Resumo:
Breve análise sobre a ótica das normas e princípios fundamentais, constitucionais, penais e internacionais. Viabiliza compreender acerca do Projeto de Lei 1057/2007 e, ainda, a Proposta de Emenda Constitucional 303/2008.
Porto Velho, RO - 2015
Texto enviado ao JurisWay em 02/12/2020.
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INSTITUTO LUTERANO DE ENSINO SUPERIOR DE PORTO VELHO ILES/ULBRA
O INFANTICÍDIO INDÍGENA NO BRASIL À LUZ DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Porto Velho, RO
2015
Projeto de Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Porto Velho – ILES/ULBRA, para a obtenção do Grau de Bacharel em Direito. Sob a orientação do Professor: Marcos Nunes Silva Verneck.
Dedico este Trabalho de Conclusão de curso a Deus, por sua graça, misericórdia e bondade em todas as circunstâncias.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus por sua fidelidade, misericórdia e perfeição nos planos em que traça para aqueles que o amam e por toda sua graça e bondade, toda a gloria à Ele, que é acima de tudo a direção desse trabalho e da minha vida.
Aos meus pais Laercio Lima e Elba Barbosa, por sempre, acima de tudo, cuidarem da minha educação e oportunizarem as melhores opções na minha vida, não medindo esforços, dificuldades e sacrifícios para fazê-lo, assim como foi para a realização desse sonho.
Aos meus amigos e família que acreditaram a todo o momento, em especial ao meu falecido amigo Tibério Barbosa, que enquanto presente sempre me apoiou e motivou para a realização desse trabalho e a Abigail Simões que não mediu esforços em me ajudar com a montagem do título, tampouco em me incentivar a não desistir do tema.
Por fim, agradeço a paciência, atenção e dedicação do meu Orientador Professor Marcos Nunes Silva Verneck, que foi essencial para a concretização deste trabalho.
“E tudo quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.”
Colossenses 3:17.
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso baseia-se em sua essência na exposição da prática do infanticídio em algumas tribos brasileiras que, ainda nos dias de hoje, vem acontecendo, também traz uma breve analise da situação sobre a ótica das normas e princípios fundamentais, constitucionais, penais e internacionais. Por fim, viabiliza compreender um pouco acerca do Projeto de Lei 1057/2007 e, ainda, a Proposta de Emenda Constitucional 303/2008. A Carta Magna Brasileira resguarda o direito à vida como um dos direitos essenciais do ser humano, contudo também guarda a diversidade cultural e os direitos dos indígenas, assim como a Lei 6.001/1973 – Estatuto do Índio, na qual é reconhecida a diversidade cultural entre “brancos” e silvícolas, garantindo direitos específicos aos indígenas. O Projeto de Lei 1057/2007 e a Proposta de Emenda Constitucional 303/2008 trazem algumas possibilidades para combater a prática do infanticídio, a fim de que a cultura e o povo indígena não se disseminem no país.
Palavras-chave: Infanticídio Indígena. Lei Muwaji. Direitos Humanos. Diversidade Cultural. Garantias Fundamentais.
ABSTRACT
This course conclusion work is based in essence on infanticide practice exposure in some Brazilian tribes which nowadays is still happening, and it also provides a brief analysis of the fundamental norms and principles, constitutional,criminal and international point of view. Lastly, it enables the understanding about Law Project 1057/2007, and also the Proposed Constitutional Amendment 303/2008. The Brazilian Magna Carta protects the right to life as one of the essential rights of human beings, but also saves the cultural diversity and the rights of indigenous people, as well as Law 6.001 / 1973 - Indian Statute, in which cultural diversity is recognized among "white" and forestry, ensuring specific rights to indigenous people. The Law Project 1057/2007 and the Proposed Constitutional Amendment 303/2008 bring some possibilities to combat the practice of infanticide, in order to the culture and the indigenous people do not disseminate in the country.
Keywords: Indigenous Infanticide. Muwaji law. Human rights. Cultural diversity. Fundamental guarantees.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
2 INFANTICÍDIO
2.1 PRÁTICA CULTURAL
2.2 RAÍZES HISTÓRICAS
2.3 ESTATUTO DO ÍNDIO E A FUNAI
3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O INFANTICÍDIO
3.1 CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
3.2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
3.3 ESTATUTO DO ÍNDIO
3.4 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
3.5 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
4 A REALIDADE DO INFANTICIDIO NAS TRIBOS
4.1 FUNASA
4.2 PALTU KAMAYURA
4.3 MUWAJI
4.4 HAKANI
4.5 AMALÉ
4.6 EDSON BAKAIARI
4.7 PITUKO WAIAPI
4.8 NIAWI
4.9 ATINI – VOZ PELA VIDA
4.9.1Objetivo
4.9.2 Valores
4.9.3 Áreas de atuação
4.10 CASA DO KUNUMIM XINGUANO
5 MEDIDAS PARA A PREVENÇÃO DA PRÁTICA
5.1 PROJETO DE LEI 1057/2007
5.2 PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL 303/2008
5.3 DIREITO INTERNACIONAL E UNIVERSAL
5.3.1 Declaração universal dos direitos humanos
5.3.2 Declaração universal sobre a diversidade cultural
5.3.3 Declaração Das Nações Unidas Sobre Os Direitos Dos Povos Indigenas
5.3.4 Convenção 169 Da Organização Mundial Do Trabalho
6 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ANEXO 1 – PROJETO DE LEI 1057/2007
ANEXO 2 – PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL 303/2008
ANEXO 3 – CARTA ABERTA DO MOVIMENTO INDIGENA CONTRA O INFANTICIDIO
ANEXO 4 – PROJETO TRABALHO DE CURSO
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho viabiliza mostrar as situações de prática de infanticídio decorrentes em tribos indígenas no Brasil, bem como as normas existentes e leis que tratam acerca do assunto, tal como entender sobre essa prática, se deve ser tratada como um simples hábito enraizado na cultura indígena ou se representa grave lesão ao direito à vida, resguardado pela nossa Carta Magna.
A escolha desse tema foi baseada na discussão que se tem quanto a prática do crime de infanticídio nas tribos indígenas hoje no Brasil e como o estatuto do índio não faz qualquer menção a pratica, estando isolado das normas que resguardam a vida, assim, sendo de suma importância o estudo do supramencionado tema, pois atinge o maior bem tutelado existente, sendo este o da vida, pois por um lado tenta-se assegurar o respeito à diversidade cultural sem que haja interferência na cultura e costume indigenista, porém, em contrapartida, há também o zelo às normas de direitos humanos mais fundamentais, como já mencionado, sendo a principal o direito à vida, tal como a dignidade da pessoa humana.
Sendo de essencial compreender as propostas sobre o tema, e as modificações que elas trazem ao nosso sistema atual, sendo elas o projeto de Lei 1057/2007 e a Proposta de Emenda Constitucional 303/2008, que tratam sobre a prevenção da prática de infanticídio, a fim de resguardar o bem da vida e garantir que as crianças indígenas tenham a oportunidade de crescer e ter uma vida digna, conforme adiante se mostrará.
O Trabalho de Curso é apresentado dentro de quatro capítulos. No primeiro capítulo, buscou-se entender o infanticídio na tribo indígena como sendo uma prática cultural e milenar, explanando as motivações para a prática de tal ato presente em todo o histórico em diversas tribos de semi-isolamento, como tribos presentes no Amazonas, Roraima e Mato Grosso. Ainda, tratou acerca da legislação indigenista, mostrando sobre seu estatuto, seus direitos, deveres e proteção a sua cultura tão distinta da nossa sociedade.
Por sua vez, o segundo capítulo abrange sobre o infanticídio em relação às normas brasileiras, sendo como essencial nesse capítulo a Constituição Federal e as garantias fundamentais a pessoa humana, por outro lado a perspectiva do infanticídio como crime no Código Penal, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente abordando sobre os direitos da criança brasileira e não menos importante o Estatuto do Índio.
Já o terceiro capítulo trata sobre a realidade da prática do infanticídio dentro das tribos indígenas, mostrando casos reais de índios que buscaram ajuda das autoridades, a fim de tentar acabar com a prática. Ademais, mostra casos de sobreviventes, assim como não sobreviventes também e projetos existentes hoje que apoiam os índios que buscam por essa ajuda.
Por fim, o quarto e último capítulo é responsável por demonstrar soluções para o problema apresentado em todo o trabalho de conclusão de curso. Apresentando as medidas existentes que buscam uma melhoria no diálogo entre sociedade e índio, objetivando erradicar as práticas tradicionais nocivas por diversos meios, em contrapartida expõe um pouco sobre as normas universais sobre a diversidade cultural e a prática do infanticídio.
CAPÍTULO I
2 INFANTICÍDIO
[…] porque entre muitas tribos o infanticídio é tabu. Em muitas tribos, quando uma índia está para dar a luz, ela vai sozinha para a floresta, ainda que seja muito jovem e aquele seja seu primeiro filho. Se a criança é perfeita e nasceu no sexo desejado, a mãe a trará de volta para tribo. Mas se tiver algum defeito, real ou suposto (lábio leporino ou alguma marca de nascimento na pele, tratar-se de gêmeos ou pertencer ao sexo não desejado, provier da mãe solteira ou nascer em família considerada já grande, etc.), a criança será afogada ou estrangulada ou enterrada viva, ou então simplesmente deixada na mata para morrer. […] existe um silencio tácito sobre o fato de a mulher grávida ter voltado sozinha para a maloca. Ninguém fala do assunto. O único som capaz de quebrar o silêncio é o choro da criança na mata. Mas o silêncio logo volta quando a criança morrer, comida por algum animal ou vitimada por alguém da tribo que, farto com o barulho, acabou com o ‘problema’ através de um golpe de tacape ou do estrangulamento (SOUZA, 2009).
A origem da palavra infanticídio vem do latim, infantis, que significa criança e caedere que é matar, interpretando-se literalmente como “matar uma criança” ou “dar morte a uma criança”. Ainda, faz-se necessário colacionar a definição trazida pelo atual Código Penal Brasileiro do referido crime, posto isto:
“Artigo 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de dois a seis anos". Entende-se, assim, que a prática de infanticídio ocorre na ocasião em que a mãe, em estado pós-parto mata o próprio filho.”
Entende-se por estado puerperal, como transtorno mental ou alteração, ocasionadas pelas dores do parto, capazes de alterar temporariamente o psíquico da mãe, levando ela a agir instintiva e violentamente contra seu próprio filho durante o seu nascimento ou logo após o mesmo.
Toda mãe atravessa o estado puerperal, a intensidade de perturbações varia de acordo com cada indivíduo. Greco ensina que o estado puerperal e a influência por ele exercida na agente são determinantes. Na ausência da influência do estado puerperal da mãe, o ato deve ser analisado do ponto de vista do homicídio.
O puerpério causa perturbação psíquica, diminuindo temporariamente o entendimento da mãe. De acordo com sua intensidade o estado puerperal pode ter efeitos diferentes podendo reduzir a capacidade de discernimento e produzir estado de confusão mental.
O estado puerperal é encarado com perturbação mental grave onde há mudança fundamental do humor seguida de importante alteração do teste de realidade, alucinações auditivas e visuais, ideação delirante de caráter depressivo ou persecutório, agitação psicomotora eventual e desagregação do pensamento.
Tem inicio de modo abrupto nas duas ou três primeiras semanas depois do parto. Estes delírios e alucinações se referem à gravidez, parto e ao filho. Há por parte da mãe grande agressividade e hostilidade direcionada à criança.
Em casos extremos de desagregação da personalidade, pode haver agressões e com risco de morte da criança, separar a mãe da criança pode contribuir para que a doença permaneça. Em casos de menor comprometimento, orienta-se que a mãe e o bebê permaneçam juntos, sempre com acompanhamento.
O objeto jurídico tutelado é a vida e, também, tal prática é caracterizada como crime próprio, pois se necessita que a mãe seja o agente ativo, apenas ela pode cometer o crime tipificado no artigo 123, do Código Penal Brasileiro, entretanto há a possibilidade de que um terceiro responda pelo crime, desde que em concurso de agentes.
Anteriormente, o infanticídio não se constituía como crime, como explica Vicente de Paula Rodrigo Maggio:
Verifica-se que entre os povos primitivos da humanidade, a morte dos filhos e das crianças não constituía crime, nem atentava contra a moral ou os costumes, pois, as mais antigas legislações penais conhecidas, não fazem qualquer referência a esse tipo de crime, concluindo ser, então, permitida a conduta hoje delituosa (MAGGIO, 2004, P. 40).
Em algumas tribos indígenas, como a Suruwahá, Ianomâmis e Kamaiurás, os motivos que levam à prática do infanticídio são diversos, sendo eles; Filhos de mãe solteira, portadores de necessidades especiais (físicas ou mentais), fruto de alguma violência sexual, irmãos gêmeos, entre outros, sendo que a partir desse momento surge a pressão por parte da tribo e por parte da própria família para que as mães assassinem seus próprios filhos.
Verifica-se, desse modo, um quadro de extrema pressão psicológica a que são submetidas pela tribo, ficando divididas entre a obrigação de honrar as tradições do seu povo e preservar a vida dos seus filhos.
O ato de matar os filhos que não se encaixem no padrão aceitável é traduzido como a reafirmação de suas identidades como mulheres. Traduzida em uma coerção cultural, que as leva a essas ações como forma de afirmação de sua identidade e pertencimento a um grupo social, seu povo.
Quando se discute sobre o tema infanticídio indígena, é essencial compreender as razões que levam os silvícolas a reafirmarem essa prática, ainda nos dias de hoje. Sendo de fundamental importância perceber o conceito e a visão que o indígena tem dos valores constitucionais conhecidos pela sociedade nacional, como a vida e dignidade humana, além da valorização da convivência em coletividade e a necessidade de socialização entre os povos para o alcance da plena humanidade.
A Constituição da República Federativa do Brasil traz na redação do artigo 231 o seguinte:
São reconhecidos aos índios sua organização social, costume, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Apesar de estar mais que explanado no referido artigo o reconhecimento das tradições da sociedade tribal, por outro lado, os indígenas também são destinatários dos direitos fundamentais, e como tal merecem a tutela do Estado na garantia de seus direitos, em especial, à inviolabilidade do direito à vida, previsto no artigo 5º da Constituição Federal.
Na Lei nº 6.001/1973, mais conhecida como Estatuto do Índio é reconhecida a diversidade cultural entre “brancos” e silvícolas, garantindo direitos específicos aos indígenas e, ainda classificando-os como relativamente capazes, por esta razão devem ser tutelados por órgão estatal indigenista, pelo menos até que se integrem à “comunidade nacional”. Porém, tal capacidade relativa atinge apenas o âmbito da espera civil, não tendo qualquer efeito na esfera penal, sendo o indígena responsável penalmente por ilícito penal que venha a praticar.
Assim entende o Superior Tribunal de Justiça, conforme vislumbra-se na Súmula nº 140 - “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima”. Sendo então possível a reponsabilidade na esfera criminal dos atos delituosos que os indígenas venham a praticar, sendo de competência da Justiça Comum Estadual julgar acerca do tema.
Pode-se através disso visualizar o conflito existente entre a liberdade cultural e o direito à vida, sendo que quando preponderamos o conflito entre essas normas, vez que o direito à vida revela-se garantidor de todos os outros direitos fundamentais, é conditio sine qua non para o exercício de outros direitos, como o direito cultural.
Afirma Simões que “o bem jurídico da vida não é apenas fundamental ao indivíduo, é objeto de proteção indiscutível do Estado, que deu à vida a elevação constitucional inalterável e ao homicida as penas mais severas” (SIMÕES, 2012). Não havendo assim o que se discutir sobre a supremacia do direito à vida.
Contudo, visualiza-se um conflito jurídico no qual tem-se que considerar qual o direito mais importante, o direito à vida ou o direito a diversidade cultural e, ainda, as consequências que a aplicação de cada um desses direitos trará.
“A tolerância da FUNAI e FUNASA ao infanticídio indígena denunciados numa audiência pública realizada em 2007 na Câmara dos Deputados referentes à discussão sobre o Projeto de Lei nº 1057/2007 em tramitação acirraram os debates sobre o tema e criaram o que se chama de “discurso da dupla vitimização indígena”, a fim de pacificar a celeuma: os índios são vítimas de sua própria cultura assassina ou vítimas do contato Inter étnico com as ONG’s e grupos missionários que vem gerando um choque cultural emblemático e grave? O fato é que crianças estão sendo brutalmente mortas, privadas de um bem jurídico matricial que é a vida. Quando não, são rejeitadas e perambulam até a morte no perímetro tribal. O desenvolvimento biopsicossocial destes menores precisa ser garantido. Para tanto, a referência familiar é imprescindível. O direito à convivência familiar e comunitária (art. 227, CF/88) implica no simples fato de poder crescer e se desenvolver num ambiente saudável, na proteção e zelo da unidade familiar, na educação e comunhão com seus pares a fim de absorver valores para a formação cultural, social e política do indivíduo que irá compor a sociedade e nela refletir as normas e padrões consagrados. Muitas crianças indígenas não estão tendo garantido esse direito.” – Jonathas da Silva Simões.
Além disso, há diversas normas internacionais garantidoras da vida humana, há também silvícolas que repudiam veementemente esta prática cultural infanticida, como explanado a seguir; O caso Hakani, da tribo Suruwahá, na parte oeste a Região Amazônica, divulgado no documentário “Hakani – Uma voz pela vida”, que foi salva da morte aos cinco anos quando desenterrada por seu irmão de nove anos e acolhida por um casal missionário.
Ainda, há também, a indígena Muwaji, Suruwahá que lutou contra a tradição de seu povo que a ordenava matar sua filha Iganani portadora de deficiência cerebral, que hoje dá nome ao mencionado Projeto de Lei nº 1057/2007 que dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, em tramitação no Congresso Nacional.
O projeto de Lei nº 1057/2007 foi elaborado pelo deputado Henrique Afonso, do PT, do Estado do Acre, a fim de coibir práticas tradicionais nocivas às crianças indígenas. A proposta, apelidada pelo autor de "Lei Muwaji", é uma homenagem a uma mãe da tribo dos suruwahás, que vivem em regime de semi-isolamento. Ela se rebelou contra a tradição de sua tribo e salvou a vida da filha, que seria morta por ter nascido deficiente.
A cultura indígena, no que tange ao seu patrimônio imaterial, é dinâmica, mutável, podendo ser objeto de proteção por outros meios adequados já existentes no ordenamento jurídico.
Os indígenas brasileiros possuem tratamento jurídico exclusivo e desfrutam de direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, além de outros instrumentos normativos. Ainda, possuem uma fundação própria, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que tem como objetivos principais, entre outros, promover políticas de desenvolvimento sustentável das populações indígenas e monitorar as terras regularizadas e aquelas ocupadas por tais populações.
A prática de se matar crianças em grupos indígenas no Brasil é cultural e milenar. Antes de tudo, insta ressaltar que há dificuldade em se conhecer, estatisticamente, o número de crianças indígenas que são vítimas dessa prática a cada ano.
Segundo o Censo Demográfico de 2000, pesquisadores do IBGE constataram que a cada 1.000 crianças indígenas nascidas vivas, 51,4 morreram antes de completar um ano de vida, enquanto no mesmo período, a população não indígena apresentou a taxa de mortalidade de 22,0 crianças por casa 1.000. Sendo a diferença entre as duas populações de 124%. O Ministério da Saúde informou que a mortalidade infantil indígena chegou a 74,6 mortes nos primeiros 12 meses de vida. Entretanto, tanto na explicação do IBGE quanto na do Ministério da Saúde não há qualquer explicação da causa mortis (Disponível em: http://www.igbe.gov.br/indigenas/graficos.html, acesso em 30 de setembro de 2014).
Grande parte das mortes por infanticídio são mascaradas nos dados oficiais como morte por desnutrição ou outras causas misteriosas, sendo causas mal definidas de 12,5%, causas externas de 2,3% e outras causas de 2,3%.
Rachel Alcântara da UNB realizou uma pesquisa e, só no Parque Xingu concluiu-se que foram assassinadas cerca de 30 crianças todos os anos.
Ainda, o médico sanitarista Marcos Pellegrini, que até 2006 coordenada as ações do DSEI-Ianomâmi, em Roraima, fez um levantamento no qual estimou-se que 98 crianças indígenas foram assassinadas pelas mães em 2004, e 68 no ano de 2003, utilizando-se dessa prática cultural como principal causa de morte entre os Ianomâmis.
A cidade mais violenta do Brasil fica no interior do estado de Roraima. Chama-se Caracaraí e tem apenas 19 mil habitantes. De acordo com o último Mapa da Violência, do Ministério da Justiça, em um ano, 42 pessoas foram assassinadas por lá. Entre elas, 37 índios, todos recém-nascidos, mortos pelas próprias mães, pouco depois do primeiro choro. (Disponível em: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/12/tradicao-indigena-faz-pais-tirarem-vida-de-crianca-com-deficiencia-fisica.html, acessado em 03 de janeiro de 2015).
O tema infanticídio surgiu no estado por ter se destacado no Mapa da Violência 2014, elaborado com os dados de dois anos atrás. O autor do levantamento feito para o Ministério da Justiça, o pesquisador Júlio Jacobo, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, não tinha ideia da ocorrência da prática ainda nos dias atuais.
Tal prática ocorre ainda em diversas etnias nos dias atuais, sendo algumas delas os uaiuai, bororo, mehinaco, tapirapé, ticuna, amondaua, uru-eu-uau-uau, suruwahá, deni, jarawara, jaminawa, waurá, kuikuro, kamaiurá, paritintin, Ianomâmi, paracanã e kajabi.
A prática do infanticídio é um problema contemporâneo, podendo ser confirmada ao longo da História, nas mais diversas culturas e por mais distintas razões. No entanto esta prática entre os índios não tem a intolerância conceitual da espécie estatuída no Código Penal Brasileiro, pois ele é compreendido no seu sentido literal. De maneira geral, esta prática de infanticídio esteve presente em diversos povos por diferentes motivos culturais e sociais, estando frequentemente relacionada a atos de domínio populacional.
A apreciação de alguns antecedentes históricos se faz essencial, até mesmo para uma melhor compreensão dos motivos latentes, os quais dão causa a existência desta prática em diversas culturas ao redor do planeta.
Há que se salientar, por exemplo, na Grécia, o caso das crianças espartanas, que ao nascer, eram examinadas por um conselho de anciões. Assim, se estabelecia a uma espécie de eugenia, sendo que as crianças que possuíssem algum tipo de deficiência física ou mental eram condenadas à morte.
Conforme explana MAGGIO, em sua obra sobre o tema aqui exposto:
As mais antigas legislações penais conhecidas não fazem qualquer referência a esse tipo de crime, e sabe-se que a conduta era permitida, através de referências de filósofos e historiadores. Dionísio e Cícero falam a respeito desses usos na Roma de Rômulo (MAGGIO, 2004).
Na Roma Antiga, por sua vez, o pater família tinha a sua disposição o direito de morte e vida dos seus filhos, o jus vitae et necis. Destarte, o infanticídio não era idealizado como crime, pois crianças que versassem em algum tipo de “desonra” à família ou crianças consideradas imperfeitas podiam ser mortas. Neste período da história (até meados do século V a.C) o infanticídio era perfeitamente aceitado e exercitado, não sendo considerado como crime e nem reprovado pelas normas consuetudinárias da época.
No século IV, quando o Cristianismo passou a ser a religião oficial do Império, a visão em relação ao infanticídio passou por mudanças. A influência cristã apareceu dando novas adjacências ao conceito de dignidade humana, sendo que o infanticídio passou a ser considerado um pecado e até mesmo um crime gravíssimo. Tal que, o patria potestas foi limitado por Constantino, não sendo mais permitido que o pai retirasse a vida de um filho.
Também, insta destacar o momento da história de forte influência iluminista. Inicia-se por volta do século XVIII, sendo um período histórico favorável à mulher, no qual o infanticídio passou a ser considerado crime privilegiado, havendo a possibilidade de uma diminuição da pena quando era cometido por motivo de pobreza extrema ou de preservação da honra, sendo este denominado como infanticídio honoris causa.
Hoje, a prática do infanticídio ainda ocorre em algumas culturas, sendo suas causas e motivações bem divergentes em algumas delas, mas em grande parte a necessidade do controle populacional é o seu fator principal.
Na china por exemplo, há a prática do infanticídio feminino, em especial, a partir da década de 80, houve aplicação de medidas de controle de natalidade, estabelecida através de políticas do filho único, sendo preferência expressa na cultura chinesa por filhos homens, portanto o nascimento de filhas mulheres passou a ser indesejado a cada dia, entretanto isso causou um desequilíbrio populacional no país. Também, essa prática é bastante comum na Índia, caracterizando não um problema econômico ou político, mas mesmo cultural, em sociedades em que há grande valorização da figura masculina e subestimação da figura feminina.
Por fim, é necessário compreender a prática de tal crime, como acontecimento mundial, entretanto divergente de acordo com as motivações de cada cultura, cada uma com seu determinado fim ou razões para a prática do mesmo.
2.3 ESTATUTO DO ÍNDIO E A FUNAI
O reconhecimento dos direitos indígenas brasileiros tem início na época do Império, através da Carta de Lei de 27 de outubro de 1831 e, basicamente, baseava-se na ideia de o índio só seria considerado como tal enquanto não estivesse integrado ao meio social, sendo assim, uma vez incluso na sociedade, perderia a proteção legal que lhe era conferida, bem como a sua identidade nativa, não sendo mais considerado silvícola.
Em 1910, fora criado o Serviço de Proteção ao Índio, por meio do Decreto n. 8.072, o qual esteve a maior parte do tempo sozinho, sendo que atuava contra o consenso geral no sentido da aplicação da lei quando os índios se encontravam envolvidos em conflitos com os civis.
O Estatuto do Índio foi adotado com a promulgação da Lei n. 6.001 de 19 de dezembro de 1973 e, inicialmente buscou definir a categoria e conceito de indígena, foi criado anteriormente a Constituição Federal de 1988, entretanto essa mesma buscou resguardar a cultura indígena, prevendo a garantia dos costumes e tradições do grupo.
Na Lei 6.001/1973 regula-se a situação jurídica do silvícola e suas comunidades, especificando regras taxativas sobre suas condições, direitos e deveres e, também, atribui competência do Poder Público no tocante a proteção do patrimônio cultural e suas comunidades.
No Estatuto, parte-se do mesmo princípio disposto no Código Civil Brasileiro de 1916, em que os índios são relativamente incapazes e que deveria ser tutelados por um órgão especifico indigenista estatal, sendo que essa tutela ocorreu do ano de 1910 a 1973 pelo Serviço de Proteção ao Índio e, atualmente, é de competência da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, entretanto cabe ressaltar que tal tutela seria apenas até a ocasião em que o índio seja integrado a sociedade, sendo que após sua integração ao convívio no meio social não haveria mais a possibilidade dessa tutela exclusiva.
Em suma, o texto da Lei reúne condições e direitos de cidadania em conjunto com os direitos e garantias da própria condição cultural, porém não deixa a desejar no que diz respeito à preservação das tradições e cultura indigenista, bem como dá importância devida à integração progressiva e equilibrada dos índios e das comunidades indígenas a comunhão nacional.
Acerca da nacionalidade e cidadania são aplicadas aos índios as normas nacionais, mas o exercício dos direitos civis e políticos dependem da verificação de condições especiais, em função da sua incapacidade relativa para fins de prática de atos da vida civil.
A Fundação Nacional do Índio – FUNAI foi fundada pela Lei 5.371/1967, vinculada ao Ministério da Justiça, é órgão federal que zela pelo estabelecimento e execução da política indigenista brasileira, de acordo com o cumprimento que é determinado na Constituição Federal de 1988. Sendo seus objetivos principais; promover políticas de desenvolvimento sustentável das populações indígenas, aliar a sustentabilidade econômica à socioambiental, promover a conservação e a recuperação do meio ambiente, controlar e mitigar possíveis impactos ambientais decorrentes de interferências externas às terras indígenas, monitorar as terras indígenas regularizadas e aquelas ocupadas por populações indígenas, incluindo as isoladas e de recente contato, coordenar e programar as políticas de proteção aos grupos isolados e recém contatados e implementar medidas de vigilância, fiscalização e prevenção de conflitos em terras indígenas.
CAPÍTULO II
3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O INFANTICÍDIO
Na sociedade atual brasileira, considera-se como ilícito tipificado no Código Penal Brasileiro a prática de infanticídio, previsto no artigo 123 do Código, conforme se colaciona a seguir:
Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após (CUNHA, 2013, P. 222)
Para a aplicação da norma penal a civis, estamos diante de uma forma especial de homicídio, no qual é praticado pela genitora contra seu próprio filho, em decorrência do estado puerperal, durante ou após o evento do parto.
Trata-se, ainda, de um crime próprio, pois só poderá ser praticado pela genitora da criança, contudo, a doutrina majoritária admite o concurso de agentes nas formas de participação e coautoria.
Conclui-se que o estado puerperal é elementar subjetiva do tipo, comunicável nos termos do seguinte artigo:
Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime (CUNHA, 2013, P. 81).
Entretanto, há opiniões em sentido contrário, no entendimento de que o estado puerperal se trata de condição personalíssima, portanto não sendo abrangida pela descrição do artigo em comento, os doutrinadores que adotam essa corrente entende que, quem colabora com a morte do nascente prática homicídio.
Um dos precursores dessa tese, Nélson Hungria, numa das últimas edições de sua obra, abandonou este ensinamento, acabando por reconhecer a comunicabilidade da elementar, assim como redigida pelo Código Penal no artigo já colacionado anteriormente.
Enfatiza Magalhães Noronha que:
“Não há duvidas de que o estado puerperal é circunstância (isto é, estado, condição, particularidade etc.) pessoal e que, sendo elementar do delito, comunica-se, ex vi do artigo 30, aos coparticipes. Só mediante texto expresso tal regra poderia ser derrogada” (Direito Penal, vol. 2, p. 49).
Ademais, na lição de Cezar Roberto Bitencourt, relembrando o ensinamento de Hungria, é “indiferente a existência de capacidade de vida autônoma, sendo suficiente a presença de vida biológica que pode ser representada pela existência do mínimo de atividades funcionais de que o feto já dispões antes de vir à luz, e das quais é o mais evidente atestado a circulação sanguínea” (Tratado de direito penal – Parte Especial, vol. 2, p. 113).
Caso ocorra o erro quanto à pessoa (previsto no art. 20, § 3º, do CP) contra a qual o crime é praticado o agente não é isento de pena. Contudo, neste caso, não se consideram as condições ou qualidades da vítima real, senão as da pessoa contra quem o agente delituoso queira praticar o crime, ou seja, a vítima “virtual”. Sendo assim, se a mãe, sob influência do estado puerperal, pensando ser o seu filho, logo após o parto, acaba por ceifar a vida de filho alheio, por engano, prática crime de infanticídio putativo.
Pois bem, verifica-se a existência de duas circunstâncias elementares essenciais, sem as quais não se configura o infanticídio, sendo elas: a) elemento cronológico: durante ou logo após o parto causar a morte do próprio filho; e, b) elemento etiológico: estar sob a influência do estado puerperal no momento da conduta.
O momento da consumação da ação ocorre com a morte do nascente ou neonato, sendo totalmente admissível a hipótese de tentativa.
Diante do exposto, verifica-se a ilicitude da prática do infanticídio perante a sociedade brasileira atual, sendo aplicável a pena de detenção de dois a seis anos a quem pratica o crime, contudo não há qualquer aplicação da Lei Penal nos casos concretos que ocorrem nas tribos indígenas brasileiras que praticam esse crime, ainda nos dias de hoje.
Na Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 231, a cultura indigenista passa a integrar o patrimônio cultural brasileiro, pois reconheceu-se especificamente aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, incumbindo a União o descer de proteger e fazer respeitar todos estes bens, consequentemente, aceitando a prática do infanticídio como parte de suas tradições.
In verbis:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (BRASIL, 1988).
Os valores culturais de cada povo, seus costumes, tradições, identificam-no e distinguem-no dos demais, sendo esta a identidade representada por bens, materiais ou imateriais, que se tornam juridicamente protegidos em virtude da lei.
O interesse cultural de que se revestem alguns bens assume tamanha relevância para determinada sociedade que sua proteção se impõe ao ordenamento jurídico, como forma de assegurar e garantir a distinção étnica.
Esta proteção, contudo, não pode se dar em nível global, ou seja, não se pode presumir que toda manifestação cultural deva ser preservada, porque isto implicaria em limitar as possibilidades de mudança e desenvolvimento.
Desta forma, os direitos culturais devem comtemplar bens individualizados, os quais, em qualquer hipótese, hão de ser representativos, evocativos ou ainda identificadores da história de determinada sociedade e, por isso, da cultura humana de modo geral.
Esses bens formam o conjunto do patrimônio cultural daquela sociedade.
A Constituição Federal de 1988 promoveu uma grande alteração nos conceitos concebidos até então, passando a considerar como integrantes do patrimônio cultural brasileiro todos os bens “portadores de referência á identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (Artigo 126, caput)
Portanto, o texto constitucional reconheceu a diversidade cultural no Brasil, enaltecendo-a e estabelecendo a obrigatoriedade quanto à proteção dos valores populares, afro-brasileiros e indígenas, os quais a partir desse momento histórico, passaram a ter relevância jurídica individual e em conjunto (Artigo 215, § 1º).
O antropólogo Shelton H. Davis, explana:
Em toda sociedade existe um corpo de categorias culturais, de regras ou códigos que definem os direitos e deveres legais entre os homens, que em toda a sociedade disputas e conflitos surgem quando essas regras são interrompidas e que em toda a sociedade existe meios institucionalizados através dos quais esses conflitos são resolvidos e através dos quais as regras jurídicas são reafirmadas e/ou redefinidas (DAVIS, 1973).
Ao mesmo passo em que resguarda as práticas dos silvícolas, a Carta Magna de 1988, também expressa o direito a vida e a dignidade humana, entrando, então, em um conflito no tocante a prática de infanticídio indigenista, entretanto tal tema será abordado em outra oportunidade.
Ainda, há que se ressaltar que todos os artigos da constituição devem ser aplicados a luz do artigo 227, da mesma Carta Magna em questão, senão vejamos:
Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Todos esses direitos, assegurados no artigo 227 da Constituição Federal da República Brasileira, devem ser considerados como supremos na sociedade, comunidade e, por que não dizer nas tribos presentes no território nacional?
Ainda, pois, além da norma constitucional conferir essa singularidade no tratamento dos indígenas, permite que suas práticas culturais sejam regidas por seu próprio estatuto, sendo este a Lei 6001/1973.
O Estatuto do Índio tem por objetivo regulamentar a situação jurídica dos índios e das comunidades indígenas no Brasil, foi elaborado num momento em que o pais era dominado por um regime autoritário, que não permitia a participação de diversos setores da sociedade na elaboração e execução de suas políticas oficiais.
Ainda, faz-se referência às estruturas familiares indigenistas, expressamente no artigo 6º da Lei 6001/1973, conforme se verifica a seguir:
Art. 6º - Serão respeitados os usos, costumes e tradições das comunidades indígenas e seus efeitos, nas relações de família, na ordem de sucessão, no regime de propriedade e nos atos ou negócios realizados entre índios, salvo se optarem pela aplicação do direito comum.
Parágrafo único – Aplicam-se as normas de direito comum à relação entre índios não integrados e pessoas estranhas à comunidade indígena, excetuados os que forem menos favoráveis a eles e ressalvado o disposto nessa Lei.
O reconhecimento das estruturas familiares, entre outros dispositivos de proteção a institutos próprios do Direito de Família, está, em tese, condicionados à tutela orfanológica do Estado, pois o Código Civil Brasileiro, equipara os índios aos menores de 16 e 21 anos, sendo estes considerados relativamente incapazes para prática de atos da vida civil.
No tocante ao infanticídio, podemos citar o artigo 57 do mesmo Estatuto do Índio, que dispõe:
Art. 57 – Será tolerada a aplicação pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante proibida em qualquer caso a pena de morte.
Contudo, o infanticídio praticado pelos indígenas não guarda qualquer relação com o previsto no código Penal, tampouco e fruto de um estado INCONSCIENTE típico das mulheres no período pós-parto, também denominado por estado puerperal. Mas, trata-se de uma prática cultural.
A legislação brasileira não vislumbra qualquer solução para estes conflitos de lei, os quais podemos aqui considerar absolutamente complexos e de solução sem precedentes em nossa jurisprudência.
Contudo, diante dessa antinomia de normas e conflito de posicionamentos, nos vemos numa discussão entre a prevalência a supremacia das normas de proteção aos direitos humanos universalmente reconhecidos ou o respeito aos direitos culturais de um dado povo indígena.
No dizer de Schirmer:
“Se as diferenças entre os povos são reconhecidas como meios alternativos de lidar com as questões de direitos humanos, então aqueles que se preocupam com tais questões saberão que pode haver discordâncias e que podem existir mais de uma resposta apropriada aos dilemas de direitos humanas. Atitudes diferentes quanto a punições, por exemplo, não são necessariamente resultado da falta de conhecimento ético ou da ignorância de padrões de ética apropriados” (SCHIRMER, 1988).
3.4 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A criança e o adolescente no Brasil têm alguns dos seus direitos resguardados no Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem como objetivo principal garantir o direito à vida e condições dignas à criança e ao adolescente através da aplicação de políticas públicas. O Estatuto serve também para frisar a proteção e as garantias já previstas Constituição de 1988, no qual podemos encontrar alguns artigos que também, entram em conflito em relação a prática do infanticídio por índios.
Pois bem, vejamos:
Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, á dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido a forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 7º - A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais publicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 70 – É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente (BRASIL, 1990).
Entre muitos outros dispositivos que caberiam ser citados no presente momento, contudo, a fim de não causar delongas, verifica-se que a criança, no momento de sua concepção já adquire seus direitos, como sendo o principal o direito à vida, garantido e resguardado pela Carta Magna, Declaração Universal de Direitos Humanos, Estatuto da criança e do adolescente, entre outros institutos.
Contudo, ao passo em que se resguarda pela preservação da cultura e tradições do povo indígena, que, vale a pena salienta, são as raízes brasileiras, também se questiona os direitos da criança que é vitima da prática de infanticídio, a qual nasce no primeiro choro tem sua vida ceifada, por nascer com alguma enfermidade física ou mental, que, a princípio, nem culpa dela é. Ou as vezes, por sua mãe ser solteira, o que também não cabe punir a criança.
Assim, a criança indígena tem direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais e públicas, gerenciados pelos órgãos de tutela competente indigenista como determina a lei, que permitam o nascimento e o desenvolvimento, em condições dignas de existência.
Visto que não há qualquer distinção entre crianças de sociedades não tradicionais e crianças indígenas, o que nos leva a concluir que os direitos assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente incluem com totalidade todas as crianças nascidas em solo nacional, sem distinção de raça, cor ou crença, reforçando assim, que somos todos iguais perante as leis nacionais.
O Estatuto garante não só o direito à vida, mais também, assegura uma existência digna a criança e ao adolescente com convivência familiar.
3.5 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O Brasil é regido em sua Constituição Federal, por direitos e garantias fundamentais, sendo a dignidade da pessoa humana, um dos mais essenciais para a sociedade brasileira, pois estrutura todo o sistema constitucional e resguarda um direito, arrisco-me a dizer, indispensável.
“É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o ultimo arcabouço da guarida dos direitos individuais. A isonomia serve, é verdade, para gerar equilíbrio real, porem visando concretizar o direito à dignidade. É a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo interprete.
Coloque-se, então, desde já que, após a soberania, aparece no texto constitucional a dignidade como fundamento da República brasileira (...) é um verdadeiro supra principio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas” (NUNES, 2002, P. 35, 50-51).
Pois bem, conforme NUNES na citação, a isonomia colabora em grande parte para a aplicação do principio da dignidade da pessoa humana, buscando igualar as diferenças nas proporções devidas as suas singularidades sociais.
Ensina Carnelutti “Também o conhecer é um construir” (CARNELUTTI, 2010, P. 20). Nesse sentido, se faz necessário conhecer a relação que há, entre o infanticídio praticado nas tribos indígenas e a dignidade da pessoa humana, observando o que dispõe a Constituição de 1988, e o em seu papel de conferir dignidade.
A Constituição Federal Considerou a dignidade da pessoa humana um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF/88).
In verbis:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se um Estado democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).
Os princípios fundamentais constituem-se em diretrizes basilares que impulsionam decisões de cunho político indispensáveis ao estabelecimento do Estado Democrático de Direito, definindo lhe a forma de ser.
O adjetivo fundamental dá significado ao princípio, transmitindo a ideia de algo muito necessário, sem o qual não haveria qualquer alicerce, esta inserção na Magna Carta demonstra o intuito do legislador em alçar princípios à cargo de normas que amparam a ordem constitucional, assim, admitidos como fundamentos da Republica e do Estado Democrático de Direito.
O principal desdobramento observado neste princípio é que, em um Estado Democrático de Direito, a forma laica deve ser observada na política e nas decisões com o pressuposto de resguardar os direitos e garantias fundamentais. O princípio da dignidade da pessoa humana aborda, de forma correspondente, os princípios da autonomia da vontade e a liberdade de crença. O conteúdo da dignidade da pessoa humana, por sua vez, implica em:
Um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (MIRANDA, 200, P. 181).
Nesse tocante, a afronta ao principio da dignidade da pessoa humana relaciona-se ao fato de que impor a genitora da criança que ceife a vida do seu filho recém-nascido. Necessita-se que seja possível construir a real necessidade de concretização desse instituto, sobre tudo, no que se refere à vida das crianças assassinadas nas tribos.
No artigo 1º. Da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana, é apresentada como fundamento da República Federativa do Brasil, é princípio fundamental, diretamente relacionada à ideia de Estado Democrático de direito (BRASIL, 1988). Ensina Silva, “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atraí o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida” (SILVA, 2009, P. 105).
Posto isto, observa-se que o princípio em questão tem finalidade de permitir um progresso ético que viabilizou a introdução do mesmo na ordem universal dos direitos fundamentais do homem. Nesta cadência, constata-se que os direitos fundamentais estão ligados ao conceito de dignidade de pessoa humana, ainda que apresentem conteúdo e forma de aplicações diversas, pois visam assegurar o desenvolvimento das pessoas. Ademais, este princípio funciona como elemento atrativo daqueles.
A sociedade sofre agressões, toda vez que o princípio da dignidade humana é aviltado, pois se justifica, na solidária missão de dignificar o indivíduo. A garantia de dignidade e a garantia a vida faz parte da realização do objetivo deste instituto fundamental.
Ensina Silva, “a tarefa fundamental do Estado Democrático de direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social” (SILVA, 2009, P. 106).
Na Constituição Cidadã de 1988, a dignidade da pessoa humana, integra os direitos e garantias fundamentais. Contudo, é notório que muitas tribos indígenas executam a pratica do infanticídio, afastando assim um direito constitucional de um principio essencial. Ensina Silva, “Trata-se de um regime democrático fundado no princípio da soberania popular” (SILVA, 2009, P. 106).
Importante, e não menos atual, a discussão da era moderna, são os conflitos horizontais dos direitos fundamentais, ou seja, dois direitos protegidos pela Constituição Federal em choque, devendo, nesse sentido, o Supremo decidir como última palavra a relevância de cada um.
Ao falar em direitos humanos fundamentais, necessariamente lembra-se do homem em sua dimensão social e política e, por conseguinte de sua natural vontade de agregar-se a seus semelhantes. Obviamente, há limitações às liberdades, pois, ao se socializar, o homem precisa dos outros para realizar e aprimorar suas habilidades, desenvolver a cultura e laços de afetividade. Toda esta sociabilidade converge para a criação de mecanismos de proteção dos interesses individuais e coletivos. Ensinando sobre o tema Mazzuoli explana que:
Os direitos humanos fundamentais podem ainda ser entendidos como instrumentos de alcance da paz, uma vez que respeitadas as individualidades, diminui-se as hostilidades. Como princípios universais, os direitos humanos são invioláveis, autônomos, irrenunciáveis, inalienáveis, imprescritíveis e inexauríveis (MAZZUOLI, P. 62-65).
A afirmação da dignidade da pessoa humana se dá também, quando a moradia que é um direito social, se concretiza na vida do cidadão, realizando o fim que deve se prestar à propriedade, ao social, a coletividade. A respeito das normas e do fato social ensina Reale:
O direito é, antes de mais nada, fato social, psicossocial em perene transformação, e as normas não subsistem, nem são possíveis, sem a realidade de que resultam como conclusões necessárias que se impõe a todos, tanto aos governantes como aos governados (REALE, 2000, P. 5).
A dignidade da pessoa humana necessita ser o alvo das autoridades públicas, a garantia ao direito a vida, precisa ser proporcionada para aqueles que buscam sua dignidade através de uma realização social, seja ela indígena ou não. Nessa constante busca pela dignidade e pela vida o cidadão comum luta pelos seus direitos, sobre a luta pelo direito, ensina Ihering.
A luta pelo direito subjetivo é um dever do titular para consigo mesmo. A defesa da própria existência é a lei suprema de toda a vida: manifesta-se em todas as criaturas por meio do instinto de auto conservação. No homem, porém, trata-se não apenas da vida física, mas da existência moral; e uma das condições desta é a defesa do direito. No direito, o homem encontra e defende suas condições de subsistência moral; sem o direito, regride à condição animalesca (IHERING, 2006, P. 41).
Habitar em lugar seguro, estabelecer moradia fixa e regular, sem ameaças à vida e a dignidade, proporcionando qualidade de vida aos seus familiares e assim, uma vida melhor com um mínimo de dignidade, é o que almeja as populações.
Ainda a respeito de luta e defesa dos direitos ensina Ihering:
Portanto a defesa do direito é um dever de auto conservação moral; o abandono total do direito, hoje impossível, mas que já foi admitido representa suicídio moral. Cada um destes tem um pressuposto peculiar, físico, moral, que condiciona sua existência (IHERING, 2006, P. 42).
As interpretações de dignidade humana estão associadas com as necessidades básicas de vida do indivíduo em sociedade, exigindo igualdade social mais humana e mais justa. As desigualdades culturais e sociais não podem ser agressoras a dignidade da pessoa humana, direito tutelado pela carta constitucional.
Esse equilíbrio entre a cultura de povo e garantia de vida, seus fins, seus costumes. Sempre buscando o bem comum, oferecendo dignidade a pessoa humana. Em consonância com o exposto destaca Venosa:
A justa aplicação do direito a vida e dignidade depende do encontro do ponto de equilíbrio entre o interesse coletivo e o interesse individual. Isso nem sempre é alcançado pelas leis, normas abstratas e frias, ora envelhecidas pelo ranço de antigas concepções, ora falsamente sociais e progressistas, decorrentes de oportunismos interesses corporativos (VENOSA, 2010, P 170).
A constituição fornece o direito através de seus dispositivos, favorecendo o ideal social. Contudo, o efetivo cumprimento do texto constitucional depende do Estado para se torna real. Enquanto o Estado dorme, matanças as crianças indígenas permanecem e se ampliam nas tribos indígenas.
A consequência disso surge fruto desse desinteresse do estado por políticas públicas, miséria e macelas sociais, que afligem a sociedade, como a fome e a violência. Todo o ser humano deve ser respeitado como pessoa e não ser prejudicado em sua existência e deve fruir de um âmbito existencial próprio.
Dessa forma, a vida, o corpo e a saúde são, portanto, elementos que integram a dignidade do homem, que está abrangida pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
É em função do homem que se dá a existência do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, para que possa se desenvolver e satisfazer suas necessidades mais primitivas de proteção e conforto, dessa forma a dignidade humana alcança a cultura de povo e sua realização, transformando a realidade social daqueles que necessitam de interferência do Estado para que não morram, oferecendo dignidade aos que não possuem condições de se defender.
Portanto, depreende-se que o ordenamento jurídico brasileiro não criou ainda, apesar do que dispõe a Constituição Federal, normas concretas que permitam o reconhecimento efetivo das regras de conduta interna dos diferentes povos indígenas no país.
Afirma Venne:
“Quando apenas se admitem os costumes e as instituições indígenas desde que não sejam incompatíveis com os sistemas legais nacionais, assume-se que este último é intrinsecamente bom e qualquer alternativa ou contradição possível a ele será ruim” (VENNE, 1989).
O ordenamento estatal é sempre colocado numa posição de supremacia, esperando-se que as leis próprias de um determinado povo guardem observância ao que nele está disposto, sob a pena de não terem garantida sua eficácia.
CAPITULO III
4 A REALIDADE DO INFANTICIDIO NAS TRIBOS
O infanticídio indígena é uma realidade dentro de algumas tribos, ainda nos dias de hoje, se mostrando presente em algumas etnias, sendo, em sua maioria, as de semi-isolamento, entre elasos uaiuai, bororo, mehinaco, tapirapé, ticuna, amondaua, uru-eu-uau-uau, suruwaha, deni, jarawara, jaminawa, waurá, kuikuro, kamayurá, parintintin, yanomami, paracanã e kajabi.
Apesar do conflito entre normas que tutelam o bem jurídico primordial, sendo este a vida, e a defesa antropológica da prática cultural nas tribos, a fim de preservar costumes e rituais das etnias, o infanticídio é uma realidade, como veremos a seguir.
Há, ainda, uma dificuldade em encontrar dados precisos sobre o tema, a própria FUNAI afirma que os casos que ocorrem o crime são casos isolados e raros.
Com base no Censo Demográfico de 2000, pesquisadores do IBGE constataram que para cada mil crianças indígenas nascidas vivas, 51,4 morreram antes de completar um ano de vida, enquanto no mesmo período, a população não-indígena apresentou taxa de mortalidade de 22,9 crianças por cada mil. A taxa de mortalidade infantil entre índios e não-índios registrou diferença de 124%.
O Ministério da Saúde informou, também em 2000, que a mortalidade infantil indígena chegou a 74,6 mortes nos primeiros 12 meses de vida. Curiosamente, nas notícias do IBGE e do Ministério da Saúde não há qualquer explicação da causa mortis. Muitas das mortes por infanticídio vêm mascaradas nos dados oficiais como morte por desnutrição ou por outras causas misteriosas (causas mal definidas - 12,5%, causas externas - 2,3%, outras causas - 2,3%).
Segundo a pesquisa de Rachel Alcântara, da UNB, só no Parque Xingu são assassinadas cerca de 30 crianças todos os anos. E de acordo com o levantamento feito pelo médico sanitarista Marcos Pellegrini, que até 2006 coordenava as ações nos Yanomamis, em Roraima, 98 crianças indígenas foram assassinadas pelas mães em 2004. Em 2003 foram 68, fazendo dessa prática cultural a principal causa de mortalidade entre os yanomami (SUZUKI, 2013, P. 7).
Os líderes indígenas de hoje têm consciência do caráter dinâmico das culturas. Eles estão preocupados em garantir a sobrevivência física e cultural de suas comunidades, enquanto querem, ao mesmo tempo, o diálogo inter-étnico. Estão abertos para implementar mudanças em suas comunidades, sempre que essas signifiquem melhorias na qualidade de vida e na dignidade dos povos indígenas.
Assim diz o líder indígena Eli Ticuna (membro-fundador da Atini – Voz pela vida é um líder indígena que se tornou nacionalmente conhecido pelo seu trabalho no CONPLEI. Além disso, tem atuado em projetos de educação junto aos povos indígenas da Amazônia, viabilizando a educação secundária e superior de indígenas Ticuna e Matis. No momento, Eli está cursando administração de empresas em Brasília e dirigindo um projeto de apoio a universitários indígenas nessa cidade):
“Prefiro morrer do que me vender a ideologias de fora que prejudicam o bem-estar do meu povo. O índio é um ser pensante, não está morto ou estático no tempo. É ele o sujeito, arquiteto e responsável construtor de sua cultura. Toda cultura é dinâmica e está sujeita a constantes mudanças, como resposta às situações do presente. Pregar a importância da cultura indígena, somente na perspectiva estática, em desequilíbrio com a realidade dinâmica é prejudicial para a sobrevivência das sociedades indígenas. Faz-se necessário valorizar a pessoa do indígena, acima da cultura.” (SUZUKI, 2013, P. 11)
Enilton André da Silva, professor da etnia Wapixana, deixa clara a opinião de que há certos valores em uma comunidade que devem ser reforçados, mas que há outros que devem ser substituídos. Ele acredita que a escola é o espaço ideal para esse diálogo. “Nossa ética nunca será ensinada, mas sim construída através de lutas e do convívio nas comunidades. Na escola, os valores tradicionais recebem tratamento pedagógico, reforçando ou substituindo os valores de uma comunidade (...)” (RCNEI, 1998:101, 103).
Apesar de não reconhecer as mortes por infanticídio, em algumas regiões, há sim registros oficiais da pratica em algumas tribos, como as do Estado de Roraima.
Nos relatórios anuais constam algumas observações sobre as práticas de infanticídio. No de 2006 o Coeficiente de Mortalidade Infantil sem o Infanticídio apresenta uma tendência de crescimento nos últimos três anos, 2004 (60,33) – 2005 (49,38) - 2006 (61,01), embora tenha havido melhora nas notificações de óbitos nesta faixa etária de 0 – 1 ano de idade, o gráfico acima, demonstra que não houve melhora na qualidade da assistência. Já o Coeficiente de Mortalidade Infantil com Infanticídio continua apresentando elevado crescimento como mostra os coeficientes: 2004 (89,0) – 2005 (107,1) – 2006 (123,1) (FUNASA, 2006).
Conforme mostra o gráfico a seguir:
FONTE: DSEI –YANOMAMI E YEKUANA/CORE/FUNASA/RR
Nesse mesmo relatório, na página 76, mostra o crescimento desde 1999 até 2006 das mortes por infanticídio, conforme tabela e gráfico a seguir:
FONTE: DSEI –YANOMAMI E YEKUANA/CORE/FUNASA/ - Relatório de Gestão de Roraima, 2006. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/uploads/2011/10/RELATORIO-DE-GESTAO-RR-2006.pdf.
FONTE: DSEI –YANOMAMI E YEKUANA/CORE/FUNASA/ - Relatório de Gestão de Roraima, 2006. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/uploads/2011/10/RELATORIO-DE-GESTAO-RR-2006.pdf.
Ainda, no relatório da Funasa/RR de 2008, consta que em 2007 foram registrados 828 nascimentos e 106 óbitos (58 infanticidios) em < 1 ano com o coeficiente mortalidade infantil (CMI) de 128,0 p/1000 nv. Em 2008 foram registrados 673 nascidos vivos (nv) e 84 óbitos em < 1 ano (incluindo 46 casos de infanticidios), conferindo CMI de 124,8 p/1000 nv, representando uma redução anual de 0,4% no CMI e de 20,7% no número absoluto de óbitos em < 1 ano (FUNASA, 2008).
Em dezembro de 2014, o fantástico, programa da Rede Globo de Produções expôs a prática do infanticídio na cidade de Caracaraí/RR. Na matéria, realizou-se visita in loco na cidade já mencionada, sendo está a cidade mais violenta do Brasil, com apenas 19 mil habitantes. Trataremos dessa matéria em outro tópico deste capítulo.
“Esse meu filho era gêmeo, tinha dois. Eles enterraram o outro. A enfermeira não me avisou que ela tinha gêmeos. Só na hora que nasceram as crianças, às duas horas da madrugada. Eu estava na minha casa e a minha esposa estava na casa da mãe dela. Aí, depois que nasceu, a pessoa veio falar pra mim que eram duas crianças. Eu levei um susto, né? Eles me avisaram que iam enterrar as duas. Aí eu falei que não, que eu precisava pegar pelo menos uma delas. Mas a família não queria que eu pegasse nem uma das crianças. Eu insisti e aí meu pai foi lá para segurar uma das crianças. Eles pegaram uma e enterraram a outra. Hoje a criança está aqui comigo, já tem sete meses, tá gordinho. Quando eles enterram criança, o pai e a mãe sentem falta. Como é meu caso mesmo. Até hoje eu não esqueço ainda. Porque eu estou vendo o menino, o crescimento dele, aí eu penso no outro também, poxa! Se eu tivesse alguém que me ajudasse, eu poderia criar as duas crianças... eu falo isso. A mãe mesmo falou pra mim outro dia “Poxa! O pessoal enterrou nosso filho, agora nós só estamos com um.” É muito triste, a gente não consegue esquecer. As pessoas que estudam sobre a cultura do índio, como antropólogos e indigenistas, eles pensam que os índios vão viver assim pra sempre, como era antes. Mas hoje já está mudando. Cada vez mais o pensamento dos jovens, da geração de hoje, vai mudando. O meu pensamento mesmo, não é como antes. Não é como o pensamento dos antropólogos que estudaram a cultura, que dizem ‘deixa ele viver assim, isso é a cultura deles’. Não, porque a cultura não para, ela anda. O pensamento também anda, igualzinho a cultura. Por isso é que hoje a gente está querendo pegar todas essas crianças, até as que têm defeito. Elas são gente, não são animal, não são filho de porco ou de tatu. São gente mesmo, saíram de uma pessoa. Esse é o meu pensamento. Isso quem vai decidir é a gente mesmo. Somos nós que estamos procurando ajuda para criar essas crianças. Nós estamos procurando apoio, nós temos que conversar entre nós mesmos, aí, através dessa conversa, o governo tem que nos atender. Muita gente já tá procurando ajuda para resolver esse problema. Meu sobrinho mesmo, o Marcelo, ele trabalha na área de saúde. Ele é auxiliar de enfermagem e está indo de aldeia em aldeia, conversando com os caciques. Ele está conversando, falando para não enterrar mais criança que nasce com deficiência, gêmeos, criança que não tem pai. Não é para enterrar mais. Gêmeos, é para pegar, é para criar, porque se a gente ficar enterrando as crianças, nossa população nunca vai aumentar. Essa é a nossa preocupação hoje A mãe mesmo falou pra mim outro dia.” (SUZUKI, 2013, P. 12)
Paltu perdeu um de seus filhos gêmeos por causa da tradição de seu povo, mas não esquece o que aconteceu. O indígena entende que a criança deve viver e não ser morta, mas que deve ser cuidada e a cultura, adaptada.
O Deputado Marcos Rogério do PDT de Rondônia, conta que na época da gravidez, Paltu fazia mestrado na Universidade de Brasília, solicitou a FUNAI cuidados médicos, entretanto o órgão omitiu que havia dois bebês. Assim, a mãe fez o parto na comunidade indígena, ocasião em que nasceram duas crianças, e a mãe de Paltu mandou que matasse a criança. Paltu tentou salvar as duas crianças, mas so conseguiu salvar uma delas.
Em uma audiência na câmara Paltu contou sua história e nessa ocasião proferiu o seguinte questionamento:
“Quem vai devolver meu outro filho? O estado se omitiu em não dizer que eram gêmeos.” (ROGÉRIO, 2015).
O caso em tela mostra que os órgãos competentes entendem que não devem intervir nos casos de pratica de infanticídio, contudo, vale a pena ressaltar que trata-se de uma criança.
Muwaji é uma índia da etnia Suruwaha que deixou sua aldeia com o objetivo de lutar pela vida de sua filha Iganani. Posicionou-se contra a prática tradicional para garantir o direito de viver de sua ilha, que tem paralisia cerebral. Tornou-se nacionalmente conhecida por sua luta contra o infanticídio.
Hoje seu nome faz referência a um projeto de lei em votação no Congresso Nacional, batizada por Lei Muwaji, o Projeto de Lei visa o combate de práticas tradicionais nocivas à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, permitindo que as crianças indígenas brasileiras sejam protegidas pelos mesmos direitos humanos que protegem as crianças de todo o mundo. Muwaji vive em Brasília com seus filhos Iganani, Irurai, Ahuhari e Inikiru (FiSCHER, Laura e SUZUKI, Márcia. Hakani - Voz Pela Vida. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FFWTEPUvpzs. Acesso em: 27 de setembro de 2015).
“Ela foi enterrada vida porque seu povo achava que ela nnão tinha alma. Foi desenterrada por seu irmão no ultimo momento. Depois disso, foi obrigada a viver banida de sua tribo por três longos anos até que a enfermidade e a rejeição a levaram mais uma vez param à beira da morte... Esta é a história de Hakani, uma das centenas de crianças destinadas a morrer a cada ano entre os mais de 200 povos indígenas brasileiros. Deficiência física ou mental, ser gêmeo ou trigêmeo, nasceus de uma relação extraconjugal – todas essas consideradas razões váidas para se tirar a cida de uma criança. Um número crescende de indígenas estão se levantando para combater essa prática. Mas quando eles procuram ajuda de algumas autoridades brasileiras, eles ouvem que as leis nacionais e internacionais não se aplicam às suas crianças, e que preservar a a cultura é mais importante do que preservar vidas individuais (...) Hakani é um documentario dramática que conta a história verdadeira da jornada de uma menina em busca da liberdade e a luta de um povo para encontrar uma voz – uma voz pela vida.” (FISCHER e SUZUKI, 2008).
Hakani é um documentário, mundialmente conhecido, que alavancou a discussão acerca das questões do infanticídio indígena, assim como a Lei Muwaji.
O documentário retrata a história da indiazinha suruwaha, que quase foi morta por sua tribo. Após, seu povo decidir que era hora de hakani ser enterrada viva, pois não se desenvolvia como as outras crianças, seus pais preferiram tirar suas próprias vidas comendo veneno do que ver a própria filha morrer por suas mãos.
Ainda assim, a tribo continuou pressionando sua família para que matasse hakani, então seu irmão mais velho a enterrou numa cova rasa. Mas alguém a tirou de lá e a levou até seu avô, que depois tomou seu arco e flecha em direção a ela, a flecha errou o coração, mas perfurou seu ombro. Logo em seguida, seu avô ingeriu uma porção de veneno tibó e se matou.
O irmão de Hakani cuidou dela por 3 (três) anos, mas ela era agredida fisicamente e emocionalmente pela tribo. Foi então que seu irmão procurou um casal de missionários que trabalhavam ali perto e a entregou a eles, que começaram a cuidar de Hakani, pediram permissão ao overno para leva-la ao médico e a adotaram. Hoje Hakani tem 19 anos.
“Eu já vi enterrar muita criança no Xingu. Já vi isso acontecer muitas vezes. Eu acho isso errado porque eu gosto de criança. Eu, por exemplo, preciso de mais crianças, pois eu só tenho dois filhos. Ao invés de enterrar, elas poderiam dar para mim. Às vezes eu tento tirar do buraco, mas é difícil. Às vezes a mãe quer a criança, mas a família dela não deixa. É muito difícil. Até hoje eu só consegui desenterrar um com vida, o Amalé. A mãe dele era solteira, ela chorou muito, mas o pai dela enterrou ele. Ele estava chorando dentro do buraco, aí minhas parentes foram me chamar. Eu entrei na casa, perguntei onde ele estava enterrado e tirei ele do buraco. Saiu sangue da boca e do nariz dele, mas ele viveu. Ele está doente, mas eu decidi criá-lo. Agora ele é meu filho. É um menino bonito, não é cachorro. É errado enterrar.Teve três crianças que eu tentei salvar, mas não deu tempo. Uma nasceu de noite e eu não vi. A minha tia também queria essa criança, gostava dela, mas quando chegou lá a mãe dela já tinha quebrado o pescoço do bebê. Quebraram o pescoço depois enterraram. A outra eu ia tirar do buraco, não deu tempo porque eu estava do outro lado, tirando mandioca. Eu estava trabalhando e não vi. Disseram que ele também estava chorando dentro do buraco. Minha outra prima, a mãe do Mahuri, enterrou as cinco crianças que nasceram antes dele. Ela era solteira, por isso tinha que enterrar. O funcionário salvou o Mahuri porque ficou com pena, é um menino muito bonito, já está grande. A mãe dele viu ele em dezembro e achou ele bonito. Eu mesma não gosto que enterre, acho errado. Criança não é cachorro. Nós temos medo de nascer gêmeos, trigêmeos. Dizem que quando um pajé faz feitiço, podem nascer até sete crianças. Por isso as mães têm medo. Mas eu acho errado matar. Eu já falei isso para as mulheres de lá. A criança fica chorando dentro do buraco, criança pequena custa muito a morrer. Se eu ver no buraco eu tiro.” (SUZUKI, 2013, P. 2).
Esse é o relato de Kamiru Kamayurá, que salvou Amalé e hoje o cria como se fosse seu filho. Apesar da prática tida como cultural da prática do infanticídio nas tribos indígenas, há sim dentro das tribos indígenas que defendem a vida de suas crianças, assim como Kamiru que vem lutando contra a prática dentro de sua tribo.
“Meu nome é Edson Bakairi, e eu sou um sobrevivente. Quando chegou o momento de dar à luz, minha mãe sentiu as dores e foi sozinha para um lugar afastado no mato com a intenção de me matar. Tão logo eu saí de suas entranhas ela tentou me sufocar, mas como estava muito fraca não conseguiu. Ela tentou então me pendurar com cipó, mas também não conseguiu, e acabou me abandonando no mato. Chegando em casa, ela disse para minhas irmãs mais velhas, que na época teriam entre 9 e 11 anos, para enterrar a criança que estava no mato. Disse que se estivesse vivo era para matar e enterrar para que meu pai não soubesse do nascimento. Elas saíram na direção que minha mãe tinha apontado. Quando chegaram no local me encontraram coberto de sangue, todo sujo de terra e insetos sobrevoando. Já havia até insetos na boca e nariz, mas eu estava me mexendo. Minhas irmãs estavam apavoradas e confusas. Lúcia, a mais velha, estava decidida a me matar e enterrar por temor da reação do pai, mas a Maria, minha outra irmã, compadecida, não permitiu e a convenceu com o argumento de que sendo um menino eu poderia ser útil. Então pegaram-me e levaram-me para casa, lá cortaram o cordão umbilical com tesoura de costura, limparam-me, cortaram suas saias e me enrolaram, socaram arroz no pilão para fazer leite de arroz e me alimentaram. Depois levaram-me para a minha mãe e disseram-lhe que quando fui encontrado ainda estava me mexendo, sentiram dó, não tiveram coragem de me matar e então decidiram me esconder no mato e cuidar de mim, mesmo colocando suas próprias vidas em risco. Elas enfrentaram a loucura de meu pai e lutaram para que ele não tirasse minha vida. Bem mais tarde minha mãe se apegou a mim. Aquele filho que ela tentou matar tornou-se o predileto e dono de sua maior afeição. Nenhuma criança tem culpa de nascer, todas as crianças têm o direito de viver. A cada criança que morre, morrem com ela o sonho e a esperança de alguém que poderia ser importante para sua comunidade, capaz de produzir mudanças, e reconstruir a história de seu povo.” (SUZUKI, 2013, P. 9)
Hoje, Edson é um dos lideres indígenas em Mato Grosso, professor licenciado em História com especialização em Antropologia pela UNEMAT, presidente da Organização dos professores indígenas de Mato Grosso – OPRIMT, além de tudo passou por essa história e hoje tenta ensinar pro seu povo a não praticar o infanticídio dentro das tribos.
Edson escreveu uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo a aprovação e regulamentação da Lei Muwaji, que os órgãos competentes não se omitam em prestar socorro às mães e as crianças em risco de sofrer infanticídio, entre outras solicitações na Carta Aberta no anexo I do presente trabalho de conclusão de curso.
“A minha família não aceitava por causa da deficiência. Então, a Funai me tirou de lá. E aí um dia minha mãe cansou de me carregar e deu para o meu pai. Quando foi na hora de atravessar o rio, meu pai começou a ameaçar que eu não servia para nada, que eu merecia ser morto. A minha mãe escutou isso e gritou que não era para ele fazer isso comigo.” (WAIAPI, 2014).
Em dezembro de 2014, no programa Fantástico, apresentado pela Rede Globo de Produções, foi ao ar uma matéria sobre o infanticídio na cidade de Caracaraí, localizada em Roraima. Na qual no mapa da violência, apareceu 42 mortes por assassinato, sendo 37 delas de indígenas.
Anteriormente não havia registros das mortes indígenas, mas após começar a registra-las notou-se a prática do infanticídio nas tribos da região. Uma prática que pensava-se ser antiga, mas que ocorre ainda nos dias de hoje.
Pituko foi uma das histórias contadas e que deu entrevista ao programa que foi ao ar. Pituko é um sobrevivente, ele nasceu a 37 anos, na aldeia Waiapi, localizada no interior do Amapá. Tinha paralisia infantil, por isso estava condenado a morte dentro de sua tribo. Ele cresceu entre os homens brancos e aos 7 (sete) anos foi levado de volta para sua tribo.
“Uma assistente social não entendia do costume da aldeia. Ela não sabia que ele não podia mais voltar e o mandou de volta” – conta Silvia Waiapi, irmã de Pituko.
Ocasião em que tentaram mata-lo, depois, Pituko só voltou a ver sua família aos 21 anos. Mas revela entender as práticas e costumes de seu povo.
“Quando Niawi foi enterrado vivo, eu fiquei paralisada do lado do túmulo. Fiquei ali por muito tempo, ouvindo ele chorar dentro do buraco - eu senti muita raiva.” – Muwaji Suruwaha.
Niawi era filho de um dos maiores caçadores da aldeia e irmão de três meninos, sendo ele o quarto. Isso fazia da família dele uma família muito especial – quatro filhos homens, que cresceriam e viriam a matar muitas antas para alimentar o povo, assim como fazia seu pai. Mas, para a tristeza da família, ele não se desenvolvia como um menino normal.
Aos três anos, ainda não conseguia andar nem falar. Apesar de ser um menino gordinho e bonito, todos percebiam que tinha alguma coisa errada. A família se sentia cada vez mais envergonhada e infeliz. Várias equipes médicas estiveram na aldeia e viram o estado da criança, mas acharam que nada podia ser feito - afinal, os suruwaha eram índios semi-isolados e os órgãos oficiais acharam por bem evitar qualquer interferência. E retirá-lo da tribo seria considerado uma grave interferência cultural.
A situação de pressão aumentou e o desgosto dos pais se tornou tão insuportável que eles acabaram se suicidando quando Niawi tinha 5 anos. Toda a comunidade chorou muito a perda do grande caçador e de sua esposa. Foram longos dias de luto e de canto ritual. Quando terminaram os rituais fúnebres, o irmão mais velho de Niawi lhe deu vários golpes na cabeça até que ele desmaiasse.
Segundo relatos dos familiares, depois disso, Niawi foi enterrado ainda vivo numa cova rasa perto da maloca. Algumas mulheres jovens da tribo, ficaram paradas ao redor da cova improvisada, ouvindo o choro abafado do menino até que esse choro se transformasse em silêncio.
“É importante enfatizar que a causa da Atini está totalmente de acordo com a legislação internacional e os princípios da ONU. Está também de acordo com a lei brasileira, já que o Brasil é signatário de todos os principais acordos internacionais de Direitos Humanos e tem uma lista completa de direitos humanos em sua constituição.” – Dra. Maíra Barreto (Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá e doutoranda em Direitos Humanos pela Universidad de Salamanca (tema: Culturalismo y Derechos Humanos en Brasil: la posición del gobierno frente al homicidio de neonatos indígenas), e mestranda em Direitos da Personalidade pelo Centro Universitário de Maringá e membro do International Law Association), (SUZUKI, 2013, P. 23).
A atini é uma organização sem fins lucrativos, sediada em Brasília - DF, que atua na defesa do direito das crianças indígenas. É formada por líderes indígenas, antropólogos, linguistas, advogados, religiosos, políticos e educadores.
Atini significa “voz” na língua suruwahá. O movimento se inspirou na luta da indígena Muwaji Suruwahá, que levantou sua voz com coragem a favor de sua filha Iganani. A menina tem paralisia cerebral, e por isso estava condenada à morte por envenenamento em sua própria comunidade. Muwaji desafiou a tradição de seu povo e ainda a burocracia do mundo de fora para manter sua filha viva e garantir seu tratamento médico.
O caso de Muwaji alcançou repercussão nacional quando ela foi entrevistada pelo programa Fantástico, da Rede Globo, em outubro de 2005 - comovendo o país quando afirmou, em rede nacional, que seria capaz até de abandonar a convivência com seu povo para garantir o tratamento médico de sua filha. Hoje Iganani é paciente da Rede Sarah de Hospitais, em Brasília. Ela e sua mãe alternam períodos na aldeia suruwahá com períodos de reabilitação no Sarah, em Brasília.
Erradicar o infanticídio nas comunidades indígenas, promovendo a conscientização, fomentando a educação e providenciando apoio assistencial às crianças em situação de risco.
Priorização da criança e defesa do seu direito inalienável à vida. Respeito e valorização da cultura e das práticas tradicionais indígenas, desde que em conformidade com os direitos humanos reconhecidos no âmbito nacional e internacional. Participação de indígenas em todas as etapas de planejamento e execução dos objetivos. Respeito e valorização da dignidade do indivíduo, sem discriminação de natureza alguma. Prestação de conta em todas as áreas.
Produção de material educativo e de conscientização em direitos humanos para ser usado dentro e fora das comunidades indígenas. Produção e distribuição da cartilha “O Direito de Viver” (No qual relatam histórias, colacionam artigos e leis). Mais de 50 etnias já possuem cópias desse material. Palestras e participação em seminários e eventos culturais em universidades, igrejas, escolas, empresas etc. Apoio assistencial a crianças em risco de infanticídio das seguintes etnias: kamayura, kajabi, suruwahá, kuikuro, ikpeng e yanomami. Fomento à produção acadêmica de material referente ao infanticídio.
A “Casa do Kunumim Xinguano é um projeto protagonizado pelos povos indígenas na busca de transformações sociais que promovam melhorias na qualidade de vida e dignidade de suas comunidades”.
Idealizado por Divante Kajabi, esposa de Paje Kajabi, ex- coordenador do Parque, o projeto é coordenado por 6 (seis) indígenas de 3 (três) diferentes etnias xinguanas, tendo como objetivo receber crianças recém-nascidas em situações de risco, rejeitadas por famílias indígenas.
Ainda, o projeto busca providenciar o gradativo retorno dessas crianças ao convívio em sua comunidade de origem. O projeto é uma solicitação de lideranças indígenas do Xingu com vistas a ser ponte entre o mundo indígena e a sociedade nacional.
A Sede do projeto é a cidade de Canarana/MT, recebe apoio do Governo do Estado de Mato Grosso, da Unesco e conta com a voluntariedade de profissionais das áreas da Educação, Psicologia e Saúde.
CAPITULO IV
“Onde Não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para dignidade humana e a pessoa não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças.” (Ingo Sarlet – Juiz e Jurista brasileiro)
5 MEDIDAS PARA A PREVENÇÃO DA PRÁTICA
Hoje em dia há não só projetos como a Atini que atuam no apoio dos índios que buscam por ajuda, mas também o famoso projeto de lei 1057/2007, conhecido por Lei Muwaji, bem como as emendas constitucionais que serão melhores detalhadas no presente capítulo.
Há que se salientar que, tais projetos não visam acabar com as tradições e cultura dos povos indígenas, mas tão somente auxiliar as comunidades indígenas, a fim de que não ocorra o infanticídio mais e, também, evitar que acabem as comunidades indígenas. Haja vista que, com a prática reiterada do infanticídio, pode-se chegar a essa resultado com o passar do tempo.
De autoria do Deputado Henrique Afonso, do Partido Verde do Estado do Acre, o projeto de Lei 1057/2007 apelidada pelo autor de "Lei Muwaji", em homenagem a uma mãe da tribo dos suruwahas, que vivem em regime de semi-isolamento. Ela se rebelou contra a tradição de sua tribo e salvou a vida da filha, que seria morta por ter nascido deficiente. O projeto de Lei visa como objetivo impedir a prática do infanticídio dentro das tribos indígenas.
A redação do projeto impõe que a qualquer pessoa com conhecimento de casos que coloquem em risco a vida de crianças indígenas a comunicar o fato à Fundação Nacional de Saúde - FUNASA e à Fundação Nacional do Índio - FUNAI. Ainda, o fato também deve ser informado ao conselho tutelar da criança da respectiva localidade ou, na falta dele, à autoridade judiciária e policial. A pena para a pessoa ou autoridade pública que se omitir será de seis meses a um ano de prisão, além de multa.
O Projeto de Lei propõe ainda, que caberá às autoridades responsáveis pela proteção da infância promover e facilitar o diálogo e fazer gestões e projetos junto à tribo, para tentar impedir a prática tradicional que coloque em risco a vida ou a saúde da criança.
Defende, também, a adoção de medidas para tentar erradicar as práticas tradicionais nocivas, sempre por meio do diálogo e da adoção de métodos educativos.
O Deputado Henrique Afonso, faz menção a Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada pelo Brasil, na qual reconhece o direito à vida como inerente a toda criança e afirma:
"a prevalência do direito à saúde da criança no conflito com as práticas tradicionais".
Cita também, o deputado, a resolução da Assembleia Geral da ONU, chamada de "Um mundo para as crianças", que estabelece como princípio colocar as crianças em primeiro lugar.
Em contra ponto ao argumento de que o artigo 231 da Constituição reconhece "os costumes e tradições aos indígenas", o deputado lembra que o próprio texto constitucional, em seu artigo 227, garante o direito à vida e à saúde a todas as crianças: "É necessário que o artigo 231 seja interpretado à luz de todos os demais artigos, bem como o artigo quinto sobre os direitos fundamentais da Constituição, o qual norteia todo o ordenamento jurídico nacional", disse.
Dados da FUNASA apresentados pelo autor da proposta demonstram que, somente entre a etnia ianomâmi, o número de homicídios elevou o coeficiente de mortalidade infantil de 39,56 para 121 por mil nascidos vivos, em 2003. "Ao todo, foram 68 vítimas naquele ano. No ano seguinte, 2004, foram 98 as crianças vítimas de homicídio, erroneamente divulgado como infanticídio", observa Henrique Afonso.
Afonso salienta ainda, que as crianças indígenas são sacrificadas, envenenadas ou enterradas vivas por terem nascido com algum defeito físico ou até mesmo mental. Entre outras causas do infanticídio nas comunidades indígenas estão: desequilíbrio entre os gêneros sexuais; escassez de alimentos; violência sexual; adultério; nascimento de gêmeos; relações incestuosas; nascimento de filhos de mães solteiras ou viúvas; depressão pós-parto; e nascimento da criança em posição invertida, ou seja, com os pés antes da cabeça.
O projeto foi analisado pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias, no qual foi aprovado por unanimidade, passando após a Comissão da Constituição e Justiça e de Cidadania, no qual também houve sua aprovação e, por fim, foi aprovado no dia 26/08/2015 na Câmara dos Deputados e remetida para a votação no Senado Federal no dia 02/09/2015.
O projeto foi feito com ajuda de juristas, indígenas, antropólogos, pessoas que se interessam pela problemática, inclusive os maiores interessados que são os índios.
5.2 PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL 303/2008
O projeto de lei 1057/2007 não é a única iniciativa legislativa recente que tem como objetivo impor aos povos indígenas a visão do direito à vida como primordial.
Existe, ainda, a proposta de emenda à constituição n.º 303/2008, de autoria do Deputado Federal Pompeu de Matos, do PDT/RS, pelo qual pretende-se que o caput do art. 231, da Constituição Federal seja reformado e passe a vigorar com a seguinte redação:
Art. 231. São reconhecidos aos índios, respeitada a inviolabilidade do direito à vida nos termos do art. 5º desta Constituição, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (O texto atual é isento do trecho grifado.)
O autor da Proposta de Emenda Constitucional tem como justificativa que o ordenamento jurídico brasileiro não seja conivente com uma prática tão desumana como a do infanticídio, nem na sociedade urbana e nem na comunidade indígena, por isso, torna-se necessário o reforço à inviolabilidade do direito à vida, preceituada no art. 5º da Constituição Federal, na atual redação do caput do art. 231.
Ainda, entendeu que não há possibilidade de se discutir em afronta à cultura indígena, ao fazer com que os índios respeitem o direito à vida, pois isto, na verdade, representaria o respeito à sua particularidade cultural adotando-se como referência a sociedade moral dominante que, por meio da Constituição Federal de 1988, considera inviolável o direito à vida de todos os seres humanos.
Em 10 de fevereiro de 2009, a Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania, pelo voto do deputado Regis de Oliveira, do PSC/SP, pronunciou-se categoricamente pela inadmissibilidade da PEC 303/2008, tendo em vista que a proposta “violaria direito essencial dos índios de viverem de acordo com os seus costumes, crenças e tradições, sem sofrer interferência da cultura dos outros povos” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2009), conforme está consagrado na atual redação do art. 231, da Constituição Federal. E, por restringir direitos e garantias assegurados aos índios, trata-se de proposta inconstitucional, porque afronta cláusula pétrea, disposta no inciso IV, do § 4º, do art. 60, da Constituição Federal.
Explana-se que a Comissão, ao discorrer sua tese, referia-se aos índios que não tiveram ou que tiveram pouco contato com a chamada civilização, ou seja, índios não urbanizados, assim como o povo Suruwaha.
A Comissão se posicionou contra o intervencionismo legal que imponha regras de conduta aos índios divergentes a sua cultura e que comprometam a identidade étnica deste povo, ressaltando que, ainda que a PEC seja aprovada, não surtirá efeitos práticos sobre os índios que vivem em situação de isolamento de outros grupos humanos, tendo em vista o instituto da inimputabilidade previsto no art. 26, do Código Penal que pondera que estes índios não são capazes de compreender o caráter ilícito da sua conduta, logo, nenhuma pena lhes poderá ser aplicada.
A prática cultural do infanticídio, evidentemente, contraria os ideais dos contidos nos projetos em estudo. Ainda que admitida a inimputabilidade do índio, o que se percebe com as proposições do PL e da PEC, é que há um movimento tencionado a submeter, de toda forma, estes povos ao ordenamento jurídico nacional ou internacional, instituindo como intolerável os costumes desses povos.
Neste sentido, faz-se necessário transcrever o artigo 8º, do Decreto 5.051/2004, que promulgou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, ratificada pelo Brasil em 2002, tida como o primeiro instrumento internacional a tratar de temas básicos como os direitos desses povos de “viverem e desenvolverem-se como povos diferenciados, de acordo com seus próprios padrões” (COSTA SILVA, 2009, P; 31-32).
1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados, deverão ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário. 2. Esses povos deverão ter o direito de preservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentalmente definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionarem os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio. 3. A aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste Artigo não deverá impedir que os membros desses povos exerçam os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do país e assumam as obrigações correspondentes.
Contudo, no caso em tela, a aplicação da legislação brasileira nos casos de infanticídio nas tribos, são necessárias apenas para coibir a prática e tentar, por meio do dialogo entre autoridades e órgãos competentes com a tribo resolver, a fim de que não ocorra mais a prática dentro da comunidade indígena.
5.3 DIREITO INTERNACIONAL E UNIVERSAL
Além dos projetos já mencionados, não há o que se falar sobre diversidade cultural e direitos humanos sem mencionar os tratados e leis internacionais e universais que regem como bem maior os direitos humanos e da dignidade.
5.3.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos
Adotada pela Organização das Nações Unidas – ONU, a declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada em 1948, o qual o projeto foi elaborado por John Peters Humphrey, de nacionalidade Canadense em conjunto com outros países – Estados Unidos, França, Líbano e China – no qual delineou-se os direitos humanos basilares.
Considerado o primeiro instrumento jurídico relativo aos direitos humanos, tem como direção o princípio fundamental que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, acima de qualquer diferença ou particularidade. Apesar de não ter uma obrigatoriedade legal, é um principio geral do Direito Internacional dos Direitos Humanos, sendo base para diversos tratados internacionais, de direitos humanos e normas constitucionais.
O homem já nasce com seus direitos humanos, não é algo que lhe é concedido, já vem com eles e são reconhecidos na medida em que vêm da própria dignidade humana (BRAUN, 2001).
Os direitos fundamentais e também os humanos são aqueles que brotam da condição humana e que são ou estão previstos na ordem jurídica internacional e no ordenamento constitucional.
Além de garantir os direitos fundamentais à pessoa humana, também, define o rumo das organizações sociopolíticas, pois os direitos humanos servem aos indivíduos, entretanto também fundamentam o chamado Estado de Direito, que preponderam os valores de democracia e liberdade.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, resta claro e cristalino que a dignidade da pessoa humana é a premissa fundamental para o desenvolvimento da sociedade, haja vista que sem o respeito a valores basilares da pessoa humana, o Estado se torna totalitário, restringindo as liberdades e garantias individuais.
Uma lesividade aos direitos humanos é tão grave que atinge todas as esferas da sociedade.
5.3.2 Declaração universal sobre a diversidade cultural
Aprovada por unanimidade na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO), em novembro de 2001, por representantes de 185 países participantes.
Na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural vislumbra-se a importância da necessidade do reconhecimento da diversidade cultural, a fim de que possa haver reformulações nas políticas governamentais de inclusão social e na participação da sociedade no âmbito civil e político.
Ainda, demonstra que existe uma grande diversidade cultural no mundo, sendo um patrimônio comum da humanidade e devendo ser reconhecida e afirmada para o beneficio das futuras gerações.
Defende que as Nações admitam políticas que favoreçam a inclusão e participação dos cidadãos em geral, para um dinamismo social, constituindo um pluralismo cultural como resposta política à formação da diversidade cultura.
Contato que não seja violado os direitos inerentes ao ser humano, os indígenas tem todo o direito de praticar seus costumes e tradições milenares, bem como é oferecido total suporte para tais atos na Declaração em comento.
5.3.3 Declaração Das Nações Unidas Sobre Os Direitos Dos Povos Indigenas
Foi aprovada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, em 13 de setembro de 2007, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (NAÇÕES UNIDAS, 2008).
Esta Declaração é um instrumento internacional importante que apresenta interesses da ONU e também dos povos indígenas, no qual estabelece um modelo para o futuro com paz, igualdade e justiça, fundamentada no reconhecimento e respeito mutuo.
Colaciono alguns artigos pertinentes a seguir:
Artigo 1 Os indígenas têm direito, a título coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos3 e o direito internacional dos direitos humanos.
Artigo 2 Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem 7 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas 8 submetidos a nenhuma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que esteja fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena.
Artigo 7 1. Os indígenas têm direito à vida, à integridade física e mental, à liberdade e à segurança pessoal. 2. Os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, e não serão submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência, incluída a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
É um instrumento de direitos humanos, mas não apresenta novos direitos, apenas reconhece e reafirma os direitos fundamentais universais de acordo com as culturas, realidades e necessidades indígenas, contribuindo para a conscientização sobre a opressão feita sobre a comunidade indígena ao longo da historia, promovendo a tolerância e boas relações entre os indígenas e os demais presentes em sociedade.
Esta Declaração enfatiza os direitos indígenas de manter e reforçar suas próprias instituições, culturas e tradições, além de promover o desenvolvimento de acordo com suas necessidades e aspirações.
Ademais, traz o compromisso dos Estados signatários para arcarem com medidas que ajudem a garantir que os povos indígenas tenham decisões sobre assuntos pertinentes respeitados.
Para isso esses estados deverão adotar novas abordagens sobre o desenvolvimento e democracia multicultural, requer, ainda, novas formas de interação com os índios, com a participação e consultas com os indígenas e suas organizações (WANDSCHEER, BESSA, 2009).
Além de tudo, aborda os direitos individuais e coletivos como direitos culturais, de identidade e outros.
No artigo 34 assegura que os indígenas tenham o direito de manterem e desenvolverem seus próprios costumes, espiritualidade, tradições, praticas e seus costumes e sistemas de leis, desde que respeitem e estejam em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos.
Em síntese, a Declaração condena a discriminação contra os silvícolas, promovendo sua efetiva e plena participação em tosos os assuntos relacionados a eles, assim como o direito de manter sua identidade tradicional e cultural e tomar suas próprias decisões nos assuntos que lhe são pertinentes (NAÇÕES UNIDAS, 2008).
O Brasil se posicionou em favor da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, declarando, ainda, que se trata de uma reafirmação do compromisso da comunidade internacional com os direitos humanos e liberdades e direitos fundamentais dos povos indígenas.
5.3.4 Convenção 169 Da Organização Mundial Do Trabalho
A Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovada em 1989, durante sua 76ª Conferência, é o instrumento internacional vinculante mais antigo que trata especificamente dos direitos dos povos indígenas e tribais no mundo. Depois de quase 20 anos de sua aprovação, a OIT vem acumulando experiências na implementação dos direitos reconhecidos a esses povos sobre as mais diversas matérias, tais com o direito de autonomia e controle de suas próprias instituições, formas de vida e desenvolvimento econômico, propriedade da terra e de recursos naturais, tratamento penal, entre outros.
A OIT é a única agência do Sistema das Nações Unidas da qual participam diretamente atores não governamentais, devido à sua formação tripartite. Dela fazem parte, em igualdade de condições, os Estados e as organizações de empregadores e trabalhadores de 178 países ao redor do mundo.
O Brasil, além de Estado-membro da OIT, é um dos dez países com assento permanente no seu Conselho de Administração, órgão executivo que decide sobre as políticas da OIT. Em matéria de direitos indígenas, o Brasil abandonou o paradigma assimilacionista a partir da Constituição Federal de 1988.
Destaca-se in verbis:
Artigo 2o - 1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade. 2. Essa ação deverá incluir medidas: a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população; b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições; c) que ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as diferenças sócio - econômicas que possam existir entre os membros indígenas e os demais membros da comunidade nacional, de maneira compatível com suas aspirações e formas de vida.
Artigo 3o- 1. Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação aos homens e mulheres desses povos. 2. Não deverá ser empregada nenhuma forma de força ou de coerção que viole os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos interessados, inclusive os direitos contidos na presente Convenção.
Anteriormente a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imputabilidade penal dos indígenas era orientada pela maior ou pela menor integração à cultura dominante no país, pois a crença era que os índios, um dia viriam a deixar e praticar suas próprias culturas.
Com a promulgação da Constituição, reconheceu-se aos indígenas o direito de continuarem com sua organização, tradicional, social e com o direito se manter sua cultura diferente da população dominante.
Portanto, a Convenção 169 da OIT, também reconhece aos índios seu direito de manterem suas próprias medidas, práticas, tradições e rituais. Estabelece, ainda, que os estados tem a obrigação de levar em consideração os costumes indígenas ao aplicar a legislação nacional, a fim de que, nos tramites dos processos legais, os povos indígenas compreendas as leis em vigor, mas também sejam entendidos.
6 CONCLUSÃO
A prática do infanticídio dentro das tribos indígenas agride os direitos essenciais garantidos ao ser humano conforme pode vislumbrar no presente trabalho.
Após, a análise dos dispositivos nacionais, internacionais e demais projetos pertinentes ao tema, verifica-se a necessidade de uma atenção especial ao infanticídio indígena. Haja vista que essa prática constitui uma visível violação aos direitos humanos, sendo este tutelado pelos dispositivos já mencionados como uma garantia fundamental.
Os dispostos universais entendem que os movimentos culturais existem e configuram uma identidade individual, não é contestável, tampouco discutível o direito de autodeterminação e preservação cultural dos diferentes povos, contudo, esses direitos não estão acima da identidade que engloba todos os seres humanos e suas garantias essenciais.
Certo é que, necessita-se entender que o ser humano é fruto de sua cultura, mas não é, necessariamente, prisioneiro dela.
Visualiza-se a necessidade de compreender até que ponto o contato entre culturas distintas geram desrespeito, para que haja um diálogo intercultural na busca da solução para questão do infanticídio indígena e de outros problemas derivados da falta de conhecimento informação.
O Deputado que criou o projeto de Lei 1.057/2007, enxergou a necessidade da intervenção do estado brasileiro, trazendo diversas formas de interação entre a sociedade jurídica e indígena, a fim de erradicar a prática, argumentar e informar sobre as alternativas e soluções, porém não basta apenas a intervenção estatal, mas também a posição das etnias indígenas praticantes do costume, pois verifica-se que há um conflito interno entre os adeptos a prática e os que não a aceitam mais dentro da sociedade indígena.
O direito tem como dever zelar e garantir o direito à vida e a dignidade humana para a criança indígena, pois esta não tem condições de buscar por seu direito logo ao nascer, devendo ser proporcionado essa oportunidade à ela, quando nem sua família – na grande maioria das vezes – dá a ela essa oportunidade.
Através da solução e garantia dos direitos à criança indígena será possível viabilizar que ela possa conviver em uma comunidade indígena sem qualquer rejeição.
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WANDSCHEER, Clarissa Bueno. BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Direitos Indígenas e politicas publicam: análise a partir de uma realidade multicultural, 2009.
ANEXO 1 – PROJETO DE LEI 1057/2007
PROJETO DE LEI Nº ____ 2007
(Do Sr. Henrique Afonso)
Dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º. Reafirma-se o respeito e o fomento a práticas tradicionais indígenas e de outras sociedades ditas não tradicionais, sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos humanos fundamentais, estabelecidos na Constituição Federal e internacionalmente reconhecidos.
Art. 2º. Para fins desta lei, consideram-se nocivas as práticas tradicionais que atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica, tais como
I. homicídios de recém-nascidos, em casos de falta de um dos genitores;
II. homicídios de recém-nascidos, em casos de gestação múltipla;
III. homicídios de recém-nascidos, quando estes são portadores de deficiências físicas e/ou mentais;
IV. homicídios de recém-nascidos, quando há preferência de gênero;
V. homicídios de recém-nascidos, quando houver breve espaço de tempo entre uma gestação anterior e o nascimento em questão;
VI. homicídios de recém-nascidos, em casos de exceder o número de filhos considerado apropriado para o grupo;
VII. homicídios de recém-nascidos, quando estes possuírem algum sinal ou marca de nascença que os diferencie dos demais;
VIII. homicídios de recém-nascidos, quando estes são considerados portadores de má-sorte para a família ou para o grupo;
IX. homicídios de crianças, em caso de crença de que a criança desnutrida é fruto
X. de maldição, ou por qualquer outra crença que leve ao óbito intencional por desnutrição;
XI. Abuso sexual, em quaisquer condições e justificativas;
XII. Maus-tratos, quando se verificam problemas de desenvolvimento físico e/ou psíquico na criança.
XIII. Todas as outras agressões à integridade físico-psíquica de crianças e seus genitores, em razão de quaisquer manifestações culturais e tradicionais, culposa ou dolosamente, que configurem violações aos direitos humanos reconhecidos pela legislação nacional e internacional.
Art. 3º. Qualquer pessoa que tenha conhecimento de casos em que haja suspeita ou confirmação de gravidez considerada de risco (tais como os itens mencionados no artigo 2º), de crianças correndo risco de morte, seja por envenenamento, soterramento, desnutrição, maus-tratos ou qualquer outra forma, serão obrigatoriamente comunicados, preferencialmente por escrito, por outras formas (rádio, fax, telex, telégrafo, correio eletrônico, entre outras) ou pessoalmente, à FUNASA, à FUNAI, ao Conselho Tutelar da respectiva localidade ou, na falta deste, à autoridade judiciária e policial, sem prejuízo de outras providências legais.
Art. 4º. É dever de todos que tenham conhecimento das situações de risco, em função de tradições nocivas, notificar imediatamente as autoridades acima mencionadas, sob pena de responsabilização por crime de omissão de socorro, em conformidade com a lei penal vigente, a qual estabelece, em caso de descumprimento:
Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Art. 5º. As autoridades descritas no art. 3º respondem, igualmente, por crime de omissão de socorro, quando não adotem, de maneira imediata, as medidas cabíveis.
Art. 6º. Constatada a disposição dos genitores ou do grupo em persistirem na prática tradicional nociva, é dever das autoridades judiciais competentes promover a retirada provisória da criança e/ou dos seus genitores do convívio do respectivo grupo e determinar a sua colocação em abrigos mantidos por entidades governamentais e não governamentais, devidamente registradas nos
Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. É, outrossim, dever das mesmas autoridades gestionar, no sentido de demovê-los, sempre por meio do diálogo, da persistência nas citadas práticas, até o esgotamento de todas as possibilidades ao seu alcance.
Parágrafo único. Frustradas as gestões acima, deverá a criança ser encaminhada às autoridades judiciárias competentes para fins de inclusão no programa de adoção, como medida de preservar seu direito fundamental à vida e à integridade físico-psíquica.
Art. 7º. Serão adotadas medidas para a erradicação das práticas tradicionais nocivas, sempre por meio da educação e do diálogo em direitos humanos, tanto em meio às sociedades em que existem tais práticas, como entre os agentes públicos e profissionais que atuam nestas sociedades. Os órgãos governamentais competentes poderão contar com o apoio da sociedade civil neste intuito.
Art. 8º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
J U S T I F I C A Ç Ã O
A presente proposição visa cumprir o disposto no Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990, que promulga a Convenção sobre os direitos da criança, a qual, além de reconhecer o direito à vida como inerente a toda criança (art. 6º), afirma a prevalência do direito à saúde da criança no conflito com as práticas tradicionais e a obrigação de que os Estados-partes repudiem tais práticas, ao dispor, em seu artigo 24, nº 3, o seguinte:
“Os Estados-partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudiciais à saúde da criança”.
Também visa cumprir recomendação da Assembléia Geral das Nações Unidas para o combate a práticas tradicionais nocivas, como estabelecido na Resolução A/RES/56/128, de 2002, a qual faz um chamamento a todos os Estados para que:
“Formulem, aprovem e apliquem leis, políticas, planos e programas nacionais que proíbam as práticas tradicionais ou consuetudinárias que afetem a saúde da mulher e da menina, incluída a mutilação genital feminina, e processem quem as perpetrem”.
Cabe pontuar que a menção à mutilação genital feminina é meramente exemplificativa, como uma das práticas tradicionais nocivas que têm sido combatidas, pelo fato de afetar a saúde da mulher e da menina. Não há, entretanto, registros desta prática consuetudinária no Brasil.
A Resolução A/S-27/19, também da Assembléia Geral da ONU, chamada de “Um mundo para as crianças”, estabelece como primeiro princípio:
Colocar as crianças em primeiro lugar. Em toas as medidas relativas à infância será dada prioridade aos melhores interesses da criança.
Destaca-se que a expressão “melhor interesse da criança”, presente na legislação nacional e internacional é, hoje, um princípio em nosso ordenamento jurídico e, mesmo sendo passível de relativização no caso concreto, existe um norte a seguir, um mínimo que deve ser respeitado na aplicação do mesmo: os direitos fundamentais da criança.
E como estratégia para proteger as crianças de todas as formas de maus-tratos, abandono, exploração e violência, dispõe a Resolução A/S-27/19, no ítem 44:
“Dar fim às práticas tradicionais e comuns prejudiciais, tais como o matrimônio forçado e com pouca idade e a mutilação genital feminina, que transgridam os direitos das crianças e das mulheres”.
Urge destacar que todas as crianças encontram-se sob a proteção da própria Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 227, garante o direito à vida e à saúde a todas as crianças. A mesma proteção é garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, em seu art. 7º, estabelece que a criança tem direito a proteção à vida e à saúde.
Também o Código Civil determina, em seu art. 1º, que toda pessoa (incluindo, obviamente, as crianças) é capaz de direitos e deveres na ordem civil e, em seu art. 2º, que o começo da personalidade civil se dá com o nascimento com vida (deixando claro que os neonatos já são titulares de personalidade civil).
Demonstra-se, portanto, que os diplomas legais acima referidos garantem o direito à vida como o direito por excelência. Desta maneira, o Estado brasileiro deve atuar no sentido de amparar todas as crianças, independentemente de suas origens, gênero, etnia ou idade, como sujeitos de direitos humanos que são. Obviamente, as tradições são reconhecidas, mas não estão legitimadas a justificar violações a direitos humanos, como dispõe o art. 8, nº 2, do Decreto 5.051/2004, o qual promulga a Convenção 169 da OIT.
Desta maneira, não se pode admitir uma interpretação desvinculada de todo o ordenamento jurídico do art. 231 da Constituição, o qual reconhece os costumes e tradições aos indígenas. É necessário que este artigo seja interpretado à luz de todos os demais artigos mencionados acima, bem como o art. 5º sobre os direitos fundamentais da Constituição, o qual norteia todo o ordenamento jurídico nacional.
É importante destacar um trecho do estudo intitulado “Assegurar os direitos das crianças indígenas”, realizado pelo Instituto de Pesquisas Innocenti, da UNICEF, que diz o seguinte:
“Por outro lado, as reivindicações de grupo que pretendem conservar práticas tradicionais que pelos demais são consideradas prejudiciais para a dignidade, a saúde e o desenvolvimento do menino ou da menina (este seria o caso, por exemplo, da mutilação genital feminina, do matrimônio não consensual ou de castigos desumanos ou degradantes infligidos sob pretexto de comportamentos anti-sociais) transgridem os direitos do indivíduo e, portanto, a comunidade não pode legitimá-los como se se tratasse de um de seus direitos. Um dos princípios-chave que tem vigência no direito internacional estabelece que o indivíduo debe receber o mais alto nível possível de proteção e que, no caso de crianças, “o interesse superior da criança” (artigo 3º da Convenção sobre os direitos da criança) não pode ser desatendido ou violado para salvaguardar o interesse superior do grupo”.
É importante destacar que a cultura é dinâmica e não imutável. A cultura não é o bem maior a ser tutelado, mas sim o ser humano, no intento de lhe propiciar o bem-estar e minimizar seu sofrimento. Os direitos humanos perdem, completamente, o seu sentido de existir, se o ser humano for retirado do centro do discurso e da práxis. Portanto, a tolerância (no sentido de aceitação,reconhecimento da legitimidade) em relação à diversidade cultural deve ser norteada pelo respeito aos direitos humanos.
Desta forma, entende-se que práticas tradicionais nocivas, as quais se encontram presentes em diversos grupos sociais e étnicos do nosso país, não podem ser ignoradas por esta casa e, portanto, merecem enfrentamento, por mais delicadas que sejam.
Sabe-se que, por razões culturais, existe a prática de homicídio de recém-nascidos, o abuso sexual de crianças (tanto por parte de seus genitores, quanto por parte de estranhos), a desnutrição intencional, entre outras violações a direitos humanos fundamentais. Destaca-se que tais práticas não se circunscrevem a sociedades indígenas, mas também a outras sociedades ditas não tradicionais.
Há que ressaltar, também, o sofrimento por parte dos genitores que, muitas vezes, não desejam perpetrar tais práticas, mas acabam obrigados a se submeterem a decisões do grupo, tendo, assim, seus próprios direitos humanos violados (como, por exemplo, sua integridade psíquica).
Quando a família ou o grupo não deseja rejeitar a criança, mas sim buscar alternativas, a atuação do governo deve guiar-se pelo princípio fundamental de respeito à vida e à dignidade humana, os quais permeiam todo o ordenamento jurídico brasileiro e dar a assistência necessária para que a família ou o grupo possam continuar com a criança.
Porém, se um grupo, depois de conhecer os meios de evitar as práticas tradicionais nocivas, não demonstrar vontade de proteger suas crianças, entende-se que a criança deveria ser encaminhada, provisoriamente, a instituições de apoio, governamentais ou não, na tentativa de ainda conseguir a aceitação da família ou do grupo. Se esta tentativa for frustrada, então a alternativa da adoção poderia ser adequada, pois garante o direito à vida que a criança possui. É imprescindível destacar que este processo todo deve ser realizado, em todos os momentos, com base no diálogo.
Preocupada com a postura dos órgãos governamentais de não interferir em práticas tradicionais que se choquem com os direitos humanos fundamentais, postura esta embasada no relativismo radical e demonstradamente contrária ao ordenamento jurídico brasileiro e à legislação internacional, a organização não governamental ATINI – Voz pela Vida, que defende o direito humano universal e inato à vida, reconhecido a todas as crianças, empenha-se no enfrentamento e debate sobre as práticas tradicionais que colidem com os direitos humanos fundamentais.
De acordo com pesquisas realizadas pela ATINI, existem poucos dados oficiais a respeito do coeficiente de mortalidade infantil em razão de práticas tradicionais. Segundo dados da FUNASA, entre a etnia Yanomami, o número de homicídios elevou o coeficiente de mortalidade infantil de 39,56 para 121, no ano de 2003. Ao todo, foram 68 crianças vítimas de homicídio, naquele ano.[1]
No ano seguinte, 2004, foram 98 as crianças vítimas de homicídio (erroneamente divulgado como infanticídio).[2]
Também foi divulgado pela mídia um caso de gravidez de uma criança de 9 anos, da etnia Apurinã, com suspeita de que haja sido por estupro.[3]
Fica clara a urgência de providências que este assunto demanda, visto que inúmeras crianças, as quais devem ter seus direitos e interesses postos em primeiro lugar, têm sido vítimas silenciosas de práticas tradicionais nocivas e sem que haja providências suficientes para cessar estas violações à sua dignidade e a seus direitos fundamentais mais básicos, dos quais elas são indiscutivelmente titulares.
Objetivando tornar realidade os propósitos da ATINI – Voz pela Vida, manifestados nesta justificação, venho assumir a tarefa de apresentar esta proposta de Projeto de Lei.
Dada a importância do tema conto com o apoio dos nobres parlamentares para aprovação do presente Porejto de Lei.
Sala das Sessões, maio de 2007.
Deputado HENRIQUE AFONSO
(PT/AC)
ANEXO 2 – PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL 303/2008
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº, DE 2008
(Do Sr. Pompeo de Mattos e outros)
Altera o caput do art. 231 da Constituição Federal.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º. O caput do art. 231 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 231. São reconhecidos aos índios, respeitada a inviolabilidade do direito à vida nos termos do art. 5º desta Constituição, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcálas, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
...........................................................................................” (NR).
Art. 2º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Justificação
Sendo a inviolabilidade do direito à vida garantia constitucional fundamental assegurada a todo brasileiro, sem distinção de qualquer natureza, parece-nos apropriado e plenamente justificável reforçar a necessidade de sua aplicação entre os índios, sobretudo ante o risco da prática de infanticídio de ordem étnico-cultural, seja em caso de aborto seja em caso de homicídios de recém-nascidos.
Fazer respeitar o direito à vida humana entre os indígenas não constitui desrespeito ou afronta a sua cultura, mas, pelo contrário, configura respeito a sua particularidade cultural no âmbito da sociedade brasileira, a qual, por meio da Carta Constitucional de 1988, considera inviolável o direito à vida de todos os brasileiros, inclusive os indígenas, e estrangeiros.
O direito à vida é assegurado também pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, da qual o Brasil é signatário.
Nesse documento, o mais traduzido do mundo, registram-se os princípios básicos do humanitarismo mundial, dentre os quais figura inalienável o direito à vida.
Consideramos que a atual redação do caput do art. 231 da Constituição Federal, por não reforçar a aplicabilidade do disposto no art. 5º relativamente à inviolabilidade do direito à vida, dá margem ao entendimento de que práticas de homicídio em contexto étnico-cultural específico, tais como o infanticídio, são aceitas por nosso ordenamento constitucional, razão pela qual apresentamos a presente Proposta de Emenda à Constituição com vistas a sua alteração.
Pelo exposto, dada a relevância da matéria, esperamos contar com o apoio dos nobres pares para a mais célere aprovação da presente Proposta de Emenda à Constituição.
Sala das Sessões, em 11 de novembro de 2008.
POMPEO DE MATTOS
D E P U T A D O F E D E R A L
Presidente da CDHM
P D T – RS
ANEXO 3 – CARTA ABERTA DO MOVIMENTO INDIGENA CONTRA O INFANTICIDIO
Carta Aberta do Movimento Indígena contra o infanticídio
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à Primeira Dama D. Marisa e à Nação Brasileira.
Nós, indígenas do Mato Grosso e do Brasil, pedimos a sua atenção para os casos de infanticídio, que ocorrem impunemente nas aldeias indígenas do Brasil.
O infanticídio, não é um fato novo, infelizmente sempre esteve presente na história das culturas indígenas. Entretanto, tem ganhado a visibilidade na mídia com a divulgação da história da menina Hakani, da etnia Suruwahá, a qual sobreviveu ao infanticídio após o suicídio de seus pais e irmãos. Estamos vivendo um momento de profunda mudança em nossa cultura e estilo de viver, por que vivemos hoje um novo tempo. A realidade dentro das comunidades indígenas é outra. Já não vivemos confinados em nossas aldeias, condenados ao esquecimento e à ignorância. O mundo está dentro das aldeias, através dos meios de comunicação, internet e da escola, o acesso à informação têm colocado o indígena em sintonia com os acontecimentos globais.
Tudo isso tem alterado nossa visão de mundo. Hoje já não somos meros objetos de estudos, mas sujeitos, protagonistas de nossa própria história, adquirindo novos saberes e conhecimentos que valorizam a vida e a nossa cultura.
Somos índios, somos cidadãos brasileiros! Vivendo na cidade ou na aldeia, não abandonamos as riquezas de nossas culturas, mas julgamos que somos plenamente capazes de distinguir entre o que é bom e o que é danoso à vida e a cultura indígena. Desde já, assumimos as responsabilidades de nosso destino e de fazer escolhas que contribuam para o nosso crescimento. Nos recusamos ativamente a ser meros fantoches nas mãos de organizações científicas e de estudos. Chega de sermos manipulados pelas Organizações Governamentais e não-Governamentais!
Portanto manifestamos nosso repúdio à prática do infanticídio e a maneira irresponsável e desumana com que essa questão vem sendo tratada pelos Órgãos Governamentais. Não aceitamos os argumentos antropológicos baseados no relativismo cultural. De acordo com a nossa própria Constituição Brasileira de 1988, que em seu artigo 227, determina:
“É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
É em nome deste preceito constitucional que nos dirigimos suplicando à nação brasileira, em especial ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva e à Primeira Dama D. Marisa assim como aos Congressistas e Governantes Estaduais e Municipais manifestando a nossa indignação com a falta de respeito à vida, em especial as vidas das crianças vítimas do infanticídio.
O recente caso da menina Isabela (Nardoni) alcançou tal repercussão na mídia, que de imediato nós vivenciamos a dor e a angústia de sua família: parecia que Isabela era alguém da nossa própria família. Toda a nação brasileira se comoveu e se encheu de indignação com tamanha violência, acompanhando e exigindo justiça a partir de então. Quanto à punição dos suspeitos, a Justiça tem feito seu papel, e a sociedade está em alerta contra a violência infantil. Mas nós perguntamos será que a vida da Isabela tem mais valor do que aquelas crianças indígenas que são cruelmente enterradas vivas, abandonadas na mata, enforcadas por causa de falsos temores e falta de informações dos pais e da comunidade? NÃO!
Não aceitamos o infanticídio como prática cultural justificável, não concordamos com a opinião equivocada de antropólogos que têm a pretensão de justificar estes atos e assim decidir pelos povos indígenas colocando em risco o futuro de etnias inteiras. O direito a vida é um direito fundamental de qualquer ser humano na face da terra, independentemente de sua etnia ou cultura.
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente, a Primeira Dama D. Marisa, Senhores Congressistas, Governantes Estaduais e Municipais e a cada cidadão brasileiro: os direitos humanos estão sendo violados no Brasil!! Milhares de crianças já foram enterradas, enforcadas ou afogadas e quantas mais deixaremos passar por tal crueldade?
Nosso movimento espera que a Lei Maior de nosso país seja respeitada, isto é, independentemente de etnia, cor, cultura e raça, todas as crianças gozem do direito à vida.
Nesse sentido:
– Pedimos que a Lei Muwaji seja aprovada e regulamentada;
– Pedimos ao Excelentíssimo Senhor Presidente Luís Inácio Lula da Silva e a sua esposa que pessoalmente interfiram nesse processo;
– Pedimos que os Órgãos competentes não mais se omitam em prestar socorro às mães e as crianças em risco de sofrer infanticídio.
Nós, abaixo assinados, concordamos com os termos da carta aberta e juntos com os seus autores, pedimos aos governantes do País em todas as instâncias, providências ao combate e a erradicação do infanticídio, para que assim o sangue inocente não seja mais derramado em solo indígena, em solo brasileiro.
Mato Grosso, Junho de 2008.
Movimento contra o infanticídio indígena.
Contato: edsonbakairi@hotmail.com.
Edson Bakairi é líder indígena em Mato grosso, professor licenciado em História com especialização em Antropologia pela UNEMAT, presidente da OPRIMT (Organização dos professores Indígenas de MT) por 3 anos e é sobrevivente de tentativa de infanticídio – abandonado para morrer na mata, foi resgatado e preservado com vida por suas irmãs.
Disponível em: http://www.atini.org.br/carta-aberta-de-edson-bakairi/ (Acesso em: 13/09/2015)
[1] COMISSÃO PRÓ-YANOMAMI. Yanomami na Imprensa. Conselho Yanomami se reúne para aprovar Plano Distrital de Saúde. Fonte: Brasil Norte, 26 de maio de 2004. Disponível em:
[2] COMISSÃO PRÓ-YANOMAMI. Yanomami na Imprensa. Parabólicas. Fonte: Folha de Boa Vista, 11 de março de 2005. Disponível em:
[3] Disponível em:http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI949683-EI306,00.html
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