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Texto enviado ao JurisWay em 22/10/2012.
À luz da teoria do delito, o consentimento do ofendido pode configurar excludente da tipicidade (quando o dissentimento é parte da descrição típica – ex. invasão de domicílio) ou excludente de ilicitude.
Para que o consentimento cumpra referidos papéis é necessário que preencha os seguintes requisitos:
a) possibilidade de o ofendido dispor do bem jurídico tutelado;
b) titularidade exclusiva do bem jurídico por aquele que consente;
c) capacidade volitiva de consentir.
No caso em tela a primeira questão que se levanta é se o consentimento da vítima em manter relação sexual com o agente portador de HIV fulminaria a tipicidade ou antijuridicidade do delito.
Considerando que a vida e a integridade física são bens indisponíveis, restam fora da esfera de disponibilidade da vítima. Assim sendo, o consentimento não afasta a tipicidade ou a ilicitude da conduta.
Pode funcionar como circunstância judicial na fixação mais branda da pena (comportamento da vítima), nos termos do art.59 do Código Penal.
Registre-se a possibilidade, no caso concreto, de o agente acreditar estar agindo sobre uma excludente de ilicitude, configurando erro de proibição, que, se inevitável excluiria a pena, e se evitável permitiria sua redução de um sexto a um terço.
Superada as questões estruturais, estabelece-se a segunda celeuma: configura a conduta o delito de homicídio?
Os tribunais e boa parte da doutrina entendem que sim. Nesse sentido o acórdão proferido no HC 0378/RS do STJ, sob a lavra do ministro Hamilton Carvalhido, cuja ementa dispõe: “HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS. DESCLASSIFICAÇÃO. ART.131 DO CÓDIGO PENAL. 1. Em havendo dolo de matar, a relação sexual forçada e dirigida à transmissão do vírus da AIDS é idônea para caracterização da tentativa do homicídio. 2. Ordem denegada”.
No mesmo sentido os ensinamentos da Procuradora de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro Soraya Taveira Gaya: “Sabedor de que é portador do vírus da síndrome da imonudeficiência adquirida – AIDS – passar a buscar parceiros para ter relações sexuais no intuito de transmitir a doença aos mesmos, até como forma de desabafar a sua revolta, configura homicídio ou tentativa de homicídio, conforme o caso”.[1]
Em que pese as respeitáveis posições, discordamos da configuração de homicídio no caso.
Um dos princípios regentes do Direito Penal é o da legalidade, do qual se extrai a taxatividade, que dispõe que a conduta tem que se amoldar por completo a descrição típica para que constitua o delito.
Não temos no presente caso animus necandi por parte do agente.
Por outro lado, no nosso sentir, o meio é inidôneo para a prática de um homicídio, posto que a morte não seja certa e não tem termo pré-estabelecido, podendo o indivíduo viver dez, vinte anos, ou mais, sem que o resultado morte venha a ocorrer.
Também refutamos o enquadramento nos termos do art.130 (Perigo de Contágio Venéreo) e 131 (Perigo de Contágio de Moléstia Grave) do Código Penal. Em relação ao primeiro porque o HIV é transmitido por diversos meios, sendo o venéreo apenas um deles. Em relação a ambos porque nos dispositivos estamos trabalhando com hipóteses de periclitação, e, no caso concreto há uma lesão real produzida, transbordando a esfera de proteção atingida pelos tipos mencionados.
O ideal seria o enquadramento no art.129, §2º, do Código Penal, no caso de transmissão de enfermidade incurável (inciso II), e, no caso concreto, no §3º (lesão corporal seguida de morte).
O dolo eventual recai sobre a transmissão da doença. Nem todo ato sexual resulta em transmissão, mas a agente, indiferente ao resultado (transmissão, não transmissão) cede a suplica da vítima e mantém a relação. A morte está além da esfera de previsão, e configura desdobramento da atitude imprudente do agente. Temos dolo eventual no antecedente (transmissão de enfermidade incurável) e culpa no conseqüente (morte).
Por fim, pensamos que no caso da simples exposição sem contágio, teríamos previsão própria a lidar com a periclitação, que seria o art.131 do Código Penal.
A verdade é que o fenômeno da AIDS pegou os operadores do direito de surpresa, pois, sendo o Código da década de quarenta, não encontrou adequação em nenhum de seus dispositivos para a transmissão dolosa de tão grave e assustadora doença.
O medo e o pavor provocado pela doença acirraram os ânimos da sociedade em choque, que, em especial nos casos de transmissão dolosa e sem consentimento da vítima, forçou um enquadramento da conduta no homicídio, único remédio para punir tal monstruosidade (infelizmente a sociedade e muitos juristas ainda trabalham o direito penal, mesmo que muitas vezes inconfessadamente, sob o prisma da vingança, castigo e punição).
Concluindo, a agente responderia pelo delito previsto no art.129, §3º do Código Penal, com dolo eventual, considerando na fixação da pena a circunstância judicial atenuante referente ao comportamento da vítima.
BIBLIOGRAFIA:
BARBOSA, Marcelo Fortes. O consentimento do ofendido. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 84, v.718, p.247-348, ago/1995.
DOS SANTOS, Maurício Macêdo; e SÊGA, Viviane Amaral. O consentimento do ofendido na teoria do delito. Artigo disponível na internet <<HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=988>>
FRAGOSO, Rodrigo. O consentimento do ofendido, Artigo disponível na internet <<http://www.fragoso.com.br/artigos.asp>>
GAYA, Soraya Taveira. Homicídio praticado através da AIDS.. Artigo disponível na internet << HTTP://www.uj.com.br/impressao.asp?pagina=doutrinas .>>
ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. 2ª edição revista. Tradução Luís Greco. Renovar: Rio de Janeiro, 2008.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 5ª edição revista e atualizada. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2004.
[1] GAYA, Soraya Taveira. Homicídio praticado através da AIDS. Artigo disponível na internet <<HTTP://www.uj.com.br/impressao.asp?pagina=doutrinas>>.
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