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NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS E A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA COMO GARANTIA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES


Autoria:

Jehnyphen Samira Gomes De Santana


Bacharela em Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

Resumo:

O presente trabalho versará sobre a evolução da normatividade dos princípios, destacando o papel normativo exercido pelos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente, com atenção especial ao princípio da Prioridade Absoluta.

Texto enviado ao JurisWay em 29/06/2010.

Última edição/atualização em 02/07/2010.



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NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS E A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA COMO GARANTIA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES

Jehnyphen Samira Gomes de Santana

 

 

 

 

Resumo: No presente estudo, se relatará a evolução da normatividade dos princípios, seu histórico, conceito, sua distinção frente às regras, a hierarquia entre os princípios, a resolução de conflitos, dentre outros aspectos, com o escopo de demonstrar o papel normativo exercido pelos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente, com atenção especial ao princípio da Prioridade Absoluta, ressaltando sua aplicabilidade e imperatividade dentro do sistema.

Palavras-chave: Princípios. Normatividade. Criança. Adolescente. Prioridade Absoluta

    

 

1. Conceito e evolução da eficácia normativa dos princípios                   

 

O exame teórico da juridicidade dos princípios começa pela elaboração do seu conceito e significado no ordenamento jurídico, dessa sorte, desde meados do século XX, juristas se esforçam na tarefa de determinar um conceito válido e aplicável para esta palavra de sentidos diversos.

Em um primeiro momento, a palavra princípio indica por óbvio, inicio que no contexto jurídico, refere-se às premissas do sistema com o escopo de servir de liame para concretização de normas do direito positivo. Note-se que neste momento princípios e normas figuram como institutos distintos, com aplicação e função diferentes.

A normatividade dos princípios é defendida precursoramente por Crisafulli (apud BONAVIDES, 2000, p. 230), onde o seguinte conceito é estabelecido:

 

"Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo preceito geral que as contém"

 

No mesmo sentido o doutrinador Riccardo Guastini (apud BONAVIDES, 2000, p. 257) extraiu da jurisprudência e da doutrina, seis distintos conceitos, mas todos relacionados à sua normatividade, são eles: o primeiro, entende que o princípio é uma norma dotada de alto grau de generalidade, o segundo que os princípios são normas, ou disposições legislativas que exprimem normas, providas de um alto grau de indeterminação e que por isso requerem concretização por via interpretativa, sem a qual não seriam suscetíveis de aplicação a casos concretos, o terceiro reside na conclusão que os princípios são normas de caráter pragmático.

O quarto conceito, se refere a noção de que os princípios são normas cuja posição na hierarquia das fontes de Direito é muito elevada, o quinto, o vocábulo princípio serve para designar normas que desempenham uma função importante e fundamental no sistema jurídico ou político unitariamente considerado, ou num ou noutro subsistema do sistema jurídico conjunto, e por fim , o sexto conceito, diz que os juristas se valem da expressão princípio para designar normas dirigidas aos órgãos de aplicação, cuja especifica função é fazer a escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos.

Apesar de tais conceitos, a eficácia da normativização dos princípios enfrentou algumas crises na velha hermenêutica, passando por três fases, a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.

Passada a fase jusnaturalista, onde os princípios gozavam de pouca valia, sendo considerados uma esfera abstrata do direito cuja normatividade era nula, desponta a velha hermenêutica constitucional, caracterizada pelo entendimento de que os princípios são meras normas gerais, com função unicamente pragmática, uma vez que vigorava a regra do "tudo ou nada" das normas, que marcava um positivismo exacerbado.

Emergia assim o debate sobre a inserção ou não dos princípios no ordenamento, que culminou na ressurreição do jusnaturalismo (século XX), onde para sustentar a inclusão dos princípios no ordenamento, criou-se a tese de que os princípios gerais de Direito são axiomas jurídicos, conforme assinala Flórez Valdés (apud BONAVIDES, 2000, p. 262) ou seja, são normas estabelecidas pela reta razão, passando a compor o ideal de justiça.

Neste confronto entre positivismo e jusnaturalismo, o autor espanhol José M. Rodrigues Paniagua (apud BONAVIDES, 2000, p. 262) depreende que por um lado, o jusnaturalismo afirma a insuficiência dos princípios extraídos do próprio ordenamento, de modo que se torna necessário recorrer ao Direito Natural para suprir as lacunas da lei, enquanto a corrente positivista defende que tudo pode ser mantido dentro do ordenamento, valendo-se para tanto da analogia para suprir as lacunas da lei.

Com o objetivo de evitar o "vazio normativo", os princípios passam a integrar o sistema jurídico com o juspositivismo, fase que entende que os princípios funcionam como fundamento do Direito Positivo, neste viés acrescenta Flórez Valdés (apud BONAVIDES, 2000, p. 262), que estes princípios se induzem por via de abstração ou de sucessivas generalizações, do próprio Direito Positivo e, por ser este um sistema coerente, podem ser inferidos do mesmo, seu valor lhe vem não de serem ditados pela razão ou por constituírem um Direito Natural ou ideal, senão por derivarem da própria lei.

Nesse contexto, apesar de inseridos no ordenamento, os princípios ainda carecem de reconhecimento normativo, posto que são tratados apenas sob o caráter pragmático, Noberto Bobbio (1996, p. 164) em sua Teoria do Ordenamento Jurídico, elenca cinco categorias para os princípios que reconhecem seu caráter normativo, são elas, primeiro, os princípios gerais são pura e simplesmente normas mais gerais; segundo, são normas fundamentais, normas bases ou traves mestras; terceiro são normas diretivas; quarto, são normas indefinidas e quinto, são normas indiretas.

Num âmbito de evolução, na fase do pós-positivismo, temos Dworkin, que dentre outros ilustres nomes, criticava de forma consistente a tese positivista ortodoxa, e os princípios passam a ser enxergados dentro da legislação, alcançando o importante status de Princípios Constitucionais, uma vez que são qualificados como normas de primeiro grau que compõem o ordenamento jurídico positivo, vinculando as demais regras às suas interpretações, ou seja, os princípios emanam esclarecimentos sobre a direção em que as demais normas devem ser aplicadas, figuram como norte para as questões jurídicas a serem resolvidas.

Importantes evoluções são concretizadas, nas últimas décadas do século XX, inicia-se o momento célebre em que os princípios são igualados às normas, reconhecendo que tanto estes, quanto as regras positivamente estabelecidas podem  impor uma obrigação legal.

Nessa ascensão doutrinária, Boulanger foi um dos precursores do novo paradigma jurídico, que visava diferenciar princípios e regras como espécies do gênero norma, admitindo que os princípios caracterizam um indispensável elemento de fecundação da ordem jurídica positiva, contendo em estado de virtualidade, grande número das soluções que a prática exige; concluindo que a generalidade das regras não devem ser confundidas ou contrapostas com a generalidade dos princípios, sendo que as regras regem atos ou fatos indeterminados, mas são e1aboradas de acordo com uma situação jurídica determinada, e os princípios são gerais porque comportam uma série indefinida de aplicações.

Ávila (2009, p. 85) diz que existem duas correntes que definem os princípios, a primeira sustenta que os princípios são normas de elevado grau de abstração e generalidade e que, por isso, exigem uma aplicação influenciada por elevado grau de subjetividade do aplicador; contrariamente às regras, que denotam pouco ou nenhum grau de abstração e generalidade, e que por isso demandam uma aplicação com pouca ou nenhuma influência de subjetividade do intérprete. É dessa concepção que vem a afirmação de que os princípios são os alicerces, as vigas-mestras ou os valores do ordenamento jurídico, sobre o qual irradiam seus efeitos.

E em seguida comenta sobre a inconsistência de tal classificação, que está tanto na esfera semântica quanto na sintática, a primeira se vislumbra na própria definição de princípios, uma vez que abstração e generalidade são características presentes em todas as normas, havendo variação apenas de grau de elevação.

A segunda inconsistência se refere ao “conteúdo valorativo”, vez que todas as normas ao serem elaboradas visam alcançar alguma finalidade, servindo, portanto, de meio para concretização de valores.

Deste modo prossegue o autor afirmando que a inconsistência semântica traz implicações no plano sintático, pois alguns autores passam a classificar de “princípios” normas que não possuem tais propriedades.

A segunda corrente sustenta que os princípios são normas que se caracterizam por serem aplicadas mediante ponderação com outras e por poderem ser realizadas em vários graus contrariamente às regras, que estabelecem em sua hipótese definitivamente aquilo que é obrigatório, permitido ou proibido, e que, por isso, exigem uma aplicação mediante subsunção, é desta concepção que vem a afirmação de que os princípios são diferentes das regras relativamente ao modo de aplicação e ao modo como são solucionadas as antinomias que surgem entre eles.

 No que tange ao modo de aplicação os princípios diferenciam-se das regras, pois estas trazem consigo mandamentos definitivos e sua aplicação se dá através da subsunção, tendo em vista que o intérprete tem o dever de por em confronto o conceito presente na hipótese normativa com o conceito do fato e em seguida, para em caso de adequação aplicá-la.

Já os princípios determinam deveres provisórios, tendo sua aplicação por intermédio da ponderação, ao passo que o intérprete tem o dever de dar  a estes uma dimensão de peso quando deparado com o caso concreto.

Cumpre trazer também a diferença quanto ao modo de solução de antinomias, que se estabelece da seguinte forma, o conflito entre regras e princípios se dá  na esfera abstrata, tal conflito é necessário e implica na declaração de invalidade de uma das normas, se uma exceção não for aberta. Em contrapartida o conflito entre princípios se dá exclusivamente na esfera concreta, é contingente, e por sua vez não traz consigo a implicação de validade de um deles, tendo por consequência apenas o afastamento de um dos princípios diante da realidade fática, sem culminar em sua exclusão.

Nesta esteira os princípios conduzem à noção de valores e seus diferentes modos de produzirem efeitos, assumindo de um lado a exaltação dos valores protegidos, privilegiando a importância dos princípios no ordenamento jurídico como alicerces ou pode ser avaliado de acordo com a sua estrutura, que permitirá visualizar seu procedimento lógico-racional através da harmonia estabelecida entre as demais normas para a sua aplicação e eficácia.

Consiste na aplicação racional dos valores, uma vez que o ordenamento deve trabalhar de forma harmônica, ou seja, de forma que o atendimento de uma norma implique no auxilio ao cumprimento de outra, que para um principio existir no rol normativo, se faz necessário meios normativos interligados àquele, que justifiquem seu funcionamento, sua existência, sua importância e principalmente sua validade.

Canotilho (1999, p. 1255), realiza a seguinte distinção entre regras e princípios, através de critérios diferenciadores, quais sejam, o grau de abstração, onde os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.

O grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto, uma vez que os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras, enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta.

 O caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito, os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito).

A proximidade da idéia de direito, os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.

A natureza normogenética: os princípios são fundamentais de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.

Neste ínterim cai por terra o velho argumento que os princípios são orientações e ideais inexauríveis do ponto de vista operacional, uma vez que critérios diretivos e programáticos caracterizam uma função prescritiva que também envolve as normas, nesta linha de pensamento os princípios são normas que merecem uma diferenciação, sendo necessário especificar suas características, origem, fundamento, enfim, sendo necessário o desenvolvimento de uma teoria dos princípios.

Confirma-nos Mello (2006), que princípio é, por essência, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Bem como CANOTILHO (1999, p. 1255), ao dizer que princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em torno do “tudo ou nada”, impõem a otimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a reserva do possível fático ou jurídico.

Assim passam a ser classificados pela doutrina em duas categorias, a primeira é aquela em que os princípios assumem o caráter de idéias jurídicas norteadoras, sendo aplicados na concretização da lei; a segunda categoria é daqueles princípios que ultrapassam o caráter diretivo, fixando-se no ordenamento jurídico na forma de regra jurídica de aplicação imediata. Assim os princípios possuem dupla eficácia, a imediata e a mediata ou programática.

Nesta linha de raciocínio, doutrinadores como Humberto Ávila, em sua obra, Teoria dos Princípios, comenta sobre o mesmo panorama histórico de evolução da distinção entre princípios e regras, acrescentando que algumas diretrizes precisam ser observadas para análise dos princípios, tais como sua especificação quanto ao fim pretendido, uma vez que quanto maior for a precisão do fim a ser alcançado, mais fácil será a fiscalização e controle da aplicação  do princípio; explicando que “o inicio da progressiva delimitação do fim se faz pela construção de relações entre as próprias normas constitucionais, de modo a estruturar uma cadeia de fundamentação, centrada nos princípios aglutinadores” (ÁVILA, 2009, p. 92).

Outra diretriz é a pesquisa de casos paradigmáticos, que segundo o autor supracitado, são aqueles cuja solução pode ser havida como exemplar, considerando-se exemplar aquela solução que serve de modelo para solução de diversos outros casos, devido o alto grau valorativo e abrangente, ou seja, deve ser claro quais os meios necessários para atingir determinados fins, observando quais foram utilizados em casos semelhantes.

Além da análise de casos paradigmas, que servem como instrumento de analogias é necessário ainda, uma pesquisa mais profunda, que gire em torno dos problemas jurídicos envolvidos em vários casos, ou seja, conhecer melhor os princípios através da verificação do problema comum que afeta vários casos, para que se torne possível verificar quais os valores responsáveis pela solução do problema.

Deve ser observada também a existência de critérios definidores que devem ser levados em consideração para efetivação dos princípios, assim como a jurisprudência, esteja o princípio mencionado de forma expressa ou implícita.

Crisafulli (apud BONAVIDES, 2000, p. 272) defende que tanto os princípios expressos, quanto aqueles implícitos no ordenamento, devem ser obedecidos como norma, acrescentando ainda que dos princípios derivam as demais normas particulares, bem como partindo desses se chega àqueles.

É devido à sua generalidade e fecundidade interpretativa e integrativa, que os doutrinadores se preocupam em classificar os princípios, de modo a preservar seu caráter normativo, uma vez que a ordem dos princípios traz respaldo ao ordenamento como um todo harmônico.

Por fecundidade interpretativa entende-se a aplicação de princípios frente às obscuridades normativas, e por fecundidade integrativa, o uso dos princípios para suprir omissões legais. Sob tal aspecto podemos concluir que os princípios representam o vínculo que forma um sistema unitário.

Esta nova visão, onde os princípios são normas devido suas identidades normativas serem iguais, é chamada de juspublicísta, sendo caracterizada, sobretudo pela relação de congruência entre normas e princípios para formação de um ordenamento harmonioso.

 

2. Constitucionalização e hierarquia dos princípios

 

Em um Estado Constitucional, onde os princípios integram o corpo da Constituição, Canotilho (1999, p. 1129) ao discorrer sobre a noção de supremacia da constituição, desdobra sua lição em quatro tópicos: primeiramente na vinculação do legislador à constituição; segundo na vinculação de todos os demais atos do Estado à constituição; terceiro no princípio da reserva da constituição e quarto na força normativa da constituição.

Explicando o segundo, acentua que o princípio da constitucionalidade não se impõe apenas sobre os atos que não violem positivamente a Constituição, mas também repercute sobre a omissão inconstitucional, por falta de cumprimento das imposições constitucionais ou de ordens de legislar.

Ainda sobre a força normativa da Constituição, adverte:

 

No entanto, quando existe uma normação jurídico-constitucional ela não pode ser postergada quaisquer que sejam os pretextos invocados. Assim, o princípio da constitucionalidade postulará a força normativa da constituição contra a dissolução político-jurídica eventualmente resultante: (1) da pretensão de prevalência de fundamentos políticos, de superiores interesses da nação, da soberania da Nação sobre a normatividade jurídico-constitucional; (2) da pretensão de, através do apelo ao direito ou à idéia de direito, querer desviar a constituição da sua função normativa e substituir-lhe uma superlegalidade ou legalidade de duplo grau, ancorada em valores ou princípios transcendentes (CANOTILHO, 1999, p. 1133).

 

Neste contexto, não merece prosperar a argumentação de que a nossa Carta Maior, no que tange à prioridade dada às questões referentes à criança e ao adolescente, teria teor programático.

A norma contida no art. 227 da atual Constituição Federal é nítida, bastando uma interpretação meramente gramatical, exegética, contendo, contudo, cunho hermenêutico lógico e teleológico à lume dos dispositivos dos arts. 4º e 6º da Lei 8069/90.

Cumpre mencionar que a prioridade absoluta, tem sido reconhecida em certos julgados, como sendo um princípio-garantia constitucional.

Para corroborar este entendimento trago à colação julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal[1][1], que, por sua vez, foi um dos primeiros a tratar deste tema, no qual há menção clara ao referido princípio, in verbis:

 

Do estudo atento desses dispositivos legais e constitucionais, pressume-se que não é facultado à Administração alegar falta de recursos orçamentários para a construção dos estabelecimentos aludidos, uma vez que a Lei Maior exige PRIORIDADE ABSOLUTA - art. 227 - e determina a inclusão de recursos no orçamento. Se, de fato, não os há, é porque houve desobediência, consciente ou não, pouco importa, os dispositivos constitucionais precitados encabeçados pelo parágrafo sétimo do art. 227.

 

Em referência ao princípio em comento o Tribunal de Justiça Gaúcho[2][2], trouxe a seguinte menção: "a exigência de absoluta prioridade não deve ter conteúdo meramente retórico, mas se confunde com uma regra direcionada, especificamente, ao Administrador Público".

A norma contida no já referido art. 227 tem eficácia plena, diferenciando-se, desta forma, dos demais princípios, que alguns identificam como dotados de conteúdo meramente programático, característica cada vez mais incomum em nosso ordenamento jurídico nitidamente positivado, caso contrário, converter-se-ia o art. 227 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, em simples recomendações, desvirtuando a real intenção da norma.

Uma vez que tal princípio é envolto de positividade e vinculatividade, possuindo a qualidade de norma de eficácia obrigatória negativa e positiva sobre outras normas, como as regras e até mesmo sobre outros princípios derivados.

Após relatar sobre o histórico da normatividade dos princípios, seu conceito, sua distinção frente às regras, e à clareza aplicativa em espécie do princípio da prioridade absoluta, há que se debater ainda sobre a existência de hierarquia entre os princípios.

Segundo a doutrina de Kelsen (1995, p. 93), o ordenamento jurídico pode ser visualizado como um complexo escalonado de normas de valores diversos, no qual cada norma ocupa uma posição intersistêmica, formando um todo harmônico, com interdependência de funções e diferentes níveis normativos. Nessa linha de raciocínio, uma norma só será válida caso consiga buscar seu fundamento de validade em uma norma superior, e assim por diante, até que se chegue à norma última, que é a norma fundamental.

Deste modo, conforme já demonstrado, os princípios estão inseridos no conceito lato de norma jurídica, e, assim como Kelsen demonstrou que as normas estão escalonadas hierarquicamente, poderíamos facilmente deduzir que o mesmo ocorre com os princípios.

Neste sentido Ataliba (1998, p. 102) acentua que o sistema jurídico se estabelece mediante uma hierarquia segundo a qual algumas normas descansam em outras, as quais, por sua vez, repousam em princípios que, de seu lado, se assentam em outros princípios mais importantes. Dessa hierarquia decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam os princípios menores. Estes subordinam certas regras que, à sua vez, submetem outras.

Ao pensar em princípios constitucionais e princípios infraconstitucionais, chegaríamos à conclusão lógica que aqueles são hierarquicamente superiores a estes, isto porque é pacifico entre os constitucionalistas que os princípios constitucionais formam o fundamento de validade dos princípios infraconstitucionais.

Contudo, ao tratarmos exclusivamente dos princípios constitucionais, será necessária uma análise mais profunda, uma vez que será questionada a aplicação de um princípio frente a outro que possa exercer algum tipo de limitação devido situações e exigências fáticas ou jurídicas.

O doutrinador já citado Ataliba (1998, p. 104), ao teorizar sobre os princípios que por vezes se chocam na Constituição, afirma que, mesmo no nível constitucional, há uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionadas pelos princípios. Estes se harmonizam, em função da hierarquia entre eles estabelecida, de modo a assegurar plena coerência interna ao sistema.

Assim o autor, pretendeu demonstrar que mesmo na ordem constitucional existem normas cuja abstração é mais profunda, parte desta conclusão se deve a característica da nossa constituição de ser analítica, portanto nos casos em que ocorra o encontro de normas constitucionais abstratas e menos abstratas, estas devem ter sua interpretação influenciada pelos valores constantes daquelas.

Em conclusão ao exposto, temos que não é correto afirmar que há normas constitucionais com um grau de importância maior ou menor, nem hierarquia entre os princípios dentro da Constituição.

Mas existem princípios com diferentes níveis de concretização e densidade semântica, sem que tais qualidades reputem em hierarquia, podem inclusive, demonstrar um aparente conflito quando contrapostos em situações fáticas e jurídicas.

     Não havendo hierarquia jurídica entre os princípios, e sim uma colisão normal entre seus fundamentos, que possui duas formas de soluções, a primeira é a da concordância prática; e a segunda, a da dimensão de peso ou importância desenvolvida por Dworkin, como bem explica Bonavides (2004, p. 281).

     Dentre essas duas soluções, projeta-se o princípio da proporcionalidade como "meta-princípio", isto é, como "princípio dos princípios", visando, dar norte e preservar o máximo possível os princípios constitucionais em colisão.

A primeira forma de solução, da concordância prática ou da harmonização, é fruto do princípio da unidade constitucional, utilizada quando da colisão de direitos fundamentais, que deverão ser ponderados de acordo com o caso concreto a fim de preservar ao máximo os direitos constitucionais que estão sendo protegidos em questão, é o que Hesse (1991, 15) ensinava ao falar que “Constituição real e Constituição jurídica estão em uma relação de coordenação”, de modo que a força normativa da Constituição se perfaz na sua imposição em si mesma, ou seja, “a força normativa da Constituição não reside, tão somente, na adaptação inteligente de uma dada realidade, embora a Constituição não possa, por si, só realizar nada, ela pode impor tarefas” (HESSE, 1991, p. 19). 

Assim havendo colisão entre normas de hierarquia constitucional, há que se buscar a melhor concordância prática, ou seja, a melhor compatibilização, o melhor equilíbrio dos direitos em colisão.

A segunda forma de solução, da dimensão de peso ou importância, leva em consideração que os princípios, diferentemente das regras, possuem uma dimensão de peso e importância inerentes à sua finalidade, deste modo quando duas regras entram em conflito uma deixará de ser válida, contudo, ao se tratar de princípios em colisão, um deverá prevalecer devido seu caráter valorativo de maior importância devido aos direitos tutelados.

Ou seja, há que se observar uma escala racional de valores, levando sempre em consideração a especificidade do caso, para que se chegue à conclusão de qual princípio possui mais peso, observando para tanto, qual princípio tutela mais bens, qual causaria maior gravame caso fosse afastado, etc.

     Neste contexto emerge a discussão referente à possibilidade do conflito entre a expectativa de implementação de políticas públicas que alicerçam os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, respaldada pelo Princípio da Absoluta Prioridade, e a expectativa da efetivação dos direitos fundamentais dos demais indivíduos, garantido pelo princípio da dignidade humana.

Este embate traz mais preocupação quando se observa a realidade “in natura" de um País de grandes dimensões como o Brasil, pois existem verdadeiros abismos sociais, ou seja, a desigualdade é evidente, dificultando, por conseguinte, a decisão de quanto, como e onde aplicar recursos oriundos dos cofres públicos, tendo em vista que a existência digna é direito de todos, seja adulto, idoso, criança ou adolescente.

Cumpre mencionar que a Colisão de Direitos Fundamentais pode ser definida como a situação em que o exercício ou realização de um direito fundamental acarreta conseqüências negativas sobre outros titulares de direitos, também, fundamentais.

Entendendo que normas-princípios são mandamentos de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, dependendo das possibilidades reais e jurídicas.

De todo o exposto até então, observa-se que a absoluta prioridade e dignidade humana são, por sua vez, princípios, ou seja, trata-se de normas que podem ter aplicabilidade em diferentes níveis, a depender das possibilidades jurídicas e reais, como já mencionado.

Acrescenta-se ainda que o Estatuto fala em ‘primazia’, ‘preferência’ e ‘precedência’, mas não em exclusividade, trata-se de princípio de aplicação precisa, de prioridade obrigatória do mínimo necessário. 


REFERÊNCIAS

 

 

 

ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1998.

 

 

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

 

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 230.

 

 

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Lisboa: Almedina, 1999.

 

 

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sèrgio Antônio Fabris Editor, 1991.

 

 

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

 

 

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2007.

 

 



[1][1] TJDF, Ap. civ. 62, de 16.04.93, Acórdão 3.835

[2][2] Apel. Cível 596017897, 7ª Câmara Cível.


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