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Processo Civil Contemporâneo: similitudes & contrastes.


Autoria:

Gisele Leite


Professora universitária com mais de uma década de experiência em magistério superior, mestre em direito, mestre em filosofia, graduação em direito pela FND-UFRJ, graduada em Pedagogia pela UERJ, conselheira do INPJ.

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Resumo:

Analisar o processo civil contemporâneo traz muitas similitudes e contrastes, principalmente pela aproximação do sistema do civil law e do common law.

Texto enviado ao JurisWay em 05/02/2017.



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 Para se encontrar a identidade de certos ramos do saber humano, se faz necessário realizar estudo comparativo que antes de qualquer coisa, deverá indicar com presteza o objeto da comparação.

 

Naturalmente surgem diversas perspectivas que pautam a comparação em matéria de processo. Num plano generalíssimo, e colocando em confronto os princípios fundamentais de dois ou mais sistemas jurídicos.

 

Mas, é possível, ainda escolher um tema específico, como por exemplo, abordar os efeitos da revelia, ou então, os limites subjetivos da coisa julgada, em ordenamentos distintos. Fica ao encargo do estudioso ou do escritor posicionar o ponto de maior ou menor grau de generalidade.

 

É sabido que são múltiplos os fatores que tanto influem na opção. Bem como se entende que estes variem conforme o objetivo da comparação feita. Afinal, a escolha de determinado tema poderá assumir maior interesse quando se trata de um labor puramente cientifico diferentemente quando se trata de colherem-se os elementos para se preparar uma proposta de reforma legislativa, e vice-versa.

 

Há outro fator relevante que pode ser considerado que representa a maior ou menor afinidade existente entre os ordenamentos jurídicos que se irá confrontar, de maneira que se revela uma comparação profícua quanto mais próxima forem os sistemas opostos ainda que revelem desigualdades abissais.

 

É verdade que de forma didática e histórica costumam os ordenamentos jurídicos serem agrupados em famílias, onde cada uma reúne ordenamentos ligados entre si por laços mais íntimos.

 

A pertinência a esta ou aquela família explica-se, basicamente, por circunstâncias histórias, posto que sejam sistemas oriundos de um tronco comum, e apresentem traços também coincidentes, distintos dos traços característicos de sistemas jurídicos de diferente ascendência.

 

Evidentemente tem-se que a distinção possui alcance relativo até porque as idas e vindas da História deram e ainda continuam a dar o ensejo a infiltrações e contaminações recíprocas entre ordenamentos de origens diversas.

 

De sorte que se quiséssemos assinalar para cada família uma cor peculiar, teríamos de reconhecer a existência de um sem número de matizes e entretons, mercê dos quais se pode perceber que este ou aquele ordenamento de uma família, sob certa perspectiva, acabe mesmo por assemelhar-se mais aos de outra família que aos de sua própria.

 

Importante ressalva deve ser feita é de que a distribuição dos sistemas jurídicos em famílias, conserva principalmente, embora não somente, a diferenciação de tendências verificadas.

 

As famílias jurídicas ocidentais trazem dois grandes grupos, a saber: o dos ordenamentos romano-germânicos e o dos anglo-saxônicos, aos quais se aplicam respectivamente, em língua inglesa as conhecidas denominações civil law e common law.

 

Incluem-se no primeiro grupo, os temas formados sobre a base romana e adicionados à contribuição trazida pelos povos germânicos quando invadiram o império romano.

 

A este pertencem os ordenamentos jurídicos situados na maior parte do continente europeu e os das regiões de países ali situados que por sua vez colonizaram a América Latina.

 

O segundo grupo compõe-se do direito inglês ou britânico e dos sistemas a ele filiados, com destaque especial para o norte-americano.

 

Recentemente, há até alguns anos atrás, o acréscimo trazido pelos ordenamentos jurídicos do chamado bloco socialista.

 

Os sistemas jurídicos de tal categoria remanescem nos parcos países onde ainda vigoram os regimes socialistas, mas a dimensão do fenômeno mitigou-se em face da dissolução da antiga URSS, e as mudanças políticas que refletiram, como não podia deixar de ser, na paisagem jurídica, respingando nas respectivas legislações, a partir dos derradeiros anos do século XX, que vêm experimentando profundas transformações, ainda que não completadas, ao que consta sob a dupla e contrastante influência de europeus e de norte-americanos que rivalizam no empenho de dar bússola ou vetor orientador para os novos rumos.

 

De qualquer modo, a grande divisão é mesmo a que habitualmente contrapõe o civil law e common law, apesar de que esses dois sistemas passaram em sua evolução a se aproximarem bastante e traduzirem uma relativa convergência ideológica e paradigmática.

 

Cumpre ressaltar que semelhante divisão, não há de ser concebido em termos absolutos ou estáticos. Posto que os referidos ordenamentos em análise estejam imersos em constante e dinâmica evolução, que corre atualmente com maior rapidez do que noutros tempos, principalmente em face do progresso da tecnologia de comunicação e informação.

 

Assim, ao estudioso não é permitido deixar de tomar em pauta essa dinâmica. As semelhanças e dessemelhanças podem majorar ou mitigar e, até mesmo, desaparecer. Nem sempre é necessária a expressa reformulação de textos legais, à margem destes, as mudanças culturais se fazem sentir na maneira de compreender e valorar os comportamentos humanos.

 

A interpretação e aplicação de normas jurídicas também não escapam a esse dinâmico processo evolutivo. E, de vez em quando, é indispensável se retomar as comparações, a fim de se identificar de fato se ocorreram modificações capazes de tornar obsoletas as posições clássicas, ou, se em alguma medida, ainda é possível e razoável considerá-las válidas.

 

 

O civil law e o common law têm sido feito por diversas perspectivas. No processo, o critério recorrente é a divisão do trabalho existente entre o juiz e as partes, mais propriamente, entre magistrados e advogados das partes na instrução probatória.

 

Adverte-se, porém, que uma diferença acentuada, pois os ordenamentos anglo=saxônicos atribuem a tarefa principalmente aos advogados, enquanto que os sistemas da família romano-germânica assume maior relevância na busca instrutória do processo o papel do órgão jurisdicional.

 

Cunharam-se até terminologias, na seara do common law justamente para indicar o contraste, ao processo do tipo dominante da família romano-germânica chama-se de inquisitorial e ao outro tipo, chama-se de adversarial.

 

Mas, é importante frisar que não existiu e nem existirá ordenamento jurídico absolutamente puro, pois todos combinam em variável dosagem, os elementos de ambos os tipos. Apesar do generalizado reconhecimento doutrinário desse fato, ainda subsistem na literatura doutrinária a noção da diversidade e o uso das expressões tradicionalmente usadas para indicá-la.

 

Os doutrinadores enxergam a correlação entre as características do processo do common law e o uso do júri em matéria cível, datada na Inglaterra de época longínqua e, conquanto, reduzido naquele país aos casos excepcionais, ainda vigentes nos EUA.

 

Realmente desde que se outorgou júri à função soberana e indelegável de juiz de fato, era natural que se houvesse por indébita qualquer interferência do órgão judicial na preparação e apresentação, pelas partes, do material fático destinado a dar suporte às respectivas pretensões.

 

Não sendo desprezível a hipótese de persistente incrustação história, ainda onde haja cessado as razões do fenômeno, continuariam a fazer-se sentir suas consequências, não apenas, pelo predomínio das partes sobre o magistrado na atividade instrutória, mas igualmente, a concentração desta na sessão de julgamento ou trial e a preferência hoje parcialmente atenuada pelas provas orais.

 

Cumpre lembrar que a necessidade de provas orais obrigatoriamente nos remete a realização da complexa audiência de instrução e julgamento que em sua evolução era originalmente obrigatória e, tornou-se facultativa.

 

Cumpre ainda recordar que também a doutrina dos países do civil law, costuma apontar, neste contexto, o princípio inquisitivo ou inquisitório e ao princípio do dispositivo.

 

Em verdade, semelhantes locuções veem-se usadas de forma equivocada, a propósito de questões heterogêneas, tal como a iniciativa da instauração do feito processual, a delimitação do objeto do julgamento, a possibilidade de dar-lhe fim mediante ato unilateral ou bilateral de composição de litígio, a abrangência do efeito devolutivo dos recursos...

 

No momento, interessa-nos o uso das locuções em matéria de obtenção de provas. Cogita-se em princípio inquisitivo em relação à noção de que esse trabalho incumbe às partes.

 

Mudanças recentes colocam na ordem do dia o reexame da questão. Em ambos os territórios, seja no anglo-saxônico e no romano-germânico vêm ocorrendo as inovações de manifesta relevância.

 

Produzirão estes reflexos suscetíveis de justificar o abandono da imagem tradicional?

 

Ou remanescem intactas e virgens as características suficientes para que continuemos admiti-la  eventualmente com os retoques, como representante não muito distante da realidade?

 

É notável que seja muitas vezes que se tem atribuído ao juízo inglês, particularmente em obras doutrinárias, o papel passivo diante da matéria probatória.

 

Compete-lhe, sem dúvida, decidir as objeções eventualmente feitas à admissibilidade de certas provas. Bem como fiscalizar a produção de provas orais no trial (julgamento) e, obviamente, valorar os elementos apresentados para fundamentar a sentença.

 

Ressalvando-se, particularmente, as hipóteses de competência do júri, hoje quase totalmente suprimidas e desaparecidas no Reino Unido, no terreno cível, mas ainda renitentes e subsistentes nos EUA, onde o julgamento pelo tribunal popular é uma garantia prevista constitucionalmente, no artigo III, seção 2, n.3, Sexta Emenda.

 

Mas, não se vai além, ainda quando franqueada ao órgão judicial, em tese, a possibilidade de tomar iniciativas probatórias, não se tem identificado com bons olhos, a prática e a utilização dessa prerrogativa.

 

Narra-se, ao propósito, o caso de certo juiz inglês que, há décadas, teve anulado o julgamento que presidira, por haver feito muitas perguntas às testemunhas. Por ser este comportamento reprovado e tido como violador da garantia do fair trial[1].

 

Chegou-se ao extremo de induzir o magistrado a renunciar o cargo. Aos advogados ianques de modo algum lhes agrada que o juiz, participando ativamente da colheita de provas orais, lhe “roube a cena” de que desejam ser, eles próprios os principais personagens ou protagonistas.

 

Essa idiossincrasia é capaz de induzir numerosos magistrados a timbrar-se pela autocontenção, notadamente nos EUA onde os juízes são eleitos, e aqueles que se candidatam à reeleição, não se dispõem com facilidade a alienar a simpatia dos advogados, cuja influência eleitoral costuma ser apreciável.

 

Na Inglaterra, a situação está sensivelmente alterada. Não fora repentina a mudança, pois afinal já algum tempo, se vinham introduzindo modificações legislativas que deslocavam o ponto de equilíbrio entre as forças atuantes na arena judiciária.

 

Originariamente, o juiz era incumbido de presidir o trial e não tinha acesso, antes desse sagrado momentum, às peças processuais, partia-se da premissa de que ele devia chegar à sessão de julgamento sem o prévio conhecimento do assunto, a fim de se evitar o risco de que sua mente, em vez de ficar aberta às impressões colhidas ao vivo e a cores no trial, já sofresse alguma inclinação prematura.

 

A ignorância nesse caso era havida por garantia de imparcialidade e óbice contra o prejulgamento. Tal sistema fora felizmente alterado nos anos noventa, em termos que, a balizada doutrina já afastava o direito inglês do modelo adversarial.

 

Maior impulso teve a evolução com advento das Rules Of Civil Procedure, em vigor desde 1999.  Que se erigiu em mais de um aspecto em código similar aos existentes nos países de civil law.

 

Não se chegou ao ponto de conferir ao órgão jurisdicional, expressamente, o poder de determinar ex officio, a realização de provas, mas certamente se lhe outorgaram mais amplas faculdades para o controle da atividade probatória.

 

Pode o juiz, por exemplo, emitir as instruções no sentido de especificar as questões para as quais se deseja a prova, a natureza da prova de que carece para resolvê-las e a maneira como deve ser esta apresentada em juízo.

 

Também pode ordenar a parte convocada a qualquer momento que venha esclarecer a matéria discutida no processo, ou até ministre informação adicional a esse respeito.

 

Sublinhe-se como relevante o atinente à prova pericial. Pois na tradição anglo-saxônica, o perito nada mais era que uma testemunha qualificada, expert witness e, que a parte chamava para depor a seu favor.

 

As Rules of Civil Procedure colocam o perito na condição de auxiliar imparcial do juiz, enfatizando ainda o seu dever para com o tribunal que sobrepaira a toda obrigação que tenha com a parte.

 

Sempre que os litigantes pretendam que se realize perícia sobre determinada questão, confere-se ao órgão judicial a possibilidade de ordenar que esta seja levada a cabo por um único perito, o qual pode ser indicado mediante o acordo entre as partes, mas, na falta deste, pelo próprio tribunal; o órgão judicial tem ainda o poder de emitir instruções sobre qualquer inspeção, exame ou experiência que o perito único deseja realizar.

 

Diferente panorama existe no EUA. Onde a instrução probatória continua a depender em larga medida da iniciativa das partes, mais precisamente dos advogados. E, uma das principais chaves mestras usadas nessa atividade consiste no procedimento chamado de discovery, descoberta, cuja substância reside na possibilidade, que se franqueia aos advogados, de pesquisar e explorar as fontes de prova fora do âmbito judicial.

 

Compreende-se, nesse poder, por exemplo, a sujeição de adversário e de eventuais testemunhas ao interrogatório sob juramento, sem a presença do juiz, o acesso aos arquivos da parte contrária, a realização de exames médicos para determinar o respectivo estado de saúdo físico ou mental, ou ainda, ambos.

 

A extensão do trabalho investigatório atribuídos aos advogados norte-americanos nos causa admiração até mesmos nos outros países de common law.

 

As reformas legislativas verificadas nos últimos tempos confiaram ao juiz é verdade um papel mais ativo no controle do mecanismo chamado de discovery, portanto, resta superada a caracterização tradicional do processo civil norte-americano como avesso à participação menos modesta do órgão jurisdicional na atividade instrutória.

 

A conclusão não soa muito convincente, quando à luz da doutrina recentemente publicada nos EUA. O que cumpre evitar é o simplismo das contraposições em preto e branco, decerto, reiterem-se muitos ordenamentos jurídicos atuais apareçam hoje bem mais matizados do que noutros tempos.

 

O que não elimina por si só, a existência de linhas limítrofes, ainda que faça altamente desaconselhável o rigor ortodoxo com que às vezes se tem procurado traçá-las.

 

Afigura-se como ponderada e honesta a manifestação daqueles que, sem deixar de registrar a tendência contemporânea do processo civil norte-americano a resgatar o juiz da posição de mero árbitro passivo, tampouco se abstém de reafirmar a diretriz principal do adversary system, que confia, sobretudo nos esforços das partes litigantes.

 

O juiz e a instrução do processo no civil law revela que nunca é demais sublinhar o quão imprópria é a qualificação de inquisitório, para tipificar com pretensão de generalidade o modelo dominante nessa área em matéria de divisão do trabalho entre o juiz e as partes na instrução probatória.

 

Entre outros inconvenientes, o uso indiscriminado da expressão tem o de pôr em falsa pista, o doutrinador desprevenido, dando a entender que exista um único modelo processual verdadeiramente comum a todos os países da família romano-germânica.

 

O certo é que, apesar das vistosas semelhanças, sempre houve diferenças relevantes entre os vários ordenamentos que nela se incluem e a observação das trajetórias por eles descritas em nossos dias só faz confirmar essa diversidade.

 

A França, por exemplo, onde por largo tempo prevaleceu sistema fortemente marcado pelo domínio das partes sobre mais de um aspecto do processo, tendo adotado em 1975 o novo code procédure civile, cujo caráter inovador, no particular, se evidenciava a vista do seu art. 10, que autoriza o juiz ordenar de ofício todas as medidas de instrução legalmente admissíveis.

 

Averba a doutrina que assim que se erigiu em princípio geral um poder outrora limitado aos casos excepcionais.

 

Já não seria cabível aludir, conforme se aludia noutra época, ao papel passivo do juiz no tocante à instrução probatória. Eis aí, pois, um sugestivo exemplo de uma evolução onde se desloca o ponto de equilíbrio entre a atuação do órgão judicial e a das partes aumentando o peso anteriormente atribuído àquela.

 

Outro exemplo de mudança orientada para o incremento dos poderes instrutórios do juiz é o que ministrou a recente reforma Zivilprozessordnung alemã, por Lei de 27.2.2001.

 

Assinalemos um ponto interessante que ainda antes da reforma, podia o órgão judicial ordenar à parte a apresentação de documentos em seu poder, aos quais ela fizesse referência. Mormente, a possibilidade vê-se ampliada em duplo sentido.

 

De um lado, esta se estende aos documentos a que a parte contrária se refira; de outro lado, a ordem de apresentação pode ser dirigida igualmente a terceiros, desde que isso lhe seja possível e não ocorra qualquer dos casos de recusa legítima a depor como testemunha.

 

Todavia, não afina pelo mesmo sentido o direito espanhol que já em sua Exposição de Motivos, IV da nova Ley de Enjuiciamiento Civil (n.1 de 2000), lê-se que ela continua a inspirar-se no princípio dispositivo, segundo o qual: tem-se o cuidado de explicitar - não se entende razoável que incumba ao órgão jurisdicional de investigar e comprovar a veracidade dos fatos alegados.

 

Sendo coerente com essa diretriz, a lei, na contramão da lei francesa, restringiu as hipóteses expressamente previstas o poder do juiz de determinar de ofício a realização de provas.

 

Eliminaram-se as antigas diligências para mejor proveer, expediente de que se usava o órgão judicial para tentar preencher eventuais lacunas do material probatório. Em tal inovação não faltou quem enxergasse uma verdadeira regressão histórica inacreditável, pois ela se harmonizava, com pensamento de outra vertente doutrinária, cuja aversão ao ativismo judicial em matéria de prova chega ao ponto de identificar o sintoma de autoritarismo na assunção de poderes instrutórios de ofício pelo juiz.

 

Também se verifica na Itália os sinais contrários à ampla participação do juiz na colheita de provas. Eles aparecem até mesmo na esfera do processo penal conforme o artigo 190, 2ª alínea, do Codice di procedura penale de 1988 igualmente limitava às hipóteses contempladas em lei, a possibilidade para que o juíz de ofício determine as medidas instrutórias.

 

Mas, trata-se de aspecto particular de uma tendência geral, que se espalha pelo terro civil, a repudiar a concepção publicística do processo.

 

José Carlos Barbosa Moreira opina que para esse lado não se inclina o direito brasileiro, basta ver no artigo 130 do CPC/1973 que já consagrara a regra de que caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar às provas necessárias a instrução do processo.

 

O referido dispositivo foi reprisado no artigo 370 do CPC de 2015 in litteris: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias”. Vide os art. 372 e 1.047, relacionados.

 

 vista desta, devem ainda se considerar meramente explicitantes as disposições onde se prevê a iniciativa probatória oficial, tal como os artigos 342, 355, 382, 399 e 416 caput initio, 418. 426, II, 437, 440 e, etc.

 

A linguagem expressiva fora depois usada no artigo 5º, I da Lei 9.009/1995, a Lei dos Juizados Especiais, que in litteris : “O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas”.

 

Percebe-se ainda, por vezes, uma certa timidez na interpretação e aplicação dessas normas, cuja incidência, segundo alguns doutrinadores, ficaria limitada as hipóteses especiais, em que haja a relevância do interesse público, ou se trate de direitos indisponíveis e, assim por diante.

 

Na lei, no entanto, não se encontra base para tantas distinções. Evidentemente, de fato, por óbvias razões, o material probatório virá aos autos, principalmente através das partes, que possuem conhecimento direto dos acontecimentos relevantes e dos elementos capazes de comprovar as alegações relativas a estes.

 

O busilis é saber se o juiz há de limitar-se a aguardar passivamente a referida contribuição e, dar-se por satisfeito com esta, ainda quando a considere insuficiente e, pouco esclarecedora e, ainda, sinta o desconforto em ter que recorrer às regras sobre a distribuição do ônus probatório para julgar sem saber ao certo o que realmente se sucedeu.

 

Com relativa facilidade conclui-se que nenhuma das duas famílias tem uniformidade no sentido da evolução. Parecem mover-se os ordenamentos jurídicos seguindo linhas sinuosas, dotadas de fluxos e refluxos no interior de cada sistema jurídico.

 

E de fato, no plano do common law, é sensível o descompasso existente entre a Inglaterra e Estados Unidos: o direito inglês distancia-se a passos largos das clássicas posições do adversary system, deslocando a tônica em termos de prova como noutras, assim sai do controle do processo pelas partes para o comando do juiz, o norte-americano, apesar de recentes reformas legislativas, permanece mais apegado à tradição adversarial.

 

Já no mundo do civil law, a França e Alemanha reforçam os poderes instrutórios do órgão jurisdicional, enquanto que a Espanha e a Itália caminham justamente para o sentido oposto.

 

Não se pode deixar de anotar que a imagem colhida nos textos legais e, mesmo na doutrina que sobre estes trabalha, nem sempre (quase nunca, diriam alguns) coincide perfeitamente com a que se desenha na prática do foro.

 

Assim é que, às vezes, se afigura em vão o desígnio dos legisladores e dos juristas de fomentar maior participação dos juízes na atividade instrutória. Pois por uma longa lista de razões, seria descabido analisar neste momento, costumam serem raras as iniciativas oficiais na colheita de provas.

 

Ora, a mera circunstância de atribuir-se ao órgão jurisdicional, em teoria, o poder de tomá-las pouco valerá, como elemento de caracterização de um sistema jurídico, se a outorga do poder não passe, in concreto, da letra da lei para a realidade. Revelando-se apenas ser letra morta.

 

O sistema acaba por não se afastar em grau apreciável de outro que reserve abertamente às partes a iniciativa na matéria.

 

Tudo isso concorre para apagar ainda mais as divisas entre as famílias jurídicas, do ponto de vista em que José Carlos Barbosa Moreira colocou brilhantemente.  Também apontou que parecer ser exagero relegá-las à posição de mito, como pretendem alguns ( como Cândido Rangel Dinamarco), até porque se devem levar em consideração outros aspectos, tão relevantes quanto o focalizado nesta oportunidade, ou talvez mais.

 

Com efeito, em diversos pontos, o ordenamento inglês, tanto no campo processual como fora dele continua a parecer-se mais com o norte-americano que com qualquer dos vigentes na Europa continental e na América Latina, assim como o ordenamento espanhol ou o italiano mais se parece com o alemão ou o francês que com os do mundo anglo-saxônico.

 

Basta apontar, os seguintes tópicos, a saber:

1. Qual é a forma de recrutamento dos juízes? Em regra, no civil law mediante concurso público ou alguma forma de capacitação intelectual; nos de common law, por critérios de índole política, seja nomeação pelo Executivo, aprovada pelo Legislativo, seja através de eleição popular;

Nos Estados Unidos, a nomeação para o cargo de juiz federal compete ao Presidente da República, com aprovação do Senado, ao passo que vários Estados adotam o procedimento eleitoral para a escolha dos juízes: ao propósito, extensamente, HAZARD? TARUFFO,!" La giustizia civile negli Sati Uniti, Bolonha, 1993, p. 73 e segs.

 

É natural que infla no modo de desenvolvimento do processo, o modelo estrutural do Judiciário bem como a forma de recrutamento dos juízes, sugestivas as observações em Damaska, Professione legale e organizzazione dello Stato, tradução de Fábio Rota, no vol. col. Avvocatura e giustizia adotado no common law, com o modelo hierárquico característico do civil law;

 

2. A existência de uma carreira judiciária nos países do civil law, em oposição aos de common law, onde, a princípio, o juiz nomeado para determinado cargo nele permanece e, só acidentalmente, nunca em virtude de promoção pura e simples, passa a ocupar outros cargos de superior hierarquia;

 

3. A outorga ao júri de competência para julgar litígios não penais?  A tradição inglesa pluricentenária, hoje, praticamente extinta na Inglaterra, mas subsistente nos EUA, onde já se registrou, constitui até mesmo garantia constitucional e, é estranha ao universo de civil law;

 

4. As principais características da audiência de julgamento, particularmente quanto à colheita da prova oral, interrogadas que são as testemunhas, nos países de common law, diretamente pelos próprios advogados, ao contrário do que se dá nos civil law, onde as perguntas são formuladas pelo juiz, ou por seu intermédio;

 

5. Last bust not least, por sua manifesta significação para tema processual tão relevante quanto o da fundamentação das decisões, o valor do precedente judicial, normalmente vinculativo para os juízes e tribunais anglo-saxônicos, não, porém nos ordenamentos romano-germânicos, sem embargo da influência exercida de facto (e, no Brasil, com a crescente intensidade, também de iure) pela jurisprudência de órgãos superiores.

 

De qualquer forma, as diferenças tendem-se amenizarem-se, e já nos permite uma imagem aproximativa, traçando uma progressiva convergência dos dois círculos que inicialmente eram separados por um largo espaço.

 

Numa figura geométrica, se tornam círculos que se tangenciam, ou até mesmo, se tornam secantes.  Haverá uma área comum, mas também haverá num e noutro círculo, grandes arcos para os quais subsistirá a separação.

 

Barbosa Moreira com toda sua sabedoria afirma que todo prognóstico é naturalmente arriscado. Não deve errar muito, contudo, quem vaticinar que o processo evolutivo continuará a se desenvolver sem que fique em absoluto excluída a hipótese de avanços e recursos, de diferentes tamanhos e significados.

 

A influência recíproca entre civil law e common law tende mesmo a intensificar-se que já revela como consequência da globalização. E, por motivos evidentes, agradável ou não, esta globalização atua pujantemente no sentido de empreender uma certa americanização do resto do mundo, no território do processo como em tantos outros.

 

O direito processual pátrio tem realmente assimilado ideias dessa procedência, na esfera processual, não menos que noutras, nossas ações coletivas, por exemplo, devem bastante às class actions norte-americanas, sem embargo de perceptíveis diferenças de disciplina.

 

Já experimentamos para o recurso extraordinário, o filtro semelhante ao utilizado pela Supreme Court para as petitions for certiorar[2]i, houve tempo em que, para tornar admissível o recurso, em determinados casos, o recorrente precisava convencer o STF da relevância da questão federal suscitada e não falta quem preconize o restabelecimento de mecanismo desse tipo.

 

No terreno probatório é patente a influência americana em certas disposições da Carta Política de 1988, por exemplo, a que nega admissibilidade às provas obtidas por meios ilícitos (art. 5, LVI).

 

Outra proposta também americanizante é a constante de uns projetos de reforma do Código de Processo Penal em tramitação no Congresso, a saber, o que visa a modificar o art. 212 para estatuir que, na prova testemunhal, as perguntas passem a ser feitas pelas partes diretamente à testemunha, o cross examination, em vez de o serem, como era antes no CPC de 1973 feitas através do juiz.

 

Já no âmbito cível não mais se cogita, ao que consta, de medidas que transfiram para as partes, para os advogados propriamente, poderes instrutórios do órgão judicial.

 

José Carlos Barbosa Moreira não simpatiza com a noção de reduzir o papel do juiz ao de um convidado de pedra (o que também humildemente acompanho), o que se impõe é estimular o exercício dos mencionados poderes, proporcionando ao juiz as condições de trabalho capazes de permitir-lhe atuar com a maior intensidade no particular, e acima de tudo, promovendo um câmbio de mentalidade: o juiz tem de convencer-se de que podemos e devemos, sempre que necessário, cobrar-lhe maior contribuição na averiguação dos fatos.

 



[1] São diversos os direitos associados a um julgamento justo e que são proclamados expressamente no artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e também na Sexta Emenda à Constituição dos EUA e ainda no artigo 6 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, bem como em numerosas outras constituições e declarações no mundo. Porém, não existe nenhuma lei internacional vinculativa que defina o que não seja uma julgamento justo.

[2] Uma petição que pede a um tribunal de apelação para conceder um mandado de certiorari . Este tipo de petição geralmente argumenta que um tribunal inferior decidiu incorretamente uma importante questão de direito, e que o erro deve ser fixado para evitar confusão em casos semelhantes.

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