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Resumo:
O texto aborda o princípio da insignificância como um instrumento capaz de "dar vida" aos verdadeiros objetivos do Direito Penal, resgatando sua natureza fragmentária e subsidiária.
Texto enviado ao JurisWay em 23/09/2010.
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Um olhar atento à realidade do sistema penal brasileiro, pautado no descrédito dos cidadãos, afogamento do Judiciário, falência do “sistema” carcerário – para ficar nos exemplos mais corriqueiros – é capaz de diagnosticar a necessidade premente de retomar questões de base e, sobretudo, (re)pensar as finalidades do Direito Penal.
O fato é que o Direito Penal existe para tutelar os bens jurídicos mais relevantes, aqueles sem os quais a vida em sociedade seria impossível. E mais, essa tutela só será invocada quando, acionadas, as outras searas do direito mostrarem-se incapazes de dar a proteção devida aos respectivos bens jurídicos. Daí dizer-se que a proteção penal é fragmentária e subsidiária.
A existência do Direito Penal proporciona a redução ou contenção da violência estatal, pois, enquanto o Estado intervém para impor o castigo a alguém, o Direito Penal estabelece um freio para essa violência, uma “barreira” para o jus puniendi, que se consubstancia nos limites estabelecidos pela Constituição e pelo direito penal objetivo, ou seja, pelo conjunto de regras objetivas que disciplinam esse poder de punir.
Ademais, serve para prevenir a vingança privada, primeira fase de reação ao delito em toda história, e hoje proscrita. Com a implantação das regras de direito penal, o Estado avocou o monopólio da justiça, cabendo a ele definir crimes, impor e executar as penas, pondo fim ao caráter vingativo da sanção.
Finalmente, o aparato penal proporciona um conjunto de garantias para todos os envolvidos no conflito e no processo penal, começando pela garantia mais elementar, qual seja o princípio da legalidade, seguida do direito à ampla defesa, contraditório e devido processo legal.
É de ver-se que a razão de ser do Direito Penal foge dos desvirtuamentos simbólicos e das funções promocionais que se desenvolvem paralelamente às suas finalidades oficialmente queridas.
Está definitivamente proscrita a idéia de pena como um castigo imposto ao infrator. Ademais, a utilização do Direito Penal como instrumento apto a acalmar a ira da população e promover o “bem social” à custa de uma desenfreada inflação legislativa é ilegítima e totalmente dissonante do verdadeiro fim do Direito Penal.
As tendências atuais apontam para a aplicação de um Direito Penal Constitucional, de feição nitidamente garantista, deixando-se de lado o sistema penal legalista (formalista), segundo o qual o Direito resumia-se apenas ao que estava escrito na lei.
Nas palavras de Luiz Flávio Gomes:
Considerando-se que a Constituição contém inúmeros preceitos que direta ou indiretamente conformam ou modulam o sistema punitivo, dela parece lícito inferir (desde logo) um conjunto de postulados político-criminais genéricos que devem demarcar o âmbito da atuação concreta (primeiro) do legislador e (depois) do juiz. As leis penais devem, assim, ser elaboradas, interpretadas e aplicadas de acordo com a Constituição. (GOMES, 2004, p. 34). 1
Nesse diapasão, o princípio da insignificância revela-se como mais um instrumento capaz de “dar vida” às verdadeiras finalidades do Direito Penal, funcionando como um desses postulados político-criminais consubstanciado na forma de princípio, mesmo implícito, como assevera Luiz Flávio Gomes.
À medida que obstrui a entrada de delitos de pouca monta no aparato judiciário, aqueles que o legislador, ao prescrever a conduta típica não teve a intenção de punir, mas pelas dificuldades em prever a infinitude dos casos concretos acabou por formalmente tipificar, o princípio da insignificância se mostra como uma verdadeira válvula de resgate da legitimidade do Direito Penal, garantindo a efetiva aplicabilidade das leis penais, sem excessos que contrariem a própria razão de ser desta seara do Direito.
Nesse sentido, interessante se faz registrar as conclusões de Vico Mañas:
Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal. (MAÑAS, 1994, p. 56). 2
Sendo assim, é de concluir-se que a adoção do princípio da insignificância diminui o campo de atuação do Direito Penal, em franca reafirmação ao caráter fragmentário e subsidiário, reservando-o apenas para a tutela jurídica de valores sociais indiscutíveis. A uma, destina-se a corrigir a imperfeição do processo legislativo que, por tipificar abstratamente as condutas, acaba incriminando comportamentos que não chegam a macular a ordem jurídica e social. A duas, presta-se a dirimir a divergência entre o conceito formal e o conceito material de delito, pois a redação do tipo penal pretende certamente incluir somente prejuízos que, de fato, lesionem a ordem jurídica, porém não pode impedir que entrem em seu âmbito os casos leves.
1. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral - introdução. 2 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais; IELF: 2004
2. VICO MAÑAS, Carlos. O principio da insignificância no Direito Penal. Disponível em:
Comentários e Opiniões
1) Delleon (06/10/2010 às 16:17:01) ![]() Somente a título de enriquecimento: O princípio da Insignificância reside dentro da Tipicidade Penal. A Tipicidade Penal por sua vez é gênero donde são espécies a Tipicidade Formal e a Tipicidade Conglobante. Só há que se falar em Tipicidade Conglobante quando houver a existência da Antinormatividade mais a Tipicidade Material, que, por sua vez, é onde reside de fato o princípio em tela. Em se tratando de patrimônio, só se aplicará aos bens que tiverem um respectivo valor de troca, ou seja, aqueles que forem economicamente apreciáveis (ex: um livro). Nos bens que tiverem valor de uso não incidirá a aplicação do princípio, pois, não há que se falar em valor economicamente apreciável (ex: livro autografado por Rogério Greco). Portanto, ao se referir como "casos leves" em seu artigo, a douta advogada presumia-os como crimes de pequena monta, o que, por sua vez, não o são. Os mesmos, quando analisados sob o prisma da insignificância, são conhecidos como fatos de bagatela, destarte, uma vez que a conseqüência jurídica da adoção do princípio é afastar a tipicidade por falta de tipicidade material, logo não há que se falar em crime; impedindo desse modo a permanência ou entrada destes em seu âmbito. (GRECO, Rogério. Direito Penal: Parte Geral - 10ª ed. Niterói /RJ - Ed. Impetus) Ou o fato será típico e penalmente sancionado, ou será atípico, quando da aplicação do Princípio da Insignificância. Ausente a Tipicidade Material no caso, não há que se falar em Tipicidade Conglobante; se não há Tipicidade Conglobante, não haverá Tipicidade Penal; sem Tipicidade Penal o fato é atípico, se o fato é atípico, não há CRIME. Portanto, não há que se falar em "casos leves". Ou houve a atuação do Princípio da Insignificância no caso, stricto sensu, ou não. | |
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