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FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO


Autoria:

Francisco Jose Carvalho


Mestre em função Social do Direito - Pós-Graduação em Direito Civil - Pós Graduação em Direito Ambiental - Formado em Direito pela UniFMU - Professor do Centro Universitário Anhanguera de São Paulo, Autor da Teoria da Função Social do Direito - Advogado, Consultor e Parecerista

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DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL
Direito Civil

Resumo:

O contrato contemporâneo foi revisitado em sua origem pela Teoria do Estado de Direito Funcional Estruturante e a partir dessa realidade se encontra remodelado, reestruturado e concebido para atender a função social.

Texto enviado ao JurisWay em 21/03/2016.



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FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

 

SUMÁRIO: 1. Introdução - 1.2. A evolução do contrato no século XX - 1.3. O Contrato e a ideologia do Estado Social de Direito - 1.4. A importância do Estado Social de Direito para a concepção moderna de contrato - 1.5. A função social do Direito - 1.6. A função social do direito na Constituição Federal de 1988 - 1.7. Uma nova interpretação da norma jurídica frente aos princípios e valores contemporâneos - 1.8. A força do Estado Social Democrático de Direito para fazer cumprir as relações contratuais - 1.8.1. O processo civil clássico e o processo civil contemporâneo - 1.9. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária e a responsabilidade contratual da empresa - 1.9.1. A desconsideração da personalidade jurídica e o fim social da sociedade empresária - 10. As cláusulas gerais no Código Civil 1.10.1. A natureza jurídica das cláusulas gerais e da função social do direito - 1.11. A boa-fé na relação jurídica contratual - 1.12. A função social do contrato e seu fundamento axiológico 1.12.1. O perfil contemporâneo da função social do contrato - 1.12.2. A boa-fé como valor jurídico - 1.12.3. A liberdade de contratar e a função social do contrato - 1.12..1. O pacta sunt servanda e a função social do contrato - 1.13. Fundamento do princípio da boa-fé - 13.1. A boa-fé como regra de interpretação - 1.14. Função social do contrato e o senso de justiça - 1.15. A função social do contrato e a efetividade da solidariedade social - 1.16.  Conclusão.

1.    Introdução

 

Na atualidade, quem lhe dá com o contrato, seja qual for sua natureza está a indagar o que vem a ser a função social. Inúmeros são os questionamentos dos professores, doutrinadores, alunos e até mesmo dos Tribunais para essa questão emblemática que está a merecer uma atenção nunca antes dedicada à leitura, compreensão e desmistificação dos consectários fáticos e legais da cláusula, valor, princípio e predicado da função social do contrato.[1]

Essas dúvidas não são apenas dos alunos, freqüentadores de seminários, congressistas e expositores, mas também de juristas, pesquisadores e aplicadores da lei, que no dia a dia estão a enfrentar esta temática, à luz da realidade fática a qual são chamados a analisar, e sobre elas ventilar uma resposta, uma solução.

O problema ainda se torna maior quando várias respostas vêm de vários lados, de vários níveis e tentam responder esta temática ainda não resolvida no direito contratual. Afinal de contas, o que é a função social do contrato?.

É possível dizer que o legislador pensando modernamente sobre a evolução social e normativa deixou de fornecer premissas e parâmetros básicos claros que pudessem levar o jurista, o estudioso, o intérprete e o aplicador da lei, a uma reflexão antes de proferir qualquer raciocínio com relação a um dos maiores problemas jurídicos verificados nos nossos dias.

As premissas fornecidas pelo legislador da boa-fé objetiva, da equidade e da probidade não são os melhores elementos para se extrair da cláusula da função social o seu norte, o seu delineamento, os seus efeitos. Isso porque são conceitos abertos, não unívocos, com sentidos não pré-estabelecidos ou cuja interpretação não leve o intérprete a devaneios, oferecendo muitas vezes, soluções que não estão contidos no ordenamento jurídico. [2]

A função social do direito e a função social do contrato são conceitos meta-jurídicos, indeterminados, cujo sentido e alcance parecem estar escondidos num cofre cujo segredo ainda não foi descoberto, cabendo ao operador do direito criar uma fórmula mais clara e mais lúcida capaz   de desvendar o segredo para abrir a fechadura desse cofre e descobrir as riquezas que o ordenamento jurídico trouxe em todos os tempos, no século XX e no limiar do século XXI.

Essa tarefa é conferida aos intérpretes, magistrados e operadores do direito que devem usar das regras de interpretação dos bens, valores, direitos, predicados e princípios contemporâneos para extrair o sentido, alcance e eficácia da função social do direito.

Nessa interpretação, todos os que lhe dão com a norma jurídica hão de partir necessariamente do conteúdo do instituto e da concepção dogmática para o qual foi criado, instituído e judicializado. Não se pode simplesmente criar ou atribuir uma interpretação a função social do direito, a função social do contrato, a função social da propriedade, a função social da empresa e de qualquer outro instituto de direito público e privado, sem se a ter a estrutura do próprio instituto, sob pena de conferir interpretação contrária ao sistema de direito positivo.

Neste artigo, tentaremos trazer algumas compreensões que reputamos necessárias para nos direcionar nesta questão que entendemos ser crucial na relação jurídica contemporânea, em especial, a relação jurídica negocial, sob a qual repousa a dúvida e a incerteza quanto ao conceito, alcance e efeitos das relações jurídicas negociais pautadas pela função social e pela função social do direito.

Não se tratará nesse artigo a teoria do contrato em si mesma. Não se trará as modalidades de contrato e sua configuração ao longo dos tempos. O objetivo desse artigo é tratar da evolução dos bens, valores e direitos contemporâneos, ao lado da evolução da concepção do Estado, frente a necessidade de implementar esses mesmos bens, valores e direitos nas relações contratuais.

Sabemos que essa tarefa não é fácil, ao contrário é tormentosa, porquanto o que defendemos nesse artigo não é a concepção de função social aliada a ordenação da propriedade e sua configuração na ordem econômica.

Referimo-nos a função social do contrato com base axiológica na evolução das sociedades, do Estado e do próprio Direito enquanto ciência. Por essa razão, o que se exporá nesse ensaio tem base jus positiva na adoção de um modelo constitucional fundado nos valores jurídicos encartados na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.

 

1.2. A evolução do contrato no século XX

 

O século XX foi o responsável pelas grandes alterações jurídicas do mundo contemporâneo. No cenário das profundas transformações sociais, ideológicas, políticas, econômicas, culturais, jurídicas e religiosas ocorridas no mundo contemporâneo, a transformação econômica certamente foi a que mais causou impacto na estrutura primitiva do contrato. Isso é um fato corrente em todo o ocidente.

A estrutura normativa do Estado liberal instaurado com a grande Revolução Francesa não permitia o equilíbrio das relações jurídicas, do mesmo modo que não permitia que as partes na relação jurídica contratual tivessem seus interesses pautados pela boa-fé objetiva, pelo sentido de  eticidade, socialidade, e solidariedade social que o século XX passou a conhecer e aos poucos a colocar em prática, após a edição dos diplomas constitucionais do México de 1917 e da Alemanha de 1919.

Ao lado das alterações dos contextos normativos, há que se reconhecer que após a Revolução Industrial ter se espalhado pelo mundo, houve um crescente aumento do capital, especialmente o capital resultante dos novos empreendimentos econômicos trazidos pela expansão das fábricas na Europa, nas Américas, na Ásia e na África, quando foram substituídos os teares manuais pela máquina, quando surgiram as locomotivas e a atividade em escala. 

No século XX, e em especial, após a Segunda Guerra Mundial, a sociedade empresária passa a investir fortemente na produção em massa, possibilitando cada vez mais o aumento da produção. Ao lado do aumento da produção, novas tecnologias são descobertas e novos modelos de produção industrial são colocados em prática, fazendo com que a produção que já era em massa, mecanizada, ganhasse mais força ainda, aumentando o lucro e gerando divisas para os investidores do setor.

Após a Segunda Guerra Mundial, os avanços da produção e das pesquisas ocorreram na mesma proporção. A produção tecnológica, o avanço das telecomunicações e a informatização forneceram novas perspectivas para os mercados e colocaram as nações mais avançadas no cenário de destaque mundial.

Mas, deve ser lembrado também, que na medida em que ocorreram os avanços, surgiram também grandes problemas, em especial, os problemas relacionados à queda vertiginosa do emprego. Essa queda deve-se em muito a alteração do modelo de produção em escala.  O modelo que antes da Segunda Guerra Mundial e posteriormente nas últimas décadas do século XX ainda se fazia presente pela massificação da mão-de-obra humana, passou a ser substituída enormemente pela mecanização por meio da utilização dos Robôs.

Ao lado do avanço tecnológico, o indivíduo, o homem, o cidadão, a empresa e o empresário, na mesma vertente, passaram a adotar medidas cada vez mais rápidas para apresentar soluções condizentes com a realidade dessas inovações.  Certamente, essas novas realidades permitiram e influenciaram a estrutura ideológica do contrato e passaram a alterar sua condição de fonte geradora de riquezas, antes apenas concebido como mecanismo da produção.

Com a evolução dos mecanismos de produção, ao lado da estrutura normativa do direito que passou a gerenciar as relações jurídicas de modo amplo, disciplinando e impondo regras às partes, o contrato assumiu um novo perfil, o perfil harmonizador da evolução da solidariedade, da socialidade, da eticidade e da boa-fé objetiva, que o direito adotou no cenário da evolução social e jurídica, marcas profundas da nova estrutura do contrato que deve atender a uma função social que em si mesma é a configuração dogmática do instituto do contrato, que alcançou nos dias atuais uma concepção constitucional contemporânea que torna o contrato fonte não só de riquezas, mas fonte segura de harmonização das relações jurídicas.

 

1.3. O contrato e a ideologia do Estado Social de Direito

 

No século XX, a norma jurídica que antes da Constituição do México de 1917 e da Constituição da Alemanha de 1919 estavam voltadas para o liberalismo econômico exacerbado, não permitia uma interferência do Estado nas relações jurídicas privadas.

A partir do momento em que surgem estas duas constituições, nasce também uma nova reflexão sobre o plano normativo que se instala.

Enquanto se tinha no liberalismo econômico a omissão do Estado em reger as relações privadas, o Estado Social de Direito vem para fornecer elementos para que o próprio Estado avalie seu papel de gestor das relações sociais, assumindo a partir de então, um novo direcionamento, uma nova vertente: a vertente social.

Esse novo direcionamento é regular às relações jurídicas, sejam elas privadas ou públicas, de forma ampla, regulando os conflitos a partir de uma dimensão social, não mais meramente individual ou puramente privada.

Nessa nova dinâmica, o Estado há de fornecer instrumentos para que os anseios sociais sejam atendidos, dentro de uma perspectiva altamente valorativa que o direito assume no limiar do século XX.

Entre nós, essa nova dinâmica e esses instrumentos são acolhidos pelo ordenamento jurídico, em especial, o ordenamento processual que fornece novas tutelas para a proteção dos novos bens, valores e direitos contemporâneos, como é o caso do meio ambiente ecologicamente equilibrado, a tutela dos direitos dos consumidores, a proteção a criança e ao adolescente, a proteção aos direitos do idoso, a proteção aos patrimônios artístico, turístico e paisagístico, a proteção aos direitos ao saneamento básico e ambiental, além de tantas outras proteções que o sistema contemporâneo adotou com a evolução dos processos sociológicos.[3]

A partir do Estado Social de Direito e sua evolução para Estado Social Democrático de Direito, o contrato que foi concebido no século XVIII como um direito individual a serviço da burguesia, passou a adotar novos valores, bens e direitos, flexibilizando e harmonizando as regras do Código de Napoleão, abandonando o perfil individualista que estava a serviço de uma única classe social, para se inserir num novo panorama, o panorama transindividual das relações jurídicas, seus efeitos e suas conseqüências.

 

1.4. A importância do Estado Social de Direito para a concepção moderna de contrato

 O contrato evoluiu na medida em que as sociedades evoluíram, isto porque em si mesmo, qualquer instituto jurídico tem em dado momento histórico, passado por alterações em razão das constantes modificações verificadas nessas mesmas sociedades. Com efeito, que bom que os processos sociais, políticos, econômicos, ideológicos e culturais são os responsáveis pela evolução e alteração das concepções de um ou de outro instituto jurídico.

Não há como se conceber a evolução de um instituto jurídico e mais precisamente do contrato, sem que se verifique essa evolução ou sem que essa evolução seja concebida a partir das alterações no modelo de Estado verificado em cada período da história da humanidade.

Quando o Estado passa por alterações em seus matizes, enquanto organismo gerenciador das vontades da sociedade que ele Estado disciplina, há indelevelmente, alterações no modelo jurídico vigente.

De acordo com as mudanças operadas nos sistemas jurídicos, em especial após a Revolução Francesa, em que surge um modelo de codificação para todo o mundo ocidental, os ideários da Revolução, como a liberdade, a igualdade e a fraternidade irão aos poucos sedimentando o sonho da burguesia de chegar ao poder e controlar as decisões.

Essa realidade de liberdade e igualdade foi aproveitada pela classe burguesa, mas no que tange a fraternidade nos parece que nos dias atuais vivemos uma realidade cada vez mais distante.

Lembra Arruda Alvim: “Penso que a fraternidade jamais foi operada no plano histórico, como também tenho sinceras dúvidas de que a solidariedade de que se fala hoje possa vir a frutificar, ao menos na escala em que se espera”.[4]

Pensamos que nos dias atuais, os textos normativos, tanto da Constituição Federal, como do Código Civil e outras legislações ordinárias imprimem os valores da socialidade, da solidariedade, da fraternidade, do bem comum, a busca pela efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, a busca da paz e da justiça social, entre tantos outros valores.

No século XXI, o grande desafio do operador do direito é efetivar os valores, bens e direitos contemporâneos catalogados no ordenamento jurídico, seja no plano fático, real, existencial e substancial. Esse desafio requer uma mudança de comportamento, uma mudança do pensar e no agir do indivíduo, do homem, do cidadão, da empresa e do próprio Estado. Há que haver várias alterações das concepções individualistas e egoístas que insistem em permanecer nesses personagens.

Para que essas alterações se façam necessárias é preciso acolher as concepções de solidariedade e fraternidade, bem comum, paz e justiça social, acolhendo-se também a concepção do coletivo, isto é do  “nosso” em substituição muitas vezes da concepção egoísta do “meu ou  do “teu”.

Para a adoção dessas premissas, bens, valores e direitos foi preciso a alteração do modelo de Estado, de Estado Liberal de Direito para Estado Social de Direito e sua conseqüente evolução para Estado Social Democrático de Direito. Como já anotado, no plano normativo o México se depara com o advento de uma Constituição social em 1917, fato também corrente na Constituição de Weimar, na Alemanha, em 1919, ambas fazem surgir um novo modelo de Estado, o Estado Social de Direito, marcas contemporâneas do constitucionalismo moderno.

Após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, o mundo se deparou com vários resultados negativos provenientes da devastação provocada pelas lutas armadas. A Segunda Guerra Mundial trouxe prejuízos astronômicos para a humanidade, a partir de então o embate passou a ser através da luta ideológica e não mais da luta armada. Ao enfoque da luta ideológica se atribuiu o nome de guerra-fria, porquanto a ideologia capitalista de um lado e o comunismo de outro representavam as forças políticas e ideológicas que nortearam a segunda metade do século XX, quando ocorreu um fantástico crescimento industrial que veio a se expandir pelo mundo ocidental, vindo a atingir os países denominados de terceiro mundo.

O avanço tecnológico, muitas vezes desordenado, propiciou a ocorrência de grandes desastres ao meio ambiente, tornando a vida no Planeta Terra cada vez mais difícil. O direito ao meio ambiente é certamente o que mais rapidamente trouxe implicações no plano da sobrevivência do próprio Planeta, porquanto, toda atividade de produção, seja qual for sua natureza, está regida pelas normas de proteção ao meio ambiente.

No final do século XX, o modelo de produção e a capacidade de geração de riquezas, estavam acima de qualquer outro condicionante. O aparecimento dos direitos difusos a partir da consciência da finitude dos recursos ambientais inverte a ordem de prioridades, passando o meio ambiente a ser condicionador do próprio desenvolvimento e da proteção aos direitos do consumidor.[5]

O Estado Social Democrático de Direito no século XXI tem uma missão árdua que é efetivar os valores, bens e direitos contemporâneos da socialidade, da solidariedade, da fraternidade, da boa-fé objetiva, da eqüidade, da probidade, da igualdade real, da liberdade, da partilha e do bem comum, aliados ao princípio da dignidade da pessoa humana e de tantos outros, buscar promover a paz e a justiça social.

Essa não é uma missão somente do Estado, mas do Estado e de toda a sociedade. Com efeito, tanto o Estado como a sociedade são convocados pelo ordenamento jurídico a empreender políticas públicas e práticas que promovam o bem comum e o bem estar de todos.

Esses bens, valores e direitos contemporâneos muitas vezes negados pela cultura dos séculos XVIII e XIX são realçados a verdadeiros princípios constitucionais, se colocando como predicados cardeais do Estado contemporâneo que tem como desiderato promovê-los e torná-los efetivos a todos os membros da sociedade.

Essa evolução social e jurídica atinge e interfere nas relações jurídicas contratuais, de modo que nos dias correntes, não há como se conceber as negociações sem se pautar pela evolução normativa existente, de modo que está consagrada pelo ordenamento jurídico, a ordenação das contratações a partir da concepção moderna de Estado que tem como fim harmonizar as relações sociais e permitir a convivência pacifica de todos.

Resulta dessa concepção de que o contrato contemporâneo não deve apenas promover a circulação de bens, serviços e riquezas, deve ser também instrumento de harmonização das próprias relações negociais, promovendo o equilíbrio, a probidade, a equidade, a igualdade, a solidariedade social e a verdadeira justiça da relação jurídica celebrada.

Portanto, a importância do Estado Social Democrático de Direito para compreender o perfil contemporâneo do contrato está em reconhecer que sendo o Estado um organismo dotado de estrutura própria, seus fundamentos, objetivos e princípios estruturais se projetam necessariamente para as relações jurídicas contratuais, fazendo nascer um contrato dotado de feições ordenadas a partir dos predicados sob os quais o Estado está erigido.

Em outras palavras, implica reconhecer que o contrato se institucionaliza dentro de uma ordem fundamental erigida a partir do Direito Constitucional.

 

1.5. A função social do direito

 

Função é a qualidade que o ser, coisa, objeto ou bem tem de atender ou desempenhar uma finalidade previamente estabelecida por suas concepções, buscando atender a uma finalidade contida na estrutura dogmática de si mesmo.

No plano jurídico, função social é a qualidade dos seres, das coisas, dos objetos, dos bens, institutos e instituições sobre os quais a norma jurídica atribui uma missão de ser e representar para alguém que delas são titulares e para aqueles que estão ao seu redor e que participam direta ou indiretamente de seus efeitos.

Do latim, functio, de fugi (exercer, desempenhar) embora seja tido no mesmo sentido que cargo, exercício ou ofício, na técnica do Direito Administrativo, entende-se mais propriamente o direito ou dever de agir, atribuído ou conferido por lei a uma pessoa, ou a várias, a fim de assegurar a vida da admisnitração pública ou o preenchimneto de sua missão, segundo os princípios instituídos pela própria lei.[6]

O professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, lecionando sobre os fins sociais, esclarece:  “(.....). as expressões ‘fins sociais’ e ‘bem comum’ são entendidas como sínteses éticas da vida em comunidade. Sua menção pressupõe uma unidade de objetivos do comportamento social do homem. Os ‘fins sociais’ são ditos do direito, em todas as manifestações normativas faz-se mister encontrar o seu fim, e este não poderá ser anti-social. Quanto ao bem comum, não se trata de um fim do direito mas da própria vida social”. [7]

A função social do direito é um valor jurídico construído a partir das lutas e conquistas sociais do homem nas várias fases da história da humanidade. Em cada fase da história humana ela representou e enfocou um sentido peculiar para cada época. Esse bem, valor, predicado e princípio jurídico é ordenador dos bens, dos valores, dos direitos, dos deveres, do agir e do gerir os consectários de uma vida cada vez melhor de todos os integrantes da sociedade.

A função social do direito é um valor que pré-existe ao mandamento da lei. Ela representa um sentido peculiar do homem de ver o mundo ordenado pela paz, num ambiente harmônico, equilibrado e justo.

A função social do direito nos moldes contemporâneos é o resultado da evolução normativa que deitou raízes no século XX, fruto das lutas sociais dos séculos XVIII e XIX e que encontraram após a Segunda Guerra Mundial, o terreno fértil para se concretizar nas legislações do mundo a fora.

Função social do direito nos moldes contemporâneos é um novo conteúdo da norma jurídica. A função social de determinada norma é alcançar o fim almejado pelo legislador, dentro de uma perspectiva potencialmente valorativa. Se o comportamento humano é delineado pela norma, então a disciplina inscrita no texto normativo deve alcançar o fim almejado pela tutela do Estado.

Cabe ao órgão legislativo, por meio da produção da lei, empreender o comando que a norma deve alcançar. A norma deve traçar os fins almejados por quem as criou, bem como disciplinar as relações jurídicas, estabelecendo direitos e obrigações.

Quando uma norma produz os efeitos que dela se espera, pode-se dizer que ela cumpriu sua função normativa, apaziguando os conflitos que almeja disciplinar.

A função social do direito é o fim comum que a norma jurídica deve atender dentro de um ambiente que viabilize a paz social. Nisso, há que se ter presente que não há norma jurídica puramente individual, na medida em que ela regula relações humanas, sejam relações puramente de direito privado, sejam relações de ordem pública.

Por meio da função social do direito o legislador objetiva humanizar as relações jurídicas. Nesse processo de humanização, é vedado ao homem obter vantagens em descompasso com os comandos normativos.

A função social do direito deve nortear o indivíduo, o homem, o cidadão, a empresa, o empresário e o próprio Estado para que cumpram suas obrigações-deveres, dentro da ordem natural das coisas e dos acontecimentos sem se valer dos meios fornecidos pelo Estado para fazer cumprir algo que já deveria ocorrer espontaneamente, se os atores sociais não estivessem preocupados com o seu direito em prejuízo do direito alheio.

O direito sempre exerce e atende uma função social. A norma jurídica é criada para reger relações jurídicas e nisso a disciplina da norma deve alcançar o fim para o qual foi criada. Se ela não atinge o seu desiderato, não há como disciplinar as relações jurídicas, e, portanto, não cumpre sua função, o seu objeto.

A função social do direito está arraigada nos textos normativos das constituições do mundo contemporâneo. A função social do direito é a marca do novo constitucionalismo. Esse processo se deve a nova ordem social, econômica, política, ideológica, jurídica, cultural e até mesmo religiosa, gestada após a Primeira Guerra Mundial, cujo marco inovador foram as Constituições do México e da Alemanha. Estas por sua vez se projetaram para as constituições do século XX a qual foi buscar inspiração a Constituição Federal de 1988.

A função é o fim precípuo que determinado bem jurídico deve atender no âmbito de sua estrutura interna e irradiar para fora da própria estrutura, as conseqüências práticas para o qual foi projetado, delineado, estruturado, concebido, programado. A função é o fim destinado pelo instituto a atuar no âmbito externo e a produzir resultados condizentes com a concepção dogmática do instituto.

O legislador contemporâneo ao criar a idéia matriz de função social objetivou alcançar a coletividade como um todo, sem, contudo abandonar no plano da estrutura da norma o indivíduo que foi inserido na contextualidade do grupo, o que representa para a realidade humana o abandono da concepção de ser isolado e afastado do grupo.

A função social do direito e a função social do contrato é o axioma jurídico reestruturante do direito contemporâneo que exige no novo pensar, um novo agir, um novo interpretar e um novo decidir o direito a partir da realidade social.

 

1.6. A Função Social do Direito na Constituição Federal de 1988

 

O constitucionalismo contemporâneo resulta da evolução da concepção de Estado ao longo dos últimos 219 anos quando de seu surgimento inicial com a eclosão da Revolução Francesa de 1789. Com a alteração do Estado autoritário monarca dos séculos XIV a até os fins do século XVIII e o início de um novo modelo de Estado, o agora Estado de Direito, permite a configuração do ordenamento jurídico tendo como base o Estado que se faz reger pelo império da Lei.

O Estado contemporâneo enfrentou no século XIX as profundas revoltas sociais em vários seguimentos, produzindo guerras e revoluções, levando o Direito a ser reestruturado a partir das alterações de conceitos gestados com a Revolução Francesa e com a Revolução Industrial e alterados nesse cenário mundial de conflitos.

O Estado que pouco interferia nas relações privadas e até mesmo nas relações públicas, passa  no século XX a adotar a causa social como premissa de um novo modelo, o modelo de Estado Social de Direito, que como se disse, foi fruto da adoção de novos valores, bens e direitos contemporâneos.

Esse mesmo Estado aos poucos passa por novas transformações e evolui de Estado Social de Direito para Estado Social Democrático de Direito, ou seja, não apenas como um Estado que fornece aos cidadãos direitos e exigem o cumprimento dos deveres, mas se coloca como condutor de um processo democrático onde todos devem fazer parte de um processo de constante convivência em busca de melhores dias.

As várias evoluções do Estado permitiram como já se pode perceber a evolução do direito em todas as esferas e isso não foi diferente com o Direito Constitucional, que absorveu e projetou para os diversos ramos do direito a concepção moderna de norma jurídica.

A função social do direito está presente na Constituição Federal. O legislador nacional, ao editar o diploma máximo do país, enveredou os caminhos do moderno constitucionalismo.

A Carta Magna do Brasil estabelece nos art´s. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, 6º, entre tantas outras disposições, as bases do moderno Estado Social Democrático de Direito, ao preceituar: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 

I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

 III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações.

 

Em primeiro lugar, há que se dizer que sem o reconhecimento do cidadão, ao lado dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como, a luta incessante no combate às desigualdades sociais, não há como se promover a paz e a justiça social.

A efetivação dessas e outras premissas no plano dos direitos individuais do homem e do cidadão, da empresa e do empresário, direitos também coletivos, difusos e transindividuais conduzem a assertiva de que há o cumprimento da função social do direito encartado nessas e em outras disposições do texto constitucional e da legislação infraconstitucional.

O dispositivo constitucional da Carta Federal estabelece no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais - Direitos e Deveres Individuais e Coletivos -, art. 5º, incisos XXII e XXIII que: XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá sua função social. No âmbito dos direitos sociais, estabelece o art. 6º da Carta Política, de 1.988: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência privada, a proteção a maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.[8]

No que tange a propriedade e sua respectiva função social, deve-se dizer que há outras disposições na Lei Maior que tratam desse instituto e de sua função social: (art. 170, II, III; art. 182 e §´s 2º, 3º e 4º; art. 183 e § ´s 1º, 2º e 3º) e um plexo civil ordinário (art´s. 421, 422, 1.228, §´s 1º, 2º, 3º 4º e 5º e art. 2035 do Código Civil), entre outros.

Nos dias correntes, todos os institutos de direito público ou privado, seja qual for à área do direito, devem atender a sua corresponde função, o seu fim precípuo, o seu desiderato, sua concepção dogmática e promover a harmonização dos entes sociais a eles concernentes.

 

1.7. Uma nova interpretação da norma jurídica frente aos princípios e valores contemporâneos

 

A partir do surgimento do Estado Social de Direito e sua evolução para Estado Social Democrático de Direito, o que se espera das relações jurídicas é o mútuo respeito entre as partes, a fim de que uma vez vigorando os novos valores, bens e direitos  (eticidade, boa-fé objetiva, probidade, equidade, socialidade, dignidade da pessoa humana, solidariedade, fraternidade, bem comum, partilha, mútua responsabilidade, paz e o senso efetivo de justiça) possam usufruir economicamente das utilidades proporcionadas pela celebração das avenças.

A parte lesada no contrato que não usufruir das utilidades que ele proporciona porque a outra preferiu não mais cumprir o que foi estabelecido, contraria o sistema positivo, pois uma vez havendo o rompimento do contrato, aquele que foi lesado deixou de aplicar os investimentos que ficou sem receber para a consecução de seus fins.

Essa moderna interpretação da norma jurídica a partir da adoção dos bens, valores e direitos contemporâneos trouxe para o Direito Constitucional, para o Direito Civil e para o Processo Civil, entre outros ramos da Ciência do Direito, a possibilidade de uma das partes, quando tomar conhecimento de que estão sendo infringidas as relações jurídicas ajustadas, possa manejar a atividade jurisdicional do Estado para satisfazer suas necessidades econômicas, morais e espirituais que a relação jurídica foi capaz de abalar.

O que fez a modernidade legislativa foi atribuir a parte prejudicada, um instrumental normativo capaz de manejar licitamente a tutela do Estado a seu favor, de forma mais célere, eficaz e condizente com a realidade do mundo contemporâneo. Isso é uma medida de força que a evolução do direito permite a parte lesada ou ameaçada de lesão. Essa medida de força é a tutela jurisdicional diferenciada que pode ser encontrada no moderno procesualismo.[9]

 

1.1.                     A força do Estado Social Democrático de Direito para fazer cumprir as relações contratuais

 

Quando as partes não cumprem a função social do direito e a função social do contrato, o Estado deve conceder à parte lesada uma medida de força condizente com essa evolução normativa contratual, máxime das necessidades de se apaziguar as relações jurídicas havidas entre as partes, quando no mais se sabe, que sempre há razões infundadas para alguém descumprir o contrato.

Ninguém melhor do que o Estado, para com a força que o Estado Social Democrático de Direito consagrou com a Constituição Federal de 1988 para confirmar o direito ou o bem da vida aquele que é o real titular.

O Estado, por meio da tutela jurisdicional fornece vários instrumentos para tornar efetivo o cumprimento da lei e dos pactos. Nesse sentido, os valores, bens e direitos contemporâneos, antes realçados e agora reafirmados, como a eticidade, a socialidade, a fraternidade, a solidadriedade, o bem comum, a boa-fé objetiva, a probidade, a eqüidade, ao lado da função social do direito e do contrato, da propriedade, entre tantas outras, constituem-se desiderato do equilíbrio constitucional, art. 5º, inciso I e II da Carta Política.

A prática da solidariedade, da fraternidade, do bem comum, da paz e da justiça hão de conduzir os contratantes para efetivamente cumprir os fins do contrato que é gerar riquezas, promover o equilíbrio, a dignidade, a utilidade e a harmonia das relações jurídicas dentro de um patamar de equilíbrio, eqüidade, probidade, justiça e mútua responsabilidade na fase pré-contratual, durante a execução e após a sua executoriedade.

A força conferida pelo Estado Social Democrático de Direito está presente nos vários instrumentos legais que o direito material e o direito processual colocam a disposição da parte lesada para resguardar seus direitos. No âmbito do direito material, tem-se a reserva legal, a ação de reparação de dano, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, entre tantos outros institutos catalogados no ordenamento jurídico.

No plano do Direito Processual Civil, têm-se a tutela antecipada, as medidas de urgência, as medidas cautelas, o cumprimento de sentença, entre outras.

Essa força do Estado Social Democrático de Direito presente nesses e outros institutos muitas vezes não é compreendida pelo operador do direito e pela atividade jurisdicional de distribuir e de administrar a justiça - o magistrado - o que acaba retardando a prestação da tutela jurisdicional e a entrega do bem da vida a parte vencedora.

Essa força do Estado é conferida pelo moderno processo civil, ou melhor, pelo processo civil contemporâneo, que tem como fonte inspiradora a própria Constituição Federal de 1988.

 

1.8.1. O processo civil clássico e o processo civil contemporâneo

 

O processo civil clássico defendia o individuo e não a coletividade, na medida em que a defesa estava consubstanciada na concepção de direitos subjetivos, que sempre representou a idéia de direitos individuais. Nesse sentido, toda vez que o risco ou o dano envolvesse um número muito maior de pessoas, se tornava difícil à tutela dos direitos desses mesmos grupos, inviabilizando por isso mesmo, o alcance efetivo da prestação jurisdicional.

O processo civil clássico nasceu numa estrutura ideológica fundada no individualismo, cujos berços foram a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, ao contrário do processo civil contemporâneo que foi fruto das necessidades sociais e do avanço dos processos sociológicos.

Os novos instrumentos materiais e processuais vieram a tona com a evolução do Direito Constitucional brasileiro, fornecendo ao ordenamento jurídico pátrio princípios inovadores no Direito Material e no Direito Processual Civil. Deve-se dizer que a Constituição Federal de 1988 foi para o Brasil, o rompimento do modelo tradicional de processo civil que inaugurou no ordenamento jurídico a estrutura de um novo processo civil, o processo civil coletivo, ao lado do já existente processo civil individual.[10]

O surgimento do processo civil coletivo com a Constituição Federal de 1988 exigiu do legislador infraconstitucional, um trabalho árduo para adequar o corpo das leis à nova base principiológica que a Carta Magna apresenta à sociedade. Entre os princípios inovadores do processo civil constitucional estão: a) a dignidade da pessoa humana; b) o acesso à justiça; c) a tutela do consumidor, d) a tutela do meio ambiente, e) a função social do direito, f) o direito à propriedade e sua função social, etc.

No plano normativo infraconstitucional, as reformas do Código de Processo Civil vão surgir com a adoção das tutelas cautelares, antecipações de tutelas, as tutelas de urgência. As mudanças ressoam também no recurso de agravo de instrumento. Tudo isso levou e possibilitou à sociedade, o livre acesso ao Poder Judiciário, por meio do ajuizamento de demandas tendentes a tutelar os direitos fundamentais do cidadão.[11] Esta realidade no direito positivo nacional foi trazida pelas seguintes legislações:

 

a) Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, (Lei de Ação Popular), inicialmente usada para impor veto às ações do poder executivo e de seus agentes, tendentes a causar dano no exercício das atividades, mas foi durante muito tempo usada para proteger o meio ambiente, diante da ausência da legislação específica no campo processual;[12]

b) A Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), disciplina pela primeira vez no Brasil, de forma ampla a tutela material do meio ambiente.

c) Lei n­º 7.347 de 24 de julho de 1.985 (Lei de Ação Civil Pública);

d) Lei nº 7.853/89 (Estabelece a defesa de pessoas portadoras de deficiência);

e) Lei nº 7.913/89 (disciplina a responsabilidade civil por danos causados aos investidores de mercados imobiliários);

f) Lei nº 8.069/90 (Institui o Estatuto de Proteção a Criança e ao Adolescente);

g) Constituição Federal, art. 225 (Tutela Constitucional do Meio Ambiente);

h) Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor).

i) etc.

Ambas as legislações instituíram e representa ao lado da Lei de Ação Civil Pública, um sistema de defesa do consumidor, um sistema de defesa processual civil da sociedade.

Além das legislações referidas, é fato corrente que o Código de Processo Civil de 1973 passou por várias reformas que procuraram criar novos instrumentos e regras procedimentais para dinamizar o processo civil, agilizar e tornar efetivo a prestação jurisdicional do Estado.

Há que se sublinhar que o advento dessas e outras legislações não foram suficientes para amoldar as novas realidades jurídicas. Com efeito, foi preciso também que o aplicador da lei, o jurista e o intérprete fizessem um esforço também condizente com as mudanças operadas. Isso ocorreu a partir de uma interpretação diferenciada do processo civil moderno.

É a partir dessas e de tantas outras legislações que houve a evolução do modelo de Estado e exige uma nova atuação da atividade jurisdicional de distribuir a justiça e de cumprir os valores, bens, direitos, predicados e princípios contemporâneos.

Para a efetivação dos bens, valores e direitos contemporâneos há necessariamente que se aplicar as regras do processo civil contemporâneo, pois sem ele não há como se aplicar as premissas constitucionais da efetividade da tutela jurisdicional diferenciada.

 

1.9. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária e a responsabilidade contratual da empresa

 

O contrato evoluiu e ao seu lado evoluíram as relações empresárias, bem como os direitos e os deveres a elas concernentes. Com efeito, há uma nova forma de interpretar a norma jurídica, em especial a norma jurídica contratual, a partir da desconsideração da personalidade jurídica trazida pelo art. 50 do Código Civil de 2002.[13]

A desconsideração da personalidade jurídica da empresa reconhece que a tão propalada cláusula que impedia o alcance do patrimônio dos sócios era na realidade um instrumento que no mais das vezes era usado pelos sócios que conduziam ou conduzem a empresa a uma má gestão financeira, causando um desfalque patrimonial a terceiros, e pela via oblíqua, promovendo o enriquecimento dos sócios, levando a sociedade empresária à bancarrota e promovendo a falência da entidade.

No âmbito dos direitos das obrigações aquele que descumpre o que foi pactuado no tempo, modo e forma, há que recompor o desfalque patrimonial causado, como exige o art. 394 do Código Civil.

Quando a norma do art. 394 do Código Civil é descumprida por si só já autoriza a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária, a fim de evitar o prolongamento das irresponsabilidades da sociedade e do sócio que tem obrigação legal e contratual de zelar pelo cumprimento das cláusulas da sociedade da qual figura como sócio ou administrador.

De acordo com o art. 5º, inciso II da Constituição Federal: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, se não em virtude de lei”, pois bem, se o cidadão ou a empresa não honram suas obrigações autorizam por esse motivo, o levantamento do véu da sociedade para atingir o patrimônio do sócio, pois é ele o responsável pela gestão correta da empresa. Este é um ônus que o sócio sabe desde o início.

Embora a doutrina e a jurisprudência entendam que devem ser comprovados os requisitos do art. 50 do Código Civil, como o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial para só então autorizar a desconsideração da personalidade jurídica, deve-se dizer que esse entendimento, não se coaduna com a prática das empresas e de seus administradores que estão dia a pós dia a descumprir o ordenamento jurídico, não cumprido as obrigações da sociedade empresária, quando se sabe que é da essência de qualquer atividade, o cumprimento das obrigações.

Do que adiante a existência do art. 50 do Código Civil, se a empresa e seus sócios desrespeitam o art. 5º, inciso II da Constituição Federal, não cumprindo as obrigações da sociedade empresária.

Se a Lei Maior (CF) impõe que sejam cumpridas as obrigações previstas no ordenamento jurídico é por que não permite que o sistema seja desrespeitado, então porque em si mesmo tem o credor que comprovar a existência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial?. Ora, o problema reside exatamente no fato de que se as obrigações da sociedade não são cumpridas pelos sócios, há que se indagar: Onde está o patrimônio que deveria solver a obrigação da sociedade empresária?.

Porque o sócio não negocia a dívida da sociedade empresaria quando cosntatar que ela está com dificuldades econômicas?.

O grande problema é que os sócios não administram corretamente a sociedade e deixam os credores a ver navios, conduzindo a empresa na realidade a insolvência, por meio do inadimplemento das obrigações.

Os juízes sejam eles em Primeira e ou em Segunda Instância devem fazer estas perguntas a si mesmos e devem encontrar a resposta nos autos, dando até mesmo prazo para que o devedor informe onde estão os recursos que deveriam ter solvido as obrigações da sociedade empresária ao seu devido tempo.

Os magistrados nos tempos modernos não são apenas meros aplicadores da Lei, são verdadeiros guardião do Estado de Direito. Eles atuam em função e em obediência a ordem do Estado que existe para fazer cumprir os fins delineados em sua estrutura normativa.

Os juízes devem aplicar no caso concreto o processo civil contemporâneo que está instrumentalizado para promover a justiça e não a injustiça.

Nisso, os juízes não podem ter medo de aplicar a regra de direito, porquanto essa mesma regra evoluiu exatamente para permitir o cumprimento da lei e para isso, o processo civil contemporâneo atribui ao magistrado a força necessária para evitar que aquele que não quer cumprir suas obrigações, fiquem deitado no berço esplêndido da esperteza se regozijando às custas dos outros e caçoando do Estado, a pretexto de que ele é moroso e de que a outra parte não tem um bom advogado para se socorrer.

A expertise de quem assim pensa deve ser combatida e ninguém melhor do que o magistrado para fazê-la por meio de requerimento da parte e, quando houver ofensa da ordem pública e a regra cogente, deve agir com o uso da própria autoridade do qual está investido.

Se ao juiz que exerce função delegada do Estado e em nome desse Estado deve aplicar a lei e a ele é atribuída a missão de distribuir justiça, não pode com o não deferimento da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária, distribuir a injustiça, isto é, deixar de cumprir sua função peculiar que é por termo as discórdias levadas pelas partes no âmbito do processo.

O magistrado não pode ficar preso a regra do art. 50 do Código Civil de 2002, mas deve encontrar no âmbito do processo, a resposta para o deferimento da desconsideração da sociedade empresária. É fácil dizer “defiro” ou “indefiro”, quero ver fundamentar o indeferimento quando se sabe que a Constituição Federal, que concede os direitos fundamentais, exige também o cumprimento dos deveres, igualmente catalogados como fundamentais. Se a empresa e seus sócios não cumprem os deveres fundamentais instituídos pela ordem constitucional, há motivos de sobra para autorizar o pedido de desconsideração, a fim de que os sócios integrem o pólo passivo da demanda e respondam com o seu patrimônio pela obrigação da sociedade a quem eles deveriam ter cumprido quando do vencimento da prestação positiva ou negativa.

O grande problema do sistema estabelecido pelo art. 50 do Código Civil de 2002 é exatamente o fato de que ao credor foi atribuído um ônus muito grande que é comprovar o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Por isso, entendemos que essa disposição resulta inconstitucional se comprovados no âmbito de sociedade empresária que a empresa e seu sócio não cumpriram a disposição do art. 5º, incisos I e II da Constituição Federal combinado com o art. 394 do Código Civil.

O sistema estabelecido pelo Código Civil de 2002 privilegia a empresa desidiosa e o sócio que na mesma proporção é desidioso, que para tudo e contra todos, encontram uma resposta dentro do sistema, e quando lhe é exigido o cumprimento dos deveres, revestem-se da condição de vítimas e são os primeiros a se socorrer do Judiciário na busca daquilo que entendem como “os meus direitos”, são verdadeiros “espertalhões de plantão” que fazem uso do sistema para buscar a preservação de seus supostos direitos em contraposição ao cumprimento dos deveres catalogados na Carta Política como fundamentais.

 

 

1.9.1. A desconsideração da personalidade jurídica e o fim social da sociedade empresária

 

 

Por outro lado, deve-se ainda dizer que a doutrina foi aos poucos reconhecendo que na realidade a má gestão da empresa representava uma fraude a credores, na medida em que estava e está por trás dessa gestão um enriquecimento dos sócios.

Os contratos firmados pelas empresas, quaisquer que fossem o ramo de atividade, conduziam a um prejuízo aos direitos de credores, inviabilizando o cumprimento da avença ante a presença da má-fé dos sócios.

Deve-se observar que se os dirigentes da empresa não agem com o interesse direto e deliberado em lesar os credores, no mínimo, os mesmos têm a plena consciência de que a não solvabilidade dos créditos de terceiros acarreta prejuízo a estes, em benefício direto da sociedade empresária e dos seus sócios.

O fim social da empresa não é causar prejuízo a ninguém, nem à sociedade empresária e nem àqueles com quem ela contratou ou está a contratar, de modo que os administradores devem responder diretamente com seu patrimônio quando não cumprem os ditames da lei e as obrigações da sociedade empresária que assumiram quando de sua constituição.

Como já referido, o ordenamento jurídico vigente autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, a fim de que o sócio responda patrimonialmente pelas obrigações contratuais da empresa, à medida que deveria ter realizado ao tempo do cumprimento da obrigação.

A desconsideração da personalidade jurídica da empresa no cenário da evolução do Direito e da regra moral das obrigações deve conduzir os sócios para que cumpram, ao lado da pessoa jurídica que constituiu, a função social da empresa, consubstanciada na assertiva de que a sociedade não pode gerar prejuízos a terceiros e a coletividade que precisa usufruir das benesses que a empresa é obrigada a produzir.

O sócio e responsável pela administração da sociedade empresária tem obrigações a cumprir, porquanto sabe desde o início que pode ser responsabilizado patrimonial e criminalmente pela inadequada gestão da sociedade. Quando não administra corretamente a empresa por meio da solvabilidade dos débitos, a própria empresa e seu sócio administrador estão indiretamente instrumentalizando o credor para postularem a desconsideração da sociedade, vale dizer que a ação ou omissão que gera prejuízo patrimonial e extrapatrimonial ao credor, ipso facto, autoriza a aplicação da disregard of legal entity.

A atividade jurisdicional do Estado de distribuir justiça por meio do magistrado não pode ficar presa à regra do art. 50 do Código Civil, isto é, buscando descobrir se estão presentes os requisitos do desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Com efeito, esses dois requisitos na realidade fecham as portas ao intérprete e ao aplicador da lei tornando-os refém de um sistema que privilegia o mau pagador e o sócio desidioso.

A sociedade empresária e seus respectivos sócios se traduzem maus pagadores toda vez que deixam a entidade em condições de insolvência, não pagando seus credores e nem oferecendo a estes oportunidade de receber o crédito, ainda que de forma parcelado.

É preciso que o Estado a quem foi incumbida à missão de distribuir justiça cumpra a função social do direito que é em outras palavras, aplicar o ordenamento jurídico maior, que tem na moderna contemporaneidade dos processos sociológicos, o dever de aplicar os princípio cardeais da Constituição que são: a socialidade, a solidariedade social, a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a busca da promoção da paz e da justiça, assim como promover a erradicação da pobreza.

O Estado, no moderno constitucionalismo, ao eleger esses predicados contemporâneos sob os quais estão os fundamentados e os objetivos da República Federativa do Brasil elegeu a dignidade da pessoa humana como o maior desafio das sociedades em todos os tempos.

Disso resulta que não há como permitir que as empresas e seus sócios fiquem isentos de reprimenda legal quando deixam de ofertar a contraprestação pelas obrigações que assumem no exercício e no controle da atividade empresária.

Há que se por um basta ao dogma da autonomia absoluta da sociedade empresária, por meio da aplicação dos predicados, valores, bens, direitos e princípios contemporâneos existentes no sistema constitucional e infraconstitucional, pois somente por meio deles se pode extrair o modo de agir e operacionalizar a empresa, quando se constata que os sócios não estão cumprindo suas responsabilidades estatutárias.

Se analisadas a responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade que deixa de cumprir como responsável pela administração e gestão da empresa do qual constituiu ou recebeu a incumbência estatutária para geri-la, chegar-se-á a conclusão de que só o fato da empresa não cumprir os bens, valores, princípios e deveres existentes no sistema justifica a desconsideração da personalidade jurídica.

Resulta dessa análise que o problema do crédito havido nos mercados, seja do primeiro, segundo ou terceiro mundo não está apenas relacionado à questão da oferta ou da procura, da aplicação dos juros extorsivos ou outros consectários, antes, porém, o problema econômico gerado com as quebras das empresas e a falta de confiabilidade nos mercados têm como primeira origem a ação humanas, muitas vezes pautadas pelo egoísmo, pelo desejo exacerbado do lucro fácil e a qualquer custo. 

Infelizmente, muitos empreendedores econômicos que dominam os mercados não praticam a solidariedade e a justiça social exigidas como objetivos fundamentais da República.

De outro lado também, muitos não exercitam a socialidade, a eticidade e não operacionam suas ações para concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, este fundamento da República.

Deve-se dizer também que há ainda aqueles que não exercitam os predicados e valores do bem comum, da equidade, da boa-fé, da probidade, da paz e da justiça, ao contrário, exercem os predicados da livre iniciativa para agigantar seu império, sem se pautar pelos valores éticos e morais absorvidos pelo sistema constitucional contemporâneo.

Por essa razão, o fato em si mesmo de desrespeitar o sistema de direito positivo acarreta responsabilidade objetiva e subjetiva da empresa e dos sócios, e nada haverá de livrá-los de responder com o próprio patrimônio pelas obrigações da sociedade que eles sócios sabiam desde o início do risco de ter o próprio patrimônio envolvido na solvabilidade das obrigações da empresa.

Por isso, clamamos para que os magistrados apliquem os princípios bases do Estado Social Democrático de Direito, adotando uma interpretação teleológica e finalistica do ordenamento jurídico, sob pena de se estar concedendo uma manta negra protetora as empresas e seus sócios para que esses jamais sejam atingidos pela evolução do direito.

Quando a autoridade judiciária investida da missão de distribuir a justiça não interpreta os  princípios, objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil, não conferindo uma tutela capaz de impor veto a atitude da empresa e dos sócios que se revestem de uma esperteza que causa grandes prejuízo aos direitos fundamentais dos credores, eles juízes acabam por judicializar a conhecida “lei do gerson”, acolhendo os “espertalhões de plantão”.

negra as empresas e aseus sconcedendo uma mantaiquem os brincsociedades em todos os tempos.

 lei

 

1.10. As cláusulas gerais no Código Civil

 

O direito contratual na constante evolução da realidade social, política e econômica, ao lado das alterações ocorridas no modelo de Estado de Direito, adotou novas premissas no Direito contratual, bem como nos institutos de direito público e privados.

O Sistema de Direito Privado nos dias correntes está fortemente sustentado pelos bens, valores e direitos contemporâneos contidos no Direito Constitucional.

No Brasil, o legislador contemporâneo, em especial, nos fins do século XX e início do século XXI, adotou a tônica européia de inserir no ordenamento, o sistema de cláusulas legais abertas, permitindo ao operador e ao aplicador do direito, adequar no caso concreto, o sentido e o alcance das regras nelas contidas.

No nosso entender, há duas espécies de cláusulas gerais, uma inserida pelo modelo econômico de contratação em massa que foi adotado com a Revolução Industrial e pelo empreendedor da atividade econômica e a outra espécie é aquela fixada pelo legislador dentro do sistema para possibilitar a interpretação dessas mesmas cláusulas no âmbito do negócio jurídico.

A primeira se dá no modelo de contratação em massa, como nos contratos de adesão para a prestação de serviços públicos, financiamento bancário e concessão de credito em financiadoras e a segunda, são cláusulas admitidas pelo ordenamento jurídico, que por sua vez estão sedimentadas na concepção de que a regra de interpretação não pode ficar estritamente no sentido formal da própria lei.

De acordo com Diogo L. Machado de Melo, “(...) as cláusulas contratuais gerais são estipulações redigidas, previa e unilateralmente, pelo proponente, para utilização reiterada em uma série indeterminada de futuros contratos singulares, cujos destinatários se limitarão a aceitá-las em bloco, sem nenhuma possibilidade de alterar seu conteúdo

O sistema das cláusulas gerais contratuais tem fonte axiológico normativa no processo social e produtivo do século XVIII, XIX e ao longo do século XX, cuja finalidade, importância e alcance dessas cláusulas estão diretamente afetas ao crescimento industrial proporcionado pela Revolução inglesa, sendo certo que são resultantes da implementação dessas cláusulas na concepção contemporânea do contrato de adesão e de outros contratos de massa.

Em sede de direito positivo as cláusulas gerais, são verdadeiros predicados sobre os quais o operador do direito, o intérprete e o aplicador devem se direcionar nas relações jurídicas contratuais.

O Código Civil de 1916 quase nada apresentou sobre as cláusulas gerais, o que significa para Ruy Rosado de Aguiar Junior: “o afastamento da possibilidade de aplicação judicializada dos contratos de acordo com uma preocupação de realizar a justiça material". [15]

E nesse sentido, assegura Miguel Reale: "O Código atual [de 1916] peca por excessivo rigorismo formal, no sentido de que tudo se deve resolver através de preceitos normativos expressos, sendo pouquíssimas as referências à eqüidade, à boa-fé, à justa causa e demais critérios éticos. Esse espírito dogmático-formalista levou um grande mestre do porte de Pontes de Miranda a qualificar a boa-fé e a eqüidade como ‘abecenrragens jurídicas’, entendendo ele que, no Direito Positivo, tudo deve ser resolvido técnica e cientificamente, através de normas expressas, sem apelo a princípios considerados metajurídicos. Não acreditamos na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo preferível, em certos casos, prever o recurso a critérios ético-jurídicos que permitem chegar-se à ‘concreção jurídica’, conferindo-se maior poder ao Juiz para encontrar-se a solução mais justa ou eqüitativa".[16]

Os códigos civis novecentistas estiveram estribados na tríade ideológica da grande Revolução Francesa (liberdade, igualdade, e fraternidade), sofrendo na segunda metade do século XX o impulso dos bens, valores e direitos contemporâneos (socialidade, eticidade, operatividade, boa-fé, probidade, eqüidade, solidariedade, fraternidade, dignidade da pessoa humana, bem comum, partilha, paz e justiça social), entre outros, assumindo o direito Privado um perfil constitucional.

O sistema ideológico implementado com a Revolução Francesa aliado ao desejo da burguesia de chegar e alcança o poder, como de fato ocorreu, não permitia grandes indagações sobre a finalidade do contrato e suas conseqüências, ante a ausência e não reconhecimento dos bens, valores e direitos contemporâneos, verdadeiros predicados altamente categorizáveis e insertos no sistema jurídico.

O que deve ser dito é que a lei concebida pelo Estado Liberal não podia ser interpretada nos mesmos moldes em que hoje o sistema concebe, fortemente abalizada por conceitos vagos, atribuindo um impulso a hermenêutica e não apenas ao juiz, mas a todo aquele que lhe dá com a norma jurídica.

Com o sistema concebendo conceitos vagos, “ditos abertos”, mais do que nunca esses conceitos também meta jurídicos e indeterminados haverão de direcionar o intérprete, o jurista e o aplicador da lei para ajustar e amoldar o caso concreto a realidade do negócio jurídico celebrado. Esse direcionar, ajustar e amoldar o caso concreto à lei deve ser feito dentro da ordem constitucional dos princípios, bens, valores e direitos contemporâneos que fundamentam a República Federativa do Brasil.

Para Renan Lotufo, "o Direito francês, com toda a sua influência, foi exatamente aquilo que o revolucionário quis, ou seja, o juiz é a boca da lei, o escravo da lei. Não pode interpretá-la, deve seguir um raciocínio puramente dedutivo e aplicar estritamente o que está na lei"Nesse palco, o sistema jurídico francês implantado com a grande Revolução não permitiu a inserção de cláusulas abertas, pois para isso, elas precisariam adotar os valores que vemos tratando nesse ensaio e de acordo com José Manoel de Arruda Alvim: "Este é um ponto muito importante para se entender bem as mutações que vieram a ocorrer no mundo, durante o século XIX, e, especialmente, tendo como momentos sucessivos de cristalização as referências a primeira e a segunda guerras mundiais, mercê de cujos impactos alteraram-se os valores do individualismo que, em largo espaço, resultou substituído pelo valor do social".

[18]

Condizentes com as alterações nos valores contemporâneos, a adoção de cláusulas abertas no sistema jurídico serve de anteparo para o intérprete, para o jurista e aplicador da lei. Trata-se de uma tabula de predicados que informam se as partes numa relação jurídica estão agindo de acordo com esses valores realçados a categorias de verdadeiros princípios éticos sob os quais o comportamento humano, empresarial e do próprio Estado devem se pautar.

 

1.10.1. A natureza jurídica das cláusulas gerais e da função social do direito

 

A natureza jurídica do princípio da função social do direito e das cláusulas gerais são triplas. Estas representam valores, princípios e vetores que direcionam o operador do direito na interpretação das relações humanas, seja fora ou dentro do contrato.

O aplicador da lei se vale das cláusulas para direcionar sua decisão quando o Estado for chamado a se pronunciar numa ou noutra contenda.

Já foi o tempo em que os juízes ficavam à mercê da letra fria da lei, interpretando o contrato de acordo com as disposições nele contidas sem perquirir os valores que estavam subjacentes as relações jurídicas. Naquela época, se a parte não cumpria o estipulado, então havia ofensa as suas cláusulas, poucas indagações eram feitas sobre as disposições nelas contidas. Se estava ou não ferindo a ordem pública, a ética, a boa-fé objetiva, a socialidade, a fraternidade, a solidariedade, o bem comum, o senso de justiça, valores contemporâneos que fizeram da norma jurídica uma espécie de baluarte da respeitabilidade das relações negociais.

A cláusula geral é um vetor porque tem por precípuo fim direcionar as partes num processo contínuo de harmonização de suas vontades e serve de mecanismo de interpretação para operacionalizar o sentido de solidariedade social, comunhão e partilha que estão subjacentes às relações negociais. Ela é princípio ético contido no conteúdo da norma, porquanto devem projetar o indivíduo, o homem, o cidadão, a empresa, o empresário e o próprio Estado a buscar um sentido de utilidade e de justiça nas relações a que estão envolvidos.

A função social e a função social do direito, ao lado das chamadas cláusulas gerais, antes de serem vetores, representam verdadeiros princípios cardeais contidos no conteúdo da norma jurídica. São valores que foram incorporados pelas regras de condutas às normas jurídicas com a marca da socialidade e do fiel direcionamento dos comportamentos humanos que o direito houve por bem, no curso da história, jurisdicializar porque reconheceu como indispensável a harmonização e a convivência dos atores sociais.

Os bens, valores e direitos contemporâneos são compreendidos por nós como a concepção contemporânea de função social do direito, sendo este último, o maior de todos os predicados do moderno constitucionalismo em cuja marcha histórica abrem-se as cortinas para sua concretização no plano fático, real, existencial e substancial.

 

1.11. A boa-fé na relação jurídica contratual

 

O sistema de Direito Civil fortemente arraigado pela cultura jurídica dos novos valores, bens e direitos reconhecidos no século XX, ao lado da necessidade crescente da evolução social, acabou por abandonar velhos conceitos privatistas do individualismo e da liberdade exacerbados dos séculos XIV ao XIX e abraçou a tônica do Estado Social Democrático de Direito.

Nessa vertente inovadora do Direito, o Direito Civil que sempre foi tratado como um sistema fechado e voltado para os interesses individuais, cujas vertentes estavam como que petrificados pelos valores da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) passou a adotar novos valores, bens e direitos no século XX (eticidade, boa-fé objetiva, probidade, eqüidade, socialidade, solidariedade, fraternidade, bem comum, partilha, paz e justiça social) como a marca de um novo direcionamento nas relações humanas  e empresárias, que devem conduzir a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana e a concretização da função social do direito.

Para que isso fosse permitido, a filosofia do direito passou a adotar modelos menos fechados, ou melhor, modelos abertos, que permitissem ao magistrado julgar o caso concreto de acordo com a realidade do negócio jurídico posto em debate, e não aquela aparência de garantia contratual da lei que era, no sistema do século XVIII e XIX, uma garantia apenas legal e formal, pois no mais das vezes, quase não havia a interferência do Estado.

A partir do surgimento de novos modelos no campo do direto e especialmente do Direito Constitucional, o Direito Civil foi aos poucos sendo fortemente reestruturado e ganhando novas conotações.

No Código Civil de 2002 é possível constatar a presença daqueles novos bens, valores e direitos, como sendo contemporaneamente novos no sistema legal brasileiro, possibilitando ao jurista, ao operador do direito e ao intérprete, a compreensão e a dinâmica do direito positivo à luz de uma nova dimensão do direito civil: a dimensão do direito civil constitucional.

Essa compreensão moderna do direito exige que o Direito Civil seja visto não apenas como um sistema de direito que regula os comportamentos individuais dos contratantes, bem como a disciplina das associações, os bens e o patrimônio, a sucessão e a responsabilidade civil do homem e da empresa; estão por outro lado a permitir a análise de valores que estão ao redor dessas questões, fazendo com que se vejam as relações privadas com novas dimensões: a dimensão valorativa e social, a dimensão cultural e o processo de harmonização e convivência das partes nas relações contratuais, patrimoniais e afetivas.

 

1.12. A função social do contrato e seu fundamento axiológico

 

A Constituição Federal de 1988 projetou para o Direito Civil a função social do direito e a função social do contrato (art´s 421 e 422 do CC).  Estabelece o art. 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Por sua vez, o art. 422 do mesmo Código disciplina: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”.

A função social do contrato é uma cláusula, um valor e um princípio jurídico que tem por fonte normativa contemporânea as constituições do México de 1917 e da Alemanha de 1919. Todavia, nunca podemos esquecer que a função social do contrato tem como fonte primeira a própria função social do direito que é promover o bem comum, a socialidade e a solidariedade social, a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a paz, a harmonização e a justiça de todos os que vivem em sociedade.

Resulta dessa interpretação que a função social do contrato não tem como fundamento a teoria da função social da propriedade ou a ordenação dessa na economia de mercado (ar. 5º, incisos XXII e XXIII, art. 170, incisos II e IIII da CF).[19]

A função social do contrato tem como fundamento a própria concepção dogmática do contrato, no próprio conteúdo do instituto que é a base axiológica da necessidade humana de prover a vida por meio de negócios jurídicos.

O Estado Social Democrático de Direito, numa evolução contínua da norma jurídica, promoveu a alteração dos valores antes vigentes no constitucionalismo liberal, cuja pedra de toque foram os valores que presidiram a Revolução Francesa e a Revolução Industrial e encontraram nos códigos civis novencentistas o terreno fértil para se desenvolver e se impor com a marca do individualismo que presidiu o anseio da burguesia de alcançar o Poder e controlar as decisões, antes apenas afetas ao monarca.

O moderno constitucionalismo assentado nos predicados do Estado Social Democrático de Direito trouxe novos bens, valores e direitos que foram adotados pela ciência jurídica como resultado dos avanços dos processos sociais, econômicos, políticos, ideológicos, jurídicos, culturais e religiosos. Portanto não se pode interpretar o contrato contemporâneo sem antes inseri-lo na contestualidade da própria evolução do Direito e na própria concepção moderna de Estado.

Quem contrata deve exercer esse direito, mas deve fazê-lo dentro dos comandos impostos pela norma jurídica, sabendo que se não atender a finalidade útil e econômica do contrato que é gerar riqueza e beneficiar a si e à sociedade, poderá perder esse direito em detrimento de quem possa exercê-lo com atendimento à sua correspondente função. Acresça-se ainda que além de ser útil o contrato, ele há de ser justo, ou seja, deve permitir um equilíbrio capaz de tornar a relação jurídica harmônica e não gerar contendas, conflitos, discórdias, tristezas, malefícios, angústias, etc.

 

1.12.1. O perfil contemporâneo da função social do contrato

 

O Direito Contratual no limiar do século XXI, ainda que com o advento do Estado Social Democrático de Direito, não retirou do contrato o caráter de relação jurídica atinente às partes contratantes. O que ocorreu foi uma transformação do plano da norma jurídica que passou a exigir dos contratantes a adoção de uma função social capaz de operacionalizar os efeitos do contrato, isto é, dar-lhe uma destinação econômica apta a produzir bens, riquezas e comodidades em benefício das partes e da coletividade.

Essa função social não restringe o exercício do direito contratual das partes, mas as coloca diante dos valores da eticidade, boa-fé objetiva, probidade, eqüidade, socialidade, solidariedade, cooperação, fraternidade, dignidade, bem comum, partilha, mútua responsabilidade, paz e senso de justiça, condicionando e convocando os contratantes para cumprir os objetivos delineados no contrato com vistas a promover o sentido de justiça contido no próprio contrato.

Esse sentido de justiça que o contrato incorporou com a evolução do conteúdo da norma jurídica, não produz efeitos apenas entres as partes contratantes, mas se erradia para a sociedade que experimenta os efeitos do ajuste.

Acreditamos que a função social do contrato é a razão nuclear da fiel executoriedade do contrato que convoca as partes para cumprir as avenças dentro de uma perspectiva altamente valorativa que não é se não o mútuo respeito, obediência às cláusulas contratuais e o desejo de promover o bem comum de cada parte, evitando que uma delas seja lesada.

Essa concepção é da natureza de qualquer contrato e surte efeitos entre as partes contratantes, ou seja, inter partes e seus efeitos repercutem na sociedade, portanto, fora do contrato, logo ultra partes.

A função social do contrato convoca as partes para uma vez cumprindo o contrato, evitar que na sua inicial, durante e após a execução, a sociedade possa ser prejudicada pelo não cumprimento da avença.

O contrato deve promover a circulação de riquezas, bens e serviços, valendo dizer que o contrato que está sendo cumprido não pode gerar prejuízos e prejudicar qualquer das partes, quanto mais, a coletividade.

Se houver prejuízos e uma das partes não perceber os frutos que o negócio deve proporcionar, a sociedade não será beneficiada com os rendimentos que uma das partes deixou de auferir porque a autora preferiu descumpri-lo.

A função social revela o desejo do legislador de ver as partes atender a finalidade, o conteúdo do instituto do contrato, equivalendo dizer que a ação das partes deve ser positiva, no sentido de que há de haver a efetivação do conteúdo do objeto pactuado, vale dizer, o contrato deve ser cumprido.

A norma do art. 421 do Código Civil exige peremptoriamente que haja o atendimento da função social do contrato bem como a observância dos requisitos da probidade e da boa-fé objetiva contidas no art. 422 do mesmo diploma.

Deve se ter presente que a expressão “ em razão e nos limites da função social do contrato”, não deve ser interpretada pelo operador do direito como limite a liberdade de contatar, mas como âmbito do exercício da atividade negocial, porquanto de acordo com o intróito do art. 421 se há liberdade de contratar, não pode a função social do contrato ser limite a essa liberdade. A função social do contrato é o predicado sob o qual as relações jurídicas negociais devem se pautar.

A função social não é limite a liberdade de contratar e sim mecanismo de operacionalização das relações jurídicas contratuais, sob a qual as partes devem obediência, sob pena inclusive de ferir o sistema, art. 2.035, parágrafo único do mesmo Codex).

Na função social do contrato está presente o fim precípuo de todo contrato que é exatamente torná-lo útil, porquanto ninguém, em tese, celebra um contrato para não cumpri-lo ou para não gerar nenhum efeito.

O perfil contemporâneo do contrato é de um negócio jurídico que foi reestruturado tendo por referência e direcionamentos os princípios, objetivos e fundamentos da República do Brasil em cuja dinâmica o processo social os adotou com a marca profunda das alterações dogmáticas que presidiram o Estado Liberal e hoje se encontram não eliminadas por inteiro, mas reordenadas, redirecionadas e concebidas a partir dos dados axiológicos normativos que se encontra estruturado o Estado Social Democrático de Direito.

 

1.12.2. A boa-fé como valor jurídico

 

A boa-fé, seja ela objetiva ou subjetiva, é um valor contido intrinsecamente em qualquer relação jurídica.

A boa-fé objetiva é o vetor regulador da fiel executoriedade do contrato, permitindo as partes compatibilizar e alcançar o fim econômico do contrato, dentro de um equilíbrio que importe harmonia e lealdade.

Elucida Nelson Nery Junior que: “A boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que decorrem da boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica (lei, fonte de direito, regra jurígena criadora de direitos e de obrigações) de agir com retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar”.[20]

A boa-fé é a razão nuclear do cumprimento do contrato. Exige a harmonização da manifestação da vontade ao lado da executoriedade da avença. Não se permite a mácula de uma das partes, não se permite a ilicitude e a vantagem fora do fim precípuo do contrato, não se permite que uma das partes leve vantagens em prejuízo do outro contratante. Não se permite que uma das partes faça uso de subterfúgios para dar causa ao rompimento do contrato.

A cláusula geral, na lição de Judith Martins-Costa: “constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado uma linguagem de tessitura intencionalmente "aberta", "fluída" ou "vaga", caracterizando-se pela ampla extensão de seu campo semântico. Esta disposição é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o reenvio para elementos cuja concretização pode estar fora do sistema; estes elementos, contudo, fundamentarão a decisão, motivo pelo qual não só resta assegurado o controle racional da sentença como, reiterados no tempo fundamentos idênticos, será viabilizada, através do recorte da racio decidendi, a ressistematização destes elementos, originariamente extra-sistemáticos, no interior do ordenamento jurídico”.[21]

A boa-fé contratual é o remédio contra o abuso de direito e, sobretudo, contra o abuso do poder econômico de uma das partes, que no mais das vezes, se vale dessa condição para impor restrições ao exercício de direito da outra parte, tornando o contrato oneroso e inviabilizando a execução do objeto pactuado.

Condizente com essa acepção moderna do contrato, a boa-fé objetiva convoca as partes para o altar e nele celebrar as núpcias, exigindo a fidelidade e a harmonia das vontades, compatibilizando o bem querer e exigindo-se a mais ampla fidelidade contratual.

A evolução do Direito e do Direito Civil permitiram ao legislador, com grande alcance, lançar mão de cláusulas ditas abertas para fazer com que a aplicação do direito se torne possível, dentro de uma conjuntura de valores sociais, econômicos, de lealdade e mútuo respeito.

A boa-fé sempre esteve ligada à questão possessória, porquanto a matéria relativa ao direito das coisas sempre trouxe a exigência de se estar presente a boa-fé para tornar viável a continuidade do possuidor na posse da coisa.

Nessa seara possessória, a boa-fé estava e está relacionada à intenção do sujeito de direito, que no mais das vezes precisava e precisa continuar na posse do imóvel. Logo, o que vigorava antes do Código Civil de 1916 era a boa-fé subjetiva, e não a que hoje temos ao lado daquela, ou seja, a boa-fé objetiva.

Deve-se dizer também que a boa-fé não é uma exigência do direito moderno, porquanto desde o Direito Romano o requisito da boa-fé já era exigido nas relações jurídicas negociais, de modo que o instituto, como outrora foi dito, sofreu uma evolução.

É essencial ao direito contratual a exigência de mútuo respeito entre as partes quando da celebração do negócio jurídico.

Doutrina abalizada do Direito Romano sustenta: “os pactos acrescentados aos atos de boa-fé tiveram uma função de grande importância no desenvolvimento do sistema contratual, pois contribuíram fortemente para a erosão do antigo princípio do direito civil que não reconhecia nenhuma eficácia ao pacto puro e simples (nudum pactum), despido de formalidades. Substancialmente, os pactos adjetos eram convenções isentas de formas, e por isso ineficazes no ius civile. Dado porém que se acrescentavam, como pactos acessórios, a contatos reconhecidos civilmente, eram considerados parte integrante do principal, sendo portanto protegidos pela mesma ação do contrato principal. O reconhecimento de tais pactos não foi absoluto, a não ser no respeito às convenções limitativas do conteúdo da obrigação principal, exigindo-se em qualquer outro caso fôsse ela de boa fé e que o pacto acessório se acrescentasse desde o momento em que tal contrato se perfez. Assim, p. ex., se depois da conclusão duma stipulatio, o credor aquiescia em não exigir do devedor a prestação (pactum de no petendo), êste podia repelir a eventual pretensão do credor mediante a exceptio pacti conventi, concedida pelo pretor para proteger as convenções acrescentadas a obligationes civil; ao contrário se dava, mesmo mediante ação, qualquer que fôsse o conteúdo do pacto acrescentado, se o contrato principal era de boa fé e fosse concluído desde a constituição da relação. Por isso se dizia pacta convena inesse bonae fidei iudicis”. [22]

O princípio da boa-fé objetiva foi sendo consagrado aos poucos na legislação alienígena, em especial nos códigos da França e da Alemanha. Essa tendência, todavia, não foi seguida pelo legislador pátrio, dado certamente pela falta de compasso na evolução normativa da civilística européia.

Não é por esse motivo que devemos condenar nossos juristas e legisladores do passado. É preciso compreender que a evolução normativa européia não se deu de modo linear em todos os países. Ela foi aos poucos se amoldando dentro de uma contextualidade marcada pela forte influência do Código Civil francês que forneceu não só para a Europa, mas para os países latinos americanos, a marca do individualismo e da liberdade exacerbados como condicionantes do capitalismo que conhecemos.

O outro requisito para que seja atendida e cumprida a função social do contrato é a probidade, uma regra moral que impede o enriquecimento de uma das partes em detrimento da outra. A probidade é regra moral que impede que uma das partes use maliciosamente do contrato para se sobressair sobre a outra. Logo, as partes devem ser íntegras, honestas e agirem com retidão.

 

1.12.3. A liberdade de contratar e a função social do contrato

 

Pelo que foi dito até o presente momento, temos presente que a liberdade de contratar concebida pelo Estado Liberal de Direito no século XVIII e XIX não é a mesma que hoje o sistema concebe, haja vista a forte interferência do Estado em ordenar o processo de contratação por meio da adoção de novos princípios e valores que permeiam o ordenamento.

A liberdade, a igualdade e a fraternidade sonhadas pela classe burguesa hoje se revestem de um conteúdo social que entendemos ser a vertente decorrente da evolução dos processos sociais, das lutas engendradas pelas classes sociais no século XIX e XX, em reposta as profundas desigualdades geradas pelo modelo clássico de liberalismo econômico que fez do indivíduo um instrumento do capital.

É preciso dizer que o contrato contemporâneo é um contrato fortemente arraigado pela cultura jurídica dos valores, bens, direitos e princípios constitucionais que fundamentam e objetivam a existência do Estado Social Democrático de direito e, portanto, da própria República Federativa do Brasil.

Deve ser dito também que a atividade econômica nos dias atuais e certamente no futuro exigirá das partes contratantes um comportamento nunca antes exigido pelo sistema, ou seja, um comportamento não apenas tendente a entregar o preço para o recebimento do objeto pactuado, mas um agir voltado para a solidariedade, para a harmonia, para o equilíbrio, probidade e boa-fé, pelo senso de justiça contratual, promovendo com isso a dignidade da contratação.

De acordo com Jones Figuerêdo Alves: “O contrato deixa de ser apenas uma operação jurídica, com fins econômicos, nele obtendo profundidade a responsabilidade social dos contratantes, atuando com probidade, boa-fé e em recepção de preceitos de ordem pública. A autonomia volitiva, determinada pelo liberalismo econômico, como princípio da autonomia da vontade, é atenuada por tais diretrizes, porquanto está a exigir que a liberdade de contratar seja exercida com paridade entre as partes no tocante ao próprio conteúdo do contrato, igualdade que se reclama substancial, em favor da correção do negócio”.[23]

Para Cláudio Luiz Bueno de Godoy (....) quando o art. 421 preceitua que a liberdade de contratar será exercida em razão da função social do contrato, nada mais faz senão refletir a admissão de que a fonte normativa do ajuste não está mais ou especialmente na força jurígena da vontade.”[24]

A força jurígena da contratação encontra sede na principiologia constitucional que fundamentam e justificam o Estado Social de Democrático de Direito, de modo que os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos sofrem a interferência dos valores adotados pelo Estado moderno.

No processo de contratação atual, o que está em voga é a disciplina do Estado que se reestruturou em suas matizes, elevando o indivíduo e o homem a condição de ser, de cidadão e de pessoa humana, por meio da concessão de direitos sociais e fundamentais capazes de conferi o igualdade real, existencial e substancial.

 

 

1.12.3.1. O “pacta sunt servanda e a função social do contrato

 

De acordo com Caio Mário da Silva Pereira: "O princípio da força obrigatória no contrato contém ínsita uma idéia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual, enunciada em conformidade com a lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão profunda, que não comporta retratação, é tão imperiosa que, depois de adquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode intervir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos."[25]

Para Orlando Gomes: "Essa força obrigatória atribuída pela lei aos contratos é a pedra angular da segurança do comércio jurídico. Praticamente, o princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos significa a impossibilidade de revisão pelo juiz."[26]

Essa força obrigatória nos contratos contemporâneos, revestidos de função social, boa-fé objetiva, probidade e lealdade é uma força conferida pelo sistema normativo que almeja o equilíbrio nas relações jurídicas, uma harmonia e um senso de justiça, antes negados pelo sistema do Código Civil de 1916, mas totalmente remodelado e reestruturado pelo Direito Civil Constitucional moderno.

O princípio da força obrigatória dos contratos contínua em voga, todavia, reestruturado e direcionado para atender aos novos bens, valores e direitos contemporâneos. Nisso, temos presente que essa força não vigora com os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade de outras épocas, mas de socialidade, solidariedade social, bem comum, justiça social e operabilidade da norma jurídica e dignidade da contratação, indispensáveis para fazer cumprir a função social do direito.

Na cultura jurídica nacional, é corrente alguém defender que o princípio “pacta sunt servanda” foi relativizado, perdeu seu conteúdo, perdeu sua força, quando não afirmam que ele foi revogado pelo Direito Civil Constitucional.

Nós não pensamos assim, pois toda a filosofia jurídica do contrato no século XVIII e XIX e vigente em todo em quase todo o século XX foi construída tendo por referência esse princípio que se mostrou cardeal nas relações jurídicas contratuais.

O que ocorreu não foi um abandono do princípio, sua conseqüente relativização, mas sim o uma operacionalidade do conteúdo e da própria norma jurídica que refletiu diretamente no princípio  pacta sunt servanda”  e em toda a teoria do contrato vigente em nossos dias.

Essa operacionalização como defendido nesse artigo, em nossa Dissertação de Mestrado e em nossas Perspectivas Contemporâneas do Direito não é relativizar, mas uma outra conotação jurídico filosófica que entendemos ser a funcionalização do direito e sua própria concepção  dinâmica ocorrida com o avanço dos processos sócias, ou seja: A concepção dinâmica do direito e em especial do direito que atende às necessidades básicas do homem, traz, no século XX e XXI, um viez social capaz de operacionalizar a norma jurídica de modo que não somente o Estado deve atender a esses direitos, mas a coletividade como um todo deve lutar para se alcançar sua efetivação, marcas que devem conduzir a igualdade perante a lei, a igualdade real e a paz social”.[27]

Com isso, afirmamos que o que foi pactuado deve ser cumprido. A indagação que se faz é: Foi pactuado de que forma? Com vício? Com fraude? Com engodo? Com outros malefícios?.

Essas dinâmicas dos processos sociais foram frutos da lutas enfrentadas no século XIX e em grande parte do século XX fazendo implementar em termos contemporâneos, a função social do direito como o maior princípio cardeal do sistema constitucional vigente, ao qual afirmamos: “Mais do que nunca, deve se dizer que a função social do direito é harmonizar os direitos e garantias do homem e do cidadão ao lado da criação de instrumentos de políticas públicas que permitam que esses direitos e garantias se efetivem no plano fático. Vale dizer, é a efetivação dos direitos que permite ao homem, ao cidadão, a empresa e o empresário alcançar do Estado, da sociedade e do mundo em que vivem as condições necessárias para se desenvolver e disseminar seus projetos, anseios e vicissitudes num ambiente capaz de tornar útil os predicados da justiça e da paz”.[28]

Percebemos que a contratação contemporânea se reveste de uma autoridade constitucional, isto porque é função da República Federativa do Brasil implementar a solidariedade social, a paz, o bem comum e a justiça, a erradicação da pobreza e a dignidade da pessoa humana, sem os quais não se cumprirá a função social do direito.

A justiça do contrato (equilíbrio na relação contratual), ao lado da solidariedade social (integridade, respeito, probidade, reciprocidade, etc) e da igualdade contratual (bem comum, equilíbrio, etc) são predicados cardeais contemporâneos que devem ser perseguido pelos contratantes.

Tanto é verdade o que defendemos que a Constituição Federal fez uma clara opção pela contratação solidária, justa e equilibrada, porquanto sem esta nova conotação de contrato dotado de valores humanos e harmoniosos não há como tornar efetivo um grande princípio constitucional do sistema que é o princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, uma contratação para promover a dignidade, ela haverá de ser leal e regida pela boa-fé, pelo equilíbrio e pelo senso de justiça.

Nesse palco, o que foi pactuado deve ser cumprido sim, mas deve ser cumprido dentro de uma ambiência contratual que importe harmonia, boa-fé objetiva, lealdade e probidade, sob pena de inocorrendo esses preceitos, a norma que é de ordem pública, uma vez ofendida, o sistema imporá as partes a devida penalidade, (art´s. 421,422 e 2035, parágrafo único do Código Civil).

Se o que foi pactuado não for cumprido, então  para que valerá a estipulação, a convenção, a celebração do ajuste.

A autonomia da vontade vigorante desde os tempos mais remotos da contratação também não se esvaziou, o que ocorreu no mesmo palco do pacta sunt servanda” foi à adoção por parte do legislador de novos bens, valores e direitos contemporâneos, responsáveis por reestruturar a nova matriz do contrato, que é um contrato permeado pelos predicados constitucionais tratados anteriormente.

O que novo sistema contratual não admite é a liberdade e a igualdades exacerbadas de outras épocas. O que está em voga além dos novos princípios existentes no sistema é um novo modelo de interpretação contratual que veio no ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional operacionalizar a norma estabelecendo parâmetros mais amplos, como as cláusulas abertas e a ética contratual.

 

1.12.3.2. A cláusula “rebus sic stantibus” e a função social do contrato

 

A manifestação da vontade no contrato, qualquer seja sua natureza deve ser realizada de modo reto, correto, sem máculas e sem engodos. Isso porque deve ser evitado a todo custo que na pactuação, uma das partes estipule condição, termo ou encargos que venham a onerar a outra parte, tornando o contra inexeqüível, nulo ou anulável.

A revisão do contrato é possível e deve ser realizada toda vez que o contrato ferir a função social do direito.

A força obrigatória do contrato releva um princípio segundo o qual quem contrata deve cumprir aquilo que foi estipulado. Essa é a regra, todavia, a exceção diz respeito à existência de um motivo determinante que torne o contrato nulo, anulável ou inexeqüível.

A respeito da força obrigatória dos contratos, afirma Orlando Gomes: "celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos”.[29]

Para Maria Helena Diniz: "o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo um a verdadeira norma de direito".[30]

Por sua vez Cláudia Lima Marques, afirma: "uma vez manifestada esta vontade, as partes ficariam ligadas por um vínculo, donde nasceriam obrigações e direitos para cada um dos participantes, força obrigatória esta, reconhecida pelo direito e tutelada judicialmente."[31]

Acreditamos que a força obrigatória dos contratos tem em sua gênese uma nova ordenação que é a partir da própria função social que ele deve atender no sistema, o que equivale dizer que embora tenha o contrato produzido e gerado riquezas, mas essa riqueza não foi justa e não respeitou a probidade exigida pelo sistema atual, esse contrato pode ser visitado pela autoridade judiciária que é quem tem autoridade para declará-lo parcial ou totalmente nulo.

A parte contratante que entender que seu direito foi lesado na contratação haverá de solicitar ao Poder Judiciário que assim o declare e imponha a sanção correspondente a parte que violou o sistema positivo. De acordo com o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor: "São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade;.".

Para Nelson Nery Junior: são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas...".[32] (5)

Na contratação moderna se for observadas as regras do asrt. 421, 422 do código Civil de 2002, os objetivos e fundamentos da República federativa do Brasil, (art. 1º e 3º) não haverá contratação abusiva, quiçá nula ou anulável, porquanto as partes estarão comprido a função social do direito e a função social do contrato.

 

1.13. Fundamento do princípio da boa-fé

 

O que fundamenta a existência do princípio da boa-fé não é simplesmente a exigência legal, mas o fato de que as partes devem agir com fidelidade recíproca. Na boa-fé há algo muito mais amplo do que a própria existência da norma jurídica que deve ser cumprida.

Devemos compreender a boa-fé objetiva como um princípio arraigado na cultura humana, especialmente porque ele está afeto a um sentimento de lisura que deve permear as relações jurídicas. A boa-fé é precedente à própria existência da regra de direito, porquanto, o comportamento humano antes de ser regido pelo direito é regulado pelas normas de direito natural.[33]-[34]

Segundo Miguel Reale: “É a boa-fé o cerne em torno do qual girou a alteração de nossa Lei Civil, da qual destaco dois artigos complementares, o de nº  113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e o Art. 422 que determina: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Como se vê, a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legítima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas conseqüências. Daí a necessidade de ser ela analisada como conditio sine qua non da realização da justiça ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional e negocial”.[35]

E continua o jus filósofo: “(....) a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal.  A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de “honestidade pública”. E finaliza: “Concebida desse modo, a boa-fé exige que a conduta individual ou coletiva – quer em Juízo, quer fora dele – seja examinada no conjunto concreto das circunstâncias de cada caso”.

Em outra obra de sua autoria, acentua Miguel Reale, ao tratar da função social do contrato, afirma que a função social é uma grande inovação na teoria das obrigações. Para esse autor tal princípio visa: “(....) tornar explícito, como princípio condicionador de todo o processo hermenêutico, que a liberdade de contratar só pode se exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé objetiva e da probidade. Trata-se de preceito fundamental, dispensável talvez sob o enfoque de uma estreita compreensão do direito, mas essencial à adequação das normas particulares à concreção ética da experiência jurídica”.[36]

Nessa acepção de boa-fé, o homem deve se encontrar munido de um espírito de lealdade que não pode levar vantagem alguma na realização do negócio jurídico.

Para Ávaro Villaça Azevedo: “A contratação de boa-fé é a essência do próprio entendimento entre os seres humanos, é a presença da ética nos contratos”[37].

Resulta, portanto, que sem a probidade, sem a legalidade, boa-fé objetiva e subjetiva, aliados a natureza da dogmática do instituto do contrato não há função social do direito e nem ao menos função social do contrato.

 

1.13.1. A boa-fé como regra de interpretação

 

A boa-fé objetiva é regra de interpretação e de aplicação do conteúdo do contrato. Importa reconhecer que ela direciona o operador do direito a constatar se há ou não ofensa às regras de direito comum quando da análise do negócio jurídico verificar que houve abuso de uma das partes em detrimento da outra. Ela visa por outro lado, regular ainda que de forma indireta, a declaração de vontade manifestada no negócio jurídico, buscando preservar em sua origem o verdadeiro sentido da declaração de vontade, evitando os abusos que podem ocorrer quando da celebração da avença.

Afirma Cláudio Luiz Bueno de Godoy: “(...) a boa-fé objetiva serve, por exemplo, ao controle de cláusulas contratuais abusivas, marcadas pela unilateralidade e que impõem um desequilíbrio na relação jurídica contratual, uma manifesta desproporção de vantagens e riscos, que o sistema corrige como exigência de um padrão leal de comportamento”.[38]

O valor jurídico que se expressa por meio das cláusulas da boa-fé objetiva, da probidade, da lealdade e do equilíbrio das relações jurídicas deve levar as partes a um comportamento condizente com as regras de direito, em especial as regras cogentes, porquanto, a função social do direito e a função social do contrato, bem como a função social de qualquer instituto jurídico, seja de direito público ou de direito privado são normas de ordem pública e têm em sua origem a concepção dogmática do próprio instituto e a razão e o fundamento da existência do próprio Estado como entidade contemporânea.

Posto isto, afirmamos que a boa-fé é regra de interpretação do conteúdo do contrato e em sua origem, obriga os contratantes pelo atendimento dos valores catalogados no sistema.

 

1.14. Função social do contrato e o senso de justiça

 

O tema da justiça foi abordado por grandes filósofos, grandes pensadores, grandes pesquisadores e todos aqueles que se dedicaram ao estudo do tema. Pensamos que nos dias correntes, o tema da justiça está relacionado a outros contornos e sentidos próprios da evolução do direito e dos predicados que estão a ela subjacentes.

Por este ângulo e para atender ao objeto do presente ensaio que é delinear alguns aspectos da função social do direito e da função social do contrato, encontramos para o tema da justiça um lugar que no nosso entender repousa numa interpretação constitucional.

A função social do direito é a evolução da compreensão do tema da justiça ao longo da história. Por isso, não devemos estudar o tema da justiça apenas como uma questão filosófica, se não ao lado de uma constante evolução das sociedades, desde as mais antigas aos tempos contemporâneos. Não foi por outra razão que os vários textos das constituições contemporâneas contemplaram o tema da justiça em sua estrutura normativa.

Existindo função social no direito, nem o homem e nem a empresa podem opor-se ao cumprimento dos seus predicados, porquanto o direito enquanto função convoca todos para cumprir os desideratos do Estado que é promover o bem comum, a igualdade, a liberdade e própria dignidade dos contratantes.

Promover o bem comum é em certa medida, entregar a quem seja titular da coisa aquilo que já o era na ordem natural das coisas, vale, dizer, quando existe uma pretensão resistida porque alguém de fato e de direito lesou ou ameaçou de lesão a alguém, não há motivo para a contenda. Logo, o objeto do bem da vida deve ser entregue sem espera, porquanto o homem do século XXI não deve perder tempo com essas coisas. Deve dar a cada um o que lhe pertence. Este é o senso do reto, do correto, da retidão, do equilíbrio, da justiça.

O contrato há de ser justo, logo a boa-fé, a eqüidade e a probidade devem nortear as partes para que cumpram a função social do direito e a função social do contrato, não usando de subterfúgios capazes de onerar uma das partes naquilo que lhe toca no cumprimento da avença.

Toda a explanação enfocada nesse ensaio procura aliar a idéia de contrato à concepção de função social do direito, não como elemento novo da ciência jurídica, muitas vezes negado pelo homem, mas recuperada pelo mesmo homem que está constantemente a buscar uma resposta para velhas questões que parecem sempre se renovar nas quadras históricas de nosso tempo. 

 

1.15. A função social do contrato e efetividade da solidariedade social

 

A função social do contrato tem como finalidade cumprir os valores da solidariedade social que o moderno constitucionalismo adotou na quadra histórica do século XX.

Possa ser que muitos discordem, mas do que adianta advogar a tese de que a função do contato é apenas gerar e circular riquezas se essa riqueza não produzir conforto e benesses no âmbito da harmonia social que é ao lado dos predicados da solidariedade, do bem comum, da paz e da justiça, da dignidade da pessoa humana, fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil.

Se o contrato gera riqueza, mas essa riqueza não é capaz de promover o bem comum, a solidariedade, a dignidade das partes que contratam, não promove o senso do reto e do correto, por meio da boa-fé objetiva, da lealdade e da probidade, da socialidade, ele não cumpre os fundamentos da República, quiçá seus objetivos.

Por isso que o presente ensaio antes de tratar da função social, realçou o avanço dos processos sociais, jurídicos e da própria concepção de Estado contemporâneo, para a partir desses fenômenos, compreender a função social do direito e do contrato no estágio atual do ordenamento jurídico.

A solidariedade social exigida pela Constituição como um dos fundamentos da República é uma solidariedade que convoca todos para somar esforços no sentido de promover o bem comum. Esse bem comum exige ação de todos na promoção da vida em todas as suas formas.

 

1.16.Conclusão

 

As partes que contratam devem nortear suas relações jurídicas observando o princípio e o valor jurídico da função social do direito, consubstanciado no valor axiológico-normativo construído pelo Direito ao longo dos tempos.

Nas relações jurídicas, as partes devem se valer, se orientar, se nortear pelos valores contemporâneos da socialidade, da eticidade, da solidariedade, da fraternidade, da boa-fé objetiva, da probidade e da eqüidade, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e do equilíbrio, do bem comum, da paz e da justiça, como premissas fundamentais da estrutura do Estado contemporâneo.

Em pleno século XXI, o Estado contemporâneo convoca não somente as partes numa relação jurídica contratual, mas a todos para serem personagens ativos e passivos, praticando os bens, valores e exercendo os direitos e, sobretudo, cumprindo seus deveres obrigações, com vistas a alcançar a tão desejada e sonhada justiça social.

 

Um abraço cordial.

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

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[1] As respostas a estas e outras questões, não são dadas de um dia para outro. Ao contrário, quando um professor faz uma indagação concernente ao que vem a ser a função social do contrato, o que mais se verifica numa sala de aula ou auditório é o silêncio, quando não, poucas são as tentativas de respostas que surgem. Algo está preso no ar e tende a dificultar a compreensão não somente dos alunos, que quando da graduação, pós-graduação, e até mesmo, de um mestrado ou doutorado, têm dificuldades em responder a tais questões. A concepção dogmática da função social do direito que se expõe nesse trabalho está contida na Dissertação de Mestrado, defendida em 24/07/2008, na FADISP-SP, no livro Perspectivas Contemporâneas do Direito publicado em São Paulo: Editora Phoenix, 2008. E também no Artigo jurídico denominado de Teoria da Função Social do Direito, hospedado no site WWW.funcaosocialdodireito.com.br, tratando-se de uma teoria presente desde os tempos mais remotos da cultura humana que delineamos com o propósito de estudar o direito a partir de sua função social. Esta teoria foi enviada também para o Site: WWW.jus.uol.com.br, em outubro de 2008.

[2] É vedado ao intérprete fazer devaneios na interpretação dos institutos e das normas jurídicas. O que é permitido ao intérprete é usar das regras de interpretação contidas no sistema e extrair da letra da lei e de seu sentido nuclear as verdadeiras razões e sentidos de sua existência. É preciso que o intérprete abandone os anseios de produzir uma interpretação que não está no sistema ou que não se aplica ao casoem exame. Nisso, o próprio sistema dá uma resposta aqueles que querem usar da regra jurídica para atender seus interesses e ou interesses de certos grupos. Cabe ao Poder Judiciário por meio do Magistrado evitar e coibir aqueles que querem usar os valores, bens, direitos, princípios e predicados existentes no sistema para atender a interesses egoísticos e que o ordenamento não concebe.

A situação é mais grave quando alguém pretende usar argumentos construídos a partir de dado injustos para por meio deles obter um resultado favorável a quem sabidamente não tem direito para ser protegido.

 

[3] Para compreender toda essa dinâmica é preciso consultar obra inédita no Brasil de nossa autoria que trata dessa evolução: “Perspectivas Contemporâneas do Direito. Estudos em Comemoração aos 20 (vinte) anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Phoenix, 2008”.

[4]ARRUDA ALVIM NETTO. José Manuel de. Principais Controvérsias do Novo Código Civil. Coordenação GOZO, Débora, MOREIRA ALVES, José Carlos & REALE, Miguel. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 18.

[5]É a própria Constituição Federal que ordena a atividade econômica ao lado da defesa dos bens e recursos ambientais, defesa da propriedade e sua função social, bem como a atividade de produção ao lado da defesa do direito dos consumidores. “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor”;

[6]PLÁCIDO E SILVA, Oscar José de. Dicionário Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 24ª Edição, 2004, p. 641-642.

[7]FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Editora Atlas, 1991, p. 265.

[8]Em 2000, a Constituição Federal, no que se refere aos direitos sociais, sofre alteração por meio da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, fazendo incluir entre os direitos sociais o direito à moradia e à habitação.

 

[9]Para compreender essa moderna processualística ou esse processo civil contemporâneos, deve se consultar a seguinte obra: Perspectivas Contemporâneas do Direito. Estudos em Comemoração aos 20 (vinte) anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Phoenix, 2008. Pode também ser consultado www.funcaosocialdodireito.com.br, no artigo denominado de: “Teoria da Função Social do Direito”, de nossa autoria.

 

[10]CARVALHO, Francisco José. Perspectivas Contemporâneas do Direito. Estudos em Comemoração aos 20 (vinte) anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Phoenix, 2008.

[11]ARRUDA ALVIM. O Indivíduo e a Coletividade em Face da Justiça: Aula de medrado proferida em 14 de março de 2006, na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP.

[12]De acordo com esta lei, considera-se patrimônio público, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, (art. 1º, § 1º). Este conjunto de bens abrange os bens ambientais.

[13]Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir a requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.

§ 1o Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.

§ 2o As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.

§ 3o Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.

Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

 

 

[14]MELO, Diogo L. Machado de. Cláusulas Contratuais Gerais. Coleção Professor Agostinho Alvim. São Paulo: Editora  Saraiva, 2008, p. 12.

[15] AGUIAR JUNIOR. Ruy Rosado. Projeto do Código Civil - as obrigações e os contratos. Revista dos Tribunais, ano 89, v. 775 - maio/2000, p. 18/19.

[16] REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto de Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Ano 87, vol. 752 - junho/1998, p. 28.

[17]LOTUFO, Renan. Da Oportunidade da Codificação Civil. São Paulo: Revista do Advogado, ano XXII, n. 68 - dezembro/2002, p. 23.

[18] ARRUDA ALVIM, José Manoel de. A função Social dos Contratos no Novo Código Civil. Revista dos Tribunais, ano 92, v. 815 - setembro/2003, p. 19/20.

 

[19] Para Antônio Junqueira de Azevedo. A unção social do contrato deve ser extraída do art. 170, caput, da Constituição Federal de 1988. In Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado, Revista dos Tribunais, n. 750/117.

 

 

[20]JUNIOR, Nelson Nery. O Novo código Civil. Contratos no Código Civil. Homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: Editora LTR, 2ª edição, 2006, p.454.

[21]MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 335.

[22]CORREIA, Alexandre & SCIACIA, Gaetano. Manual de Direito Romano. Estado da Guanabara: Série “Cadernos Didáticos”, 5ª Edição, 1969, p. 208.

[23] ALVES, Jones Figuerêdo. Código Civil Comentado. Coordenado até a 5º Edição por Ricardo Fiúza, a 6º por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Editora Saraiva, 6º Edição, 2008, p. 378.

[24] GODO, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. São Paulo: Editora Saraiva, 2ª Edição, 2007, p. 123.

[25] PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense: 2ª Edição, V. III,. 1966, p. 11.

[26] Orlando Gomes. Contrato. Rio de Janeiro: Forense, 16ª Edição 1995 p. 37/38

[27]CARVALHO, Francisco José. Perspectivas Contemporâneas do Direito. Estudos em Comemoração aos 20 (vinte) anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Phoenix, 2008, p. 37.

[28]CARVALHO, Francisco José. Perspectivas Contemporâneas do Direito, Idem, p. 37.

[29] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 18ª Edição, 1998, p. 36.             

[30] DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. São Paulo: Editora Saraiva, Vol. I, 1993, p.63.

[31]MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, 1995, p. 93

[32]NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 1.379.

[33] Devemos observar que no plano do direito, especialmente do direito positivo, este se diferencia do direito natural. A força jurídica que emerge do direito positivo é a força jurígena, capaz de obrigar a todos indistintamente, ao passo que o direito natural não está afeto ao plano do direito positivo vigente.

   Disso decorre que as obrigações naturais são diferentes das obrigações contraídas no plano do direito positivo.

   Santo Tomás de Aquino fez várias indagações e reflexões sobre o direito natural. Segundo ele não haveria um direito natural e um direito positivo.

Assegura o teólogo: “com efeito, o que é natural é imutável e o mesmo para todos. Ora, tal não se dá nas coisas humanas; porque todas as regras do direito humano falham em certos casos, nem estão em vigor em toda parte. Logo, o direito natural não existe”.[33] E continua: “Chama-se positivo o que procede da vontade humana. Ora, não é por proceder da vontade humana que algo vem a ser justo. Do contrário, a vontade humana  não poderia ser injusta. Logo, sendo justo o mesmo que o direito, parece que não há nenhum direito positivo”.[33]

Santo Tomás afirma que: “Que o direito divino não é o direito natural, pois excede a natureza humana. Igualmente, não é direito positivo, não é direito positivo, pois não se apóia na autoridade humana, mas na divina. Logo, é inconveniente dividir o direito em natural e positivo”.[33]

O que se vê em Santo Tomás de Aquino não é a preocupação pela existência de um direito natural, porquanto em sua base jusfilosófica está assentada na existência de um direito divino, cuja nave de comando está em Deus. Segundo ele, não há um direito natural no homem porque este direito estaria a diferenciar os homens. Como ficou dito, só poderia ser natural o direito se este não falhasse para nenhum dos homens, ou seja, se todas as regras servissem para todos e não discriminassem ninguém.

[34] O professor Joel dias figueira Junior, delineando o sentido de boa-fé do parágrafo 4º do art. 1.228 do Código Civil, acentua: “A expressão boa-fé apontada no art. 1.228, § 4º, do CC há de ser interpretada em harmonia com o próprio Código Civil e as regras constitucionais garantidoras do direito de propriedade, sob a luz de sua ‘função social’. Para alcançarmos esse desiderato, a interpretação há de ser histórica e extensiva, tendo em conta que a lei disse menos do que desejava o legislador, pois deveria ter incluído no dispositivo também o requisito da posse justa. Assim, fazia-se mister a seguinte redação: “O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse justa, ininterrupta e de boa-fé...”.[34]

[35]REALE, Miguel. A Boa-fé no Código Civil. Disponível em Web sait: http://www.miguelreale.com.br.Acesso: 11 de junho de 2008. 6:40.

[36] REALE, Miguel. O projeto do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2ª edição, 1.999, p. 71.

[37]AZEDVEDO, Álvaro Villaça. Aspectos Controvertidos do Novo Código Civil. Coordenadores, ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de, CERQUEIRA CÉSAR, Joaquim Ponde de, & ROSAS, Roberto. Escritos em Homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

[38]BUENO DE GODOY, Cláudio Luiz. Principais Controvérsias do Novo Código Civil. Coordenação GOZO, Débora, MOREIRA ALVES, José Carlos & REALE, Miguel. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 59.

 

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