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Resumo:
Uma análise jurídica do SFH e, ante as dificuldades de solução jurídica, uma proposta alternativa de desfecho.
Texto enviado ao JurisWay em 19/06/2009.
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Introdução
Nos últimos tempos multiplicou-se intensamente o número de ações que discutem contratos avençados sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação. Tais ações têm em comum a premissa de que o valor das prestações bem como do saldo devedor vem sendo calculado de forma lesiva aos mutuários.
Não deve passar despercebido que as ações inicialmente aforadas em geral não abordavam a evolução do saldo devedor, certamente porque os contrato mais antigos contavam com cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS. Tais contratos garantiam ao mutuário que o imóvel lhe seria adjudicado com o pagamento da última prestação avençada, independentemente da existência de resíduo. O mutuário contribuía com o FCVS e, assim, ficava livre de qualquer responsabilidade para com o saldo devedor ainda existente depois do pagamento da última prestação. Bastava a esse mutuário, portanto, discutir o valor da prestação, pouco lhe importando o que ocorreria com o saldo devedor.
Depois de algum tempo o FCVS foi extinto para os novos contratos, pelo que o mutuário passou a assumir o resíduo contratual. Desde então as ações aforadas abordam diretamente a evolução do saldo devedor, combatendo-lhe a forma de reajuste, tanto quanto combatem o valor das prestações cobradas.
Basicamente o que se tem é que o critério de reajuste do valor das prestações do financiamento difere do critério de reajuste do saldo devedor, de modo que se estabelece a impossibilidade de amortizar, com os valores que são pagos mês a mês, o próprio saldo devedor. Se, por um lado, é verdadeiro que a Matemática Financeira garante o fechamento das contas em quaisquer sistemas de amortização, é também absolutamente verdadeiro que somente assim se dá desde que tudo transcorra de acordo com o rigor desses sistemas matemáticos, que, ressalte-se, não prevêem um índice para o reajuste das prestações e outro índice para correção do saldo devedor.
Equivale a afirmar que o Sistema Financeiro da Habitação por si só, ainda que consideremos todas as variantes que sucederam-se através do tempo, tem em sua origem a trinca oculta e interna que após algum tempo de operação leva a alavanca inapelavelmente ao cisalhamento e à quebra.
Façamos uma pequena imagem.
Imagine-se um muro a ser edificado, somente podendo-se dar por encerrada a obra quando todos os tijolos tiverem sido usados. A cada mês mais tijolos são trazidos para que o operário trabalhe, sendo que apenas aqui e acolá outro trabalhador chega para ajudar na construção. É claro que enquanto chegarem tijolos novos com aumento não correspondente do número de operários será impossível chegar-se ao fim da obra.
Mas imaginemos ainda um pouco mais.
Além da carga nova de tijolos todo mês, a quantidade de tijolos, em períodos que dependem de outros fatores, como a necessidade do Governo em manter os empregos nas olarias, também aumenta, impondo-se cotas ainda superiores. O número de operários na construção do muro só vez por outra aumenta, e sempre em proporção muito abaixo da taxa de aumento de tijolos que são trazidos.
É óbvio que um sistema como esse levará rapidamente à impossibilidade do nosso imaginário muro ser dado como terminado.
Se é assim, por justiça e mesmo por bom senso, o homem médio certamente perguntaria: mas... quando combinaram fazer o muro, não imaginaram qual seria um tamanho mínimo suficiente? E aí é que está um dos pontos importantíssimos, desnudado por meio de nossa simplória parábola. Ninguém contrata a construção de um muro, nem se deixa contratar, sem que se fixe o quanto deva ser feito para que se repute cumprida a tarefa.
Veja-se que pouco importa que aqui se exemplifique com uma simbólica avença de empreitada. Sim, é claro que o contrato de financiamento imobiliário tem suas características particulares. Todavia, o bom-senso que há de imperar em toda a Ciência Jurídica enraíza em princípios comuns que não podem ser abstraídos quer se cogite de um empréstimo, quer de uma edificação. O fato é que não é juridicamente correto que o agente financeiro pretenda que o mutuário pague, na prática, ao sabor de circunstâncias alheias e sob riscos que superam a possibilidade de análise até mesmo dos mais renomados analistas financeiros. O conceito de "risco", aliás, chega às raias da ironia quando o assunto é financiamento pelo SFH. O risco vem se tornando não conceitualmente um "risco", mas sim uma certeza de distorção.
Cabe bem destacar, por outro lado, que há uma gama bastante grande de ações judiciais em trâmite por todo o Brasil, tendo-se estabelecido um sem-número de entidades de defesa dos mutuários, cada qual com centenas de associados. Contudo, a situação de cada mutuário não pode ser considerada exatamente a mesma, como se estivéssemos diante de uma discussão acerca de um direito constitucional difuso ou coletivo, rigorosamente com os mesmos limites e características para todos. O Sistema Financeiro da Habitação nasceu há algumas décadas e mudou muitíssimo desde então. Cada contrato firmado pode estar ou não sob fortes distorções que reclamam corrigenda conforme a época, a duração, a existência ou não de FCVS e até mesmo consoante a categoria profissional do mutuário (Categorias profissionais fortes e evidentes por si sós deixavam sob clareza solar o exato percentual de reajuste dos salários, enquanto que as milhares de outras categorias profissionais menos representativas da massa de trabalhadores não poucas vezes viam-se brindadas com reajustes "estimados" para o valor das prestações). Enfim, não se cuida de uma questão de direito difuso ou de direito coletivo, mas sim de direito obrigacional que vincula as partes contratantes com as peculiaridades de proteção constitucional que oportunamente serão destacadas.
Valor da Causa
A primeira conseqüência prática para o processo diz respeito ao critério adotado para a fixação do valor da causa.
Ao tempo dos contratos com cobertura do FCVS sedimentou-se o entendimento de que, por se discutir apenas o valor das prestações e não a evolução do saldo devedor, justo seria considerar o critério de uma anuidade, abstraindo-se o valor do contrato. Assim o equivalente a doze prestações compunha o montante a ser considerado para a causa.
Corrente ainda mais liberal passou a considerar que o valor da causa corresponderia à diferença entre o valor cobrado e aquele reputado devido pelo mutuário. Dessarte chegou-se ao critério do montante duodecimal da diferença entre o quanto cobrado e o quanto entendido devido pelo mutuário.
Todavia a mudança nos contratos, ao obrigar os mutuários à discussão do saldo devedor, levou também à alteração do conteúdo econômico da lide. Assim, por se perseguir a revisão do contrato de modo abrangente, tornou-se adequado o critério do valor do próprio contrato, isto é, da dívida. Circunstancialmente, na maioria das vezes o Judiciário prefere continuar com o critério anterior como forma de maior distribuição de justiça social.
A Essência do SFH
A Lei fundamental do Sistema Financeiro da Habitação, conquanto muito tenha-se alterado desde sua edição, continua sendo a Lei 4380/64.
É de sua ementa:
Institui a Correção Monetária nos Contratos Imobiliários de Interesse Social, o Sistema Financeiro Para a Aquisição da Casa Própria, Cria o Banco Nacional de Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras Providências.
Já no artigo 5° ficava disposto que (...) os contratos de vendas ou construção de habitações para pagamento a prazo ou de empréstimos para aquisição ou construção de habitações poderão prever o reajustamento das prestações mensais de amortização e juros, com a conseqüente correção do valor monetário da dívida toda vez que o salário mínimo legal for alterado.
Eis aí a semente plantada no solo do Direito, oriunda da política habitacional que o Governo resolvera aplicar para fazer frente ao caos que o País vivia em termos de casa própria para seus cidadãos. A componente social era tão óbvia que não era vinculação primeva da norma de regência senão o próprio salário mínimo. O Legislador cuidou de deixar assente também que o reajustamento basear-se-ia no índice geral de preços mensalmente apurado ou adotado pelo Conselho Nacional de Economia que reflita adequadamente as variações no poder aquisitivo da moeda nacional (art. 5°, § 1°, Lei 4380/64). Ainda outra regra que ficou na mente de todos os que cuidam do assunto é o intervalo estabelecido para a vigência do novo valor da prestação: 60 (sessenta) dias. Eis o texto:
§ 3 - Cada reajustamento entrará em vigor após 60 (sessenta) dias da data de vigência da alteração do salário mínimo que o autorizar e a prestação mensal reajustada vigorar até novo reajustamento. (art. 5° - Lei 4380/64)
Mas nenhuma regra da Lei em comento mais evidencia a essência do Sistema Financeiro da Habitação em sua primeira versão do que o parágrafo 5° do artigo 5°:
§ 5 - Durante a vigência do contrato, a prestação mensal reajustada não poderá exceder, em relação ao salário mínimo em vigor, a percentagem nele estabelecida.
O critério de reajuste das prestações foi sendo aperfeiçoado através do tempo, restando três, por assim dizer mais comuns e que abrangem a grande maioria das avenças hoje existentes.
Basicamente temos o critério da equiparação salarial na modalidade categoria profissional, na modalidade comprometimento de renda e o sistema de amortização crescente.
São o PES/CP, o PES/CR e o SACRE.
Qualquer deles pode ser o do contrato hoje existente, já não mais havendo os que ostentem cláusula de cobertura pelo FCVS.
Outra coisa completamente diferente é o sistema de amortização que tenha sido adotado no contrato. O sistema mais comum é o da chamada "Tabela Price", sistema esse também conhecido como "francês". Mas há muitos outros. Há o sistema americano, mais comum para o mercado internacional, o hamburguês, o sistema de amortizações constantes, conhecido por SAC, e outros.
O que importa considerar é que o critério de reajuste das prestações não vincula obrigatoriamente a este ou àquele sistema de amortização, podendo haver contrato que adote o PES/CP e o sistema SAC, bem como que adote o PES/CP e o sistema francês. Na prática o que se tem é que há muitos contratos PES/CP sob o regime da tabela Price, mas, é bom que se destaque, o fato do contrato reger-se pelo critério PES/CP não o vincula obrigatoriamente ao sistema francês de amortização.
Se o mutuário pretender a modificação das cláusulas estabelecidas no contrato sob a premissa de que todo contrato PES/CP deve obedecer à tabela Price, deverá prevalecer o princípio pacta sunt servanda, já que ao mutuário não advém prejuízo tão-só em razão de ter-se este ou aquele sistema de amortização previsto na avença.
Veja-se que há plena liberdade para o mutuário discutir as cláusulas estabelecidas, abordando a correção ou não dos reajustes realizados, bem como os índices empregados, sem que, no entanto, possa pretender pura e simplesmente alterar a essência do contrato, descaracterizando cláusulas livremente estabelecidas.
É óbvio que se ambas as partes contratantes desejassem tal modificação poderiam simplesmente aditar o contrato originário. Mas unilateralmente, por intervenção do Judiciário, não é possível violentar-se o ente financeiro infligindo-lhe toda sorte de alterações só porque se trata de uma rica empresa pública de natureza bancária, como se tal circunstância pudesse alicerçar uma cerebrina presunção de abuso de poder econômico.
Não.
Bastas vezes o que ocorre é o arrependimento do mutuário que optou por um determinado regime contratual que não atendeu às suas expectativas. Conquanto a componente social da questão habitacional seja evidente, não se pode perder de vista que o ente financeiro somente pode continuar a financiar imóveis se houver cumprimento dos contratos estabelecidos.
A Essência das Distorções
A raiz de toda a problemática situação que se formou está na origem dos recursos dirigidos ao financiamento da habitação. Conquanto não caiba aqui aquilatar do acerto ou desacerto das políticas habitacionais adotadas na condução dos recursos, o fato é que o dinheiro usado para o financiamento da casa própria origina-se dos depósitos da poupança.
Ironicamente, a estabilização da moeda, em se prolongando no tempo, fez com que boa parte dos brasileiros, até então poupadores, simplesmente deixasse de fugir da inflação e se lançasse no mercado consumidor. Equivale a dizer que os depósitos em poupança foram diminuindo ao ponto de provocar a intervenção da equipe econômica do Governo.
Era imperativo atrair novamente o brasileiro à poupança, sob pena de faltarem recursos para, dentre outras coisas, financiar a casa própria.
Ocorre que para atrair depósitos em poupança só mesmo remunerando as aplicações realmente acima da inflação, já que a mera recomposição da moeda deixa de ser suficiente sedução quando há estabilidade econômica. Foi por isso que se adotou a Taxa Referencial – TR para a remuneração da poupança. Índice mais gordo, fez a poupança novamente interessante. Assim o governo contornou a falta de recursos para suas finalidades e, como já bem destacado, para o financiamento imobiliário.
Entretanto, a remuneração da poupança é paga pela entidade bancária, somente podendo existir encontro contábil que garanta o equilíbrio desse sistema se essa remuneração puder ser retirada dos financiamentos realizados com os recursos dessa mesma poupança. Eis aí a cruel verdade econômica que legitima o uso do índice da poupança para o reajuste dos financiamentos sob o regime do Sistema Financeiro da Habitação – SFH.
No concerto da macroeconomia cogitar-se de justiça social quase sempre implica em impasses como esse. A coisa toda se agrava se considerarmos que dificilmente haverá coincidência entre o poupador e o mutuário, de modo que a recuperação pela instituição bancária da remuneração do capital aplicado na poupança termina por recair sobre aquele que, no mais das vezes, de nada dispõe para poupar. Porém, ainda assim é preciso que o Judiciário tenha muita cautela quando o mutuário se apresentar com toda espécie de efetivas verdades não alinhavadas aos limites da lide, pedindo modificações essenciais do financiamento avençado perante a instituição bancária.
Há quem ataque a tabela Price com se fosse ela a grande culpada pelas mazelas da conjuntura habitacional.
Ingênua argumentação.
O sistema francês de amortização é uma ferramenta matemática que engloba a capitalização decrescente de juros e a amortização crescente do saldo devedor. Tem-se duas progressões geométricas, uma de razão direta outra invertida, de modo que os termos equivalentes, ao serem somados, resultem sempre no mesmo valor. Dessa forma a prestação é constante mas progressivamente se vai pagando mais amortização e menos juros.
A tabela Price por si só nada distorce, tampouco constituindo qualquer aberração o fato de haver capitalização de juros. O sistema é matematicamente concebido para zerar precisamente na última prestação.
No sistema de amortizações constantes, o chamado sistema SAC, a concepção matemática é outra. Diferentemente do que se dá com a tabela Price, o valor da amortização é que é constante. Basicamente, o valor da dívida é dividido pelo número de parcelas, resultando no valor constante a ser amortizado todo mês. Do saldo devedor subtrai-se a amortização e aí incide a taxa de juros, somada à amortização para compor o total da prestação. Como todo mês o saldo devedor é amortizado, o valor dos juros também vai progressivamente diminuindo, de modo que a prestação acompanha tal diminuição. Como característica comum de todo sistema e amortização, o saldo devedor reduz-se a zero quando do pagamento da última prestação.
O problema é que em financiamentos longos é preciso incluir uma fórmula de reajuste a fim de manter o equilíbrio econômico original, aquele do momento da assinatura do contrato, uma vez que a taxa de juros é pré-fixada e a inflação, mesmo em patamares menores, a bem da verdade não se dobra a previsões de vários lustros.
No Sistema Financeiro da Habitação tudo isso é verdade e há ainda a pior de todas as circunstâncias.
É que a política habitacional, desde o início do SFH, concebeu os financiamentos em que o mutuário pagaria em proporção direta com sua remuneração. Mas eis que o saldo devedor, dada a origem dos recursos do próprio financiamento, veio a ser reajustado de acordo com o índice da poupança.
Não é preciso analisar-se toda variante de contrato em cada época. Basta considerarmos que é impossível fechar uma conta em que os pagamentos são reajustados aqui e acolá por um índice limitado enquanto que o saldo devedor vai sendo periodicamente acrescido do índice da poupança.
Pouco importa o sistema de amortização adotado no contrato, como destacado.
Não há como zerar-se o financiamento se o reajuste da prestação ocorre ao descompasso do reajuste do saldo devedor. Essa sandice matemática só perdura porque, ao tempo da hiperinflação, no contexto do caos econômico quase equivaliam os reajustes salariais em comparação com a remuneração da poupança. A estabilidade da moeda apenas evidenciou aos brados o descompasso das dimensões e épocas dos reajustes das prestações e do saldo devedor.
Tanto faz considerarmos o critério da categoria profissional ou do comprometimento de renda, a limitação do reajuste das prestações, ao contrário de ser um benefício ao mutuário, termina por mais e mais agravar sua situação no contexto do contrato de financiamento.
Tanto assim que veio a lume o SACRE, que prevê reajustes anuais a fim de recuperar alguma força de amortização às prestações.
A situação, enfim, amolda-se a uma longa seqüência de circunstâncias que levaram o sistema habitacional a um labirinto cuja saída é tudo, menos fácil de se achar.
A Caixa Econômica Federal é a entidade gestora do Sistema Financeiro da Habitação, é certo, mas não foi ela quem criou o sistema, cumprindo-lhe administrá-lo nos limites das leis que cuidam da matéria. O mutuário ingressou no financiamento até por sedução da propaganda oficial e diante da óbvia necessidade de adquirir a moradia de sua família.
Uma Solução Possível
Conjugando-se tudo, máxime os comprometimentos econômicos e o cunho social das lides que se fundam no SFH, a única solução viável juridicamente é a averiguação do valor de mercado atual do imóvel financiado em comparação com o total comprovadamente pago pelo mutuário.
Não é de justiça que o mutuário deva desembolsar valor superior ao do bem negociado.
Por outro lado, conquanto seja também verdade que a CEF limitou-se a gerir o sistema caótico que herdou do Banco Nacional da Habitação, é uma empresa pública e, como tal, membro da Administração Indireta, devendo assim arcar com a maior parte do prejuízo que o sistema gera por conta da política habitacional implementada pela Administração Direta.
Não há dúvida de que a CEF manifestará inconformismo caso o Judiciário venha a não admitir que o mutuário continue pagando o financiamento nos exatos moldes do contrato por reconhecer-lhe a injustiça e o atentado ao princípio rudimentar de que o preço não deve ultrapassar o valor do bem negociado.
É óbvio que os recursos serão interpostos de imediato, até porque as ações certamente não ostentam pedido formulado exatamente nesses moldes, ao menos na grande maioria dos casos.
Todavia, abstraindo-se os rigores científicos da Processualística e com olhos fixos na realidade forense, é inafastável que, com muito maior freqüência do que se imagina, a tutela jurisdicional concedida ao fim do processo atende ao quanto pedido na inicial sem contudo refletir-lhe os exatos contornos.
Nem por isso o pedido é acolhido de modo parcial ou sob o vício dos provimentos infra, extra ou ultra petita. As causas habitacionais mais e mais são tidas à conta de demandas de natureza alimentar.
Realmente, o direito à habitação caminha em largos passos em direção ao solo dos direitos fundamentais do cidadão, aqueles direitos que repousam sobre o dever de atendimento que toca ao próprio Estado. Não menos evidente é a caracterização do mutuário como consumidor, juridicamente considerado à sombra da proteção das normas consumeiristas, de modo que sua hipossuficiência é de absoluta presunção. Ora, daí advém necessariamente que a tutela jurisdicional do Estado não se poderá obstar por rigores formais nada adequados à flexibilidade típica da fungibilidade inerente aos direitos de cunho alimentar.
Busquemos analogias.
Ninguém tem dúvida de que o segurado da Previdência Social, caso peça menos do que poderia, terá a tutela jurisdicional que melhor lhe atenda às necessidades de acordo com que prevê a lei. De fato, pouco importa que o pedido restrinja-se à concessão de auxílio-doença, por hipótese, bastando que se comprove a plena incapacidade laborativa para que o Judiciário possa condenar o INSS no pagamento do benefício adequado, determinando a aposentação do segurado.
Esse tipo de flexibilidade, a bem da verdade, já existe no que tange às ações que se fundam no SFH. É muito comum o juiz liminarmente determinar o pagamento pelos mutuários do valor incontroverso diretamente ao agente financeiro quando o pedido sumário, na verdade, buscava o depósito de tais valores.
Ainda nesse contexto, há juízes que liminarmente vedam desde logo a eventual realização de praceamento extrajudicial do imóvel financiado tão-só diante de pedidos genéricos dirigidos a medidas administrativas como a não-inclusão dos mutuários em registros de inadimplentes.
É o Judiciário dando à parte o que melhor lhe cabe sem restrições meramente de forma diante da natureza alimentar do direito à habitação.
Aliás, é bom que não se defenda excessivo rigor de forma no que pertine às ações tocantes à habitação, porquanto não haverá como dar-se solução às milhares de famílias que demandam em cada Juízo se não se reconhecer a natureza alimentar do direito à habitação, com todas as conseqüências daí advindas, máxime a presunção absoluta de hipossuficiência do mutuário.
Em contrapartida, a Caixa Econômica Federal terá a garantia de que a quitação dos contratos cinge-se estritamente à comprovação de que já foi pago valor suficiente, entendido esse como o valor de mercado atual do imóvel.
A solução adotada atende, repise-se, à hipossuficiência econômica do mutuário em termos de proteção consumeirista.
A eventual existência de superávit em favor do mutuário como resultado da comparação entre o quanto pago e o valor atual de mercado do imóvel não implica no reconhecimento de crédito como efeito da sentença que for proferida, já que o deslinde da causa não terá advindo do encontro de contas ou investigação contábil para esse fim.
O desfecho do litígio estará assente no princípio da distribuição da justiça e dos fins sociais do processo, principalmente porque não se trata do reconhecimento de culpa civil da CEF, mas sim do reconhecimento de que as distorções do Sistema Financeiro da Habitação torna injusta a continuidade do financiamento quando o valor pago supre o valor de mercado do imóvel.
Dessarte, eventual pretensão em busca de diferenças há que fundar-se em nova busca de tutela jurisdicional, sob fundamentos próprios.
Em suma, a questão se resolve pelo seu aspecto mais simples: o preço não pode ultrapassar o conteúdo econômico do bem negociado.
Outro aspecto de relevo é o inadimplemento puro e simples que ocorre por parte de alguns mutuários e que se pretende ocultar sob argumentações variadíssimas acerca das mazelas do sistema habitacional.
Com efeito, há ações em que os fatos averiguados com a instrução muito mais evidenciam um crônico inadimplemento das obrigações contratuais por parte do mutuário do que lesões efetivas que tivesse sofrido caso pagasse as prestações do financiamento. Não se deve confundir situações díspares como a do mutuário que vem pagando seu financiamento e se põe diante do juiz para discutir as cláusulas contratuais, em contrapartida ao mutuário que falta com inúmeros pagamentos, anos a fio, e se lança à Justiça em busca de uma solução para seu débito.
Mais uma vez a melhor forma de afastar o joio do trigo, verificando-se quem tem mesmo razão para sentir-se lesado, é o critério da comparação entre o quanto se pagou e o valor comercial atual do imóvel.
Se o mutuário pagou valor que atinja o valor de mercado, tenha-se por quitado o débito, sob pena de uma ostensiva sobrevaloração do bem negociado; se não pagou o bastante, ficando aquém do valor de mercado, deverá cumprir o contrato, independentemente de se discutir o acerto do valor das prestações, até que aquele valor seja atingido.
Não será difícil para o Judiciário, através de verificação contábil, fixar o valor a ser atingido, quantas e de qual valor serão as prestações que faltam, atualizando-se o valor da dívida restante tão-somente por atualização monetária.
Não mais se cogita de aplicação de índices vinculados à poupança, mas sim de correção monetária apenas, de forma a preservar o valor do imóvel para que não advenha excessivo prejuízo à CEF.
Consoante a jurisprudência já assentou em outras plagas, não há direito adquirido a um determinado índice de correção ou de reajuste, pelo que a correção monetária é de ser feita pelo percentual oficial. Haverá mutuários que afirmarão nada terem conseguido de concreto com tal solução, é certo, mas, enfim, se o financiamento ficou em aberto de modo que não se atingiu o valor de mercado do imóvel, ao menos esse deverá ser atingido, sendo justo que esse valor seja preservado, a fim de não se afrontar o ente financeiro de modo incoerente com o critério fixado em defesa do mutuário.
Ainda assim a vitória do mutuário será de fácil reconhecimento, uma vez que não mais submeter-se-á a um saldo devedor ilimitado, mas sim a um total que, mesmo sendo monetariamente corrigido, não poderá ser majorado.
Comentários e Opiniões
1) Edmur Gutierrez (29/09/2009 às 19:52:38) STJ julgará 13 itens repetitivos do SFH, veja:Confira os temas discutidos nos quatro recursos 1 - Possibilidade de redução da multa moratória de 10% para 2% a.a. - vigência da Lei 9.298/96 2 - Legalidade do Sistema Francês de Amortização - Tabela Price 3 - Discussão acerca do índice de correção monetária aplicável em março de 1990 - IPC de 84,32% 4 - Discussão acerca da legalidade da TR como índice de atualização monetária do saldo devedor 5 - Obrigação de o Seguro Habitacional ser contratado co | |
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