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A ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA CONSULTA A SERVIÇOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO COMO REQUISITO À ADMISSÃO NO EMPREGO


Autoria:

Magda Karina Barbosa Marques De Sá


Advogada

Resumo:

O presente trabalho monográfico buscou analisar a constitucionalidade da consulta a cadastros de proteção ao crédito como um requisito de aptidão laborativa ainda na fase pré-contratual. O seu destaque se deu por famosa decisão do Tribunal Regional d

Texto enviado ao JurisWay em 10/10/2014.

Última edição/atualização em 18/10/2014.



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A ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADEDA CONSULTA A SERVIÇOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO COMO REQUISITO À ADMISSÃO NO EMPREGO

 

 

 

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

(Rui Barbosa)


 

RESUMO

 

O presente trabalho monográfico buscou analisar a constitucionalidade da consulta a cadastros de proteção ao crédito como um requisito de aptidão laborativa ainda na fase pré-contratual. O seu destaque se deu por famosa decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, publicada em 24 de fevereiro de 2012, que reputou a referida prática como admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro. A escolha partiu pela existência do rompimento de um conjunto de princípios e regras jurídicas de caráter imperativo aplicável às relações da vida social. Sua proeminência é pela novidade que o precedente trouxe ao mundo jurídico e civil que pode vir a acarretar grande impacto social. Fizemos uma pesquisa bibliográfica, em que usamos como método de abordagem o dialético e de procedimento o analítico-descritivo, para uma melhor adequação. Através de um cotejo entre direitos fundamentais, buscaremos entender se a exclusão de trabalhadores na seleção de emprego, em decorrência de restrições de crédito, implica um tratamento não igualitário e discriminador por existirem distinções, exclusões ou preferências desniveladas com as funções a serem exercidas que poderiam ferir a Constituição da República Federativa do Brasil e a ordem jurídica sustentada por ela.

 

Palavras-chave: Constitucionalidade. Fase pré-contratual. Discriminação.

 

 

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.. 7

1 CONTRATO DE TRABALHO.. 10

1.1 Considerações Iniciais sobre o Contrato de Trabalho. 10

1.2 Da Formação do Contrato de Trabalho no Ordenamento Jurídico Brasileiro em Vigor12

2 OS LIMITES AOS PODERES DO EMPREGADOR NA SELEÇÃO DE EMPREGADOS   21

2.1 Os Poderes do Empregador21

2.2 Conceito de Discriminação. 25

2.2.1 Formas de Discriminação. 28

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR   32

3.1 Responsabilidade Civil do Empregador em Caso de Dano na Fase Pré-Contratual36

4 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA CONSULTA AOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO COMO ETAPA DE SELEÇÃO DE EMPREGADOS.. 39

CONSIDERAÇÕES FINAIS.. 49

REFERÊNCIAS.. 52

 


INTRODUÇÃO

 

 

As relações trabalhistas vêm passando por profundas transformações nos tempos mais recentes. O dinamismo da sociedade faz com que o Poder Judiciário, o ordenamento, a doutrina e jurisprudência pátrias se deparem com questões jamais enfrentadas, gerando eventos que fogem aos usos e costumes. Nesse contexto de mudanças e desafios o tema se revela de particular interesse.

Em 24 (vinte e quatro) de fevereiro de 2012, foi publicada decisão do Tribunal Regional do Trabalho – TRT da 20ª (vigésima) Região, segundo a qual o empregador, para admissão de futuro empregado poderia fazer consulta aos serviços de proteção ao crédito para verificar informações acerca daqueles que estivessem concorrendo a uma vaga de emprego na função de caixa. Essa nova possibilidade trouxe grandes repercussões no tocante à constitucionalidade de tal consulta, ecoada socialmente, a qual é objetivo geral do nosso estudo.

É de grande relevância o debate acerca da constitucionalidade da consulta a serviços de proteção ao crédito como requisito à admissão no emprego, pois é tema novo, não existindo no mundo legislativo uma norma legal que se volte para fase pré-contratual e regulamente a admissão de trabalhadores. Há, apenas, julgados dos Tribunais, mas ainda não há um entendimento consolidado quanto ao tema.

Dessa forma, a relevância desse estudo se mostra por justificativas técnico-profissionais e sociais, pela existência de uma contenda entre o direito do patrão contido no seu poder diretivo e o direito do trabalhador em manter sua intimidade e dignidade não violadas.

Sendo assim, buscaremos uma proposta de solução do conflito através de uma técnica conhecida como ponderação.

Para análise da questão é imprescindível, como se pode notar, um estudo interdisciplinar entre o Direito Constitucional, especialmente pelos direitos fundamentais, o Direito Civil, relativo à reparação civil, e o Direito do Trabalho, basicamente no tocante aos limites dos poderes do empregador.

O presente trabalho ficou estruturado em quatro capítulos por serem também os objetivos específicos a serem trilhados. Assim, no primeiro capítulo faremos  uma explanação sobre o contrato de trabalho, suas considerações e formação no ordenamento jurídico em vigor, os poderes do empregador e os limites impostos a ele pelo ordenamento jurídico brasileiro.

No segundo capítulo, abordaremos o conceito e a classificação da discriminação, que abrangerá desde sua conceituação básica até os limites de sua aplicação, levantando o posicionamento doutrinário sobre a configuração do preconceito e discriminação.

No terceiro capítulo faremos uma explanação sobre a responsabilidade civil do empregador no tocante à fase pré-contratual, caso configurado dano aos direitos personalíssimos do trabalhador (artigos. 11 a 21, CC).

No capítulo quatro analisaremos a jurisprudência que ensejou nosso estudo, descrevendo nosso ordenamento pátrio e analisando através da literalidade e ponderação da legislação pátria a constitucionalidade da consulta a serviços de proteção ao crédito como requisito à admissão no emprego.

A problemática aqui verificada é a existência da ideia de tratamento não igualitário que envolve um grande debate acerca de sua constitucionalidade. Suas razões são no seguinte sentido: possível lesão à função social do trabalho, assim como sua essencialidade diante do princípio da dignidade da pessoa humana.

Na fase pré-contratual, a consulta a serviços de proteção ao crédito será estudada para verificar sua inconstitucionalidade e consequentemente a configuração de eventual dano moral. Assim, verificaremos o tema, essencialmente à luz dos princípios consagrados pela nossa Constituição Federal de 1988, com a análise de seus artigos 1º, III, 3º, IV, 5º, X, bem como do artigo 1º da Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, relacionando-os com a nossa Consolidação das Leis Trabalhistas, Tratados Internacionais e jurisprudência dos tribunais trabalhistas pátrios.

Ao fazermos essa análise, observaremos quais são as consequências no mundo jurídico e social por conta de tal comportamento.

À vista disso, a referida averiguação será realizada, predominantemente, por um exaustivo levantamento bibliográfico a respeito do tema, por existir a necessidade da fundamentação teórica, eis que praticamente não há decisões sobre o tema. Para tanto, empreendemos pesquisa a livros, artigos, sítios na internet, dentre outros, com o objetivo de trazer um panorama mais amplo possível.

De se concluir que este trabalho pretende não apenas repetir o que já existe sobre o tema, mas contribuir para o seu amadurecimento, lançando luz sobre o que já foi discutido por outros autores, fortalecendo o conhecimento até então existente.


 

1 CONTRATO DE TRABALHO

 

 

Começaremos nosso estudo, falando do contrato de trabalho, seguindo com a abordagem dos princípios que devem ser cumpridos nas tratativas do processo de seleção e contratação de empregados, observando as lesões pré-contratuais, com a finalidade de verificar a possibilidade de o pretenso empregador provocar danos ao candidato a um posto de trabalho.

 

 

1.1 Considerações Iniciais sobre o Contrato de Trabalho

 

 

O dinamismo da sociedade faz com que o Poder Judiciário, o ordenamento, a doutrina e jurisprudência pátrias se deparem com questões jamais observadas, gerando eventos que fogem aos usos e costumes. Assim, previsível é que as relações humanas a cada novo instante tomem um novo realce e um novo agir jamais visto em outras épocas e o Direito, como seu fruto, não teria sua característica diferente senão o dinamismo. Dessa forma nos ensina Sergio Pinto Martins (2008, p. 3) ao mencionar que: “[...] o tempo passa e as coisas não são exatamente iguais como eram, mas precisam ser estudadas para se compreender o futuro. [...]”, e confessar que, “esse ramo do Direito é muito dinâmico, mudando as condições de trabalho com muita frequência, pois é intimamente relacionado com as questões econômicas”.

Em breve histórico, segundo Fabíola Marques e Cláudia José (2010), o Direito do Trabalho teve como principal causa para seu surgimento a Revolução Industrial do século XVIII, representando uma busca por equalizar a relação existente entre empregado e empregador, produto de conflito entre o trabalho e o capital. A sua evolução se deu com o aparecimento da sociedade industrial, do trabalho assalariado e dos primeiros documentos constitucionais, a Constituição do México de 1917 e a de Weimar de 1919.

No Brasil, esse processo, só foi visto alguns anos mais tarde, em 1934, por forte pressão internacional imposta à necessidade interna da regulamentação das relações de trabalho. Em um primeiro momento o trabalho era escravo, no qual o negro era considerado um objeto do poder e da riqueza. Num segundo momento, a história se encontrou com a servidão, no feudalismo. Os servos entregavam parte de sua produção agrícola ao senhor feudal em troca do uso da terra e de proteção do latifundiário. Essencialmente, por isso, que até os primeiros escritos sobre o Direito do Trabalho, o que predominava no Brasil era uma sociedade agrícola.

Foi no século XX que o aparecimento de institutos sobre o contrato de trabalho se manifestou. Sobre isso mostra Sergio Pinto Martins (2008, p. 10):

 

A Constituição de 1934 é a primeira constituição brasileira a tratar especificadamente do Direito do Trabalho. É a influência do constitucionalismo social, que em nosso país só veio a ser sentida em 1934. Garantia a liberdade sindical (art. 120), isonomia salarial, salário mínimo, jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal, férias anuais remuneradas (§ 1º do art. 121).

 

E acrescenta: “A denominação contrato de trabalho surge com a Lei nº 62, de 5-6-1935, que tratou da rescisão do pacto laboral”.

O nome usado anteriormente para tratar de contrato de trabalho era locação de serviços. Naquela época achava-se que o trabalho era um bem móvel passível de negócio, assim como um objeto que poderia ser locado ou alienado. Amauri Mascaro Nascimento (2011, p. 335) discorre como isso ocorreu:

No século XVIII os juristas encontraram dificuldades em classificar a nova figura que surgia no universo jurídico [...]. Nada parecido havia até então, embora existisse uma figura próxima, do direito civil, a locação de serviços, que era um contrato e que influiu nas primeiras tendências dos doutrinadores, que eram civilistas [...]. A mais antiga das teorias origina-se do direito romano, incluindo o contrato de trabalho entre as espécies de locatio com aspectos de arrendamento, com as mesmas notas características deste. Alugava-se um homem ou a sua força de trabalho como quem aluga uma casa ou qualquer outra coisa. (grifo nosso)

 

As críticas e discussões sobre a natureza jurídica do contrato de trabalho foram surgindo, bem como o fundamento de que não se tratava de um contrato de locação. Isso foi percebido diante dos elementos que envolviam a relação, através do Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho, nos seus artigos 2º e 3º. Assim nos mostra o entendimento doutrinário a observação feita por Alice Monteiro de Barros (2010, p. 242):

Para essa vertente [...] o empregado aluga o seu trabalho, assumindo a condição de locador; o empregador o utiliza na condição de locatário e a coisa locada é a força de trabalho. A própria doutrina [...] critica essa teoria, ao fundamento de que ela implica retrocesso à locatio hominis, por ignorar que a força de trabalho do empregado é inseparável da sua pessoa. Sustenta-se, ainda, que, terminada a locação, restitui-se a coisa alugada na sua forma e na sua substância, o que não é possível no contrato de trabalho.

 

Paulo Lôbo (2011, p. 356) bem explica a diferença entre o contrato de prestação de serviço e o contrato de trabalho. Vejamos:

 

[...] Na prestação de serviços, podem ser prestadores tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas. No contrato de trabalho, apenas pessoas físicas. Na prestação de serviços, o trabalho é independente, limitado ao fim contratado, e é orientado segundo as habilidades profissionais do prestador. No contrato de trabalho, o empregado está sob subordinação jurídica e direção do empregador, que determina as atividades deve desenvolver. Pode o empregado ter independência técnica, em razão de sua profissão, (por exemplo, um médico), mas está sempre sujeito à subordinação jurídica, em face do empregador. [...] O contrato de prestação de serviços é de execução eventual, enquanto que o contrato de trabalho é sempre de duração continuada. Em virtude da intensa proteção legal que o caracteriza, o contrato de trabalho deixa espaço mínimo à autonomia privada negocial.

 

Desta feita, percebe-se que as características do contrato de trabalho não se confundem com as do contrato de prestação de serviços.

 

 

1.2 Da Formação do Contrato de Trabalho no Ordenamento Jurídico Brasileiro em Vigor

 

 

O que irá interessar para a análise do presente trabalho nestecapítulo será a formação do contrato de trabalho, até onde o futuro empregador poderá ir a fim de compor sua equipe, examinando os limites de requisitos no processo de seleção, como também apreciando a inobservância pelo futuro patrão dos direitos à intimidade e privacidade inerentes ao pretenso empregado. A doutrina de Sérgio Pinto Martins (2008, p. 54) nos orienta que:

 

Essa fase é aquela que compreende o período anterior ao contrato de trabalho, ou seja, é a fase dos testes, exames médicos, apresentação de currículo, questionários, psicotécnicos, compreendendo nesse processo a seleção para o trabalho e as tratativas do contrato de trabalho.

 

Antes disso, necessário se faz discorrer um pouco sobre o empregador e seu poder de organização, de controle e disciplina. O empregado está sujeito ao poder de direção do empregador, terá que observar os mandados de seu patrão, pois se sujeita a ordens. No entanto, haverá um limite, já que os comandos do empregador são com relação ao exercício da atividade desempenhada no ambiente de trabalho, excluindo qualquer supervisão referente à vida pessoal do trabalhador.

Mozart Victor Russomano (2005, p. 70) instrui:

 

[...] A natureza da relação de emprego, [...] e essa subordinação ou dependência do trabalhador nos permite defini-la nestes termos: -Relação de emprego é o vínculo obrigacional que une, reciprocamente, o trabalhador e o empresário, subordinando o primeiro às ordens legítimas do segundo, através do contrato individual de trabalho. [...] na verdade, é uma subordinação que atua sem caráter pessoal [...].

 

É muito difícil, na sociedade capitalista vivenciada hoje, o futuro empregado e seu futuro empregador firmarem condições ou cláusulas de trabalho com a intenção de nivelar a desigualdade existente entre a obediência, situação do trabalhador, que visa um emprego, pois seu sustento dependerá dele e, na maioria das vezes, é responsável por prover uma família que também depende de seu emprego para subsistência, e o capital, situação do empregador, que se encontra mais forte economicamente.

O que ocorre, portanto, é a natural submissão do pretenso empregado às imposições do empregador, ainda na fase pré-contratual, ou seja, antes mesmo da celebração do contrato, a exemplo da participação de processos de seleção em que eventualmente é exposto a condições vexatórias, realização de consulta de seu nome junto aos cadastros de restrição de crédito, dentre outros.

Por conta da elementar hipossuficiência do trabalhador, muitas vezes o futuro subordinado aceita as disposições de seu futuro empregador para conquistar a vaga desejada, e este, por sua vez, objetivando o lucro, pois vivencia a globalização dos mercados, ferindo os princípios basilares dos contratos de trabalho, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana, que para o ilustre Amauri Mascaro Nascimento (2011, p. 393) é:

 

A dignidade é um valor subjacente a numerosas regras de direito. A proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa é uma questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito positivo a protegê-la, a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais.

 

Prossegue dizendo:

 

O respeito à dignidade do outro é uma regra não apenas jurídica, também, moral, e dessa forma independeria de normatividade jurídica, desde que os sentimentos das pessoas fossem nesse ponto iguais. Mas não são. [...] Como é assim, o direito do trabalho deve instrumentalizar a efetivação do princípio, porque, se não o fizer, ficaria uma ideia tão preciosa quanto vaga, dependendo dos sentimentos e do critério de cada um, inclusive no plano jurisdicional [...].

 

Muitas vezes o candidato à vaga de emprego aceita os requisitos por se sentir coagido diante da concorrência do mercado de trabalho, imaginando, por exemplo, que a facilidade de acesso à educação, a cursos profissionalizantes, a faculdades de longa distância, pós-graduação, enfim, oportunidades de qualificações que anos atrás não eram vistas, são a explicativa da rivalidade e exigência do mundo dos negócios do mercado de emprego, e, no entanto, não observa o constrangimento como situação estranha de exposição humilhante, extrapolando os limites mostrados pelo ordenamento jurídico.

Os constantes avanços social, tecnológico e econômico são peças do quebra cabeça que muito ajudam para compreensão da valorização ao trabalho e o respeito que ele tem diante da coletividade, eis que é essencial à concretização da dignidade humana. Ilustre-se o afirmado com a lição precisa de Kelly Farias de Moraes (2012, p. 278): “[...] o trabalho é essencial para a dignidade do homem, e consequentemente para o exercício de todos os outros direitos advindos da sua condição humana”.

As percepções da valorização do trabalho se mostram, ao longo da história, como impulsionadoras das teorias socialistas, de modo a extinguir as divergências entre os interesses do trabalhador e do empregador, o que se observa das palavras de Amauri Mascaro Nascimento (2011, p. 36), quando informa que “o direito do trabalho segue uma trajetória dialética de implicação e polaridade sujeita a mutações em cada período da história, de modo a conjugar, no período contemporâneo, o econômico e o social”.

Dessa maneira, as transformações ao longo da história de que a abolição da escravidão é um exemplo, apresentaram significativas mudanças para o trabalhador brasileiro, trazendo diminuição das diferenças entre o subordinado e seu patrão, melhores condições de trabalho.  Contudo, o que se encontra em discussão no presente trabalho são a desvalorização da condição humana e a inobservância do tratamento igualitário, da função social do trabalho, bem como sua essencialidade diante do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição da República Federativa do Brasil.

A função social nada mais é que um princípio limitador do interesse particular quando estão presentes na relação preocupações sociais, isto é, interesses que envolvem uma coletividade de pessoas. A consulta a serviços de proteção ao crédito como um dos requisitos à admissão de futuro empregado diz respeito à sociedade.

Para Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 180) “o princípio ‘(...) traduz a ideia de que o valor central das sociedades, do Direito e do Estado contemporâneos é a pessoa humana, em sua singeleza, independente de seu status econômico, social ou intelectual”. Além disso, enfatiza a precisa lição de Amauri Mascaro Nascimento (2011, p. 38 - 39):

 

É certo [...] que o direito do trabalho tem funções específicas que o qualificam como ramo especial do direito. Seria possível, até mesmo, sintetizá-las em três principais: a proteção, a coordenação e a organização. A primeira, da maior relevância, por ser um direito tutelar do trabalho, dos direitos humanos do trabalhador e da sua personalidade. A segunda, a coordenação entre os interesses dos empregadores e dos trabalhadores. Situa-se, pela natureza, no plano dos direitos obrigacionais negociáveis, fundados na autonomia coletiva dos particulares que deve atuar com a necessária desenvoltura para promover as adaptações coerentes com o desequilíbrio entre o econômico e o social, mediante entendimento entre sujeitos legitimados e verdadeiramente representativos dos interesses em discussão. A terceira, concretizando-se no plano das relações coletivas de trabalho destinadas a estruturar os sujeitos coletivos legitimados para representar os grupos e atuar na defesa dos interesses e direitos que representam, especialmente a organização e representação sindical.

 

Ademais, Sergio Pinto Martins (2008, p. 58) forma o conhecimento da importância dos princípios que devem ser cumpridos rigorosamente na fase pré-contratual dos candidatos à vaga do emprego. Atenta que “a norma é gênero, dos quais as regras e os princípios são espécies”.

E avança com o seguinte preceito: “Inicialmente [...] princípio é onde começa algo. É o início, a origem, o começo, a causa. O princípio de uma estrada seria seu ponto de partida [...]”.

Cumpre citar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello apud Sergio Pinto Martins (1997:573), que:

 

esclarece que princípio ‘é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e Inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

O princípio é o primeiro passo na consecução de uma regulação, passo ao qual devem seguir-se outros. O princípio alberga uma diretriz ou norte magnético, muito mais abrangente que uma simples regra; além de estabelecer certas limitações, fornece diretrizes que embasam uma ciência e visam à sua correta compreensão e interpretação.

Violar um princípio é muito mais grave do que violar uma regra. A não-observância de um princípio implica ofensa não apenas a específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando.’

 

À vista disso, importante se faz mostrar o conteúdo do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que apresenta as fontes supletivas do Direito do Trabalho, permitindo a aplicação das normas gerais de direito e do direito comum, ou seja, emprego do Código Civil brasileiro subsidiariamente, haja vista a não previsão expressa por parte do direito do trabalho. Assim vejamos:

 

Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. (grifos nossos)

 

Princípios gerais são determinações comuns de cunho obrigacional para todos os ramos do Direito. Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 186) explica:

 

Há princípios gerais de todo o Direito que têm inquestionável aplicação no âmbito especializado do Direito do Trabalho. São os princípios que tendem a incorporar as diretrizes centrais da própria noção do Direito (ilustrativamente, os princípios de lealdade e boa-fé ou da não alegação da própria torpeza) ou as diretrizes centrais do conjunto dos sistemas jurídicos contemporâneos ocidentais (como, ilustrativamente, o princípio da inalterabilidade dos contratos). Tende a ser , portanto, princípios que se irradiam por todos os seguimentos da ordem jurídica, cumprindo relevante papel de assegurar organicidade e coerência integradas à totalidade do universo normativo de uma sociedade política. Nessa linha, os princípios gerais aplicando aos distintos segmentos especializados do Direito, preservam a noção da unidade de ordem jurídica, mantendo o Direito como um sistema, isto é, um conjunto de partes coordenadas.

 

José Cairo Júnior contribui (2013, p. 95):

 

Alguns princípios são aplicados a qualquer ramo do direito e, por conta disso, são denominados de princípios gerais do direito, como a proibição de causar prejuízo a alguém (neminem laedere), proibição do enriquecimento sem causa, presunção de boa-fé, proibição de arguir a própria torpeza em benefício próprio, força obrigatória dos contratos etc. Inclusive, o citado art.8º da CLT faz referência expressa a tais princípios, que devem ser utilizados nos casos em que a regra jurídica trabalhista for omissa.

 

Faz-se necessário o conteúdo do art.421, do Código Civil, para apreciação do questionamento de nosso estudo: “art. 421- A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (grifo nosso).

O parágrafo único do art. 2.035, do Código Civil, corrobora referida afirmação, ao estabelecer que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. (grifo nosso).

 Além disso, oportuno se faz o preceito do enunciado nº 23 da Jornada de Direito Civil, observe:

 

Enunciado nº 23- Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

 

Urge destacar que o referido enunciado consubstancia apenas uma orientação de âmbito doutrinário, apresentando-nos um norte de interpretação e aplicação da norma.

O presente estudo sistemático do ordenamento jurídico busca compreender melhor a função social dos contratos para, posteriormente, seguir o estudo com o objetivo de entender quais são as limitações do futuro empregador no processo de seleção do empregado.

Imperioso trazer à baila os ensinamentos de Carlos Santiago (2012, p. 2):

 

Parece que tudo tem que ter uma razão, uma causa, uma função social, que justifique esta ação. Não se trata mais de saber se é ruim ou bom, se causa dano ou não, é uma questão de se saber se tem uma função social e se esta função social é benéfica para a sociedade em que ela é praticada. Por fim, a função social passa a ser um princípio.

 

E continua:

 

Se esta nossa definição está correta, então a função social é um princípio norteador da atual sociedade. Veja que a função social não elimina as diferenças de classes, e ela nem se propõe a isso, mas ela procura restabelecer o equilíbrio entre os indivíduos e suas relações sociais.

 

Assim, percebemos que o Direito do Trabalho veio para estabelecer o equilíbrio na relação hipossuficiente entre trabalhador e empregador. Compreendemos também que não é o suficiente, pois hoje esse ramo do Direito acha-se defasado ou mesmo desatualizado no que concerne a sua legislação diante das necessidades que encontra a sociedade atualmente, a exemplo da exigência de certidão negativa em órgãos de consulta creditória, como mais um dos requisitos exigidos para seleção de trabalhadores. É exatamente por isso que temos de nos valer e aplicar os princípios gerais do direito como acima empregado.

A doutrina de Maria Helena Diniz (2009, p. 364) esclarece que:

 

[...] O art. 421 é um princípio geral de direito, ou seja, uma norma que contém uma cláusula geral. A ‘função social do contrato’ prevista no art. 421 do novo Código Civil constitui clausula geral [...].

 

As razões que levam a essa ideia é a lesão à função social do trabalho, explicando, Amauri Mascaro Nascimento (2010, p. 570), como deve ser seguida a conduta das partes a fim de não cometerem tal prejuízo:

 

O comportamento dos sujeitos dos contratos de trabalho deve respeitar um conjunto de deveres previstos pelo direito positivo, tanto o empregado como o empregador, e boa-fé tanto no período pré-negocial como na constância de contratos e na fase da extinção dos contratos, e o comportamento que contrariar o princípio estará em desacordo com o direito.

 

Destarte é estudo de Sílvia Carine Tramontin Rios (2011, p. 1): “Durante as tratativas do contrato de trabalho, é necessário que as partes observem o princípio da boa-fé e ajam com respeito, lealdade e honestidade [...]”. Isso posto, Sergio Pinto Martins (2008, p. 59) nos ensina que “o princípio da boa-fé nos contratos é aplicável em qualquer contrato, seja no Direito Civil (art. 422 do CC) ou no Comercial, mas também no Direito do Trabalho”. Por conta disso, observa-se que o princípio da boa-fé também faz parte da classificação dos princípios gerais do Direito.

O Direito do Trabalho, fruto de uma história cheia de desigualdades, onde o trabalho não tinha significado de realização pessoal, não rompe com o seu passado e é o que torna compreensível os problemas atuais. Esse instituto jurídico vem evoluindo a cada situação inesperada.

Por todo exposto, a dignidade da pessoa humana, assim como os princípios gerais do Direito são de relevância apreensão e preocupação para a República Federativa do Brasil chegando a serem consagrados na Constituição Federal e constituindo alguns de seus fundamentos, como se vê no artigo 1º, III.

O que podemos demonstrar nesse capítulo consiste no trabalho como condição mínima para dignidade do homem. Analisaremos, adiante, a licitude da consulta dos dados do futuro empregado aos órgãos de restrição de crédito, como, por exemplo, SPC/SERASA como critério de seleção a uma vaga de emprego.

A ideia, décadas atrás, era o trabalho como objeto. Chegava-se a ser inimaginável a condição humana que representa pelos legados do início dos contos da vida pela bíblia. Com o passar da história observaram a existência da subordinação, da pessoalidade, não eventualidade e da onerosidade como elementos que comporiam o contrato de emprego, além do compreendido de que o patrão não teria direito sobre a vida pessoal do trabalhador e sim direito de como a atividade laboral iria ser exercida.

As exigência e rivalidade do mercado de trabalho trazem, a cada dia, um fato novo. É inevitável o desconhecimento da população diante da vastidão dos ensinamentos do Direito. As mudanças são muito frequentes, mas a busca da solução dos problemas sociais é o cerne do Direito do Trabalho, notadamente em se levando em conta o fato de se pretender ser tuitivo. Além do mais a promoção de igualdade e oportunidades é íntima desse ramo do direito, além da busca pela elevação da dignidade da pessoa humana.

Para o estudo do tema, que se tem mostrado bastante intricado, precisaremos também mostrar conhecimento com relação aos limites dos poderes do empregador, ao princípio da não discriminação, mostrando os tipos ou modalidades que este apresenta, a responsabilidade civil do empregador em caso de dano, bem como a análise da decisão emblemática do TST que originou essa discussão. Tais assuntos serão tratados nos próximos capítulos, com a finalidade de levantar a melhor conclusão da valorização do trabalho para o homem.

 

 

2 OS LIMITES AOS PODERES DO EMPREGADOR NA SELEÇÃO DE EMPREGADOS 

 

 

2.1 Os Poderes do Empregador

 

 

Após tecermos considerações sobre o contrato de trabalho, abordando os princípios que devem ser observados na admissão de empregados, ou seja, na fase que antecede a relação de emprego, quais sejam a proteção à intimidade e privacidade do futuro empregado, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana, debruçar-nos-emos, neste momento, ao estudo dos limites dos poderes do empregador, às formas de discriminação e à responsabilidade civil do empregador em caso de dano.

Preliminarmente se faz necessário discorrer, em apertada síntese, sobre o empregador e seu poder de organização, de controle e disciplina. Temos o poder de organização como um direito dado ao empregador de organizar o seu empreendimento quanto à atividade que será exercida, à escolha da estrutura jurídica que melhor se enquadra para o desenvolvimento das atividades do empregador, o número de funcionários, assim como os horários de trabalho e o local.

Por poder de controle dispomos do entendimento de que é o próprio poder de controlar a execução das atividades que foram firmadas no contrato de trabalho, como também é dado ao empregador, por conta dessa capacidade, o poder de fiscalizar as formas como as atividades dos empregados são exercidas. Finalmente, por poder de disciplina temos as punições que podem ser aplicadas caso o empregado não cumpra o que lhe foi determinado. Bem aborda Sergio Pinto Martins (2010, p. 214 - 216):

 

O empregador tem todo o direito de organizar seu empreendimento, decorrente até mesmo do direito de propriedade. Estabelecerá o empregador qual a atividade que será desenvolvida: agrícola, comercial, industrial, de serviço etc. A estrutura jurídica também será determinada pelo empregador, que estabelecerá ser melhor o desenvolvimento de suas atividades mediante sociedade limitada, por ações etc. O empregador determinará o número de funcionários de que precisa, os cargos, funções, local e horário de trabalho etc. Dentro do poder de organização, está a possibilidade de o empregador regulamentar o trabalho, elaborando o regulamento de empresa.

[...] O empregador tem o direito de fiscalizar e controlar as atividades de seus empregados.

[...] Não deixa de ser [...] o poder disciplinar um complemento do poder de direção, do poder de o empregador determinar ordens na empresa, que, se não cumpridas, podem gerar penalidades ao empregado, que deve ater-se à disciplina e respeito a seu patrão, por estar sujeito a ordens de serviço, que devem ser cumpridas, salvo se [...] ilegais ou imorais. Logo, o empregador pode estabelecer penalidades a seus empregados.

 

Por tudo isso chegamos ao que compreende poder de direção do empregador. Assim, segundo Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira (2013, p. 285):

O poder diretivo se manifesta por funções. A função de organização (organização do empreendimento, distribuição de funções, horários etc); de controle (gerenciamento e acompanhamento dos trabalhos; modo de se os executar) e a função disciplinar (aplicação de penalidades) [...].

 

O empregado, como dito no capítulo anterior, está sujeito ao poder de direção do empregador, pois é subordinado em face da existência da hipossuficiência. Entretanto, a subordinação que se passa é a jurídica, ou seja, restrita às atividades laborativas e vinculada tão somente ao trabalho exercido.

É o futuro empregador que atribui os parâmetros de seleção para preenchimento de vaga de emprego, até porque é este quem investe na atividade e está sujeito aos riscos do empreendimento, em razão do princípio da alteridade; o candidato naturalmente se submete às imposições para ocupar a vaga desejada.

O artigo 2º da CLT afirma que é o empregador quem admite o empregado. Vejamos:

 

Art. 2º, CLT. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (grifo nosso)

 

Assim é que caberá ao empregador adotar os critérios de seleção para buscar no mercado os melhores candidatos à vaga ofertada. Isso é de perfeita compreensão, pois é o empregador quem dirige o negócio e também seus empregados, visando, obviamente, melhor gerenciar sua vida profissional. Coaduna com esse entendimento a lição de Francisco Carlos da Silva Araújo (2012, p. 163):

 

O empregador, no exercício do direito de propriedade, impõe os critérios de seleção e as condições de trabalho ao futuro candidato ao emprego. Já o trabalhador, detentor da força de trabalho, em face da sua hipossuficiência, necessita do emprego para sua subsistência e de sua família.

É lícito ao empregador, como detentor dos meios de produção e responsável pela atividade produtiva e pelos seus riscos (art. 2º, CLT), fixar os parâmetros de seleção dos empregados.

Ora, é certo que o empregador tem direito de selecionar o trabalhador que melhor atenda ás necessidades do serviço [...].

 

É bem verdade que foram conferidos a liberdade e o direito ao futuro patrão de afixar os requisitos necessários para a seleção dos candidatos ao emprego. Ocorre que citados poderes não são ilimitados, ou seja, aqui, no momento que antecede o contrato de trabalho, há deveres para serem observados e aplicados.

Não há, ainda, no mundo jurídico, especificamente, uma norma legal que se volte para fase pré-contratual e regulamente a admissão de trabalhadores, no entanto existem princípios e normas que vedam atitudes maculadas pela exclusão sem qualquer razão e proporcionalidade ao candidato por conta de critério imposto para preenchimento do emprego.

Os requisitos utilizados devem estar em harmonia com os princípios constitucionais da dignidade, da igualdade, com a finalidade de preservar a intimidade do futuro empregado, visando à promoção da dignidade da pessoa humana, salientando a predominância do princípio da não discriminação.

De se ressaltar a existência da Lei da Discriminação, Lei nº 9.029, de 13 (treze) de maio de 1995 (mil novecentos e noventa de cinco), que versa sobre “a proibição de exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho e dá outras providências”.

Na verdade, acreditamos que o mandamento trazido pelos princípios tem sua regulamentação na citada lei que buscou concretizar os preceitos da nossa Carta Magna de 1988, quais sejam: dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o valor social do trabalho (art. 1º, IV), os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, I e IV), os direitos e garantias individuais (art. 5º, caput, I) e as garantias sociais que privam a discriminação (art. 7º, XXX).

Para tanto, é permitido exclusão baseada no grau de instrução que poderá ser uma graduação, um curso técnico ou até mesmo uma experiência que foi conseguida pela vivência com o passar dos anos do profissional com relação a sua profissão. Poderão, ainda, ser observadas a competência e a responsabilidade, como exemplos, por conta do cargo, pois são atos que não foram colocados arbitrariamente, tendo relação com o emprego e a função, além da razoabilidade e proporcionalidade que são evidenciadas justamento por ter ligação com o cargo oferecido.

As ilações de Yara Maria Pereira Gurgel apud Kelly Farias de Moraes (2012, p. 288) ratificam o mencionado argumento:

 

O empregador tem plena liberdade de escolha, baseada na capacidade para o exercício do cargo, no grau de instrução do candidato, na experiência, nas qualificações técnicas, na competência e na responsabilidade. Não se trata, portanto, de inibir fatores discriminatórios da gestão empresarial, especialmente na escolha dos candidatos. O empregador tem o direito de escolher o trabalhador de acordo com o perfil da empresa, desde que seus atos não sejam fundados, ainda que indiretamente, em motivo de gênero, orientação sexual, cor ou religião.

 

Encerrando com essas considerações afirma Arnaldo Boson Paes (2012, p. 16):

 

Embora seja inerente a atuação empresarial o poder diretivo, certamente não o é absoluto, incondicionado ou ilimitado. Além de submeter-se a outras restrições de ordens constitucional, legal, convencional e contratual, está o poder de direção sujeito aos limites estabelecidos pelos direitos fundamentais dos trabalhadores [...].

 

Portanto, os poderes do empregador são limitados pelos postulados da Constituição Federal, de leis e normas coletivas eventualmente existentes.

Assim é que o patrão possui o direito de buscar na seleção trabalhadores. Entretanto, o referido direito não é absoluto, uma vez que não poderá valer-se de ferramentas que possibilitem exclusão fundadas em causas desprovidas de razoabilidade e, por isso, preconceituosas, eis que desnecessárias para certo cargo, tais como exigências inclinadas ao gênero, cor, religião, altura, peso, estética, idade, estado civil, condição social, doença dentre outras. Inexistindo nenhum viés razoável que as justifique, acabam ferindo direitos inerentes à condição de ser humano, desenvolvendo comportamentos desrespeitosos, de modo a se enquadrar sua conduta como ilícita.

Assim, vê-se que os poderes de organização, controle e disciplina conferidos ao empregador encontram limites no ordenamento jurídico brasileiro, não apenas durante a vigência do trabalho, mas também na fase pré-contratual.

Para entendermos melhor os atos vedados dessa natureza é preciso conceituá-los e classificá-los.

 

 

2.2 Conceito de Discriminação   

 

 

Discriminação, de acordo com o conhecimento popular, é, em síntese, uma forma de exclusão de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos sem qualquer razão para tanto e derivada de preconceito quanto ao sexo, idade, cor, religião, orientação sexual, etnia ou outro motivo injusto. Deste modo é definido por Francisco Carlos da Silva Araújo (2012, p. 161) como:

 

A discriminação pode ser conceituada como a exteriorização do preconceito em sua forma ativa. A discriminação atenta contra o postulado básico da igualdade entre as pessoas, como também contra o princípio da dignidade da pessoa humana. É uma forma de exclusão de um indivíduo ou grupo.

A discriminação caracteriza-se por uma diferenciação de tratamento, sem que haja razões ou motivos lógicos para tanto, com decorrência de distinção em face de determinado atributo pessoal da pessoa discriminada (sexo, idade, etnia, orientação sexual ou religiosa, etc.).

 

Para Ricardo Tadeu Marques da Fonseca apud Silvia Carine Tramontin Rios (2011, p. 10),

 

discriminação é a exclusão ou preferência preconceituosa, conscientes ou inconscientes, expressas ou tácitas, de pessoa ou de grupo específico, por motivos étnicos ou raciais, de gênero, de origem, de características físicas, de opção sexual, entre outros.

 

Segundo Sergio Pinto Martins (2010, p. 495) “discriminar tem o sentido de diferenciar, discernir, distinguir, estabelecer diferença”.

No dicionário Vocabulário Jurídico (2007, p. 479 - 480) a expressão é conceituada da seguinte maneira:

 

Discriminação. Derivado de discriminatio, de discriminare (discriminar, separar, distinguir), na linguagem jurídica é usado para indicar toda sorte de separação que se possa fazer entre várias coisas, entre várias funções ou encargos, distinguindo-as umas das outras, para que se diferenciem ou possam ser encaradas consoante a divisão [...].

 

Desta feita é trazida como uma situação que distingue, exclui e prefere outra situação por base em raça, origem, sexo etc., e causa prejuízo ao discriminado. A Convenção n. 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 23 de novembro de 1965, trouxe no seu art. 1º a definição de discriminação como sendo:

 

toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

toda e qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Estado-membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

 

Para Paulo Jakutis, citado por Mildred Lima Pitman de Oliveira (2012, p. 385), o conceito de discriminação apresenta-se como consistindo em

 

[...] distinção, intencional ou não, entre pessoas o grupos em situações semelhantes, sem uma justificativa aceita pela sociedade, que redunda no prejuízo, de qualquer ordem, imposto a determinada pessoa ou grupo, ou no favorecimento indevido de outros. [...]

 

Kelly Farias de Moraes (2012, p. 288) indica que a fase prévia à ocorrência da relação de trabalho é propícia à prática de discriminação, haja vista a possibilidade e o direito do futuro empregador em selecionar o empregado em conformidade com os requisitos por ele levantados, fugindo, muitas vezes, do necessário para o cargo ou função da vaga disponível, buscando, por vezes, uma preferência pessoal de quem admite e observa, consciente ou inconscientemente, preconceitos.

Ilustrando o raciocínio, trazemos a título de exemplo o empregador “A”, que está à procura de uma profissional para cuidar de sua mãe idosa que foi submetida recentemente a uma cirurgia. “A” estabelece que o emprego é destinado a profissional com graduação em enfermagem, o  trabalho deverá ser executado das 22:00 (vinte e duas) horas às 06:00 (seis) horas da manhã, ter experiência com idosos e ser do sexo feminino. É de se observar que “A” não contratará uma técnica em enfermagem nem alguém que não possua tais qualificações.

Com relação ao sexo do profissional, é comum algumas atividades serem taxadas ao gênero feminino, como o exemplo citado, especialmente os serviços de limpeza. A feminização é trazida pela história e pelo costume da sociedade caracterizar a mulher como atenciosa, delicada e minuciosa. No entanto, não passa de um mito. A diversidade do homem não se restringe à classe feminina ou masculina, vai além. Por isso a ciência, as iniciativas do legislativo e as leis do nosso ordenamento mostram que não há ligação entre a atividade profissional e o gênero a que se pertence.

Com relação às causas que culminam na discriminação, Daniela Muradas Reis (2013, p. 400) traz o seguinte entendimento:

 

A causa da discriminação reside, muitas vezes, no cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma característica, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos (cor, raça, sexo, nacionalidade, riqueza etc).

 

Emanuel Teófilo Furtado Filho (2013, p. 50), diferenciando preconceito e discriminação, diz que,

 

De fato, a psicossociologia atual pressupõe que os preconceitos estão essencialmente relacionados a práticas e comportamentos discriminatórios, é dizer, práticas objetivas de exclusão social.

 

O feito discriminatório pode ser descrito em qualquer dos atos citados e desencadear em dano moral, distinguindo-se do mobbing, pois este é resultado de atitudes reiteradas que poderão culminar em assédio moral. Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva (2012, p. 178) frisa com maestria a distinção entre o mobbing e os atos discriminatórios, consoante se vê:

 

[...] é importante não confundir mobbing com atos de discriminação, que se revela em tratamentos diferenciados e injustos em razão de elemento diferenciador que a vítima apresenta, baseado em sexo, idade, cor ou estado civil. Certamente, a discriminação pode ser uma das causas deste fenômeno perverso, mas não são conceitos coincidentes. Práticas de hostilidade de maneira pontual pode caracterizar um processo discriminatório, mas não de assédio moral.

 

Portanto, pela relação de proximidade que existe entre preconceito e discriminação tratamos este ato no presente trabalho como um critério de distinção dado a uma pessoa por motivo injustamente desqualificante, ao ponto de formar uma opinião previamente, caracterizando preconceito.

 

 

 

2.2.1 Formas de Discriminação

 

 

A discriminação está classificada em quanto à forma e quanto ao momento. Quanto à forma divide-se em direta e indireta. Ainda há quem a classifique em negativa e positiva, vertical e horizontal.

Essencialmente, diz-se discriminação direta quando o preconceito gerado é dado em formas vedadas pela lei. A indireta encobre a intenção de exclusão, observando o tratamento desigual somente após ultrapassada a fase pré-contratual.

Quanto ao momento de discriminação na relação de trabalho, poderá apresentar-se em três ocasiões: no processo de seleção, no decorrer do contrato de trabalho e após o término da relação.

Acerca do assunto, esclarece Francisco Carlos da Silva Araújo (2012, p. 162 - 163):

 

Quanto à classificação, a discriminação nas relações de trabalho pode ser analisada em diversos ângulos. Procuraremos destacar a discriminação quanto à forma e ao momento.

Quanto à forma, a discriminação divide-se em direta e indireta. A primeira pressupõe um tratamento desigual fundado em razões proibidas em lei, enquanto a discriminação indireta traduz um tratamento formalmente igual, mas que produzirá efeito diverso sobre determinados grupos, relacionada com situações aparentemente neutras, mas que, na realidade, criam desigualdades em relação às pessoas que têm as mesmas características.

Na primeira hipótese, discriminação é clara, aberta, violando frontalmente o princípio da igualdade. Ocorre, por exemplo, quando a empresa publica anúncio em jornal, recrutando candidatos que tenham idade abaixo de trinta anos, boa aparência e outros critérios discriminatórios. Já a discriminação indireta é oculta, dissimulada, a empresa publica anúncio de emprego sem nenhuma restrição, mas durante a seleção atinge o seu objetivo de contratar, por exemplo, somente trabalhadores do sexo masculino.

Quanto ao momento. A discriminação na relação de trabalho pode ocorrer em três fases: no recrutamento dos trabalhadores (admissional), na execução do trabalho (curso do contrato) e na dispensa dos trabalhadores (extinção do contrato).

 

Segundo Daniela Muradas Reis (2013, p. 400), [...] a discriminação direta manifesta-se sob a forma de um tratamento diferenciado fundado em fator juridicamente proibido e socialmente repugnante [...].

A discriminação direta ocorre de forma explícita, por motivos arbitrários e proibidos por lei. A conduta é bem visível, pois existirá uma preferência a determinadas pessoas.

Note-se, por exemplo, que anúncio publicado em meio de comunicação em massa com proposta de emprego que traz condições para contratação de homens de aparência que impõe um padrão de beleza, idade específica, estado civil de solteiro, sem razão técnica tolerável é um ato de discriminação direta.

Na indireta, o anúncio não traz condições de exclusão, somente na hora do recrutamento é que se constatam as restrições. Na verdade ocorre um disfarce quanto ao respeito dos direitos fundamentais do trabalhador, sendo seu descumprimento percebido posteriormente.

De acordo com Kelly Farias de Moraes (2012, p. 290),a discriminação indireta

 

acontece de forma a tratar aparentemente todos igualmente, mas o efeito desse tratamento tem resultados diferentes sobre determinados grupos, trazendo prejuízos e desvantagens para alguns e não para outros.

 

Esse tipo busca dificultar ou limitar o acesso ao emprego por meio da utilização de critérios visivelmente imparciais e, portanto, também supostamente não discriminatórios, havendo, observando-se a realidade social, consequências prejudiciais e discriminatórias.

A partir da classificação em discriminação direta e indireta, nota-se que a intenção discriminatória está aparente e clara na discriminação direta, entretanto na indireta a ressalva se dá em consideração aos critérios para admissão que foram indicadores da exclusão.

Temos como discriminação negativa um modo de tratamento que busca desmerecer alguém ou algum grupo de pessoas por critério subjetivo, atribuindo ao discriminado um descrédito. Conforme Alberto Emiliano de Oliveira Neto, citado por Mildred Lima Pitman de Oliveira (2012, p. 406),

 

[...] a discriminação negativa refere-se à noção comum de discriminação, representada pela adoção de critérios desiguais em relação a sujeitos, supostamente, titulares dos mesmos direitos e obrigações [...].

 

Kelly Farias de Moraes (2012, p. 291) esclarece que tal tipo de discriminação é ilícito e depreciativo “[...], pois cria um desfavor à pessoa discriminada quando estabelece vantagens competitivas para um grupo de pessoas e ocasiona diretamente desvantagens aos demais”.

É intrínseco da existência humana as diferenças entre os indivíduos. Até mesmo os lados do nosso rosto e os dedos de nossas mãos são divergentes, no entanto assemelhados. Não seria distinta essa relação com as aptidões profissionais, pessoais e morais. Dizemos profissionais pelo fato de a vocação de cada pessoa ser levada em conta quando, por exemplo, chega a hora de escolher qual área do conhecimento humano irá exercer e optar no vestibular; pessoal por características inerentes do indivíduo, bem representada e observada pelos grupos de amigos ou até mesmo por irmãos, onde são de fácil verificação as particularidades de cada um; moral por ser um sentimento individual, uma consciência, onde um mesmo fato poderá ensejar repúdio para mim mas para outra pessoa não.

Por discriminação positiva, temos uma forma de aplicabilidade do princípio da igualdade consagrado pela nossa Constituição, objetivando tratar os desiguais em conformidade a suas desigualdades com a finalidade de colocá-los em pé de igualdade com os demais.

Acerca do assunto, esclarece Alberto Emiliano de Oliveira Neto apud Mildred Lima Pitman de Oliveira (2012, p. 406) quanto à discriminação positiva:

 

[...] Pode-se falar também em discriminação positiva e negativa. A primeira é representada por políticas públicas destinadas a eliminar situações de desigualdade maior. É o caso, por exemplo, do sistema de quotas estabelecido em algumas universidades, fundado na utilização de um critério de diferenciação voltado a eliminar a situação histórica de desigualdade existente. A discriminação positiva representa mecanismo próprio da tutela do princípio da igualdade.

 

Existem aqueles que discorrem ainda sobre discriminação vertical e horizontal. Esta ocorre quando são colegas de trabalho que agem de forma preconceituosa em detrimento de outro colega; aquela está relacionada com a hierarquia dos cargos, entendida como um desvio do poder discricionário e por conta dele. Assim vejamos o entendimento de Kelly Farias de Moraes (2012, p. 292):

 

É possível falar-se ainda em discriminação vertical, que ocorre quando o empregado que ocupa um cargo mais alto ou o empregador usam do poder discricionário para discriminar o seu subordinado ou empregado.

E em discriminação horizontal, que acontece quando os próprios funcionários, colegas de trabalho, tratam de forma diferenciada e ruim, um determinado companheiro de trabalho ou um grupo deles.

Apesar dessa possibilidade da discriminação ocorrer de forma horizontal, quando um grupo de empregados se junta para isolar determinado colega em razão de suas características pessoais, geralmente a discriminação se dá de forma vertical no ambiente de trabalho, partindo do superior hierárquico, utilizando-se do poder diretivo como camuflagem.

 

De acordo com o momento, a discriminação poderá ocorrer no recrutamento do empregado, na execução do contrato laborativo e, ainda, após encerrado o emprego, ou seja, na extinção do contrato.

É perceptível, pelo exposto, que no primeiro momento é possível de ocorrer à discriminação. Ou seja, ainda durante recrutamento é possível haver discriminação, com o objetivo de barrar a oportunidade do candidato de obter êxito na contratação por conta de sua raça, sexo, religião, idade, estado civil, doença, opção sexual, situação social etc.

Durante a execução do contrato de trabalho, o empregador poderá opor impedimentos ou obstáculos à chance do empregado de subir de cargo e atingir uma determinada importância na empresa, agindo com razões ilegais, caracterizando a discriminação.

Ilustre-se com a hipótese de um funcionário que busca ascensão na empresa em que trabalha, por saber que tem motivos profissionais necessários que justifiquem o preenchimento da vaga e, ao demonstrar seu interesse e suas aptidões que estão de acordo. Entretanto, seu superior hierárquico entende que tal não deve ocorrer por causa de sua raça, cor, sexo, origem social ou outro motivo injusto.

Também por ocasião da rescisão do contrato laborativo é possível haver discriminação, como ensina Kelly Farias de Moraes (2012, p. 295):

 

No momento da dispensa do trabalhador, a discriminação é o motivo baseado no preconceito que determina a demissão do empregado, na maioria das vezes, disfarçada pela justificativa de outro motivo que seja justo, aceitável e legal.

 

A temática é corriqueira na Justiça do Trabalho. O futuro empregador deixa de ocupar-se a tomar nota das informações referentes às atividades profissionais do candidato ou seu empregado bem como quais aptidões e importância que terá seu labor na empresa, para levar em conta as opções privadas que nada dizem sobre sua capacidade técnica.


 

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR 

 

 

A responsabilidade é um fenômeno social, que surgiu de acordo com as necessidades da sociedade, da convivência, florindo o estabelecimento de deveres para impor limites e buscar o equilíbrio e a organização das cidades.

O Estado, com esse objetivo, estabeleceu normas de direito positivo e punições para aqueles que descumprissem os deveres por ele impostos. A finalidade é reprimir e combater o desrespeito causado da vida em sociedade, composta por pessoas diferentes em valores e estilo.

Assim observam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 45):

 

Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.

 

E continuam discorrendo que (2011, p. 55):

 

A responsabilidade civil, enquanto fenômeno jurídico decorrente da convivência conflituosa do homem em sociedade, é, na sua essência, um conceito uno, incindível.

 

A positivação dos comportamentos é a resposta do Direito diante das intolerâncias surgidas com as relações entre os humanos com o passar do tempo na sociedade. Esse instituto jurídico busca reestabelecer o status quo ferido por um ato ilícito por inobservância do fato indesejável pelo Direito e, assim, reestabelecer o equilíbrio rompido.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 19) pode-se dizer que:

 

[...] responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social.

 

Para tanto, pressupõe uma ação danosa de alguém, pois viola uma norma jurídica preexistente, seja legal ou contratual, e a consequência é a obrigação de reparar.

Maria Helena Diniz (2007, p. 4) inicia seu estudo sobre o tema dizendo:

 

Toda manifestação da atividade que provoca prejuízo traz em seu bojo o problema da responsabilidade, que não é fenômeno exclusivo da vida jurídica, mas de todos os domínios da vida social. Realmente, embora alguns autores [...] considerem a responsabilidade civil como ‘a grande vedete do direito civil’, na verdade, absorve não só todos os ramos do direito [...] como também a realidade social, o que demonstra o campo ilimitado da responsabilidade civil. Por repercutir em todas as atividades humanas, tutelando inclusive os direitos da personalidade [...].

 

Percebe-se que a aplicação deste instituto não se restringe ao ramo civilista apenas, havendo uma ação danosa, moral ou patrimonial, ou seja, existindo os elementos que dão responsabilidade civil, haverá a punição de quem a descumprir.

De acordo com a ilustre doutrinadora (2007, p. 34)

 

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

 

A responsabilidade civil pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que o agente esteja sob sua guarda e por danos causados por coisas e animais que lhes pertencerem, mas aqui não será necessário tratarmos.

O raciocínio aqui desenvolvido, com a contribuição dos renomados doutrinadores, é para retirarmos os elementos da responsabilidade civil. É de se observar que deverá haver uma conduta que resultará num dano devendo ser analisado o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, os quais serão tratados oportunamente.

Com relação à classificação da responsabilidade civil temos: responsabilidade objetiva ou legal e subjetiva. A classificação toma por base a questão da culpa. Diz-se responsabilidade subjetiva, de acordo com os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 48), quando a culpa é um pressuposto necessário para avaliar a responsabilidade, onde o causador do dano responderá, somente, se restar configurado que lesionou com dolo ou culpa.

Já na objetiva tal aferição não existe, haverá um dano resultado de uma ação ou omissão, ou seja, uma conduta, o nexo causal e o dano, não se perquirindo a existência de dolo ou culpa por serem irrelevantes juridicamente, pois somente será necessário o elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente.

Podemos dizer, então, que a responsabilidade subjetiva exige a presença de um fato, dano e nexo causal entre o fato e o dano, mais a culpa do réu. A culpa pode ser configurada pelo dolo, pela imperícia, imprudência e negligência. Essa é a regra do nosso Código Civil: a responsabilidade subjetiva. Sua fundamentação é a teoria da culpa.

Já na responsabilidade objetiva, os elementos são o fato, o dano e nexo de causalidade. Haverá, portanto, a prova do fato, do dano e o nexo causal entre o fato e o dano, não existindo alegação de culpa de nenhum lado, vítima ou réu, justamente pelo fato de não existir culpa. As hipóteses se dão nos casos especificados em lei e atividades de risco.

Em comum e através dos ensinamentos de Silvo de Salvo Venosa (2004, p. 22) é que foi construído o conhecimento. Vejamos: “Na responsabilidade objetiva, como regra geral, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou da culpa. Desse modo, para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da prova da culpa”.

Interessa ainda, para composição da presente tese, a responsabilidade contratual e extracontratual ou aquiliana. A primeira refere-se ao inadimplemento de obrigação versada no contrato, ou seja, trata sobre cláusula contratual anteriormente fixada pelas partes contratantes que foi violada. A segunda, refere-se a violação direta de uma norma legal. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 58 - 59) explicam e exemplificam, senão vejamos:

 

A depender [...] da natureza da norma jurídica violada pelo agente causador do dano, uma subdivisão – muito mais didática e legislativa do que propriamente científica – pode ser feita, subtipificando-se a responsabilidade civil em: contratual e extracontratual ou aquiliana.

Assim, se o prejuízo decorre diretamente da violação de um mandamento legal, por força da atuação ilícita do agente infrator (caso do sujeito que bate em um carro), estamos diante da responsabilidade extracontratual [...]. Por outro lado, se, entre as partes envolvidas, já existia norma jurídica contratual que as vinculava, e o dano decorre justamente do descumprimento de obrigação fixada neste contrato, estaremos diante de uma situação de responsabilidade contratual.

 

A prática de um ato ilícito é pressuposto de violação da ordem jurídica que é evidente diante dos trazidos da responsabilidade civil aqui expostos. Sua regulamentação é fundamentada no princípio da neminem laedere onde a ninguém é dado o direito de causar prejuízo a outrem.

Os elementos que a compõe são retirados do artigo 186 do Código Civil, que prescreve que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Por conta disto, começamos sobre a conduta humana. O ato do homem poderá ser positivo ou comissivo, negativo ou omissivo, voluntário e finalizado com prejuízo. A essência desse comportamento é a voluntariedade.

Este ato não é uma vontade de causar o dano, a voluntariedade é fundada na consciência da ação que culminou no prejuízo.

O comportamento positivo ou comissivo demonstra-se quando o dano causado pelo agente tem como consequência uma violação de dever jurídico. A conduta negativa manifesta-se com um não fazer. A voluntariedade tem que existir aqui também, senão não haverá reconhecimento de responsabilidade.

O dano é o segundo elemento, e indispensável para configuração da responsabilidade civil, pois sem sua ocorrência não haveria o que reparar. O prejuízo poderá ser patrimonial ou extrapatrimonial, é o ensinamento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2011, p. 79):

 

[...] o prejuízo indenizável poderá decorrer – não somente da violação do patrimônio economicamente aferível – mas também da vulneração de direitos inatos à condição de homem, sem expressão pecuniária essencial.

 

Com a relação de causalidade há a obrigação. Sem ela, não existiria a sanção. Se houve dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexistirá a relação de causalidade, por conseguinte, inexiste também a obrigação de indenizar.

 

  

 

3.1 Responsabilidade Civil do Empregador em Caso de Dano na Fase Pré-Contratual

 

 

Trazemos a norma da responsabilidade civil por termos o objetivo de avaliar as consequências dos danos causados pelo empregador sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores na fase que antecede a existência de um contrato de trabalho.

Pela extensão da aplicabilidade desse instituto, nos atentamos a discorrer somente sobre o período anterior ao contrato de trabalho, pois a compreensão será direcionada para o momento da apresentação do currículo, preenchimento de questionários, ou melhor, momento que compreenda o processo de seleção de trabalhadores.

Para tanto, é importante diferenciar negociações preliminares ou pré-contrato de contrato preliminar. Segundo Alice Monteiro de Barros (2010, p. 517 – 518),

 

[...] aquele não gera direito e obrigação, mas apenas ressarcimento de danos, na forma do art. 186 do Código Civil [...]. Já o contrato preliminar é o ajuste por meio do qual ‘as partes ou uma delas se comprometem a celebrar futuramente um outro contrato que será o principal’. Ele gera a obrigação de concluir o contrato principal.

 

Portanto, utilizamos o termo pré-contrato por voltar nosso estudo sobre o momento da triagem dos candidatos ao emprego.

Como o contrato de trabalho ainda não começou, a aplicação da responsabilidade será apenas civil, não sendo devido qualquer ressarcimento trabalhista. A natureza jurídica, portanto, será a aquiliana ou extracontratual, já que o contrato não foi celebrado.

Trabalharemos com a condição de dano, patrimonial ou moral, visto que sem sua ocorrência não haveria o que reparar, além de esse instituto pressupor uma ação danosa de alguém que violou uma norma jurídica preexistente, seja legal ou contratual, e a consequência é a obrigação de reparar, pois a busca é reestabelecer o status quo ferido pelo ato ilícito por não observação do fato indesejável pelo Direito e, assim, recompor o equilíbrio rompido.

Para Amauri Mascaro do Nascimento (2011, p. 720), quanto à responsabilidade que se pretende abordar aqui, “[...] a regra aplicável é a do direito civil [...]”. Para tanto a regra do direito civil é a responsabilidade subjetiva.

Dessa maneira, os elementos serão os trazidos pelo art. 186 do Código Civil – CC. Vejamos:

 

Art. 186- Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Assim, é de se observar que deverá haver todos os elementos genéricos da responsabilidade: uma ação comissiva ou omissiva que resultará num dano e a causalidade.

Isto posto, pela característica de discriminação da conduta que é o tema deste trabalho, a aferição é apenas quanto ao dano moral. A ilação de Alice Monteiro de Barros (2010, p. 516) deixa claro que é esse dano que poderá ser ensejado. Assim dispõe:

 

[...] O dano moral que poderá surgir quando, antes de admitir o trabalhador, a empresa efetua investigação, ainda que por intermédio de terceiro, sobre opiniões políticas, religiosas, sindicais, gravidez da empregada, orientação sexual ou outro fato irrelevante para fins da aferição da aptidão profissional do emprego e deixa de contratá-lo por um desses motivos considerados, em princípio, de nenhuma relevância para a celebração do contrato.

 

A exclusão baseada em opção pessoal que ferir a dignidade da pessoa humana, a igualdade e, por conseguinte, os direitos e garantias fundamentais que são ligados aos direitos de personalidade tratados no Código Civil podem ser caracterizados como discriminação e configurar dano moral.

Assim sendo, o dano é direcionado à esfera personalíssima do trabalhador, que poderá achar-se ofendido em sua vida privada, intimidade honra e imagem.

A tutela desses bens é de grande relevância para o mundo jurídico, pois sua previsão aparece expressamente na Constituição (art. 5º, V e X).

A ninguém é dado do direito de causar prejuízo a outrem (neminem laedere) e, caso ocorra a violação da ordem jurídica, ou seja, a não observação dos limites dos poderes de direção, a conduta do empregador poderá também ser equiparada a ato ilícito, consistente em abuso do direito de propriedade, nos termos do art. 187, CC.

 

Art. 187- Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

O empregador com sua liberdade de escolha não integral deve utilizar requisitos que estejam em harmonia com o arcabouçou constitucional, notadamente os princípios constitucionais da dignidade, da igualdade, com a finalidade de preservar a intimidade do futuro empregado, visando à promoção da dignidade da pessoa humana, salientando a predominância do princípio da não discriminação, pois antes de tudo o empregado é ser humano.

Discriminar viola direitos de personalidade como a honra, a intimidade, a imagem, e reproduz dano moral passível de ser reparado. Os casos devem ser analisados particularmente quanto à aferição do dano ou assédio moral, já sabendo que os atos de preconceitos são pontuais e, portanto, não reiterados, descaracterizando o mobbing.

À vista disso, o empregador que cometer ato ilícito, ainda que seja na admissão de empregados, agredirá o direito do trabalho e poderá ser responsabilizado por sua conduta abusiva.

Isso posto, contra os danos causados na fase pré-contratual assegura-se o dever de reparação, extraindo os elementos objetivos da ação, quais sejam, fato, dano e nexo de causalidade, e o único elemento subjetivo, a culpa.


 

4 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA CONSULTA AOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO COMO ETAPA DE SELEÇÃO DE EMPREGADOS

 

 

Não negamos em nenhum momento o direito de propriedade do empregador decorrente do seu poder diretivo, deixamos claro que não é absoluto. Dedicamo-nos a exibir a importância do trabalho para o cidadão, não ostentando o direito fundamental do trabalhador como ilimitado e absoluto, até porque o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF é inquestionável de que não há direitos e garantias com caráter absoluto no nosso sistema constitucional, pois nosso Estado é democrático (MS 23452, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086).

Na verdade, se não houvesse limites para os direitos fundamentais, não haveria limite para o particular. Os direitos tidos e colocados na Constituição como os mais importantes e, assim, ocupando o ponto mais alto da hierarquia jurídica, também devem ser restringidos, caso contrário o objetivo do Estado organizado e a aplicação do princípio da igualdade não iriam ter qualquer valia.

Na hipótese de a todos os seres humanos ser permitido fazer o que quisessem por se acharem amparados integralmente pelos seus direitos fundamentais à vida, à igualdade, à manifestação de pensamento, a liberdade de profissão e locomoção, ao direito de reunião, associação, propriedade e consciência religiosa, o que haveria era desordem. 

A nossa Carta de 1988 reconhece a vida, no entanto, autoriza pena de morte em caso de guerra declarada; prima e consagra a igualdade de todos, mas estabelece desigualdades entre homem e mulher, destacando diferenças com relação à licença-maternidade e licença-paternidade, aposentadoria antecipada para as mulheres e o serviço militar obrigatório para os homens; assegura a liberdade de pensamento vedando o anonimato; as profissões terão que ser estabelecidas em lei, mas algumas não são necessárias o porte de diploma; a locomoção e reunião são livres no tempo de paz, restritas na vigência do estado de sítio e de defesa; a propriedade deverá observar a função social, caso contrário poderá sofrer desapropriação. É possível, assim, perceber que a própria Constituição pauta limites aos direitos fundamentais, haja vista a necessidade de convivência harmoniosa em sociedade.

Trazemos, para finalizar com nossa tese e, após, justificá-la, uma decisão representativa do nosso tema. O Tribunal Regional do Trabalho – TRT da 20ª (vigésima) Região, com jurisdição no Estado de Sergipe, deparou-se com mais uma demanda proposta pelo Ministério Público do Trabalho – MPT.

Os representantes locais do Parquet, após receber uma denúncia da existência de uma empresa que estava fazendo consultas ao serviço de restrição ao crédito de candidatos como requisito de aptidão para preenchimento de futura vaga, propuseram uma ação civil pública, visando à obtenção de uma decisão judicial capaz de impedir a conduta da referida empresa.

Na 1ª Instância, a empresa requerida foi condenada à obrigação de não fazer a consulta, sob pena de multa. Entretanto, contra a mencionada decisão foi interposto recurso ordinário para o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, cujo acórdão prolatado acolheu o recurso da reclamada, reformando a decisão do juízo a quo, conforme se vê do trecho da decisão que a seguir se colaciona:

 

[...] 2 - PROCESSO DE SELEÇÃO – PESQUISA SOBRE A CONDUTA PESSOAL DO CANDIDATO – CONHECIMENTO. O recorrente alegou que o acórdão recorrido violou os artigos 1º, III, 3º, IV, 5º, X, da CF/88, 1º, da Lei nº 9.029/1995, sustentando, em síntese, que a conduta da reclamada é discriminatória e fere os dispositivos legais em destaque. O artigo 1º, III, da CF/88, insere-se como um dos "fundamentos" da República Federativa do Brasil, relacionado à "dignidade da pessoa humana", matéria esta totalmente estranha à controvérsia dos autos, que aborda pedido de obrigação de não fazer, abstenção de prática supostamente discriminatória, cumulado com indenização por dano moral coletivo. Além disso, referido preceito tem caráter eminentemente genérico, inaplicável à hipótese vertente. No mesmo sentido, não se reconhece a alegada violação direta e literal ao artigo 3º, IV, da CF/88, que também de forma genérica estabelece os "objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil", dentre os quais "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação." O artigo 5º, X, da CF/88 dispõe que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;" Se os cadastros de pesquisas analisados pela reclamada são públicos, de acesso irrestrito à toda a coletividade, não há como admitir que a conduta da empresa tenha violado a "intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas". O artigo 1º da Lei nº 9029/95 dispõe, in verbis: "Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. Referido dispositivo, contudo, trata especificamente de práticas discriminatórias relacionadas a "motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade", não tendo qualquer pertinência com a prática da reclamada em realizar prévia consulta sobre a conduta dos candidatos às vagas de trabalho disponibilizadas pela empresa. Se não há qualquer vedação legal à própria existência de serviços de proteção ao crédito (SPC e SERASA),  de registros policiais e judiciais, menos ainda poderia ocorrer quanto à possibilidade de algum interessado pesquisar tais dados, a fim de melhor avaliar os riscos a serem enfrentados caso decida realizar o negócio jurídico que tem em mente, e, mais especificamente, à contratação de empregados. Como bem salientado pelo acórdão recorrido, "não se pode retirar do empresário o direito de separar e escolher para o seu serviço, dentre os candidatos que se apresentam, aqueles que são portadores das qualificações técnicas necessárias e cuja conduta pessoal não se desvia da normalidade".

Se a Administração Pública, em praticamente todos os processos seletivos que realiza, exige dos candidatos, além do conhecimento técnico de cada área, inúmeros comprovantes de boa conduta e reputação, não há como vedar ao particular, no caso o empregador, o acesso a cadastros públicos como mais mecanismo de melhor selecionar candidatos às suas vagas de emprego, mesmo porque todos estes cadastros detém natureza pública, de acesso irrestrito a qualquer interessado, salvo as exceções legais. Não conheço. [...]

(Processo: RR - 38100-27.2003.5.20.0005 Data de Julgamento: 08/02/2012, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/02/2012).

 

Em que pese o respeito à autoridade das decisões judiciais, entendemos que a mencionada decisão não encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro.

É que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III, CF/88), sendo o trabalho essencial para corporificar a dignidade do homem, pois será através dele que o exercício de outros direitos que emanam dessa condição poderão vir a ser concretizados. Ilustramos nossa explicação com o direito fundamental ao lazer. O desenvolvimento social e econômico também deverá necessariamente ser voltado para atividades que proporcionam bem estar ao ser humano, por ser um conjunto a ser promovido para avanço da nação. E são justamente os avanços sociais, tecnológicos e econômicos que muito ajudam para compreensão da valorização ao trabalho e o respeito que ele merece ter diante da coletividade.

O preconceito é vedado pela Constituição Federal (art. 3º, IV) e todas as formas de exclusão de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos sem qualquer razão para tanto e derivada de preconceito quanto ao sexo, idade, cor, religião, orientação sexual, etnia ou qualquer outro motivo injusto não podem ser juridicamente toleráveis, haja vista sua total impossibilidade legítima pelo elemento discriminatório.

Ademais, o princípio da isonomia e os valores sociais do trabalho demonstram que o sacrifício depositado por colocar o direito fundamental do futuro patrão como valor objetivado fere muito mais as finalidades constitucionais.

Assim, de se perceber que a conduta da empresa requerida representa um ato de exclusão do grupo de cidadãos-trabalhadores que se encontram com crédito restrito no comércio, violando o mandamento nuclear da isonomia entre os indivíduos e, para tanto, fundada em uma condição pessoal, econômica e social, desvinculada da natureza jurídica do contrato de trabalho.

Tal critério é motivo injusto, razão pela qual o comportamento do empregador se enquadra em discriminação do tipo indireta, pois acreditamos que ocorreu um disfarce quanto ao respeito dos direitos fundamentais do trabalhador, sendo seu descumprimento percebido posteriormente, no processo de seleção.

É ainda discriminação do tipo negativa, em virtude de o tratamento do empregador buscar desmerecer o grupo de pessoas por critério subjetivo, atribuindo aos discriminados um descrédito. Por fim, encerra discriminação vertical por estar relacionada com a hierarquia dos cargos, entendida como um desvio do poder discricionário e por conta dele.

À vista disso, percebemos que há uma colisão entre direitos fundamentais aqui consistentes no direito fundamental de propriedade do empregador (art. 5º, XXII, CF/88), em face dos direitos fundamentais do trabalhador, especialmente de não ser discriminado (art. 3º, IV, CF/88), de não ter sua intimidade, vida privada e honra violadas (art. 5º, X, CF/88), de não ver sua presunção de inocência ofendida (art. 5º, LVII, CF/88), tampouco de ter sua dignidade contrariada (art. 1º, III, CF/88).

Desta feita, faz-se imperioso o uso da técnica de ponderação para solucionar o conflito que aqui se apresenta.

Acerca da epigrafada técnica, convém transcrever o ensinamento de George Marmelstein (2009, p. 389),

 

Na técnica da ponderação [...] em um primeiro momento, tentar conciliar ou harmonizar os interesses em jogo, através do princípio da concordância prática. Somente depois, se não for possível a conciliação, é que se deve partir para o sopesamento ou para a ponderação propriamente dita [...].

 

Através da técnica apontada, busca-se, portanto, prudência, equilíbrio e proporcionalidade dos valores constitucionais. A tentativa é a harmonização e a aplicação do princípio da concordância prática dos interesses em jogo, sem que haja o total sacrifício dos direitos colidentes.

Invocamos, ao desenvolver o trabalho, que tais circunstâncias que desenvolvem comportamentos desrespeitosos à condição inerente de ser humano causam violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da não discriminação, que acabam ferindo também a intimidade e a vida privada do trabalhador.

O poder diretivo conferido pelo artigo 2º da CLT encontra suporte no direito fundamental de propriedade (art. 5º, XXII, CF/88), que autoriza o empregador a selecionar os trabalhadores que melhor atendam às necessidades de sua empresa. Ocorre que tal poder não é ilimitado, devendo ser exercido com boa-fé e observar a natureza jurídica do contrato de trabalho, restringindo-se tão somente às aptidões profissionais do empregado, sob pena de ensejar responsabilidade civil, se provocado dano.

Essa conduta poderá, sim, causar danos aos direitos da personalidade do empregado, haja vista que fere sua vida privada, intimidade, honra e imagem por exclui-lo da seleção de emprego com fundamento em condição pessoal (arts. 11 a 21, CC). Para tanto, poderá o trabalhador buscar a reparação civil na Justiça do Trabalho por força do art. 114, VI, CF/88 e Súmula 392 do TST.

A previsão que até hoje é lembrada como fundamento para a conduta do empregador é a justa causa dos bancários que existia no artigo 508 da CLT, cuja redação assim estabelecia: “Considera-se justa causa, para efeito de rescisão de contrato de trabalho do empregado bancário, a falta contumaz de pagamento de dívidas legalmente exigíveis”.

Mencionado dispositivo legal foi revogado pela Lei nº 12.347 de 2010, pelo entendimento de que se configurava discriminação. Se a finalidade da conduta é incompatível com a Constituição não há que se falar em seu valor, até porque se fere a lei maior e foge de seus ditames, transgredindo-a, é inconstitucional.

O sopesamento é justamente a ponderação. Existiria a demonstração de qual regra valeria mais, no caso concreto. Neste ponto, diante dos valores colidentes, quais sejam, direito de fazer a consulta creditícia do candidato ao emprego sob o direito fundamental de propriedade e o direito da personalidade do candidato que assegura a integridade moral e defende o direito a honra, a imagem e a intimidade, amparadas na Constituição Federal, no Código Civil e na Lei Federal nº 9.029/95, é que se indica que os valores constitucionais do trabalhador devem ser priorizados em face do direito do futuro patrão, com o intuito de se atender às finalidades da Lei Maior.

É necessário falar que o princípio da isonomia e o da proporcionalidade têm uma relação estreitada, ou seja, são atados ao ponto de serem confundidos. Desse modo George Marmelstein (2009, p. 407) nos mostra que,

 

na verdade, a relação entre a isonomia e a proporcionalidade é a mesma relação que o princípio da proporcionalidade possui com os demais direitos fundamentais. Ou seja, ele vai servir para verificar se as restrições ao direito fundamental à igualdade são ou não válidas.

 

Pela consagração da ordem constitucional da busca do equilíbrio entre o poder diretivo e a obtenção de emprego é que se tem a igualdade como um critério orientador da aplicação dos direitos fundamentais. A natural assimetria decorrente entre os envolvidos dessa relação, os institutos trabalhistas, antes de tudo, observam os direitos dos cidadãos, e a discriminação, como já conceituada e classificada no capítulo anterior, vai contra a dignidade da pessoa humana por ferir a isonomia entre os homens.

É o conteúdo social do trabalho que faz com que se coloquem os atos preconceituosos fora do cenário das relações de trabalho. Importante destacar que a exclusão colocada aqui é negativa e, para tanto, desarrazoada.

Importante lembrar que a adoção de medidas para garantir a segurança do patrimônio do empregador é tarefa exclusiva sua, uma vez que, pelo princípio da alteridade, é inerente ao risco assumido pelo empreendimento, e não se justifica apenas na desconfiança do patrão com relação à honestidade dos trabalhadores.

Além do mais, a conduta do empregador, quanto à imposição como critério de seleção de trabalhador que não tem restrição nos cadastros de restrição de crédito, já que envolve informação do trabalhador diz respeito a sua vida pessoal, afastada ligação com a profissional, sendo pois desarrazoada.

De se destacar que a todos os indivíduos foi conferido o direito fundamental à presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88), de modo que um trabalhador com restrição de crédito não pode ser sumariamente excluído de um processo seletivo por repousar sobre ele a pecha de desonestidade, ao se supor que ele cometeria um ato de improbidade.

Está compreendido no poder diretivo do empregador o poder disciplinar, que autoriza a punir qualquer empregado, com ou sem restrição de crédito, que eventualmente praticar ato de improbidade, sendo-lhe autorizado, inclusive, dispensá-lo por justa causa, consoante permissivo do artigo 482, CLT.

Ora, se nem mesmo os bancários podem ser demitidos por justa causa em decorrência de serem devedores contumazes, haja vista a revogação do já alegado artigo 508, da CLT, com mais razão os demais empregados não poderão ter sua intimidade e vida privada violada, pena de restar violado o artigo 5º, X e LVII, da Constituição Federal de 1988.

Corrobora a tese aqui defendida a seguinte decisão da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho – TST:

 

Ementa: RECURSO DE REVISTA. EMPRESA DE BANCO DE DADOS. OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE ANTECEDENTES CRIMINAIS, TRABALHISTAS E CREDITÍCIAS RELATIVAS A EMPREGADOS OU CANDIDATOS A EMPREGO. DANO MORAL COLETIVO. I - Trata-se de discussão que envolve o direito de informação do empregador, diante da contratação pela empresa de serviços Innvestig, que vendia informações acerca de antecedentes criminais, trabalhistas e creditícias de candidatos a vagas de emprego, versus, o direito à intimidade. II - O constituinte de 1988 ao estabelecer um capítulo na Carta Magna, dedicado exclusivamente aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, em nenhum momento conferiu a qualquer deles um caráter absoluto. E, não tendo conferido nenhuma hierarquia entre os direitos fundamentais, a solução a ser utilizada é a ponderação de interesses. III - Observa-se, pois, que a pesquisa de antecedentes criminais, trabalhistas e creditícias relativa a empregados ou candidatos a emprego revela-se discriminatória, configurando-se como verdadeiro abuso de poder e violação da intimidade das pessoas, tendo em vista a constatação de que a obtenção das informações era realizada a revelia dos candidatos. IV - A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais consagrou a tese de que, em se tratando de danos morais, e não materiais, a única prova que deve ser produzida é a do ato ilícito, se presentes os pressupostos legais para a caracterização da responsabilidade civil, quais sejam, a culpa e o nexo de causalidade, porquanto tal dano constitui, essencialmente, ofensa à dignidade humana (art. 1º, inciso III, da Constituição da República), sendo desnecessária a comprovação do resultado, porquanto o prejuízo é mero agravante do lesionamento íntimo. IV - Diante disso, tem-se que o ato da reclamada, ao contratar uma empresa para investigar os antecedentes criminais, trabalhistas e creditícias, viola o artigo 5º, X, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: RR - 9891800-65.2004.5.09.0014 Data de Julgamento: 09/06/2010, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/06/2010).

 

De se ressaltar, ainda, que a Orientação nº 8 da Coordenadoria Nacional da Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho – Coordigualdade, aprovada na III Reunião Nacional da Coordigualdade em 2004, se posiciona quanto à ilicitude da consulta dos dados do futuro empregado aos órgãos de restrição de crédito como critério de seleção a uma vaga de emprego, a saber:

 

É discriminatória a exigência de certidão negativa em órgão de consulta creditória, como SERASA, SPC ou qualquer outra entidade similar, bem como a exigência de carta de fiança, para admissão, promoção ou permanência no emprego.

 

Além de tudo já dito, essa conduta dificultaria a seleção de candidatos aptos para o preenchimento da vaga e aumentaria também ciclo de pobreza do trabalhador. É que em muitas ocasiões o trabalhador não quita suas dívidas exatamente porque está desempregado, vindo a ter o nome incluído nos cadastros de restrição de crédito, não conseguindo saldar sua dívida pelo fato de não conseguir ser selecionado para uma nova vaga, eis que se encontra com pendências nos mencionados cadastros.

É imperioso salientar que as situações de dificuldades financeiras são inerentes à realidade socioeconômica dos cidadãos e são inúmeras as possibilidades que se podem levar a inscrição de um nome no cadastro de restrição ao crédito, haja vista que para manter uma vida financeira rigorosamente equilibrada os imprevisto sobrevindos terão que ser sanados também.

Outro ponto a ser destacado é a falha do serviço dos bancos de dados que se voltam ao crédito comercial. Inúmeras são as vítimas que não fizeram qualquer compra, que nunca solicitaram qualquer cartão de crédito e nem conhece aquele local de vendas que já se encontraram constrangidas com a indevida indicação de seus nomes como restritos.

Relevante também é o ensinamento conduzido pelo título VII da Constituição que versa sobre a Ordem Econômica e Financeira. O princípio da função social da propriedade listado no art. 170 tem, segundo Pedro Lenza (2010, p. 984), “[...] por fim, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e funda-se em dois grandes pilares: valorização do trabalho humano e livre-iniciativa” (grifos nossos), reafirmando os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV, CF/88) aqui já destacados.

A desorganização financeira não afere a honra das pessoas e, nesse passo, a atuação dajurisprudência, é que vem realizando o encargo de ajustar os fatos à lei e até a falta desta, determinando que a prática da consulta aos cadastros de proteção de créditos não é uma conduta razoável, conforme se verificou no julgado apresentado outrora.

Atualmente já existem doutrinadores que fortalecem o entendimento jurisprudencial, a exemplo de Mildred Lima Pitman de Oliveira (2013, p. 417) e Francisco Carlos da Silva Araújo (2012, p. 167), colocando o ato da consulta aos órgãos de proteção ao crédito como forma de seleção de emprego uma conduta preconceituosa, demonstrando que todos os posicionamentos utilizados pelo art. 1º da Lei nº 9.029/95 são de combate à discriminação injustificada.

Algumas condutas que podem vir ser tomadas pelos sindicatos e MPT no intuito de coibir essa atitude do empregador. Ambos poderão atuar tanto de forma preventiva quanto judicial

Extrajudicialmente, o sindicato pode fazer campanhas de esclarecimento junto aos empregados e às empresas, convocando assembleias, fazendo palestras, divulgando impressos, vídeos, dentre outros. Judicialmente, poderá valer-se de ações coletivas no âmbito da Justiça do Trabalho caso entenda que houve violação a direitos coletivos em sentido estrito ou até mesmo individuais homogêneos (art. 81, da Lei nº 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor – CDC). Tal se deve em razão de o sindicato representar a categoria não apenas em questões administrativas, mas também judiciais, nos termos do artigo 8º, III, CF/88.

O Ministério Público do Trabalho – MPT poderá, por sua vez, realizar audiências públicas para discussão e conhecimento de todos cidadãos, promover a divulgação do tema em revistas de fácil acesso ao grande público, divulgar artigos jurídicos no intuito de especializar os profissionais, realizar seminários, celebrar parcerias com o Ministério do Trabalho e Emprego para produção e divulgação de materiais que versem sobre o tema, e, de acordo com os arts. 129, III da CF/88 e 83 e 84 da Lei Complementar nº 75/1993 instaurar procedimentos preparatórios ou inquéritos civis ou firmar Termos de Ajuste de Conduta.

Quanto ao campo judicial, o MPT poderá propor Ação Civil Pública pela busca da tutela de interesse coletivo que versa o assunto (art. 1º, IV, da Lei nº 7. 347/85).

De se perceber que o tema ainda é polêmico e que dificilmente se conseguiria esgotar tantas opiniões que vão surgindo sobre ele no dia a dia. A despeito de respeitar as opiniões doutrinárias e as decisões jurisprudenciais em contrário, reputamos que a tese que deve prevalecer quanto à possibilidade de consulta aos órgãos de restrição de crédito como fase de seleção à vaga de emprego é aquela que anseia compatibilizar os direitos fundamentais do trabalhador com a implementação de regras do direito para que desatassem o assunto com a realidade fática.

Somente assim será possível conseguir superar a barreira das desigualdades e, consequentemente, proporcionar o alcance da sua melhor forma através de normas cada vez mais condizentes com a realidade constitucional, que de fato é a mais razoável.


 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

Percebemos ao longo do estudo que a história do Direito do Trabalho é recheada da característica de busca pela inclusão social e fundada por lutas de interesse da classe de trabalhadores em razão do reconhecimento social do trabalho.

A publicação da decisão do TRT da 20ª Região, que admitiu a consulta aos serviços de proteção ao crédito como mais um meio de habilitar trabalhador à vaga de caixa de supermercado, veio abrir precedente que causou grande repercussão social.

O conflito entre o poder diretivo na fase pré-contratual e os direitos da personalidade do empregado deixou várias interrogações quanto à admissibilidade pelo ordenamento jurídico brasileiro da prática da consulta a cadastros de proteção ao crédito como requisito de aptidão a emprego.

Verificamos que o contrato de trabalho é marcado pelo princípio da alteridade, que autoriza o empregador a dirigir o seu negócio, uma vez que a assunção dos riscos ocorre por conta exclusiva do empregador (artigo 2º, CLT). Ocorre que tais poderes não são ilimitados.

É que a natural assimetria existente entre os envolvidos dessa relação devido à subordinação jurídica existente entre patrão e empregado, dada pelo poder diretivo, deve observar os direitos dos cidadãos, a dignidade da pessoa humana pelo trabalho consistir em condição mínima para dignidade do homem.

Para tanto, os poderes do empregador são limitados pelos postulados da Constituição Federal e pelas leis que buscam a promoção do trabalho. O patrão poderá buscar na seleção trabalhadores que melhor se enquadram no cargo, não se podendo valer de ferramentas que possibilitem exclusões fundadas em causas desprovidas de razoabilidade e, portanto, preconceituosas, tais como exigências inclinadas ao gênero, cor, religião, altura, peso, estética, idade, estado civil, condição social, doença, dentre outras.

O conteúdo social do trabalho é que faz com que se coloquem os atos preconceituosos fora do cenário das relações de trabalho. Sendo assim, o acesso ao emprego não admite a redução a uma determinada categoria de pessoas ou a uma situação específica, pois sua intolerância no mundo constitucional e infraconstitucional é inadmissível diante das circunstâncias.

Vivemos numa sociedade plural com heterogeneidade de trabalhadores com necessidade dos olhares voltados apenas para discriminação positiva e ações afirmativas, não sendo tolerada a discriminação negativa fundada em critérios desproporcionais e desarrazoados.

Inexistindo viés razoável que justifique a exclusão do trabalhador, acabará ferindo direitos inerentes à condição de ser humano, desenvolvendo comportamentos desrespeitosos, de modo a se enquadrar sua conduta como ilícita. Além do mais, causará dano moral por ferir a vida privada, intimidade honra e imagem configurando dano moral passível de reparação civil.

Os poderes de organização, controle e disciplina conferidos ao empregador encontram limites no ordenamento jurídico brasileiro, não apenas durante a vigência do trabalho, mas também na fase pré-contratual.

Compreendemos também que o preconceito e a discriminação têm uma relação de proximidade, pois são critérios de distinção negativa e, portanto, desqualificantes.

Ademais, percebemos que não há dúvidas que em diversas ocasiões se verifica a falha do serviço dos bancos de dados que se voltam à proteção do crédito comercial, já existindo inúmeras vítimas constrangidas com a indevida indicação de seus nomes restritos.

Vislumbramos, inclusive, que a referida conduta contribui para a continuidade do ciclo de pobreza, uma vez que o trabalhador não consegue saldar suas dívidas exatamente porque está desempregado, vindo a ter o nome incluído nos cadastros de restrição de crédito. E, por não conseguir quitar sua dívida, acaba perdendo a oportunidade de ocupar uma vaga de emprego.

A atitude do empregador importa, ainda, subversão no princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88), condenando à não obtenção de emprego aquele que consta com restrição nos serviços de proteção ao crédito, partindo do pressuposto de que irá cometer ato de improbidade, o que não pode ser tolerado pelo sistema jurídico brasileiro.

Assim, conseguimos entrever que a matéria é carente de regulamentação específica dada à limitação legislativa nacional e internacional quanto a uma lei que culmine responsabilidade e punições, no entanto, a análise pode ser feita sob o ponto de vista da discriminação, da responsabilidade civil e da ponderação dos direitos.

À vista disso, percebemos que o ato de colocar como requisito de admissão de empregados a consulta creditícia de seus nomes é conduta ilegal, em razão de total desrespeito à dignidade individual dos trabalhadores, pois caracteriza discriminação negativa, no momento da aquisição de emprego, vertical e indireta.

Por isso, a solução que avistamos foi a aplicação da técnica da ponderação, revelando que o direito fundamental do futuro patrão demonstra menos sacrifício depositado por colocar como valor objetivado os méritos sociais do trabalho ferindo muito menos com as finalidades constitucionais, quais sejam, o direito fundamental de não ser discriminado injustamente (art. 3º, IV, CF/88), de não ter sua intimidade, vida privada e honra violadas (art. 5º, X, CF/88), de não ver sua presunção de inocência ofendida (art. 5º, LVII, CF/88), tampouco de ter sua dignidade contrariada (art. 1º, III, CF/88).


 

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