Estado com a adoção de políticas públicas e medidas que visem fazer com que  reste reavaliada e modificada  a mentalidade machista de que quem manda na casa é o homem,  sendo a mulher objeto de submissão e subvenção aos desejos e  anseios daquele,  restando, não raro,  delegada as funções e atribuições do lar.

Sem olvidar,  que não apenas a conduta do homem mas  mas também a mentalidade e o comportamento da mulher demandam reconfiguração.

Vencidas as considerações preliminares passaremos então às medidas protetivas de urgência. 

 

5.2.1Medidas protetivas de urgência: artigos 18 a 21 da Lei n. 11340/06

 

Os artigos em apreço cuidam de determinar a forma procedimental a ser adotada pelas autoridades competentes a partir da comunicação do delito de violência doméstica.

A seguir os textos legais dos artigos referidos:

 

Art. 18.  Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas: 

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19.  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o  As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o  Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

Art. 20.  Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único.  O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21.  A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único.  A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor. 

 

5.2.2Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor: artigo 22 da Lei n. 11340/06

 

São medidas objetivas que vedam ao agressor meios para continuar com sua conduta na medida em que determinam seu afastamento da vítima:

 

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1o  As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2o  Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3o  Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4o  Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). 

 

5.2.3Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida: artigos 23 e 24 da Lei n. 11340/06

 

São medidas cautelares que visam promover meios imediatos e mediatos para que a vítima consiga manter-se afastada do convívio com o agressor, bem ainda disponha de condições financeiras, amparo psicológico e social e acolhimento em instituições próprias,  ver cessada a violência a que fora submetida:

 

Art. 23.  Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24.  Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único.  Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo. 

 

6.À LEI N. 11.340/06 NÃO SE APLICA A LEI N. 9.099/95

 

Anteriormente à vigência da Lei Maria da Penha casos de práticas de violência doméstica na modalidade física, aplicava-se o artigo 129 do Código Penal, o qual trata do tema lesões corporais para os casos em que as vítimas compareciam as delegacias de polícia com a finalidade de relatar ocorrido à Autoridade Policial, lavrava-se termo circunstanciado.

Ao depois,  colhida a representação da vítima, o procedimento inaugural acima referido era remetido Juizados Especiais Criminais ou, na ausência destes, aos Juízos de Varas Criminais comuns.

Por conseguinte, em fase processual anterior a eventual ação penal, designava-se audiência de transação penal na qual era oferecida ao réu, nos termos do artigo 76 da Lei n. 9099/95 a possibilidade de retratar-se perante a ofendida e a justiça mediante o pagamento de cesta básica para entidade assistencial designada pelo juízo.

O mesmo se dava  com relação ao delito de ameaça previsão do artigo 147 do Código Penal.

Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, que determinou claramente em seu artigo 17, declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que vedada aplicação nos casos de violência doméstica e familiar contra mulher de penas de cesta básica ou demais de natureza pecuniária bem ainda fosse a pena substituída pelo pagamento de multa.

Referida legis alterou o artigo 129 inciso 9º do Código Penal, restou vetada a aplicação do dispositivo da lei dos crimes de menor potencial ofensivo à prática de lesão corporal ocorrida em ambiente doméstico:

 

§ 9o  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006).  Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

 

Nesse sentido:

 

Até 2006 (data de promulgação da lei), o Brasil não tinha uma legislação para coibir a violência contra a mulher”, observou o decano. Isso porque, anteriormente, os crimes de violência doméstica eram julgados pelos Juizados Especiais, criados pela Lei 9.099 para julgar crimes de menor poder ofensivo. 

 

7. maria da penha: um caso de litigio internacional 

 

O filme-documentário de curta metragem Maria da Penha, um caso de litígio internacional, uma produção do CLADEM (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher ), instituições protetivas de direitos humanos ligadas à denúncia junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) é um marco-síntese que visa demonstrar a importância da atuação de instituições do Sistema Americano de Proteção aos Direitos Humanos a fim de que estes últimos sejam objeto de atenção e respeito pelos Estados integrantes daquela organização. 

Em parceria com o CLADEM, também integrou a denúncia junto à OEA contra o Estado brasileiro pelo completo descaso em relação ao processo de Maria da Penha Maria Fernandes, CEJIL (Centro para a Justiça e o Direito Internacional).

A luta destas instituições fez mover o Estado brasileiro a criar a Lei Maria da Penha. 

Não fosse o empenho destas instituições em favor de Maria da Penha Maia Fernandes, é certo que provavelmente muitas outras mulheres brasileiras em situação de risco não seriam sujeitos de proteção da legislação em apreço.

Para infelicidade de nós brasileiros é de se constatar que vivemos em um Estado essencialmente bom.

Bom para exigir de seus cidadãos deveres.

Inerte, lento e geralmente morto para conferir direitos e protetividades.

Um Estado que quer usar recursos já escassos para desenhar um modelo perfeito de família.

Um Estado que no preâmbulo de sua Constituição prega que:

 

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 

 

Mas que na prática foge à responsabilidade laica permitindo a impregnação de conceitos religiosos em seu ordenamento jurídico feito e imposto “erga omnes”, pouco importando o credo religioso do indivíduo, se profere algum ou deixa de fazê-lo.

Um Estado que aponta em sua Carta Cidadão que:

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (g.n.):

III - a dignidade da pessoa humana;

Mas que frente ao panorama ocorrente, em muitos e muitos e muitos outros casos, só respeita a dignidade humana com intervenção judicial.

Um Estado que em seu artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, assegura que: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Mas que no dia a dia permite o trâmite do Projeto de Lei n. 477/15 , que objetiva alterar a Lei Maria da Penha com o fito único de satisfazer seu autor, sua Excelência, o Deputado Federal Eros Biondini  (“...é membro da Renovação Carismática Católica (RCC) e fundador da Missão Mundo Novo. Atua na evangelização há 25 anos junto aos movimentos católicos...)”, “por um mundo novo”, de religião pessoal própria daquelas da clausura, e seu colégio eleitoral, que por problema próprio, calcado em si, não reconhece, não aceita e não respeita a diversidade, optando, portanto, pela via legal, por destruí-la. 

Um Estado que, por conchavos e coligações políticas teve sua Excelência o Deputado Federal Pastor Marco Feliciano à frente da Comissão de Direitos Humanos, de lá “saído” (termo utilizado com a devida vênia ao vernáculo) sob vaias e protestos de ativistas de direitos humanos e das mais variadas formas de diversidade.

Vejamos: O deputado Marco Feliciano (PSC-SP), conhecido por declarações homofóbicas e racistas, foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara nesta quinta-feira 7. (g.n.). 

Um Estado que traz em seu artigo 5º, inciso I, a igualdade entre homens em mulheres, mas que promulga um Código Civil com o ‘recepcionado’ artigo 166, inciso II.

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

 

Confere-se de um lado, retira-se de outro. E a igualdade perde-se em meio ao movimento.

Um Estado que possui um dos mais, se não o mais belo e completo ornamento jurídico máximo, e, que, no entanto, não encontra meios de permitir que de seus direitos e garantias todos possam usufruir de forma livre.

 

8. POLÍTICAS DE DIVULGAÇÃO, REFLEXÃO E CONHECIMENTO

 

A Lei Maria da Penha em seus dez anos de vigência trouxe avanços significativos. Ainda a sociedade brasileira é conivente com a violência de gênero, daí a importância de um seminário tratando do tema. O conceito de violência de gênero perpassa toda a Lei Maria da Penha e sua aplicação

 

a frase acima reproduzida foi proferida no dia 14 de setembro de 2016 pela Desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida na abertura do Seminário 10 anos da Lei Maria da Penha, promovido pela Escola Paulista da Magistratura.

Naquele dia, o tema eleito para dar início ao congresso de debates foi conceito de violência de gênero.

Estiveram presentes as Doutoras Heloisa Buarque de Almeida, professora da Universidade de São Paulo, antropóloga e cientista social e as juízas Camila de Jesus Mello e Tatiane Moreira Lima, ambas atuando em Varas de Violência Doméstica da Capital paulista.

O evento contou em sua abertura com a presença do Desembargador Paulo Dimas de BellisMascaretti, Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo e demais autoridades ligadas à area do direito.

A Escola Paulista da Magistratura, instituição ligada ao Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio desta iniciativa aderiu à previsão da Lei Maria da Penha, na qual a legis refere à necessária divulgação e debates acerca do tema.

As palavras da Desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida acima colacionadas evidenciam a necessidade de eventos desta natureza. 

Demais disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem promovido ações que visam à divulgação e combate à violência doméstica.

Nesse sentido, a matéria publicada no sítio oficial da Corte:

 

08/08/2016 - TJSP CELEBRA LEI MARIA DA PENHA COM AÇÕES DE COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Autoridades em apoio à campanha "Rompa o Silêncio"

Para marcar os dez anos da Lei Maria da Penha, o Tribunal de Justiça de São Paulo promove projetos e campanhas para mostrar à sociedade que a vítima de violência de gênero, doméstica ou familiar não está sozinha, conta com o apoio do Judiciário Bandeirante. Em evento realizado hoje (8), o presidente Paulo Dimas de Bellis Mascaretti lançou diversas ações: a campanha Rompa o Silêncio, você não está sozinha!  #SomosTodasMariadaPenha – que tem como embaixadora a cantora Paula Lima; assinou termo de cooperação com a secretária de Estado da Saúde e com a ONG Turma do Bem para realizar o Projeto Fênix; lançou o selo do TJSP nos 10 anos da Lei Maria da Penha, confeccionado pelos Correios; e prestigiou a conclusão da primeira fase do Projeto Arte Grafite, obra  dos artistas Aleksandro Reis e o Grupo Opni.

        A primeira a falar na solenidade foi a coordenadora da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp), desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida. “Os casos de violência doméstica e familiar vindos ao Poder Judiciário trazem como pano de fundo a demonstração de que no Brasil as relações sociais entre homens e mulheres primam pela desigualdade”, alertou ela. Para alterar esse quadro, a Comesp atua em rede com representantes do Executivo e Legislativo nas esferas federal, estadual e municipal. As atividades lançadas hoje, afirmou a magistrada, “exteriorizam a opção da Corte por não compactuar com a violência de gênero contra a mulher. Revelam o compromisso deste Tribunal com uma sociedade mais justa, com igualdade entre os gêneros”.

        Em seguida, os desembargadores Paulo Dimas e Angélica Almeida entregaram certificado para a cantora Paula Lima e presentearam os primeiros selos alusivos aos 10 Anos da Lei Maria da Penha para Maria Fabrina, uma das mulheres amparadas pela lei, em nome de todas as pessoas que sofreram violência doméstica. 

        Paula Lima, que é ex-servidora do TJSP, falou como embaixadora oficial da campanha "Rompa o Silêncio, você não está sozinha! #SomosTodasMariadaPenha". “Sinto-me honrada e emocionada em participar. Também sinto-me mais segura por estarmos sendo apoiadas por essa instituição”, declarou.  A cantora também lembrou a importância de o TJSP destacar a figura da mulher negra em seus projetos, pois, segundo ela as mulheres negras sofrem especialmente com as desigualdades que levam à violência. “Todos estaremos bem quando todas estiverem seguras”, concluiu.

        O Projeto Fênix prevê que vítimas de violência doméstica com sequelas físicas tenham acesso a cirurgias estéticas e reparadoras pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a tratamento odontológico integral e gratuito oferecido pelo projeto Apolônias do Bem, da rede de dentistas voluntários Turma do Bem, que já atendeu mais de 65 mil jovens e, desde 2012, tem se voltado também para vítimas de violência doméstica. 

        O público se emocionou com as palavras do presidente da Turma do Bem, Fábio Bibancos de Rosa, que descreveu a transformação das mulheres atendidas pelo projeto. “Tudo que elas querem é passar batom e poder sorrir.” O termo de cooperação do Projeto Fênix prevê que, após decisão judicial, a Comesp encaminhe os dados das pacientes à Secretaria de Saúde e ao Programa Apolônias do Bem. “Os juízes nos ajudarão bastante”, afirmou Bibancos. “Com as indicações dos magistrados o trabalho de chegar às vítimas é facilitado.”

        O corregedor-geral da Justiça do Estado de São Paulo, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, enfatizou que a Corregedoria Geral da Justiça está comprometida com o combate à violência doméstica. “A CGJ, ao lado da Presidência e seguindo suas orientações, fará a parte que lhe cabe nesta empreitada”, assegurou.

        “Vamos arregaçar as mangas e partir para o enfrentamento dessa violência tão bárbara e covarde”, declarou o presidente Paulo Dimas. O magistrado lembrou que o TJSP conta com sete Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Capital, cinco no Interior e também centenas de varas criminais por todo o Estado. Mas, afirmou o presidente, o apoio institucional e social deve ser constante e sempre renovado, pois sem apoio, “a mulher acaba sendo obrigada a se submeter, seja por razões econômicas, seja por razões sociais”. Assim, disse Paulo Dimas, “todas as ações seguem na linha de mostrarmos nosso engajamento, nossa repulsa à violência, de garantir que não vamos deixar as mulheres sozinhas. Vamos dar um basta na impunidade com apoio decisivo às mulheres e às crianças”. 

        Após o encerramento da cerimônia, os participantes e autoridades seguiram para a Rua Conde de Sarzedas, na esquina com a Praça João Mendes, para conhecer os artistas e a obra de grafite alusiva à Lei Maria da Penha. “O intuito é chamar atenção da sociedade na própria via pública”, afirmou o presidente, ao entregar o certificado aos artistas que colaboraram com a iniciativa.

        Completaram a mesa de trabalho o secretário-adjunto de Estado da Saúde, Wilson Pollara, representando o secretário; a coordenadora do Núcleo da Mulher da Defensoria Pública, Ana Rita Souza Prata; a conselheira Estadual da OAB – Seção São Paulo, Kátia Boulos. Também participaram da solenidade o vice-presidente do TJSP, desembargador Ademir de Carvalho Benedito; o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, desembargador Mário Devienne Ferraz; o presidente da Seção de Direito Privado do TJSP, desembargador Luiz Antonio de Godoy; o presidente da Seção de Direito Criminal, desembargador Renato de Salles Abreu Filho; a vice-coordenadora da Comesp, desembargadora Maria de Lourdes Rachid Vaz de Almeida;  as juízas Elaine Cristina Monteiro Cavalcante e Teresa Cristina Cabral Santana Rodrigues dos Santos, integrantes da Comesp; a diretora-adjunta do Departamento de Relações Internacionais da Apamagis, juíza Maria Domitila do Prado Manssur; o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, professor doutor José Vicente; a presidente do Conselho Estadual da Condição Feminina, Rosmary Corrêa; a integrante do Conselho Consultivo e de Programas da Escola Paulista da Magistratura, desembargadora Luciana Almeida Prado Bresciani, representando o diretor; o juiz assessor da Vice-Presidência Daniel Issler; a juíza assessora da Seção de Direito Privado Carina Bandeira Margarida Paes Leme; a promotora de Justiça Fabiana Dalmas Rocha Paes, representando a Diretoria da Mulher da Associação do Ministério Público; o presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, Leonardo Sica; a delegada de polícia dirigente do Serviço Técnico de Apoio às Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher do estado de São Paulo, Gislaine Doraide Ribeiro Pato, representando o delegado-geral; o delegado chefe da Assessoria Policial Civil do TJSP, Fábio Augusto Pinto; o capitão PM Luciano Quemello Borges, representando o diretor de Polícia Comunitária e de Direitos Humanos; a diretora de Acesso à Justiça da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, Carolina Vieira da Costa, representando a secretária; a editora do Instituto Patrícia Galvão, Marisa Sanematsu; o representante da Associação dos Registradores Imobiliários, João Batista Nalini; a representante do Instituto Médico Legal, Eliete Coelho Bastos; a presidente da Rede Internacional de Mediação Interdisciplinar, Celia Zapparolli; o poeta Paulo Bomfim, desembargadores, juízes, advogados e servidores. 

        Comunicação Social TJSP – GA (texto) / AC e KS (fotos)         imprensatj@tjsp.jus.br” 

 

Nesta data foi publicada matéria no sítio Geledés segundo a qual Maria da Penha Maia Fernandes é considerada como pessoa indicada ao prêmio Nobel da Paz, vejamos:

 

Cearense Maria da Penha é indicada ao Prêmio Nobel da Paz 2017

 

A nomeação dos vencedores do maior prêmio mundial de promoção de paz ocorre, anualmente, em outubro, na Noruega

No próximo mês de fevereiro, a fortalezense Maria da Penha Maia Fernandes deve ser confirmada como uma das indicações ao Prêmio Nobel da Paz de 2017. Durante este mês, o comitê da premiação recebe sugestões de possíveis candidatos de todo o mundo. Os nomes serão analisados pelo conselho até o início do próximo ano. A nomeação dos vencedores do maior prêmio mundial de promoção de paz ocorre, anualmente, em outubro, na Noruega.

O anúncio da possibilidade de Maria da Penha ser indicada foi feito em agosto pela senadora Lúcia Vânia (PSB-GO) e pela primeira-dama do Distrito Federal, Márcia Rollemberg. A declaração ocorreu durante sessão solene no Congresso Nacional que celebrou os dez anos da Lei Maria da Penha (11.340/06), no último 7 de agosto.

Maria da Penha afirmou não ter conhecido a proposta do Governo até o momento do pronunciamento no Congresso. “Foi uma surpresa”, disse. De acordo com a biofarmacêutica, o prêmio pode dar maior visibilidade à proteção da mulher. “Cerca de 98% da população brasileira sabe da existência da lei, mas nem todos os municípios têm políticas públicas de assistência. Ainda é muito pouco”, diz.

Conforme a senadora Lúcia Vânia, somente 28 dos 5.570 municípios brasileiros têm policiamento específico para mulheres — por meio de delegacias especializadas.

Lúcia, durante a solenidade, realçou a coragem de Maria da Penha, que levou à Corte Interamericana de Direitos Humanos as duas tentativas de assassinato que sofreu do ex-marido, em 1983. Ela foi atingida por um tiro de espingarda enquanto dormia e ficou paraplégica. “É corajoso porque enfrenta um silêncio envergonhado da violência de um Estado que despreza por completo o direito de milhões de brasileiras de se sentirem seguras”, disse a senadora.

Mesmo ainda sendo uma possibilidade, Maria da Penha já enxerga na nomeação um “avanço”. Contudo, ela afirma que ainda há o desafio de alterar a cultura de violência no País. “Delegacias da mulher ainda não funcionam 24 horas, nem em feriados, quando, geralmente, o homem agressor está em casa. É preciso rever o atendimento”, indica a farmacêutica.

Saiba mais

Alguns dos perfis de indivíduos que podem fazer indicação ao Prêmio Nobel da Paz: membros de assembleias nacionais e governos; reitores e professores de ciências sociais, história, filosofia, direito e teologia; ganhadores do Prêmio Nobel da Paz e membros atuais e antigos do Comitê Norueguês do Nobel.

O Nobel da Paz pode ser atribuído a pessoas ou organizações que estejam envolvidas em resoluções de problemas sociais. 

 

Tal indicação além de ampliar a publicidade acerca da realidade brasileira em âmbito internacional, faz prova de reconhecimento do trabalho de uma mulher que, de vítima, soube dar a volta por cima e passar a realizar um trabalho em âmbito nacional em prol de ajudar outras que padecem de problemas semelhantes, conforme dito por ela mesma em várias entrevistas às quais concede inclusive algumas aqui referidas.

Afasta, igualmente, o Brasil da qualidade de país dantes inerte, que só se mexeu a criar a legis objeto deste estudo após condenação e consequente recomendação, a um país que ora adota meios e políticas públicas de divulgação dos problemas de violência doméstica e seu combate.

 

conclusão

 

Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. 

 

Seguindo a trilha do pensamento  filosófico de Norberto Bobbio, acima referido, apanhando os conceitos  e conhecimentos adquiridos  durante as leituras e pesquisas preliminares  e durante o desenvolvimento deste estudo, cumpre  anotar que a legislação brasileira é rica e se apresenta muito bem  preparada para dar as respostas necessárias aos delitos de violência praticada em meio ambiente doméstico e familiar.

A despeito das considerações preliminares, não se pode olvidar da necessidade constante de implantação e realização de projetos  visando a divulgação  da Lei Maria da Penha, tais como seminários e congressos para ampla discussão  acerca da mesma e sua aplicação com a finalidade, para, além da publicidade, fazer cultivar no seio social a necessidade de mudança de conceitos enraizados na cultura brasileira. 

É preciso quebrar paradigmas. Trabalhar em desfavor de legislações oportunistas, aventureiras e descompromissadas com direitos humanos que visem a descontrução do microsistema vigente, culminando por vetar o pleno exercício de direitos por todos.

É preciso mudar a mentalidade do homem, segundo a qual a mulher é ser inferior e portanto lhe deve  obediência, obrigações e submissão.

Necessário se faz desconstrruir para destruir e exterminar o conceito de sociedade patriarcal.

Demais disso,  embora as referidas diferenças culturais regionais ao longo de todo o território brasileiro, bem ainda a extensão do mesmo é preciso que o Poder Público atue com mais eficácia no sentido de aparelhar melhor as instituições promovendo formação de servidores e todos os indivíduos envolvidos na aplicação da legis.

A adoção de tais condutas  restará na eficácia da legislação em apreço e de todas as medidas coibitórias, punitivas, protetivas e amparadoras nela previstas.

Por fim cumpre anotar que o legislador brasileiro criou por meio da Lei Maria da Penha um microssistema dotado de eficácia e competência com a finalidade de coibir e punir a prática de violência doméstica,  resta a sua efetiva, ampla e constante  e aplicação  para que a mulher possa ver respeitado o seu direito de dignidade enquanto pessoa humana.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

barroso, Luís Roberto, Curso de Direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013.

 

BOBBIO, Norberto, 1909- A era dos direitos / Norberto Bobbio; tradução Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. — Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.— 7ª reimpressão

 

BRANCO, Tales Castelo. Da prisão em flangrante. 5ª ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional,7ª ed. rev. e atual. de acordo com a EC n 70/2012.São Paulo: Saraiva, 2012.

 

CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional, 6ª ed., Coimbra: Almendina, 1993.

 

CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. 7ª ed. São Paulo: Editora Paloma, 2000.

CONCEIÇÃO, Fernanda Fernandes. Dos Direitos Fundamentais à Privacidade e à Intimidade. Direito Público – Direito Constitucional. Monografia apresentada à Escola Paulista da Magistratura para obtenção do título de Especialista em Direito Público, 2014

 

COULANGES, Fustel de., A Cidade Antiga . (Título original: La Cité Antique . Tradução de: Jean Melville). São Paulo (SP): Martin Claret, 2001

 

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência domestica e familiar contra a mulher. 2.ed. rev., anual. E ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

 

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos humanos fundamentais, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

JESUS, Damásio de, Violência contra a mulhe r: aspectos criminais da Lei n. 11.340/2006/Damásio Jesus. - São Paulo: Saraiva, 2010. 

LIMA, Renato Brasileiro de, Legislação Criminal Especial Comentada, 3ª ed.rev., ampl.e atual. Salvador: JusPodivm, 2015.

 

NERY Junior, Nelson, Rosa Maria de Andrade Nery, Constituição federal

comentada e legislação constitucional, 2ª ed., rev., atual. e ampl. Até 15.1.2009,

Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXOS

Anexo 1 – Entrevista de Maria da Penha à Revista TPM

MARIA  DA  PENHA  É UMA SOBREVIVENTE

 

Seu marido tentou matá-la duas vezes. A primeira, com um tiro nas costas que a deixou paraplégica. A segunda, eletrocutada. Além de prender o criminoso, ela batizou a lei que protege a mulher da violência doméstica. POR DELCIO GALINA, 11.03.2009.

Maria da Penha tem sono pesado. Capota e só acorda no dia seguinte. Na madrugada de 29 de maio de 1983, porém, teve seu   repouso   interrompido   pelo   pior   pesadelo   da   vida. “Acordei  de  repente  com  um  forte  estampido  dentro  do quarto. Abri os olhos. Não vi ninguém. Tentei me mexer. Não consegui. Imediatamente fechei os olhos e um só pensamento me ocorreu: ‘Meu Deus, o Marco me matou com um tiro’. Um gosto estranho de metal se fez sentir forte na minha boca, enquanto um borbulhamento nas costas me deixou perplexa.” Entre desmaios e devaneios, a mulher, então com 38 anos, tinha momentos de consciência. Por mais que estivesse acostumada com os gritos, as explosões de fúria e os empurrões do marido, Penha custava a acreditar que fora alvejada por um tiro de espingarda disparado pelo homem que escolheu para ser pai de suas três filhas (na época com 6, 5 e 1 ano e 8 meses). Não concebia tamanha covardia. “Quando os vizinhos chegaram ao meu quarto, demoraram a perceber o ferimento, pois eu estava de costas, com o sangue escorrendo no colchão.” Para acobertar sua intenção diabólica de assassinar  a  própria  mulher  em  pleno  sono,  Marco  se fantasiou de vítima de um suposto assalto: rasgou o pijama, pôs uma corda no pescoço e disse para a polícia que havia sido atacado por uns bandidos. O teatro não funcionou. Mas a verdade demorou, demorou quase 20 anos a aparecer e levar o economista e professor universitário colombiano Marco Antonio  Heredia  Viveros  para  onde  devia  estar  há  tanto tempo: atrás das grades.

Os  quatro  meses  seguintes  após  a  tentativa  de  homicídio foram de cirurgias em hospitais de Fortaleza, onde Penha nasceu, e de Brasília. Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica bioquímica formada pela Universidade Federal do Ceará e mestre em parasitologia pela USP, resistiu firme, mas sua vida não seria mais a mesma. “Após vários exames, chegou a hora da avaliação que diria se eu ia voltar a andar ou não. Como profissional da saúde, antevia o fatídico diagnóstico. Como paciente, ousava sonhar, pedir aos meus santos... Enfim, declararam: nunca mais andaria.” De volta para casa, na cadeira de rodas, Penha ainda teve que fazer força para escapar de outra atrocidade do marido: ele tentou eletrocutá-la embaixo do chuveiro. Marco, então, foi embora para ficar com uma amante no Rio Grande do Norte.

Ela mudou a história. E Penha transformou sua existência na luta pelos direitos das mulheres que sofrem com a violência doméstica. Em 2001, conseguiu que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenasse o Brasil por negligência e omissão pela demora na punição do marido. Daí a semente para que, em 2006, o presidente  Lula  sancionasse  a  lei  11.340,  a  lei  Maria  da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência familiar contra a mulher e prevê que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada. Além disso, aumenta a pena máxima de um para três anos de detenção e acaba com o pagamento de cestas básicas , como acontecia anteriormente com os agressores. Hoje, Penha é colaboradora de honra da Coordenadoria de Mulher da Prefeitura de Fortaleza, dá palestras em faculdades e recebe homenagens por todo o país. Ela acredita que o ex-marido viva no Rio Grande do Norte. Em um sábado de sol e calor (será que algum dia faz frio em Fortaleza?), Maria da Penha recebeu, em casa, a reportagem da Tpm para lembrar dos dias mais dramáticos e dos mais felizes de seus 63 anos.

Tpm.  Como foi  a  sua  infância em  Fortaleza? Maria  da Penha. A  minha  mãe  sempre  procurou  bons  colégios.  Ela primava em dar uma educação de valores, não só de instrução. Estudei em colégio dirigido por irmãs. Na hora de brincar, ia para a calçada, jogava bola, pulava corda. Dia de domingo a gente ia para a praia. Meu pai levava as amigas da gente junto numa caminhoneta. Ele gostava de pescar nas pedras.

O  primeiro  namorado  apareceu  logo? Ah,  sim,  eu  era garota precoce, quer dizer, sempre fui muito alta para a minha idade.  Quando  tinha  12  anos,  meu  corpo  já  era  de  gente grande.  Namorei  uma  pessoa  que  morava  perto  daqui. Acharam um absurdo. Tão nova, namorando.  Só podia na morar depois dos 15 anos...

Praticava algum esporte? Sim, na escola jogava vôlei, era levantadora, e pingue-pongue. Cheguei a participar de campeonatos.  Ano  passado,  ganhei  medalhas  em  tênis  de mesa para pessoas com deficiência.

Quando surgiu o desejo pela bioquímica? Queria uma área médica,   mas   não   medicina,   porque   não   iria   conseguir enfrentar uma cirurgia. Minha avó sugeriu que fizesse farmácia. Fui para a área de análises clínicas. Sou da primeira turma da Faculdade de Farmácia e Bioquímica, de 1966, na Universidade Federal do Ceará.

Nesse período você morava com os pais? Não, aos 19 anos eu casei, movida por uma paixão violenta. Depois de mais ou menos um ano o casamento não deu certo. Eu querendo avançar, progredir nos estudos, e ele, muito machista, não aceitava o estudo, não aceitava trabalhar fora. Daí separei, viajei para continuar os estudos na USP, onde concluí o mestrado na área de parasitologia. Fiquei no apartamento de uma amiga. A vida universitária foi muito agradável. Foi aí que você conheceu o seu segundo marido, o Marco Antonio? Foi. Ele era professor de economia. Chegou a São Paulo e foi morar no apartamento de um grupo que eu conhecia,  estrangeiros  da  Colômbia,  da  Bolívia,  da Venezuela, do Equador. O grupo era unido para passear, conversar, ir às festas.

O  que  te  chamou  a  atenção  nele? Achei  a  conversa interessante. Até o dia em que ele me levou ao cinema. Não lembro se foi na avenida Paulista ou no Iguatemi. Depois passou a ir ao apartamento que eu dividia com mais mulheres. Comecei a gostar do jeito dele de ser prestativo. Se tivesse um chuveiro elétrico quebrado, ele já ia consertando. Isso aí chamou a atenção inclusive da mãe de uma colega da Paraíba que passava temporada em São Paulo. Ela dizia: “Ah, se a minha filha arranjasse um namorado igual ao seu...”. Depois de alguns meses resolvemos juntar os mulambos. Como eu era desquitada, casamos na embaixada da Bolívia, onde tínhamos uns conhecidos.  Minha primeira filha nasceu em São Paulo.

Você voltou antes para Fortaleza e ele veio te encontrar aqui  alguns  meses  depois? Foi.  Mas  aí  ele  começou  a mostrar um comportamento agressivo. Já estava grávida da segunda  filha.  Ele  tinha  um  ciúme  exagerado  da  minha família. Quando a segunda filha nasceu, os problemas aumentaram, a decepção também. Perto de a terceira filha nascer, ele começou a bater nas crianças. Já tinha perdido toda a esperança no relacionamento. Só me preocupava em evitar situações que pudessem incomodá-lo.

Você  começou  a  fazer  manobras  para  preservar  as filhas...  Exato. Tentei convencê-lo de uma separação. Era a única coisa que eu podia fazer. Não existia lei pra me proteger ou alguma coisa pra me orientar.

Você  abria  a  sua  situação  para  amigas?  Pedia conselhos? Abria. Elas falavam que conheciam outros casos, que era assim mesmo. Diziam para eu começar a rezar.

O que ele dizia quando você tocava no assunto da separação? Desconversava. “Que besteira é essa? Separar por quê?” Quando percebia que ele chegava irritado na hora do almoço, eu nem comia e saía com as crianças.

Por que você acha que ele não aceitava a idéia da separação? Acho que ele já devia ter alguma premeditação. Um ou dois meses antes de ele me balear, pediu para eu assinar um seguro de vida para ele. Eu não aceitei.

Você achava que ele podia te matar? Na época, achava que poderia acontecer algo de grave comigo, mas me recusava a acreditar no assassinato.

Antes    de    ele    te    balear,    houve    alguma    agressão física? Houve.

Que tipo? Jogar prato em mim. Mas eu me antecipava e não deixava ele me acertar. Não aconteceram outras coisas porque eu evitava. Não deixava chegar perto.

Por que ele te jogou um prato? Uma vez ele não gostou da comida, era uma feijoada, achou não-sei-quê, jogou o prato, que caiu no chão e cortou a perna da minha filha.

A essa altura, você já devia estar perdida... Não sabia o que fazer. Estava realmente perdida.

Qual era o direito que a mulher tinha? Solução não existia. Experimentei até encontro de casais. Armei toda a situação para uma amiga minha nos convidar. Socialmente ele era uma pessoa maravilhosa, nunca demonstrava para o público quem ele era na realidade. Tem gente que acha que violência doméstica  está  relacionada  a  classes  sociais  menos favorecidas. 

O seu caso e o de suas amigas comprovam o contrário, correto? Sim. As mulheres de uma classe social mais elevada estão conseguindo ser atendidas pela lei Maria da Penha, só que tudo de forma discreta. Não aparece na mídia. Elas só aparecem na estatística. Essas mulheres têm advogados que não permitem que os casos saiam nas manchetes. A lei Maria da Penha auxilia classes menos favorecidas também. O problema é que as pessoas de menor poder aquisitivo ficam na dependência  de  o  processo  andar  pela  via  gratuita  e  daí demora  mais.  É  terrível  isso,  mas  quem  tem  amizades, conhece alguém no juizado, faz a coisa andar mais rápido.

É possível traçar o perfil do agressor doméstico? Muitas vezes não é um bandido ou uma pessoa má. Ele tem aquele comportamento   agressivo [o   agressor   mais   leve] porque viveu  numa  família  onde  isso  era  normal.  Ele  acha  que agredir é normal. É cultural. Por isso que, com a lei, há um sistema de atendimento ao agressor. Nós temos que desconstruir essa cultura com diversos mecanismos: o da educação; a pena, que tem que ser exemplar; e a questão do atendimento ao agressor.

Mas tudo isso é disparado pela denúncia? Exatamente.Se a mulher não denuncia, como o homem que não a trata bem vai ser penalizado?

O homem que agrediu uma mulher pela primeira vez tem salvação? Tem. Mas a mulher precisa procurar a delegacia e conscientizar o cara de que ela tem como recorrer, caso a agressão se repita. Se ele gostar mesmo dela, vai aprender a respeitá-la.   Tenho   referências   de   comunidades  em   que, quando prenderam o primeiro homem em flagrante, os outros homens pararam de bater nas mulheres.

O que acontece mais: a mulher procurar a delegacia na primeira agressão ou apanhar muito até buscar ajuda? O segundo caso. A violência doméstica obedece a um ciclo com as seguintes etapas: violência, pedido de perdão do agressor, nova lua-de-mel e nova agressão, que aumenta a cada ciclo. Conheço muitas mulheres aceitas em casas de abrigo que não podem nem voltar pra casa por que correm o risco de serem mortas.

Por que a mulher muitas vezes nem denuncia? Porque o marido  é um  bom  pai.  Ela  pensa  mais  nos  filhos.  Muitas mulheres de classe mais alta deixam de se separar porque o marido diz: “Posso me separar, mas vou te dar somente o que você tem de direito”. Como é que essa mulher vai poder sustentar o filho no mesmo padrão? Então, ela se sujeita.

Como foi a noite em que o Marco tentou te matar com um tiro de espingarda? Era um momento feliz porque ele havia conseguido  um  emprego  de  professor  no  Rio  Grande  do Norte, então passava semana sim semana não lá. No dia do crime,   ele   havia chegado de viagem. Fui  buscá-lo   no aeroporto, exigência dele para manter as aparências. À noite, fomos visitar uma amiga e fiz questão de levar as meninas. Ele fez um caminho por lugares ermos e o carro atolou. Hoje penso que, se esti vesse sozinha, teria morrido ali. Voltamos pra  casa  umas  11  da  noite.  Levei  as  crianças  pra  dormir. Tomei banho, troquei de roupa e ele ficou na sala, vendo TV. Dormi. Acordei com um tiro nas costas. A primeira idéia que me veio à cabeça foi que o Marco havia me matado. Aí , escutei  o  ferro  e  a  tábua  de  engomar  caírem  na  área  de serviço.  Pensei: “Puxa,  fiz um mal juízo dele...”. Não me mexia. Tinha levado um tiro quase letal. Aí, não sei se desmaiei, acordei e vi um monte de gente perto de mim. Me disseram que o Marco tinha sido encontrado com o pijama rasgado e uma corda no pescoço, que ele tinha lutado com uns assaltantes  e  que  tentaram  enforcá-lo.  A  história  real:  ele armou todo o circo.

Em que pensava na cama, quando sentiu que havia sido atingida? Naquele momento, só fiz rezar. Que minhas filhas não ficassem órfãs de mãe. Seja de que jeito for, mas eu não quero morrer. Pedi a Deus isso e ele me atendeu.

Você é religiosa? Não sou de botar joelho no chão e de ir todo dia à missa, mas gosto de assistir a uma missa quando o sermão é bem conduzido. Acho que tem coisas inexplicáveis regidas por uma força superior.

Quando você começou a entender o que realmente aconteceu naquela noite de maio de 83? Quando uma amiga me visitou em Brasília. Ela disse: “Você está sabendo de um boato em Fortaleza que foi o Marco que atirou em ti?”. Eu não acreditei...

Os  boatos  começaram  a  apontar  para  ele  porque  a história  estava  mal  contada?  Os  vizinhos  contribuíram muito para a verdade aparecer. Eles escutaram o tiro e correram pra rua, então não houve chance nem tempo de fugirem da minha casa sem alguém ver. O Marco disse ter sido ferido com um tiro, só que não foi. Ele mesmo se feriu, talvez com uma faca, no ombro, e a minha mãe quando fez o curativo achou estranho: “Marco, só esse machucado aqui e você diz que foi uma bala?”.

Durante o tratamento você foi levada para Brasília? Fiquei dois meses hospitalizada aqui em Fortaleza e dois meses lá em Brasília.

Ele te visitava no hospital? Sim, pra fazer raiva. Tinha medo porque, na primeira vez que ele chegou, foi muito arrogante quando não tinha ninguém no quarto. Minhas irmãs ficavam dentro do banheiro por segurança. Chegava brigando, reclamando das crianças. Por duas vezes, quando chegou ao quarto do hospital e eu estava cochilando, me acordou dando uns chutes na cama, dizendo: “Não quer falar comigo, não?”.

O período de quatro meses longe das filhas foi o pior momento da sua vida, não? Foi muito doloroso. Foi o pior momento. Chorava muito lá em Brasília. Às vezes, à noite, ouvia uma criança chorar na enfermaria e pensava nelas na hora.

Receber a notícia de que não andaria nunca mais também deve ter sido muito pesado. Do que sente mais saudades da época em que andava? Tenho saudades do forró. Adorava dançar. Também tenho saudades das ondas “lambendo” as pernas quando elas recuavam para o mar. Lembro da areia saindo de baixo dos pés.

É verdade que, duas semanas após voltar para casa, ele tentou te eletrocutar no chuveiro?Alguns dias depois da minha chegada de Brasília, ele me perguntou se eu não queria tomar  banho.  Me  conduziu,  empurrando  uma  cadeira  de banho,  ao  banheiro  da  suíte,  abriu  o  chuveiro  elétrico,  eu apoiei na parede e fiz assim [estica o braço] só pra ver a temperatura da água. Senti uma corrente [elétrica] passar... Aí me  empurrei  e  disse  que  estava  dando  choque.  Ele  disse: “Que besteira!”. A minha cadeira era toda de ferro... Fui pra trás  e  disse  que  não  ia  tomar  banho,  dei  um  grito  e  as meninas [babá  e  empregada],  como  sempre  estavam  por perto, apareceram logo e me ajudaram. Pouco tempo depois ele resolveu ir embora. Meu Deus, quando ele foi viajar ainda veio me dar um beijo! Na ausência dele, consegui dormir. Até então só dormia de dia, à noite tinha medo. Fui ao escritório, abri umas gavetas e descobri que ele tinha uma amante no Rio Grande do Norte.

O dia em que ele viajou de vez foi o dia mais feliz da sua vida? Com certeza. Você sabe o que é dormir às oito horas da noite e acordar às dez horas da manhã? Recuperei as forças, cabeça  serena.  Esse  dia,  venci  uma  etapa.  A  partir  daí, procurei a polícia para dar depoimento.

Aí começou a luta de mais de 19 anos para você provar que foi vítima de uma tentativa de homicídio. Pensou que ia demorar todo esse tempo? Aí que fui conhecer o que é a Justiça. Aí que vi que a vítima e nada são a mesma coisa.

Demorou quanto para você desistir da Justiça brasileira e procurar entidades     internacionais? Se eu tivesse conhecimento antes, já tinha chamado há mais tempo. Mas nem poderia, pois precisava esgotar os recursos internos do país.

Mas  quase  que  o  crime  prescreveu? Isso  me  deixava desesperada. No momento em que o Brasil foi condenado pela Organização  dos  Estados  Americanos,  relaxei.  Na condenação, dizia que as leis do Brasil teriam que mudar, pois negligenciavam os casos de violência doméstica. Quando existe impunidade, o agressor acaba sendo estimulado.

Como o seu caso foi reconhecido internacionalmente? O principal    foi    a    publicação    do    meu    livro    de    150 páginas [Sobrevivi...  Posso  Contar],  em  94.  Repercussão muito   grande.   Foram   mil   exemplares,   todos   vendidos. Trabalho na publicação de uma segunda edição com atualizações de tudo o que aconteceu depois de 1994.

Você ficou satisfeita com o período que ele ficou preso (Marco foi condenado a dez anos, mas cumpriu na prisão menos de um terço da pena)? A minha alegria foi o Brasil ter sido condenado internacionalmente. Acho que o tempo que ele ficou preso não interfere em nada. O importante é o que se conquistou, diversas mulheres já foram salvas pela lei.

A decepção que você teve com o sistema judiciário brasileiro se compara com a decepção amorosa? Não, é bem maior a decepção que tive com a Justiça. A raiva é bem maior. Uma Justiça que você precisa de pistolão não é Justiça. É muito triste.

Qual  sua  grande  batalha  hoje? Ampliar  o  número  de delegacias da mulher e que todos os lugares tenham esse atendimento especializado com pessoas capacitadas.

E  você  tem  algum  lazer? Domingo  de  manhã  gosto  de assistir a programas de debate na TV. Ler jornal, só de domingo e segunda. Estou sem tempo para nada. Tenho uma pilha de livros pra ler, estou doida pra terminar de escrever meu livro, dou palestras, recebo homenagens.

Tem pesadelos com as coisas que te aconteceram? Não. Exorcizei tudo com o livro que escrevi. Foi a minha carta de alforria.  Muita  coisa  deixei  de  contar,  e  tem  coisas  que esqueci mesmo. Faço questão de não lembrar. Às vezes, toca alguma música que me faz lembrar daquele tempo, quando as crianças eram pequenas...

Qual  música? “Ursinho  Pimpão”.  Não  posso  ouvir  essa música. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexo 2 - Marcos da trajetória de luta da mulher

No mundo:

1945: Na I Assembleia Geral da ONU, realizada em São Francisco (EUA), o Conselho Econômico e Social estabelece uma subcomissão para tratar da Condição da Mulher

1946: Essa subcomissão vota a criação de uma Comissão Exclusiva sobre a Condição da Mulher

1948: O artigo 2o.da Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que "todos os seres humanos têm direitos e liberdades iguais perante a lei, sem distinção de nenhum tipo, seja raça, cor, sexo..."

1954: A Assembleia Geral da ONU reconhece que as mulheres são "sujeitos de antigas leis, costumes e práticas" que estão em contradição com a Declaração. Convoca os governos a aboli-las.

1963: A Assembleia Geral assinala a contínua discriminação contra a mulher e convoca os países-membros a elaborar um documento inicial para uma Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

1967/73: Inicia-se um processo de organização e preparação para a realização da Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher.

1973: Realiza-se em Roma a Conferência das Nações Unidas sobre a Alimentação, onde se reconhece a necessidade de maior participação da mulher no processo de tomada de decisões sobre alimentação e nutrição.

1974: Em Bucareste, a Conferência das Nações Unidas sobre a População Mundial destaca a importância da mulher para determinar as tendências demográficas.

1975: Reúne-se na Cidade do México a Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher, patrocinada pela ONU. Assistida por 8 mil mulheres representantes de 113 países e de organizações não governamentais, a conferência debate três temas centrais: igualdade entre os sexos, integração da mulher no desenvolvimento e promoção da paz. Foi um acontecimento inédito na luta pelos direitos da mulher. Consolidou novas organizações como o Centro da Tribuna Internacional da Mulher, o Instituto Internacional de Fundo Voluntário para a Mulher das Nações Unidas.

A ONU declara os anos de 1976 a 1985 como a Década da Mulher.

1977: Elaboração do Plano de Ação Regional (PAR) sobre a integração da Mulher no Desenvolvimento Econômico e Social da América Latina e Caribe.

1980: Conferência da Metade da Década da Mulher e fórum das organizações não governamentais em Copenhague, Dinamarca. O objetivo traçado para essa década era obter plena participação das mulheres na vida social, econômica e política. Os governos são convocados para promover a igualdade de homens e mulheres perante a lei, igualdade de acesso à educação, à formação profissional e ao emprego, além de igualdade de condições no emprego, inclusive salário e assistência social.

1981: A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher entra em vigor.

1984: O estudo mundial da ONU sobre o papel da mulher no desenvolvimento marca o primeiro reconhecimento oficial da importância da mulher em todas as temáticas do desenvolvimento.

1985: Conferência Mundial do Final da Década da Mulher, em Nairobi, Quênia. Adota-se com unanimidade o documento ‘Estratégias Encaminhadas para o Futuro do Avanço da Mulher’.

1990-1995: O Plano para a Mulher e Desenvolvimento é colocado em execução. Foi a primeira vez que as agências e organizações da ONU receberam tarefas para implementar um objetivo comum.

1992: II CNUMAD - Agenda XXI de Ação das Mulheres - Planeta Fêmea (Rio de Janeiro)

1993: Os Direitos da Mulher são Direitos Humanos (Viena)

1994: A Visão sobre as Questões de População e Meio-Ambiente (Cairo)

1995: Em março, realiza-se a Conferência de Cúpula Sobre o Desenvolvimento Social, em Copenhague, Dinamarca, com o objetivo de definir um programa conjunto entre os governos para diminuir e eliminar a pobreza, expandir o emprego produtivo, reduzir o subemprego e aumentar a integração social. Em setembro, realizam-se em Beijing, China, a Conferência Mundial da Mulher e o fórum das organizações não governamentais. Discute-se o desenvolvimento de uma economia alternativa à de mercado, que seja igualitária para homens e mulheres. Decide-se atenção para a crescente pobreza entre as mulheres, buscando a redistribuição de custos e rendimentos de forma igualitária, bem como o acesso igual à tomada de decisões.

1996: Reunião Internacional de Cúpula, Hábitat II, em Istambul, Turquia. Debate sobre o direito à moradia e a relação entre prover a moradia e renegociar a dívida externa dos países do Hemisfério Sul. Discute-se também a urgente necessidade de reconhecer juridicamente os direitos da mulher, pois apesar de ser crescente o número de mulheres responsáveis pelo alimento da família, elas têm dificuldade de acesso aos mecanismos de crédito e à propriedade, tanto na América Latina, como na África e Ásia (O Olhar das Mulheres sobre a Cidade). 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexo 3 – Lei n. 11.340/06, texto oficial e integral.

LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.  (Vide ADI nº 4427)

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

 

Art. 1o  Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 2o  Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3o  Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o  O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2o  Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4o  Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6o  A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CONTRA A MULHER

Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR 

CAPÍTULO I

DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

Art. 8o  A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

CAPÍTULO II

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

 

Art. 9o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1o  O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2o  O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

 

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

 

Art. 10.  Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único.  Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11.  No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o  O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o  A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o  Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

 

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

 CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 13.  Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único.  Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 15.  É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Art. 16.  Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Art. 17.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

 

CAPÍTULO II

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

 Seção I

Disposições Gerais

 

Art. 18.  Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19.  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o  As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o  Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

Art. 20.  Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único.  O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21.  A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único.  A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Seção II

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1o  As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2o  Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3o  Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4o  Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

Art. 23.  Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24.  Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único.  Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 25.  O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26.  Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27.  Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28.  É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

TÍTULO V

DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

Art. 29.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Art. 30.  Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

Art. 31.  Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 32.  O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

TÍTULO VI

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 33.  Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único.  Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

TÍTULO VII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 34.  A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.

Art. 35.  A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

Art. 37.  A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.

Parágrafo único.  O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.

Art. 38.  As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único.  As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

Art. 39.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 40.  As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Art. 41.  Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 42.  O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

“Art. 313.  .................................................

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)

Art. 43.  A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 61.  ..................................................

II - ............................................................

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

........................................................... ” (NR)

Art. 44.  O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 129.  ..................................................

§ 9o  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

..................................................................

§ 11.  Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

Art. 45.  O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 152.  ...................................................

Parágrafo único.  Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR)

Art. 46.  Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.

Brasília,  7  de  agosto  de 2006; 185o da Independência e 118o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA 

Dilma Rousseff

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006

 

 

 

 

 

Anexo 4 – Maria da Penha: uma entre muitas

 

A lei que pune e coíbe a violência contra mulheres leva o nome da brasileira que lutou por quase 20 anos para ver seu agressor  atrás  das  grades.  Maria  da  Penha  é  um  caso extremo do que acontece todos os dias com milhões de mulheres no Brasil e no mundo. Mas ainda hoje a violência contra mulheres atinge números assustadores. Os números abaixo são prova disso. Vale dar uma olhada. Dormir com o inimigo não é algo tão raro assim.

 

Por Paula Rothman

- Segundo a OMS, 70% das mulheres assassinadas no mundo são vítimas de seus próprios companheiros.

- Um em cada cinco dias de falta ao trabalho no mundo é causado pela violência sofrida pelas mulheres dentro de suas casas.

- No Brasil, o Ibope mostra que 33% da população aponta a violência contra as mulheres como o problema que mais preocupa a brasileira na atualidade – mais do que o câncer de mama e o de útero (17%) e a Aids (10%).

- No Brasil, mais de 2 milhões de mulheres são espancadas a cada ano por maridos ou namorados atuais e antigos.

- Na mesma pesquisa, 14% dos entrevistados acreditam que a mulher deve agüentar agressões em nome da estabilidade familiar.

- 19% dos homens admitem que existem situações que permitem a agressão, assim como 13% das mulheres. 68% da população brasileira conhece a lei Maria da Penha e sabe da sua eficácia (83%).

- Em 2005, nos primeiros quatro meses de funcionamento do telefone  nacional  da  Central  de  Atendimento  à  Mulher,  o Ligue 180, houve 14.417 denúncias.

- Depois da aprovação da lei Maria da Penha, em 2006, as denúncias deram um salto: de janeiro a junho de 2008, foram registrados 121.891 atendimentos, um número 107,9% maior que no mesmo período de 2007 (58.417).

- A busca por informações no Ligue 180 sobre a lei Maria da

Penha no primeiro semestre de 2008 cresceu 346% – foram

49.025 este ano contra 11.020 no primeiro semestre de 2007.

- Em 61,5% das denúncias de violência registradas no Ligue

180, as usuárias do serviço declaram sofrer agressões diariamente.

- Em 63,9% dos casos, os agressores são os próprios companheiros.

 

Mais que um tapa

Já  aconteceu  de  o  seu  namorado  surtar  e  te  dar  um empurrão, levantar a voz ou te dar um tapa? Ouviu a vizinha gritar e sacou que ela foi agredida? Não fique quieta. Saiba o que fazer se isso acontecer. A lei Maria da Penha está aí pra ajudar e, sobretudo, proteger.

Por medo ou vergonha, muitas mulheres que sofrem algum tipo de violência, seja ela física, sexual ou psicológica, continuam caladas. Quando procuram ajuda, geralmente recorrem  a  uma  amiga,  colega  de  trabalho  ou  parente próxima. No entanto, a única forma de combater e diminuir esses números é denunciando.

Desde 2005, está disponível o telefone da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, criado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). O serviço funciona em todo o Brasil para orientar e auxiliar mulheres em situação de violência. A ligação é gratuita e atendentes capacitadas estão de plantão sete dias por semana, durante 24 horas.

Na hora de denunciar, procure a delegacia mais próxima. De preferência,  uma  Delegacia  da  Mulher  ou  Delegacia  de Defesa da Mulher. O Instituto Patrícia Galvão, referência na defesa da mulher, tem uma página completa com endereços no Brasil: http://www.violenciamulher.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/guiadeservicos.shtml

 

Com a lei Maria da Penha, as mulheres estão muito mais protegidas quando decidem fazer a denúncia. A lei assegura não só a integridade física, como estabelece medidas práticas para que, uma vez na delegacia, a justiça seja feita. Entre elas:

- ouvir a mulher, fazer o boletim de ocorrência e tomar as devidas medidas caso seja manifestado o interesse em processar criminalmente o acusado;

- colher todas as provas e ouvir o agressor e as testemunhas;

- determinar que seja feito o exame de corpo de delito e requisitar outros exames periciais necessários;

- encaminhar a mulher ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal. Os laudos ou prontuários médicos são admitidos como provas; remeter, no prazo de 48 horas, um expediente ao juiz com pedido de concessão de medidas protetivas de urgência;

- obrigação de garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

- fornecer transporte para a mulher e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

- se necessário, acompanhá-la para assegurar a retirada de seus  pertences  do  local  da  ocorrência  ou  do  domicílio familiar. 

 

 

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