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Resumo:
O artigo aborda a questão dos direitos fundamentais e a discussão em torno da suspensão do Whatsapp. Esta suspensão viola direito fundamental?
Texto enviado ao JurisWay em 07/11/2016.
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As pessoas que se utilizam do aplicativo de troca de mensagens instantâneas chamado “Whatsapp” amarguraram algumas vezes a suspensão do serviço, em virtude de determinação judicial.
Muitas pessoas elevaram o tom contra o judiciário, demonstrando todo descontentamento com a decisão, segundo alguns, arbitrária e desproporcional. De outro lado, houve aplausos à postura e à determinação para que mesmo empresas de renome internacional respeitassem a legislação brasileira.
Agora o Whatsapp volta à discussão, quando o Ministro do STF Edson Fachin convoca audiência pública para discutir com a sociedade os meandros da questão.
No âmbito do direito constitucional, a grande incógnita que se levanta neste cenário é: a suspensão do Whatsapp viola direito fundamental?
Entendamos a questão:
O Whatsapp é um aplicativo de mensagens instantâneas de propriedade da gigante Facebook. O referido aplicativo tem grande popularidade no Brasil pela sua simplicidade e agilidade na troca de mensagens entre os usuários.
O problema surgiu quando, em sede de algumas investigações criminais sob sigilo absoluto, um magistrado determinou ao grupo que controla o aplicativo que realizasse a interceptação de mensagens entre determinados usuários para fins de instrução em processo criminal.
Os representantes da Whatsapp não cumpriram a determinação e, com o objetivo de fazer cumprir o comando judicial, o aplicativo foi suspenso em todo o Brasil.
Essa suspensão ocorreu mais de uma vez, por decisão de juízes de comarcas diferentes, mas praticamente pelos mesmos fundamentos.
À época o PPS (Partido Popular Socialista) ingressou com uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) junto ao STF (ADPF 403), sob a alegação de que a suspensão do Whatsapp viola preceito fundamental da liberdade de expressão e comunicação (art. 5º, IX da CF/88).
Os Direitos Fundamentais:
Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive. (BULOS, 2014)
O conceito acima exposto, explora de maneira profunda o que vem a ser os chamados direitos fundamentais. Em uma lógica jusnaturalista, é possível afirmar que esses direitos fazem parte da essência da pessoa. É o direito à vida, à liberdade, à igualdade, proibição à tortura, liberdade de consciência, direito ao sigilo, inviolabilidade de domicílio e de correspondência, entre tantos outros consagrados pela Constituição Federal.
Os direitos fundamentais estão previstos na Constituição Federal de 88 e possuem aplicação imediata, não sendo necessária a edição de lei específica para lhes dar efetividade. Segundo a doutrina são direitos históricos (porque são frutos de uma longa evolução), universais (porque extrapolam limites territoriais, alcançando a todos), cumuláveis (porque podem ser exercidos ao mesmo tempo), irrenunciáveis (o indivíduo pode até não exercê-lo e ainda assim o direito continuará a existir), inalienáveis (porque não são passíveis de negociação) e imprescritíveis (porque não se esgotam no tempo).
Todas essas características demonstram o espectro de abrangência dos direitos fundamentais, e o quão são importantes para que a pessoa viva de forma digna em sociedade.
Os Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) têm a obrigação constitucional de proteção aos direitos fundamentais e propiciar, dentro das suas competências, a máxima efetividade de suas disposições.
Os direitos fundamentais são ABSOLUTOS?
Os direitos fundamentais, regra geral, não são absolutos, isto porque, a própria Constituição pode estabelecer hipóteses de restrição, em vista à proteção de um bem maior (precedentes do STF).
Existe um ditado popular que ilustra bem essa relatividade dos direitos fundamentais: “O meu direito vai até onde começa o do outro”.
Isso faz todo sentido, um direito fundamental não pode ser exercido em desrespeito à ordem pública ou ao direito do semelhante.
Vejamos o exemplo do direito à liberdade de expressão, prevista no art. 5º, IX da CF/88:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Esse direito fundamental está assegurado, contudo, não pode a pessoa, valendo-se dele inventar estórias que acabam violando a dignidade, a intimidade, a honra ou a imagem de terceira pessoa (direitos fundamentais igualmente protegidos pela CF/88).
Observem, então, que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, encontra limites no próprio texto constitucional.
Outro exemplo muito citado pela doutrina diz respeito ao art. 5º, XII da CF/88
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Esse é o direito fundamental à liberdade das comunicações. Interessante destacar que a mesma disposição que estabelece o direito também estabelece a sua limitação. É possível, por ordem judicial, a interceptação telefônica. Tal restrição não consiste em violação de direito fundamental, pois está fundamentada na Constituição.
Mais uma vez, um direito fundamental relativizado com vistas à proteção de um bem maior, neste caso, a própria sociedade, vítima de algum crime que necessita ser solucionado.
A violação a direito fundamental ocorre quando a intervenção (restrição) no direito fundamental não possui base constitucional.
O bloqueio do Whatsapp e a ADPF 403 (argumentos favoráveis)
O PPS (Partido Popular Socialista) ao ingressar com a ADPF alegou que houve violação a direito fundamental na decisão do juiz que mandou suspender o aplicativo Whatsapp.
O partido defende na sua petição que a suspensão do Whatsapp viola o direito à comunicação. Destaca que o aplicativo é um meio “deveras democrático para o cidadão brasileiro se comunicar, quiçá o mais democrático, graças à sua plataforma gratuita, simples e interativa”.
E pede ao final, que o STF reconheça a existência de violação ao preceito fundamental à comunicação, nos termos do art. 5º, inciso IX, com a finalidade de não mais haver suspensão do aplicativo de mensagens WhatsApp por qualquer decisão judicial.
Argumentos Contrários
No outro lado da mesa, existem argumentos contrários a este possível reconhecimento de violação a preceito fundamental, assentado nos seguintes pontos:
- O direito à comunicação não é absoluto
- O Whatsapp não está imune à legislação brasileira (tudo começou quando o Whatsapp se recusou a cumprir ordem judicial para proceder à interceptação de mensagens para fins de investigação criminal)
- Caso seja reconhecida a referida violação, os criminosos encontrariam via segura para se organizarem sem a possibilidade de serem monitorados pelos órgãos de segurança.
Considerações Finais
Os representantes do aplicativo no Brasil alegam que devido ao sistema de criptografia de mensagens (codificação), apenas remetente e destinatário conseguem visualizar as mensagens trocadas.
Essa discussão está longe de ter um fim. Alguns sites divulgam que em outros países este mesmo tema já é alvo de discussão.
Que o direito à comunicação constitui-se em fundamental e reclama a todo custo a proteção estatal, não há dúvidas. Entretanto, afirmar que o bloqueio de um aplicativo de celular viola tal preceito depende de uma análise cuidadosa e profunda. O que deve estar em pauta é o próprio direito à comunicação e seus limites e não interesses comerciais.
Apenas com o intuito de provocar a discussão acadêmica e sadia em torno deste assunto, lanço a seguinte questão: - Partindo da premissa de que o STF reconheça que o Whatsapp não pode ser suspenso, porque neste caso há violação do direito à comunicação. Caso o Whatsapp passe a cobrar dos usuários um valor pelo serviço de troca de mensagens, tal atitude seria passível de controle estatal?
No meu blog abordo outras questões atuais ligadas ao controle de constitucionalidade.
Grande abraço a todos!
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