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Texto enviado ao JurisWay em 22/10/2012.
O presente trabalho se propõe a analisar a eficácia político criminal da antecipação da tutela penal em suas principais manifestações no nosso ordenamento.
Poderíamos questionar a eficácia político criminal da própria tutela penal, leia-se, a pena de fato é eficaz em prevenir o crime? Ela cumpre seu propósito de função preventiva geral positiva (fixação de valores no seio social) e função preventiva geral negativa (intimidação do potencial criminoso a não delinqüir)? Uma vez aplicada ao crime já deflagrado, tem a pena uma matiz ressocializadora, neutra ou criminógena?
A resposta sincera a esses questionamentos não podem advir de uma mera construção teórico-racional, por mais atraente que ela seja. É necessário embasamento por ampla e criteriosa pesquisa de campo.
A princípio, com base nos estudos já realizados, podemos apontar uma resposta provisória a pelo menos uma das questões; a pena privativa de liberdade aplicada não ressocializa e não é neutra, mas fator criminógeno.
Considerando que a pena é em si mesmo uma violência (em tese necessária) a bens jurídicos fundamentais (liberdade, patrimônio, etc), aliado ao fato de ser um fator criminógeno, reforça-se a idéia de que deve esta ser a última medida a ser empregada pelo Estado (subsidiariedade e fragmentariedade penal).
Com a evolução dos meios de interação social, as descobertas científicas e o desenvolvimento tecnológico houve uma ampliação dos riscos.
Em face deste fenômeno, um segmento da doutrina penal passou a defender a antecipação da tutela penal.
Este posicionamento é equívoco, pois se sustenta na idéia do Direito Penal como o instrumento por excelência da prevenção criminal.
De todos os instrumentos político criminais possíveis para prevenir o fenômeno criminal, o mais pesado, o mais inercial e o menos eficaz é o Direito Penal. Esta afirmação embasa-se em inúmeros fatores: a) o Direito Penal em um Estado Democrático de Direito tem que caminhar em uma velocidade lenta, a fim de garantir ao acusado seus inescusáveis direitos de defesa e de prova de inocência; b) o operador do Direito Penal é o paquidérmico Estado, envolto em toda a sua burocracia; c) o resultado final da persecução penal, no mais das vezes, é o encarceramento, sendo que a lotação de penitenciárias equivale ao reforço dos instintos criminais do detento, facilitação de criação de organizações criminosas intra-muros, aumento do custos do Estado.
Pelo exposto, de início, nega-se a utilidade da antecipação da tutela penal como eficaz medida político criminal.
Acrescente-se que a luz da Constituição a antecipação da tutela penal não pode funcionar como uma realidade antigarantista (e no mais das vezes funciona), o que a tornaria inconstitucional e esvaziaria a discussão em torno de sua eficácia político criminal.
Passemos ao enfrentamento das hipóteses em espécie:
Previsão de Crime de Perigo Abstrato:
O crime de perigo abstrato importa no distanciamento da conduta individual da efetiva lesão ao bem jurídico. A lesão é hipotética (provável) e tem-se uma antecipação da punição criminal.
A idéia de atingir o indivíduo em sua liberdade por uma virtual lesão a um bem jurídico, sem ao menos mostrar indícios concretos deste risco, é desproporcional e nega a dignidade humana, sendo, portanto, inconstitucional e violadora do princípio da ofensividade.
Ademais, o crime de perigo abstrato reduz as possibilidades de defesa do acusado, já que este terá infringido a norma na sua simples contrariedade, invertendo a carga probatória no processo penal.
Logo, é absolutamente ineficaz, senão contrário aos objetivos políticos criminais, pois, sem haver sequer ameaça ao bem jurídico faz atuar a pena com todo o seu arcabouço estigmatizador e criminógeno.
Previsão de Crime de Perigo Concreto:
Diferentemente do perigo abstrato, no caso do perigo concreto há uma conduta que importa em um risco proibido manifesto e potencialmente danoso a um bem jurídico – exemplo: indivíduo embriagado que trafega na contramão sem aperceber-se do fato e pondo em risco a vida de outros motoristas.
Normativamente não restam dúvidas que o legislador em diversos casos entendeu que a colocação concreta em perigo de determinados bens justifica uma pena criminal, e a doutrina, na sua maior parte, aprova referidas previsões.
Constitucionalmente parece que o critério de análise deve pautar-se na proporcionalidade e na razoabilidade. Esta primeira filtragem exclui algumas previsões. Assim, ainda que a conduta promova um risco concreto, se este é muito remoto, injustificável seria a intervenção penal. Da mesma forma a intensidade punitiva deve guardar consonância com o grau de risco de lesão concretamente produzido.
Sob o crivo da eficácia político Criminal reduz-se ainda mais o espectro dos crimes de perigo concreto, pois só alguns subsistem a uma perspectiva funcional, garantista, subsidiária e fragmentária de proteção a bens jurídicos, sendo que muitas das previsões seriam melhor trabalhadas pelo direito civil, administrativo, etc., evitando o sobrecarregamento do sistema penal.
Atos Preparatórios:
Os atos preparatórios, via de regra, não são puníveis, salvo nos casos que constituem delito autonomamente tipificado (ex. petrechos para falsificação de moeda, art.291 do Código Penal).
É injustificável sua tipificação de um ponto de vista político criminal, posto que neste momento a execução ainda não está em marcha e os bens jurídicos ainda estão a salvo de lesões (mesmo em termos de perigo concreto).
Se o fim político criminal é evitar o crime, no caso de atos preparatórios as medidas devem focar o desvio do agente do início da execução, redirecionando uma circunstância vulnerável e evitando sua metamorfose criminal.
A tipificação de atos preparatórios, ao contrário, antecipa a criminalização da conduta, isto é, antecipa o fenômeno (crime) que se quer evitar.
Punição da Tentativa:
Político Criminalmente o fundamento da punição da tentativa é equiparado ao do crime consumado, embora ausente o elemento objetivo (resultado). Na tentativa podemos ter desde um perigo concreto e dolosamente dirigido ao bem jurídico até a lesão de bem jurídico diverso do intencionado (ex. lesão corporal em tentativa de homicídio), sendo que a ausência do resultado decorre de circunstâncias alheias à vontade do agente.
Esta presente, portanto, a ofensividade subjetiva.
A ausência de resultado importará na redução da pena de um a dois terços, mantendo a proporcionalidade e razoabilidade da resposta penal, politicamente adequada.
Conclusão:
Concluindo, a antecipação da tutela penal corresponde a um fenômeno típico do direito penal do risco, responsável por uma utilização simbólica do Direito Penal, que reduz as oportunidades de defesa do cidadão, promove uma paliativa e virtual sensação de segurança e incha o sistema prisional, sendo, portanto, ineficaz político criminalmente, e chegando, até mesmo, a funcionar como fator criminógeno.
Não se nega a ampliação dos riscos na sociedade contemporânea ou a nobreza da intenção de sua tutela, o que se nega é a eficácia e legitimidade da redução das garantias clássicas do Direito Penal para exercício deste papel.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
COSTA, Jose Francisco de Faria. O perigo em Direito Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1992.
DELMAS-MARTY, Mireille. Os Grandes Sistemas de Política Criminal. Barueri/SP: Manole, 2004.
GOMES, Luz Flávio; BIANCHINI, Alice. O Direito Penal na era da globalização. São Paulo: RT, 2002.
HASSEMER, Winfried. Crisis y características del moderno derecho penal. Actualidad Penal. Madrid, n° 43/22 de 1993.
OLIVEIRA, Marco Aurélio Costa Moreira de. Crimes de perigo abstrato. Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 27.06.2003.
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