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Analisa-se recente decisão do STJ, em sede de recurso repetitivo, que determinou a suspensão de todas as ações revisionais em que se discutem tarifas bancárias e financiamento de IOF., sob a ótica da violação do princípio da independência do juiz.
Texto enviado ao JurisWay em 30/07/2013.
Pedro Henrique Arcain Riccetto[2]
“Dizem-se independentes os magistrados, quando não há subordinação hierárquica entre eles, não obstante a multiplicidade de instâncias e graus de jurisdição”. Com essas palavras, Fábio Konder Comparato escancara a premência da livre convicção do magistrado em um Estado que se pretenda democrático – nada mais se pede do que a independência funcional do juiz.
Lamentavelmente, não é como pensa a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça.
Mais uma vitória dos bancos em sua guerra particular (de caráter público) contra as demandas “revisionais” foi conquistada com a decisão proferida no Recurso Especial Repetitivo n. 1.251.331, de lavra da Min. Maria Isabel Galloti.
Nela, o STJ determinou a suspensão do trâmite de todos os processos em que se discuta a legitimidade da cobrança de tarifas administrativas para a concessão de crédito por meio de contrato de financiamento (TAC, TEC, etc.), bem como sobre a possibilidade de financiamento do IOF, até ulterior decisão do Tribunal; isso com fulcro no art. 543-C, §2º, do Código de Processo Civil.
Em que pese os fundamentos empregados na referida decisão, não partilhamos do mesmo entendimento, como se verá.
A relatora fundamenta a medida aduzindo que o art. 545-C do CPC, interpretado dessa maneira, atenderia ao princípio da segurança jurídica e celeridade do processo, pois “prevenir decisões conflitantes favorece a economia processual e impede a desnecessária e dispendiosa movimentação presente e futura do aparelho judiciário brasileiro, atitudes que são do interesse de toda a população”.
Ora, a questão já se resolve por meio de simples leitura do art. 543-C, §2º, do CPC. Esse dispositivo legal confere ao STJ a prerrogativa de, instada controvérsia sobre jurisprudência dominante, se “determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida”. Frisa-se: nos tribunais de segunda instância, somente. Por flagrante ilegalidade, a decisão em xeque se mostra uma verdadeira aberração hermenêutica. Vejamos.
Não há dúvidas que a regra insculpida no dispositivo legal – regulamentação dos recursos repetitivos – constitui uma exceção ao sistema recursal ordinário. Afinal, não é de hoje que se sabe que, pelas diretrizes hermenêuticas básicas, a interpretação, em hipótese de exceção, será restritiva.
Ao sobrestar as ações que tramitam em primeira instância, o STJ valeu-se de interpretação nitidamente ampliativa quando, em verdade, estaria impedido a tanto, eis que diante de situação excepcional. Nesse caso, caberia observar a extensão literal da lei (fruto de deliberação democrática), que não pode – nem deve – ser desconsiderada arbitrariamente.
Ainda que assim não fosse, por outras razões a medida não se mostra adequada.
Clama a Ministra pela segurança jurídica e economia processual. Mas em que medida esses princípios restam atendidos com a suspensão dos referidos processos? E a qual custo?
Até o momento, pelo que se tem notícia, as decisões do STJ não possuem efeito vinculante algum. Isso porque a Constituição Federal só conferiu essa prerrogativa à Corte Constitucional, por meio do instrumento previsto no art. 103-A: a súmula vinculante.
Contra ou a favor dos bancos, posterior decisão da matéria de fundo não poderá ofender, portanto, a garantia constitucional do magistrado de decidir segundo suas próprias razões, desde que fundamentadamente, sob pena de violação da independência funcional do juiz.
Valendo-nos da construção teórica de autoria de Souto Maior, a decisão em xeque é categoricamente afastável, pois “[...] todo atentado à independência do juiz é nulo de pleno direito, não precisando ser, judicialmente, declarado como tal, para que o juiz possa rechaçá-lo”. Ao admitir o contrário – o que faz o STJ no REsp n. 1.251.331/RS – estar-se-ia desconstruindo a própria noção de Estado de Direito, negligenciando um de seus fundamentos mais basilares: a possibilidade de livre convicção do juiz, de qualquer instância, soberano à pressão externa de outros Poderes e, principalmente, do próprio Judiciário em que atua.
A partir desse pressuposto, se questiona, a par das questões doutrinárias naturalmente envolvidas, a conveniência da aplicabilidade da suspensão das ações em primeira instância. Não é só dizer que a medida é inócua; é mais, mostra-se avessa ao próprio fim a que se propõe.
Economia processual não há. Ora, se o magistrado não estará vinculado às razões de decidir a serem adotadas pelo tribunal superior, podendo julgar contrariamente segundo o seu convencimento, a paralisação possui caráter exclusivamente procrastinatório. Nesse interregno, provas poderiam ser produzidas, sentenças proferidas, sendo que, quando julgado enfim o recurso especial, o prosseguimento simultâneo – e repentino – desses processos acarretará um verdadeiro caos na máquina judiciária.
Parece-nos que a única utilidade da decisão é conferir tempo aos bancos, para que deixem de arcar momentaneamente com as custas desses processos e de eventuais condenações. Afinal, como consta no próprio voto da ministra relatora, hoje existem cerca de 285 mil ações a discutir a cobrança de tarifas e financiamento de IOF, o que representa aproximadamente R$532.791.829,50 em jogo. Caso seja essa a motivação do referido decisum, sua legitimidade é mais do que questionável: é repreensível.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 30.07.2013.
MAIOR, Jorge Luiz Souto; FAVA, Marcos Neves. 2013. Disponível em: < http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/defesa.pdf>. Acesso em: 30.07.2013.
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