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Resumo:
Este artigo propõe apresentar um estudo reflexivo das práticas educativas formais no contexto interno das prisões, com ênfase nas políticas públicas desenvolvidas no cenário brasileiro. Entre as diversas legislações pertinentes à educação nas prisões
Texto enviado ao JurisWay em 30/03/2014.
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Este artigo propõe demonstrar, através de referencial bibliográfico, como a educação prisional tem sido desenvolvida no Brasil diante de todos os desafios que são próprios da educação do país.
O conceito de educação para todos ganhou destaque mundial, inspirando diversas resoluções e manifestações de políticas, legislação e planejamento educativos; no entanto, o Brasil padece de graves problemas quanto à maioria dos índices de desenvolvimento educacional. Distante de atingir os padrões das nações mais ricas continua atrás dos países da América Latina, exceto dos mais pobres.
Diante do termo “educação para todos”, as pessoas encarceradas tem direito à educação, assim como todos os seres humanos. Pretende-se aqui apresentar um panorama nacional da educação prisional, visando demonstrar como esta vem sendo tratada e instituída como política pública de ressocialização dos presos e presas.
Segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (2008), o país possuía aproximadamente 446.687 pessoas adultas privadas de liberdade, na sua grande maioria analfabetos e/ou não possuem o ensino fundamental completo. Dados expressivos e distantes do conhecimento da sociedade civil.
O problema carcerário não é exclusivo do Estado e sim uma questão social, que não será resolvido tão somente pela educação prisional, a qual objetiva a ressocialização e reintegração destes indivíduos que se encontram à margem, para tanto é necessário que todos os partícipes da sociedade sintam-se parte deste processo.
Em linhas gerais, a educação e o trabalho como proposta de inclusão social para detentos e egressos ainda é tema pouco explorado pela sociedade acadêmica entre outros estudiosos, daí a importância deste artigo.
Em razão da grande população carcerária, que cresce assustadoramente no Brasil, faz-se urgentemente necessário que estudos, pesquisas e demonstração de trabalhos acadêmicos como este sejam realizados nas instituições superiores de ensino e pesquisa e levados à sociedade civil como forma de esclarecimentos e principalmente de sensibilização para que cada um que se encontra fora dessa situação de risco possa contribuir socialmente vislumbrando segurança e proteção.
ASPECTOS GERAIS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO PRISIONAL
O direito à educação é um direito humano essencial para a realização da liberdade e para que esta seja utilizada em sociedade. Desta forma, ao se abordar a educação para adolescentes, jovens, adultos e idosos privados de liberdade, é importante ter claro que para os reclusos o direito à educação lhes é assegurado universalmente, como prevê a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), explicitando em seu artigo XXVI:
1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais tem prioridade de direito na escolha de gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo seu caráter global, qualifica a educação a ser promovida a todas as pessoas, inclusive àquelas que se encontram privadas de liberdade e significa dizer que o Estado deverá estabelecer metas para cumprimento desse direito.
A Constituição Federal, em seu artigo 205, reconhece, explicitamente, a educação como um direito de todos, consagrando, assim, a sua universalidade. Trata-se, portanto, de direitos que devem ser prestados sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação constituindo assim objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (artigo 3º, IV, CF/88). Contudo, não obstante o reconhecimento expresso da universalidade dessa categoria de direitos, a sua implementação demanda a escolha de alvos prioritários, ou seja, grupos de pessoas que se encontram em uma mesma posição de carência ou vulnerabilidade, sendo que o objetivo primordial dos direitos sociais é corrigir desigualdades próprias das sociedades de classe, aproximando grupos ou categorias marginalizadas na atualidade.
Prevê ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei Federal 8.069/90 no artigo 124, XI c/c artigo 94, X, como direitos do adolescente privado de liberdade receber escolarização e profissionalização, estabelecendo também a responsabilidade das entidades que desenvolvam programas de internação propiciar escolarização e profissionalização.
Para cumprimento deste preceito legal, o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020[1], meta 7.15 promove a garantia de implementação de políticas de inclusão e permanência na escola para adolescentes e jovens que se encontram em regime de liberdade assistida e em situação de rua.
A Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), embora posterior à Lei de Execução Penal, não contemplou em seus dispositivos a educação em espaços de privação de liberdade. Essa omissão foi corrigida no Plano Nacional de Educação – PNE, instituído pela Lei n°10.172/2001. A 17ª meta prevê a implantação em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens em conflito com a lei, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim como formação profissional, contemplando para esta clientela as metas relativas ao fornecimento de material didático-pedagógico pelo Ministério da Educação (MEC) e à oferta de programas de educação à distância.
A educação em prisões requer dos profissionais que trabalham diretamente com os presos e internados o perfil que expresse “autoridade”, surgindo esta através da competência e do empenho profissional do professor, estabelecendo uma mediação democrática, através da ênfase predominante que faça convergir liberdade e igualdade, tendo como critério norteador a qualidade de vida humana coletiva. Para que exista construção do conhecimento é necessário que haja normas que garantam liberdade de expressão de ideias e sentimentos e participação responsável do grupo.
A pressão do ambiente do sistema prisional só garantirá esta construção de conhecimento formal se o professor exercer sua autoridade, expressando assim sua competência, a qual lhe credenciará como sendo aquele que melhor poderá executar determinadas funções. Segundo Paulo Freire,
a educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres vazios a quem o mundo “encha” de conteúdos; (...). Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo. (FREIRE, 2005, p. 77).
Ainda segundo Paulo Freire, tendo como base os princípios norteadores de sua prática pedagógica que compreende todos os espaços como educativos e a pessoa privada de liberdade como sujeito de direitos e, sendo o processo educativo como uma das formas de reconhecimento de sua condição humana; a educação, além de ser garantida como direito, deverá prepará-la para exercer a cidadania, possibilitando sua reinserção na sociedade e no mundo do trabalho.
O preâmbulo da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem pontua que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos [...]”. A educação surge como garantia de direito e como expectativa de preparação para a vida livre, ou seja, a ressocialização. É importante compreender que as oportunidades dadas a esta população específica, também contribuem para o desenvolvimento do país, através da melhoria das condições de vida dos reclusos (quando posteriormente em liberdade) e das suas famílias, para a diminuição do número de reincidentes no sistema prisional, portanto, depreende-se que a educação é base para o desenvolvimento humano.
Partindo da expectativa de vida livre após a ressocialização, sendo esta uma das finalidades da pena, uma questão que tem reflexos diretamente na segurança pública diz respeito aos egressos, principalmente para o mercado de trabalho. É dever do Estado proporcionar condições mínimas de incentivo para que o egresso possa iniciar uma nova vida, livre e ajustada aos preceitos sociais. Entretanto o próprio Estado pune bis in idem[2] o individuo, quando lhe veda a participação em concursos públicos e/ou lhe proíbe assumir cargos públicos e as empresas, vindo a saber de seus antecedentes, também não lhe disponibilizam oportunidades de trabalho.
De certa forma, ao sair da prisão muitos estão fadados a retornar ao sistema carcerário, sendo muitas das vezes a única forma de emprego e sustento às famílias, pois enquanto presos tem garantido trabalho e consequentemente remuneração e, com isso, podem também manter-se despreocupados quanto aos familiares que desfrutarão do aparato do Estado.
Em linhas gerais, educação e trabalho como proposta de inclusão social para detentos egressos do sistema penitenciário é tema pouco explorado pelos pesquisadores, estudiosos e acadêmicos, especialmente relacionados às práticas exitosas que possam, de certa forma, colaborar para a qualificação de grupos tão heterogêneos, bem como a institucionalização de políticas que consolidem estas práticas.
Em todo estudo, de um Estado a outro, os traços que caracterizam o ambiente interno do sistema prisional são idênticos, como as regras próprias de convivência existentes em cada pavilhão que é seguido rigorosamente pelos presos, normas estas submetidas pelos presos antigos aos presos provisórios que estão sujeitos a receberem a sentença de condenação pelo juiz da vara de execução penal, restando-lhes então o cumprimento das regras impostas, gerando assim o próprio regimento interno dos presos.
Um dos instrumentos que deverão ser objeto de política pública são os Regimentos Internos das Penitenciárias que deverão estar associados ao projeto educacional pedagógico, havendo um ponto de equilíbrio entre tantas formas de poder, e todos buscam segurança, mesmo que seja individual, como é o caso do preso que se sujeita a obedecer ao regimento interno imposto pelo próprio preso denominado/escolhido como uma espécie de chefe do pavilhão, garantindo sua própria integridade física, além de outros fatores, pois a criminalidade está dentro e fora da prisão. Todos estão sujeitos a criminalidade e combatê-la é função coletiva.
Pesquisas demonstram que a prevenção ainda é a melhor maneira de combater o crime e prevenir que a cada dia jovens e adultos possam estar superlotando ainda mais o sistema carcerário, em relação à prevenção Tulio Kahn – pesquisador do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente – ILANUD explicita que existem formas de combater a criminalidade através de projetos consistentes e possíveis de serem desenvolvidos na comunidade.
[...] prevenção ao crime é aquela baseada em projetos que têm as seguintes características: um diagnóstico preciso que determine os desafios, fatores de risco e recursos da comunidade, um plano de ação que estabeleça prioridades, identifique programas que podem ser modelos úteis e defina objetivos de curto e longo prazo; um processo de implementação rigoroso que inclua o treinamento e coordenação dos parceiros envolvidos; avaliações que envolvam retornos tanto sobre os processos quanto sobre os resultados obtidos; uma coalizão de atores chaves com lideranças fortes e “staff[3]” de apoio administrativo; uma estratégia de comunicação que pode mobilizar profissionais e cidadãos e é sensível a idade, ao gênero, e as diferenças culturais. (ILANUD, org. KAHN, p. 120-121, 2002).
Essa ruptura entre o preconizado e a realidade do cotidiano escolar e extramuros leva à desmotivação e à insegurança dos educadores, que mostram ter clareza de que a meta da reabilitação tem permanecido apenas no nível verbal, como uma expressão de esperança para o consumo público, em vez de um programa coerente e sustentável.
Neste contexto, a prevenção ao crime não é responsabilidade apenas da polícia, mas tarefa compartilhada por muitos setores do governo e da sociedade civil. Nenhum ser humano privado de liberdade nasceu criminoso, delinquente ou imune à mudança. A educação deve contribuir nesse processo de humanização, conscientização e formação, e ela só acontece através de um projeto educativo bem elaborado, que contemple um currículo que, além das disciplinas formais exigidas, também normas de convivência, noções de ética, cidadania, de forma a transformar seus conceitos em nova concepção filosófica de vida, com respeito à dignidade humana e social, o qual deverá ser desenvolvido pelos parceiros responsáveis pela educação – Estado e sociedade civil organizada – responsáveis pela inserção do recluso à sociedade.
Há que se enfatizar, portanto, que a ineficiência das políticas públicas penais é um desafio político global, que há uma dicotomia evidente entre a proposta pedagógica e a execução da atividade escolar na prisão. Aos pesquisadores preocupados com a problemática da educação das minorias oprimidas, cabe desvelar tais contradições e apontar as possíveis contribuições para a melhoria da qualidade de vida dos aprisionados, pois quanto maior for o desprezo da sociedade brasileira para com o destino deles, tanto maior será a questão de reprodução da desigualdade e da discriminação.
Para Cesare Beccaria, a prevenção do crime deverá ser feito de forma necessária:
Desejais prevenir os crimes? Fazei leis simples e claras; e esteja o país inteiro preparado a armar-se para defendê-las, sem que a minoria de que falamos se preocupe constantemente em destruí-las. Que elas não favoreçam qualquer classe em especial; protejam igualmente cada membro da sociedade; tema-as o cidadão e trema apenas diante delas. O temor que as leis inspiram é saudável, o temor que os homens inspiram é uma fonte nefasta de delitos. (BECCARIA, 1764, texto integral, (reimpressão), 2008, p. 102).
O autor considera que, para prevenção, medidas simples como leis que sejam do entendimento de todos, possíveis de serem efetivamente funcionais, e que todos estejam prontos para defendê-las, independente de condição social, são suficientes para se prevenir a criminalidade. No entanto, existe uma ambiguidade de leis, indiferentes ao conhecimento da população, na sua maioria são feitas para atender interesses de poucos. O que é repudiado pelo referido autor.
A respeito disto, uma declaração feita pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando participou no Estado do Espírito Santo de uma reunião sobre o combate ao crime organizado, ponderou “que a Justiça deve ser a mesma para pobres e ricos, como já dizia Lampião, em 1927, neste país, quem tiver 30 contos de réis não vai para a cadeia. Ainda em muitos casos prevalece exatamente assim.” (JURÍDICA, 2003, p. 14).
Da mesma forma que a educação pública de qualidade deverá ser inserida no interior dos ambientes de privação de liberdade, devendo estar comprometida com as condições de vida dos aprisionados e contribuir para melhorá-las, preparando-os de forma definitiva para auxiliar seu retorno a sociedade e não há como negar que, nesse espaço, o ser humano aprisionado resgata sua autoestima, busca a sua identidade e o diálogo, reconstrói sua história e valoriza os momentos de aprendizagem.
Desse modo, observa- se que a instituição escolar, independentemente de onde ela se encontre, toda a sua equipe tem uma grande ocupação: não permitir que o ambiente escolar seja simplesmente espectador dos problemas sociais. Portanto, o pleno exercício da cidadania compreende a prática do ato educativo e requer a participação ativa e compromissada dos cidadãos.
Normas Internacionais
O documento internacional adotado pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinqüentes, realizado em Genebra, em 1955, e aprovado pelo Conselho Econômico e Social da ONU prevê o acesso a educação de pessoas encarceradas, além de garantir que em cada estabelecimento prisional terá uma biblioteca para uso coletivo provida de livros recreativos e instrutivos, garantindo a estimulação dos presos para uso.
Dispõe ainda o documento que os Estados devem tomar medidas para melhorar a educação de todos os presos, incluindo a instrução religiosa nos países que forem possíveis. A educação de analfabetos e presos jovens será obrigatória, prestando- lhe a administração especial devendo a educação dos presos ser integrada ao sistema educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, a sua educação.
Pela Declaração de Hamburgo de 1997 o direito à educação de pessoas presas teve avanço, sendo preocupação desta estimular oportunidades de aprendizagens a todos, principalmente aos marginalizados e excluídos.
Em relação à proteção à criança, normas de direito internacional já orientavam o Brasil a definir políticas públicas que atendam crianças em situação de vulnerabilidade, segundo Jayme Benvenuto Lima Jr. a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (1997) apresentou o relatório sobre o Brasil, fazendo a seguinte orientação:
Se proteja de maneira mais efetiva as crianças em condições carentes e se tomem medidas especiais compensatórias para garantir sua igualdade de oportunidades, especialmente sobre o acesso a educação, segurança pessoal, serviços de saúde e saneamento básico. (Relatório CIDH, 1997, apud LIMA Jr. (org), 2002, p. 88).
Observando que no mesmo período que foi elaborada a Declaração de Hamburgo, o Brasil foi advertido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em relação a não prevenção efetiva de suas crianças, valorizando o acesso a educação, como sendo um dos preceitos básicos na transformação de uma realidade social.
Trabalho como finalidade produtiva e educativa
O Brasil não possui uma política voltada para o trabalho prisional que consolide a Lei de Execução Penal, apesar de inúmeros projetos serem elaborados visando à finalidade produtiva e educativa, remunerada e respeitada a aptidão e vontade do preso. Pesquisas recentes mostram que isto só será possível quando os requisitos exigidos pelo mercado em geral sejam cumpridos, ou seja, o trabalho só ajudará a reintegrar e a recuperar quando antes de iniciá-lo forem proporcionados aos presos cursos de qualificação profissional, demandados pelo mercado de trabalho. Uma vez profissionalizados e livres ainda assim necessitarão que o Estado os ajude a serem reintegrados, podendo ser oferecidos às empresas que empregarem ex-presidiários, benefícios que realmente estimulem a captação dessa mão de obra. Dessa forma estas pessoas terão como manter suas famílias, de forma digna e socialmente integrada.
É uma política de investimento que onera o Estado, pois este tipo de plataforma exige adequação e recursos humanos especializados, sendo mais cômodo para os Estados que os presos realizem serviços duros e pesados, na maioria das vezes como castigo, cultuando a falsa premissa de que este tipo de trabalho lhe ensinará uma lição e evitará a reincidência no crime.
No Brasil, segundo Roberto da Silva, é comum confundir os limites entre as políticas sociais básicas, a política de segurança pública e a política criminal e penitenciária definindo assim seus campos:
As políticas sociais básicas podem ter efeitos preventivos em relação à criminalidade e a reincidência, mas se referem a ações nas áreas de educação, saúde e habitação. A política de segurança pública reúne ações que interferem mais diretamente na criminalidade, como controle do porte de armas, policiamento ostensivo, medidas preventivas quanto à criminalidade, etc. A política criminal e penitenciária trata diretamente da prisão e do preso (SILVA, 2001, p.17).
Nesse sentido, investimento na área de política criminal e penitenciária, merece tratamento distinto em relação às demais políticas, o que permitirá a inversão do real papel das prisões de permanente incremento da criminalidade em espaços de reeducação e transformação social para que o preso seja capacitado tanto profissionalmente quanto socialmente para a reintegração à convivência social fora das prisões.
Quando se trata de discutir responsabilidades em relação ao preso, o Estado, a sociedade civil e as empresas têm, ao longo da história, cumprido papéis diferentes. O Estado desenvolve o mínimo exigido pela legislação, enquanto que a sociedade civil que se divide em entidades que cuidam da defesa de direitos (OAB, entidades de direitos humanos, entre outros), da promoção de direitos (Universidades, ONGS) e da reabilitação do preso (igrejas) congregam juntos, ou seja, a sociedade civil atuando na real defesa do estado democrático de direito, busca a correta aplicação dos procedimentos policiais e judiciais, os quais desenvolvem ações junto ao preso para melhora dos serviços prestados, proporcionando a ele mais conforto material, psicológico e espiritual; podendo neste contexto visualizar a iniciativa privada como a parte deste processo, somente se relacionando com o sistema prisional através de serviços licitatórios, construindo, reformando, fornecendo equipamentos e produtos.
As empresas, de modo geral tem se mantido distante da reformulação, operacionalização e avaliação da política criminal e penitenciária. O que, de certa forma, tem gerado graves reflexos na sociedade, inclusive nas empresas. A iniciativa privada encontrou na criação de uma indústria de segurança privada e na de seguros, a forma de se proteger da criminalidade. Repassando para o consumidor final estes custos.
Pesquisas mostram que mais de 85% de todos os crimes praticados no país são contra o patrimônio (furtos e roubos), e destes, outros 85% são praticados contra pessoa jurídica, os chamados crimes de sequestros, na maioria das vezes tem como alvo as empresas a que estão ligadas as vítimas.
O fato pelo qual as empresas devem investir e apoiar a política criminal e penitenciária “não são mais de natureza filantrópica. São, fundamentalmente, razões de sobrevivência a longo prazo.” (SILVA, 2001, p. 22),
Em relação ao perfil da população prisional, Roberto da Silva aponta que a comunidade científica que melhor estuda a criminalidade, produziu estudos e pesquisas suficientes que possibilitam entender de forma mais ampla o fenômeno da criminalidade; dentre eles:
[...] não é hereditária, isto é, não é transmitido de pais para filhos; não é congênita, isto é, ninguém nasce criminoso; não é biológica, isto é, não é característica específica de gênero, de raça ou de etnia; não é geográfica, isto é, não está limitada a determinados espaços geográficos; não é cultural, pois não afeta apenas pessoas de baixa cultura ou baixa escolaridade; não há uma causa única para explicar porque uns se tornam criminosos e outros não. (SILVA, 2001, p. 25).
O Brasil adota o princípio de progressividade da pena, podendo o preso evoluir do sistema fechado para o semiaberto e para o aberto, que equivalem à liberdade condicional e à prisão albergue domiciliar. Para efeito de aplicação da pena, o preso é classificado como primário ou reincidente, conforme prevê o código penal. As diferentes possibilidades de trabalho do preso estão relacionadas ao regime em que cumpre sua pena, conforme especificado nos artigos 31 a 37 da LEP/84, se este cumpre no regime fechado pode realizar trabalho interno para empresa particular, só podendo realizar trabalho externo se for em serviço ou obra pública; em regime semiaberto pode realizar trabalho externo para empresa privada.
Do ponto de vista dos agentes penitenciários, o trabalho para o preso tem finalidades laborterápicas, refletindo diretamente na conduta disciplinar, diminuindo as tensões e ociosidade. No entanto, os postos de trabalho não atendem a todos, pela escassez de oferta acaba-se tendo que realizar uma escolha, favorecendo os que cumprem a pena em regime semiaberto, pois estão mais próximos de serem colocados em liberdade.
Em relação ao trabalho das presas, pelo caráter de maternidade, não é considerado laborterápico e sim uma necessidade para manter o que restou em seus lares, principalmente o sustento dos filhos.
De acordo com as pesquisas realizadas e apresentadas por Silva (2001), a atuação das empresas mudaria o contexto atual em relação à inserção e ao amparo ao preso egresso no mercado de trabalho, na sociedade e no contexto familiar, o que ele chama de “processo de desprisionização” (p. 44).
Neste sentido, seria oferecer formas de sustentação como: emprego, moradia, auxílio à família até que o mesmo pudesse manter-se com o mínimo de dignidade básica na sociedade.
Considerações Finais
O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo para o setor penitenciário. Em 1984, o Congresso aprovou uma ampla reforma para o sistema prisional por meio da Lei de Execução Penal, que reconhece expressamente em favor das pessoas presas o direito à assistência material, assistência à saúde, assistência educacional, assistência social, trabalho e renda. No entanto, toda inovação não foi ainda, suficiente para resolver o caos em que se encontra o sistema penitenciário do país. A forma como tem sido conduzida a educação dentro do sistema penitenciário nacional não tem até agora representado real contribuição para que o preso possa de fato ser reinserido na sociedade com competência para o exercício da vida cidadã.
Conforme demonstrado nesse estudo, o Brasil se transformou em um país em que há leis em excesso, no entanto, é pouco ou quase nada colocado em prática. No meio de um arsenal de leis que garantem educação pública de qualidade, o país se encontra como sendo o de pior educação do mundo, sendo que as pesquisas que o classificam neste cenário também não envolvem a educação prisional, ficando esta população à margem social.
Outro ponto considerado na pesquisa é o fator trabalho como finalidade produtiva e educativa dentro das penitenciárias, e o que se visualiza é que o Estado e a sociedade civil pouco tem investido em políticas que possibilitem reais mudanças tanto educativas quanto sociais aos presos.
As empresas, por sua vez, tem se mantido silentes em relação a sua função social como partícipes desse processo de reformulação, operacionalização e avaliação de políticas públicas que resolvam ou amenizem a situação criminal do país.
Em conclusão, a educação formal precisa ser vista e entendida como uma das poucas ferramentas capazes de resolver as mazelas do país, e as políticas públicas capazes de resolver os problemas do sistema penitenciário e de todos os outros setores deve priorizar a educação pública de qualidade para todos, entendendo que estas políticas devem envolver os educadores como ferramenta essencial deste processo, valorizando o trabalho preventivo da educação no sentido de se evitar a criminalidade, formando cidadãos conscientes e praticantes de boas ações; remunerando dignamente e qualificando esses educadores e profissionais, bem como disponibilizando a eles condições adequadas de trabalho. Além disso, essas políticas deverão estar voltadas para a valorização humana, buscando envolver o preso em trabalhos, estudos e ações que venham a torná-lo cidadão capaz de conduzir sua vida com dignidade.
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