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CRIME PASSIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


Autoria:

Nayanne Francielly Moura Miranda


Nayanne Francielly Moura Miranda E-mail: nayannefrancielly.adv@gmail.com FORMAÇÃO  Bacharel em Administração de Empresas. ILES - ULBRA, conclusão em 2008.  Bacharel em Direito. ILES - ULBRA, conclusão em 2014.  Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal. DAMÁSIO EDUCACIONAL, conclusão em 2016. ATUAÇÃO PROFISSIONAL Assistente Cartorária da 2ª Vara Criminal da Comarca de Itumbiara-GO Conciliadora do CEJUSC de Itumbiara-GO.

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Resumo:

Neste artigo dar-se-á ênfase à evolução histórica do crime passional, o conceito de crime (teoria do crime), os direitos e garantias fundamentais do réu destacando-se os principais princípios inerentes ao tema.

Texto enviado ao JurisWay em 05/02/2018.



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CRIME PASSIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

 

O delito passional existe desde os tempos mais remotos. A história registra com frequência episódios criminais passionais, sendo as chamadas “mortes por amor” motivações utilizadas para justificar o assassinato e para minimizar as consequências jurídicas penais do delito.

Diante disso, neste primeiro capítulo abordar-se-á sobre a evolução histórica do crime passional, o conceito de crime, os direitos e garantias fundamentais do réu dando ênfase aos princípios constitucionais inerentes ao tema.

 

1.1 Evolução histórica do crime passional

 

Para conceituar crime se faz necessário abranger as noções de criminologia, a qual realiza estudos objetivando explicar o fenômeno criminal, encontrando a sua gênese e com base nela estipulando medidas preventivas ao crime, conforme conceito utilizado por Albergaria[1]

 

A Criminologia, como ciência do homem, especializada, tem por fim último a promoção do homem ou a ascensão da condição humana, ao liberar-se das cadeias dos determinismos biológicos, psicológicos e sociológicos que influenciam o comportamento.

 

Observa-se nesse sentido o caráter lícito ou ilícito das ações. Sobre o assunto  destaca-se o posicionamento do criminólogo Garofalo, citado por Gonzaga[2]

                                                

[...] homicida em legitima defesa ou por vingança é determinado pela opinião dominante no grupo social de que fazemos parte. Um ato que esta opinião condena quando praticado em detrimento de um membro desse grupo ou ainda de um grupo mais numeroso, torna-se lícito par além destes limites.

 

Nos estudos propostos por Garofalo[3], a antiga escola utilitária definia o crime como “toda ação nociva que deve proibir-se, ou simplesmente uma ação proibida pela lei, ou ainda um ato de pessoa inteligente e livre, nocivo a outrem e injusto”.  

O surgimento do crime conforme descrito por Nivaldo Santos[4], surgiu com a implantação do regime militar. Esclarece o autor que: “os anos da ditadura militar pós-64 geraram, no Brasil, uma nova mentalidade criminosa que foi posteriormente reforçada pelos modelos estrangeiros de atuação delituosos”.

A Lei de Introdução ao Código Penal conforme obra de Mirabete[5] considera o crime como infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. Júlio Fabbrini Mirabete[6] considera o crime como:

 

[...] um conceito essencialmente jurídico, que, sob o aspecto formal é um fato humano contrário à lei; sob o aspecto material é aquele contrário ao bem juridicamente tutelado; e sob o aspecto analítico seria o fato humano descrito no tipo legal e cometido com culpa, ao qual é aplicável a pena.

 

De acordo com Lintz[7], o crime é tido como fenômeno social revolucionário no século XIX, enfatizando o autor que:

 

[...] em razão do sentido naturalista defendido por uma variedade de espécies humanas, e definida pela presença latente de anomalias físico-patológicos na pessoa do delinquente. Nesta época seria mais um caso de medicina do que de direito, porém o conceito de crime vem evoluindo com o passar dos séculos.

 

Neste sentido, pode-se dizer que quanto mais evoluído for o povo, as inovações ou revisões de conduta ofensiva à ordem jurídica estarão sempre na dependência dos fatores sociais em consonância com a evolução dos padrões de cultura. Descreve ainda Lintz[8] que:

 

Dentro de um contexto psicossocial, os crimes serão considerados comuns, especiais, políticos e de responsabilidade, onde o fundamento será a descrição abstrata de uma ação proibida, pois a conduta adversa, permitida, exclui a ilicitude ou a punição, por erro, coação, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito, estado de necessidade, legitima defesa, emoção, etc.

Para compreender o tema é importante conhecer a transformação histórica, ou seja, as mudanças que ocorreram tanto no que diz respeito aos aspectos sociais quanto legais do homicídio passional.

O delito de matar sempre trouxe questionamentos sociais, sendo o motivo social ligado ao interesse coletivo. O agente que pratica o crime impulsionado por tal razão incorre em causa de atenuação da pena que conforme o artigo 121, §1º, in verbis, do Código Penal:

 

Art. 121 [...] §1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

 

Ao longo da história da civilização, a repressão do delito não foi capaz de reduzir a criminalidade a patamares aceitáveis, descreve Baratta[9] que: “vigia a lei do mais forte que ostentava o poder maior, o qual não possuía limites para a forma de execução da reprimenda, podendo, inclusive matar o infrator, escravizá-lo, bani-lo, e até estender o castigo a sua prole, aqui vigia a era da vingança privada”.

Houve uma evolução modesta posterior à Lei de Talião, com o Código de Hamurabi, o que ficou conhecido por pregar a lei do talião “Lex Talionis”, com a famosa características “olho por olho, dente por dente”[10].

Percebe-se que, embora o Código de Hamurabi pregasse a lei do Talião, sofria uma mitigação no tocante a igualdade. “Em um período da história, as penas eram baseadas e vistas como vingança divina, nesta época inúmeras atrocidades foram cometidas em nome de Deus”[11].

Dentro da evolução histórica dos crimes passionais observa-se que desde o Código de Hamurabi por volta de 1700 a.C. a mulher era vista de maneira diferenciada pela sociedade, e sua "traição" ou comportamento era reprovado pela sociedade. No Código de Hamurabi[12] encontra-se vários ilícitos penais, sendo o adultério da mulher, um ilícito grave, punido, inclusive, com a morte.

Tal afirmação é comprovada no artigo 129 do referido Código, o qual dizia: “Se a esposa de alguém é encontrada em contato sexual com um outro, deve-se amarra-los e lança-los n'agua, salvo se o marido perdoar à sua mulher e o rei a seu escravo”

João Bernadino Gonzaga, citado por Führer[13], descreve em sua obra de Direito Penal indígena o surgimento do delito de homicídio no Brasil, e utilizando-se de seus ensinamentos, Führer[14] descreve:

 

[...] entre os índios, era de puro cunho místico”, ou seja, podendo-se chegar à conclusão que a vingança da morte não era vista, necessariamente, como uma sanção -, mas como afirma o autor citado fazia parte de um “Direito Criminal encantado.

 

Além dos índios observa-se ainda que à época era comum matar também as pessoas idosas, sendo realizado homicídios no âmbito da própria família. Sobre o assunto enfatiza Nucci[15] que: “Era comum matar os velhos, enterrando-os vivos, em cerimônias. Homicídios em famílias eram tolerados, como um cônjuge envenenar o outro. [...] Havia, ainda, a execução dos adversários escravizados e dos doentes”.

Partindo-se para o período colonial, faz-se importante destacar, mesmo que de forma sucinta, adotou-se as ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas[16]. Ressalte-se que apenas as ordenações Filipinas foi tida como um dos maiores Códigos Penais portugueses por ter perdurado por muitos anos. Em crítica, Bueno[17] aponta: “[...] havia completa falta de técnica na estruturação do livro, que não observou nenhum padrão lógico na enumeração dos delitos, vindo, ainda, sempre redigidos de forma extremamente exaustiva e rebuscada”.

Ainda de acordo com Bueno[18] que no Título XXXV, Código Penal Portugueses dispunha: “Dos que matam, ou ferem, ou tiram com Arcabuz ou Besta” (sic).

Assim prescrevia Bueno[19] sobre a redação do delito “Qualquer pessoa que matar outra ou mandar matar, morra por isso morre natural” (sic).

O indivíduo que mandasse matar ou que matasse outra pessoa sofreria como consequência a pena de morte. Porém já nesta época tratava-se da legitima defesa (ocorre quando alguém repele uma agressão injusta), ou seja, do excesso punível, bem como do homicídio culposo – que era chamado de “sem malícia”. A respeito descreve também Bueno[20]:

 

Porém se a morte for em sua necessária defesa, não haverá pena alguma, salvo se nela excedeu a temperança que devera e pudera ter, porque então será punido segundo a qualidade do excesso. E se a morte for por algum caso sem malícia ou vontade de matar, será punido ou relevado segundo sua culpa ou inocência que no caso tiver.

 

Contudo, especificadamente o homicídio passional, foi durante vários anos aceito pela sociedade e pelo próprio ordenamento jurídico. Sobre o assunto, aborda Danielly Ferlin[21]:

 

Mais precisamente até a década de 70, o homicídio passional era velado como um direito concedido ao homem traído de recobrar ou lavar sua honra ferida. Nesta mesma época uma organização feminista intitulada SOS mulher desencadeou um trabalho de repressão e combate a este tipo criminal como slogan ‘Quem ama não mata’!,onde acima de tudo, visava garantir o direito da mulher à vida e a eficaz punibilidade dos criminosos

 

Neste sentido, Ferri[22] entende que o homicídio passional é uma ação humana que era justificada de diversas maneiras, esclarecendo ainda:

 

Na escola clássica, a noção de livre-arbítrio e responsabilidade moral, exigia consciência do criminoso no momento do ato. No caso dos crimes de honra, por exemplo, esta noção podia ser subvertida pela ideia de que o criminoso estava privado de razão, pois a traição, por exemplo, era considerado um motivo suficientemente forte para provocar a “privação dos sentidos e inteligência”[23].

 

Esclarece o autor[24] que após a descoberta do Brasil, este passou a ser regido pelo direito português, pelas Ordenações Manuelinas e, logo depois, pelas Ordenações Filipinas que “disciplinaram toda a Península Ibérica e com ela as colônias portuguesas, transmudando o direito brasileiro”. suprimida.

Com a independência do Brasil que ocorreu em 1822, e com a promulgação da Constituição Federal de 1824, fez modificar a legislação penal, sendo o Código Penal do Império do Brasil, sancionado em 1830, pelo sistema processual das Ordenações Filipinas, vigorou até 1850. Nota-se que à época foi extinta a “autorização” legal para que matasse as esposas adúlteras, nos termos do art. 14 in verbis: “Será o crime justificável, e não terá lugar a punição dele: [...] §2º Quando for feito em defesa da própria pessoa, ou de seus direitos. (sic)”[25]. A respeito aponta Arreguy[26] que:

 

A lei que garantia a legalidade do assassinato de uma esposa adúltera foi abolida e as formulações “herdeiras” dessa tradição patriarcal foram bastante discutidas e modificadas ao longo do tempo. Entretanto, esse modo complacente de sancionar e julgar crimes passionais sempre deixou rastros em consecutivas formulações penais que permaneceram sendo aproveitadas na tentativa de mitigar ou, no mínimo, de tratar de maneira diferenciada tais ilícitos, dado o reconhecimento do sofrimento arraigado por costumes exclusivistas no amor. A sociedade conheceu novas formas, contudo, as alterações na lei nem sempre provocaram mudanças profundas nos costumes. Apenas a vingança por honra deveria ser “limpa” através de um assassinato culturamente justificável, ou seja, um crime que assegurava a propriedade e, por extensão, o casamento, também baseado na super valorização do amor-paixão. 

 

Alvares[27] acrescenta que: “Neste período reforçavam-se uma noção da lei como determinada pela sociedade e suas regras. O espaço para garantir a isenção, no caso de crimes passionais era a categorização dos criminosos e a individualização das penas”.

A sociedade se tornava benevolente com o homem que matava sua companheira/ mulher/amante/namorada em função de uma cultura machista que ainda hoje é possível visualizar no meio social.

Outrora o homicídio passional era visto como algo “nobre”, conforme explica Ferlin[28]:

A sociedade acreditava que a mulher que traía deveria ser punida com a morte, porque somente desta maneira o homem manteria sua honra diante da sociedade em que estava inserido. Por décadas a sociedade reiterou uma cultura machista onde validava a mulher como ser inferior, chegando-se ao extremo de considera-la propriedade do marido. Ainda hoje, este pensamento vige enraizado em conceitos arcaicos, mesmo que não tão sem reservas como outrora.

 

Esse pensamento da época se dava porque a sociedade entendia a infidelidade como uma ofensa à honra masculina, honra esta que deveria ser lavada com sangue.

No Brasil colônia, a lei permitia ao homem traído matar a sua mulher e o seu amante. E, embora tenha o Código Penal do Império eliminado essa regra, o Código Penal da República entendeu que o estado emocional decorrente do adultério era causa de exclusão de punibilidade por privação dos sentidos e da inteligência, deixando impunes os homicidas passionais[29]. De acordo com Lopes[30]:

 

Aparecia no Código Penal Brasileiro de 1890 o artigo 27, parágrafo 4 que afirmava não serem criminosos dentre outros: Artigo 27 in verbis:  Art. 27. Não são criminosos:  § 4º Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato de commetter o crime. (sic).

 

Já em 1890 foi sancionado o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. e em 1932, houve a Consolidação das Leis Penais.

Nesta época, do Código Penal Brasileiro de 1890, havia uma espécie de incentivo à regulação privada do crime passional, sendo os estes criminosos inimputáveis, ou seja, isentos de culpabilidade. Sobre o assunto descreve Arreguy[31]

 

Na formulação penal de 1890, através da influência da escola positiva do direito e do crescente avanço do domínio médico-psiquiátrico no espaço jurídico, a antiga desculpa do “flagrante delito adultério  para os homicidas passionais retornou à letra da lei de forma dissimulada. Com uma estratagema de desresponsabilização criminal, o julgamento dos passionais passa a estar incluído sob a mesma rubrica que o julgamento dos criminosos loucos. Essa lei inspirada na doutrina alemã, aparecia no CPB de 1890 através do artigo 27, parágrafo 4, que afirmava categoricamente não serem criminosos, dentre outros: os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime.

 

Em 1940, o Código Penal traz os crimes na esfera conjugal sob a ideia da violenta emoção, que conforme explica Arreguy[32]

 

Sem que houvesse base direta para tal exploração no novo Código Penal Brasileiro, a violenta emoção era também associada ao argumento da “legítima defesa da honra”, extremamente utilizada pela defesa de homicidas passionais nas sessões do Tribunal do Júri durante todo o século XX. Esta tese era o artifício da absolvição de assassinos de suas companheiras, sendo, portanto a chave de defesa mais usual para a maioria dos advogados.

 

Não obstante o adultério, o qual era previsto no art. 240 do Código Penal Brasileiro de 1940, foi considerado crime até o ano de 2005, tendo sido revogado pela Lei nº. 11.106/05.

Conforme descreve Eluf[33], a concepção de que a infidelidade conjugal da mulher era uma afronta aos direitos do marido e um insulto à sua reputação, aliado ao desejo dos criminalistas de absolvição, encontrou eco nos sentimentos do júri popular, que passou a conceber com benevolência o criminoso passional.

O julgamento pelo júri popular, como leigo que é, não era feito com base na previsão legal, mas segundo os seus valores culturais.  Assim, surgiu a tese de legítima defesa da honra e da dignidade para absolver o marido ou amante vingativo. E isso era possível porque a pena a ser aplicada equivalia à pena do homicídio culposo.

O machismo de acordo com o pensamento de Eluf[34] possibilitou, por longo período, a “absolvição” do homicida passional. Esclarece a autora que “geralmente o conselho de sentença, por expressa disposição legal, era composto exclusivamente ou majoritariamente por homens, situação que sempre determinava o resultado esperado pelos criminalistas e criminosos a absolvição do crime”.  Continua ponderando Eluf que há 13 anos atrás[35]:

 

[...] essa tendência vem sendo gradativamente refutada pelas decisões judiciais. Os tribunais do País têm afastado a tese da legítima defesa da honra. A honra passou a ser concebida como bem pessoal e intransferível. Desse modo, eventual conduta reprovável por parte de um dos cônjuges não afeta o outro. Qualquer dos cônjuges é responsável apenas por seu comportamento, não havendo a disponibilidade do de outrem.

 

A “honra”, nesta época foi usada em sentido deturpado, ou seja, referia-se ao comportamento sexual da mulher. Esta realidade de inferioridade perdurou aos longos dos tempos, fazendo com que a sociedade discriminasse a mulher, vendo-a como culpada, provocadora da situação, mesmo quando ela era a vítima. Como salienta Eluf[36]

É a tradução perfeita do machismo, que considera serem a fidelidade e a submissão feminina ao homem um direito dele, do qual depende a sua respeitabilidade social. Uma vez traído pela mulher, o marido precisaria 'lavar sua honra', matando-os. Mostraria, então, à sociedade que sua reputação não havia sido atingida impunemente e recobraria o 'respeito' que julgava ter perdido”.

 

O passional, conforme estudos de Eluf[37] tratava-se de indivíduos que cometiam crimes movidos pela paixão, tinham algumas características estabelecidas pela antropologia criminal: eram homens jovens que cometeram seus delitos às claras, eram pessoas de “sensibilidade superior e aguda emotividade”.

No ano de 1940 foi sancionado o Código Penal Brasileiro, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942, estando vigente até os dias atuais, embora, tenha sofrido no ano de 1984 uma reforma em sua parte geral e, no decorrer dos anos, também em sua parte especial. Sancionado o Código Penal Brasileiro, destaca Luisi[38] que:

 

[...] os crimes contra a vida ficavam aquém de outros bens jurídicos, tais como os delitos contra a Igreja. O legislador brasileiro optou por resguardar inicialmente os bens jurídicos inerentes a pessoa humana, sendo que o principal desses bens jurídicos é justamente a vida.

 

Mesmo com tantos avanços e mudanças ocorridas, nota-se que o desenlaçar-se deste passado se torna presente e que não se rompeu de forma absoluta, pois ainda hoje este pensamento machista encontra-se enraizado em conceitos arcaicos, mesmo que não seja de forma tão gritante como outrora. O crime passional é uma construção cultural estando presente nos relatos das experiências pessoais e na interpretação jurídica e entre a emoção e a razão. Hoje, o Código Penal Brasileiro não considera mais o adultério como crime. “entretanto, a lei não modificou o costume de matar a esposa ou a companheira”[39].

Observa-se, entretanto que o direito deve acompanhar a evolução social, os valores e a cultura sob pena de se tornar injusto e incompatível com a realidade atual. Portanto os remédios impostos por nossa cultura impõem limitações aos indivíduos que são impelidos a ajustarem os relacionamentos de acordo com estas regras de coerção.

Adaptados a essa dura realidade sentem-se impotentes, abrem mão do afeto e do prazer e ajustam-se aos ideais do dever.

Destarte, estes foram os aspectos mais importantes que marcaram a história do homicídio no Brasil até a promulgação do Código Penal, sendo, portanto necessário abordar ainda neste capítulo a respeito dos direitos e garantias fundamentais do réu dando ênfase aos princípios constitucionais e que perpassam pelo direito penal e processual penal.

 

1.2 Conceito de Crime

 

O conceito de crime é visto de forma material e formal. Descreve Nelson Hungria[40] que: “Materialmente falando, crime é a violação de um bem jurídico penalmente protegido. Formalmente falando, crime é a conduta humana proibida por lei com ameaça de pena”. A doutrina penal brasileira adotou um conceito formal de crime. Nesse contexto, Hungria[41] ainda descreve a respeito:

 

[...] o crime é, antes de tudo, um fato, entendendo-se por tal não só a expressão da vontade mediante ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento corpóreo), como também o resultado (effectus sceleris), isto é, a consequente lesão ou periclitação de um bem ou interesse jurídico penalmente tutelado.

 

Sendo o crime um fato humano contrário à lei, faz-se necessário compreender que trata-se de que é toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça da pena, uma ação ou omissão contrária ao direito. Porém, conforme ensinamento de Silva,[42]

 

O crime é objeto não só para o Direito, mas também para a Sociologia, quando Durkheim em seus estudos constata que o crime é um fenômeno social “normal” e necessário. De acordo com sua visão positivista, o crime é parte da natureza humana porque existiu em diferentes épocas, em diferentes classes sociais. O crime é normal porque é virtualmente impossível imaginar uma sociedade na qual o comportamento criminoso seja totalmente ausente. Não há nenhuma sociedade onde não exista criminalidade. Ela muda de forma e os atos assim qualificados não são os mesmos em toda a parte. Sempre e em toda parte haverá ações qualificadas como crime porque sempre existirão ações que irão ferir sentimentos coletivos dotados de uma energia e de uma clareza particulares

 

Importa também neste ínterim destacar que três são as teorias sobre o crime. Para tanto utiliza-se da obra de  Capez[43]:

- Teoria bipartite - Elementos do Crime = fato típico, antijurídico.

- Teoria tripartite - Elementos do Crime = fato típico, antijurídico, culpável

- Teoria quatripartida - Elementos do Crime = fato típico, antijurídico, culpável e punível.

O nosso ordenamento jurídico adota a teoria Tripartida do crime, que tem como um dos defensores Capez[44], que afirma: “para configurar o crime é preciso que o fato seja típico, ilícito e culpável. Faltando um desses requisitos o crime é afastado. Logo, esses três fundamentos são inseparáveis”.  Sendo assim, para se caracterizar a existência de um crime é necessário que estejam presentes todos os elementos do crime. Na ausência destes elementos, não se pode falar em crime.  Continua Capez[45] descrevendo:

 

A conduta humana pode se dar de duas formas, a ação (atividade positiva dirigida para um determinado fim) e a omissão (ao contrário da ação, é a abstenção da atividade na qual o agente estava obrigado a realizar); Já a conduta típica é a realizada pelo agente, deve estar descrita numa norma penal incriminadora. A conduta antijurídica, além de a conduta humana ser típica, deve ainda ser antijurídica, ou seja, contrária ao ordenamento jurídico (direito). Conduta culpável, além de a conduta ser típica e antijurídica, deve ainda ser culpável, ou seja, reprovada pelo Direito. Existem situações em que o agente comete o crime, mas este fato não é culpável, não é apenado, pois não incide um juízo de reprovação. O crime existe, mas o agente não sofre a sanção.

 

Neste estudo, especificamente, importa descrever a respeito da teoria bipartite do crime, no sentido de que esta retira a culpabilidade do conceito de crime, pois se baseia na Teoria Finalista da Ação, formulada por Hans Welzel na década de 1930[46].

De acordo com o juiz federal Alessandro Rafael Bertollo Alexandre[47], a teoria bipartida veio modificando a ideia de que o dolo e a culpa sediavam na culpabilidade, retirando-os deste contexto para integrá-los ao fato típico, mais precisamente na conduta. Consoante o disposto no Código Penal, percebe-se que este adere à Teoria Tripartida do crime, pois é bem claro que o crime é um fato típico, antijurídico (ilicitude) e culpável.

No texto do artigo 1º., in verbis, do Código Penal que diz: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Portanto entende a lei penal que não existe crime quando o fato é formalmente atípico.

 

1.3 Direitos e garantias fundamentais do réu.

 

A remodelação do sistema processual penal não admite, entretanto, mudanças ofensivas aos direitos e garantias fundamentais do homem. Essas garantias devem sempre prevalecer diante de intenções legislativas de transformar a repreensão estatal à punição ou a própria prevenção, em um instrumento de pânico geral, desvalorizando, com isso, a dignidade da pessoa humana.

Existem regras que devem ser sempre seguidas para o exercício do jus puniendi. A limitação das disposições burocráticas (sobretudo as processuais), defendida alhures, não lança mão à mitigação dos direitos fundamentais do homem. Em outras palavras, a eficácia dos mecanismos de punição, não pode impedir o acesso do acusado a sua amplitude de defesa. Esta constatação impede, por si só, que um indivíduo seja considerado culpado sem a oferta do devido processo legal, bem como dos corolários da ampla defesa e contraditório, que serão descritos na sequência.

Há, como se vê, diversas limitações materiais e formais na órbita Constitucional brasileira que impossibilitam a adoção de medidas de terror, de sorte que, a segregação cautelar de um indivíduo pela mera possibilidade ofensiva que suas condutas possam representar a coletividade torna-se impossível do ponto de vista jurídico. A medida extrema (pena de morte, tortura, entre outras), neste caso não acautela o meio social. Pelo contrário, gera grande insegurança, sobretudo, pela ausência de requisitos seguros a sua aplicação.

As próprias atrocidades cometidas pelo Estado brasileiro durante o período de ditadura são exemplos de que a perseguição penal, bem assim quiçá punição devem ser compatíveis e razoáveis com a conduta praticada. Esclarece Garcia Martin[48] que: “Durante este período diversos brasileiros que representavam ofensa à forma de governo imposta, eram presos, isso, quando não eram mortos, tudo, sem qualquer possibilidade de defesa, pois o sistema da época era integralmente inquisitivo”.

Não é possível que um julgador, agindo dentro dos limites de um processo, ingresse na psique do indivíduo, ou, adivinhe seu animus. O Direito Penal cuida de situações concretas, reservadas, e não de meras possibilidades, que não devem ser confundidas com a prisão cautelar, pois, neste caso, a existência da conduta (materialidade) é requisito essencial à decretação da medida, que, transmuda-se em indubitável constrangimento ilegal, sanável por via de habeas corpus (é o remédio judicial que tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou coação à liberdade de locomoção, decorrente de ilegalidade ou abuso de poder).

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 5º, inciso LXVIII que: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

O habeas corpus se, acolhida apenas diante a mera previsibilidade de que, um indivíduo solto, possa cometer um crime, sem que haja uma conduta contemporânea responsável pela manutenção do liame dos fundamentos previstos pelo legislador processual penal.

Diante o exposto faz-se importante abordar os princípios inerentes ao estudo proposto, tendo, em vista que estes exercem função importantíssima dentro do ordenamento jurídico positivo, uma vez que orientam, condicionam e iluminam a interpretação das normas jurídicas em geral. Além disso, dão coesão ao sistema jurídico pátrio.

 

1.3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

 

A dignidade da pessoa humana como sendo um dos fundamentos da Constituição Federal de 1988, previsto no artigo 1º, inciso III, classifica-se como um princípio relativo ao regime político e caracteriza-se como um valor supremo que abrange todos os direitos fundamentais do homem, desde o seu direito primário à vida. Para melhor compreender o que vem a ser a dignidade da pessoa humana descreve-se o conceito proposto por Ingo Wolfgang Sarlet[49]:

 

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto quanto todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

 

O constituinte de 1988 consagrou nos arts. 1º e 3º da Constituição Federal de 1988, a dignidade do homem como valor primordial, propiciando unidade e coesão ao texto, de modo a servir de diretriz para a interpretação de todas as normas que o constituem. Foram elencados nos primeiros capítulos da Constituição Federal de 1988, inúmeros direitos e garantias individuais, e lhes foi outorgado o patamar de cláusulas pétreas, conforme o art. 60, § 4º, inciso IV, priorizando assim, os direitos humanos. Descreve Chaim Perelman citado por Rizzatto Nunes[50]:

 

Com efeito, se é o respeito pela dignidade humana à condição para uma concepção jurídica dos direitos humanos se trata de garantir esse respeito de modo que se ultrapasse o campo do que é efetivamente protegido, cumpre admitir, como corolário, a existência de um sistema de direito com um poder de coação. Nesse sistema, o respeito pelos direitos humanos imporá, a um só tempo, a cada ser humano – tanto no que concerne a se próprio quanto no que concerne aos outros homens – e ao poder incumbido de proteger tais direitos a obrigação de respeitar a dignidade da pessoa. Com efeito, corre-se o risco, se não se impuser esse respeito ao próprio poder, de este, a pretexto de proteger os direitos humanos tornar-se tirânico e arbitrário. Para evitar esse arbítrio, é, portanto indispensável limitar os poderes de toda autoridade incumbida de proteger o respeito pela dignidade das pessoas, o que supõe um Estado de direito e a independência do poder judiciário. Uma doutrina dos direitos humanos que ultrapasse o estádio moral ou religioso é, pois, correlativa de um Estado de direito.

 

A dignidade da pessoa humana apresenta-se, ainda, como um atributo sob o qual se fundamentam todos os direitos fundamentais, não se mostrando como um direito fundamental propriamente dito. Ressalta Nunes[51] que: “a proteção da dignidade humana ganhou maior relevo após a Segunda Guerra Mundial tendo em vista as terríveis práticas empregadas pelos regimes nazista e fascista”.

Pelo princípio da dignidade humana o homem passa a se constituir como o objetivo supremo de todo o ordenamento jurídico, impondo-se ao poder públicos os deveres de observar, proteger e promover a dignidade humana.

Assim, vale lembrar que a dignidade evidentemente não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida em que este a reconhece. Todavia, importa não olvidar que o Direito poderá exercer papel crucial na sua proteção e promoção, não sendo, portanto, completamente sem fundamento que se sustentou até mesmo a desnecessidade de uma definição jurídica da dignidade da pessoa humana, na medida em que, em última análise, se cuida do valor próprio, da natureza do ser humano como tal.

Por outro lado, pelo fato de a dignidade da pessoa encontrar-se ligada à condição humana de cada indivíduo, não há como descartar uma necessária dimensão comunitária (ou social) desta mesma dignidade de cada pessoa e de todas as pessoas, justamente por serem todos iguais em dignidade ou grupo.

 

1.3.2 Princípio da Presunção de Inocência

 

A Constituição Federal em seu art. 5°, inciso LVII, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.

A presunção de inocência é uma presunção juris tantum (apenas de direito), que exigem para ser afastada a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e com a garantia de ampla defesa. Essa garantia já era prevista no art. 9º da Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1789[52] (“Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado”). A respeito observa Mirabete[53]:

 

[...] existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado. Por isso, a nossa Constituição Federal não ‘presume’ a inocência, mas a declara.

 

Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal.

O princípio da presunção de inocência consubstancia-se, portanto, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença judicial com trânsito em julgado ao término do devido processo legal (due process of law), em que o acusado pode utilizar-se de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório). Nesse mesmo sentido posiciona-se Tourinho Filho[54] ao afirmar: “[...] o princípio da presunção de inocência como o coroamento do due process of law”.

Em síntese, enquanto não for definitivamente condenado, por meio de sentença penal condenatória transitada em julgado, presume-se o réu inocente e como tal deve ser tratado.

1.3.3 Princípio da Humanidade das Penas

 

O princípio da humanidade da pena caracteriza-se pela presença tanto uma vertente positiva como uma vertente negativa[55]. Nas palavras de Nucci[56]:

 

A vertente negativa caracteriza-se pela presença de proibições que se apresentam nas vedações constitucionais da pena de morte, de penas perpétuas, indignas ou desumanas. Já a vertente positiva caracteriza-se pela proteção da dignidade da pessoa humana em especial daquele que se encontra no cárcere.

 

O princípio da humanidade relaciona-se a um chamado mínimo ético que se mostra impositivo em se tratando da Execução Penal. Já Guilherme Nucci[57] entende que o princípio da humanidade:

 

Significa que o direito penal deve pautar-se pela benevolência, garantindo o bem-estar da coletividade, incluindo-se o dos condenados. Estes não devem ser excluídos da sociedade, somente porque infringiram a norma penal, tratados como se não fossem seres humanos, mas animais ou coisas. Por isso estipula a constituição que não haverá penas: a) de morte (exceção feita à época de guerra declarada, conforme previsão do código Penal Militar); b) de caráter perpétuo; c de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis (art. 5º, XLVII), bem como que deverá ser assegurado o respeito à integridade física e moral do preso (art. 5°, XLIX).

 

Acrescenta ainda o autor supracitado que:

 

Na realidade, houve, em nosso entendimento, um desvio na redação desse inciso. O que a constituição proíbe são as penas cruéis (gênero), do qual são espécies as demais (morte, perpétua, trabalhos forçados, banimento). E faltou, dentre as específicas, descrever as penas de castigos corporais. Logo a alínea e é o gênero (penas cruéis); as demais representam as espécies[58].

 

Diante do exposto, observa-se que o princípio da humanidade da pena significa aquele ligado à proibição da tortura, tratamento cruel, degradante, bem como o respeito à integridade física do detento, caracterizando-se, ainda, como referencial para a aplicação de qualquer sanção penal que interfira em direitos fundamentais da pessoa sendo, assim, característica essencial das penas.

Deve-se ater, ainda, que o princípio da humanidade não consiste unicamente em proibir certas espécies punitivas, mas vir também a controlar o modo de execução das penas admitidas no ordenamento jurídico-penal.

Verifica-se que o princípio da humanidade da pena, conforme sua própria conceituação deriva de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

Tal princípio deve incidir não só em relação aos direitos fundamentais da pessoa, mas sim deverá incidir sobre as demais disposições da Constituição Federal, tais como direitos sociais e ordem econômica, vez que apresenta-se como base de garantia da própria existência humana.

 

1.3.4 Princípio do contraditório e da ampla defesa

 

O contraditório é uma garantia constitucional inerente a todo e qualquer processo, nos termos do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, representa, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos outros que lhe sejam desfavoráveis.

O contraditório, além de ser um princípio, é um direito que a parte tem de ser informada sobre os atos processuais e de se manifestar, no momento oportuno e da forma que lhe convier, sobre o que discorda na lide, desde que respeite os procedimentos existentes.

No passado, o procedimento executório não admitia o contraditório porque não eram admitidas alegações, das partes, sobre a origem do título, pois não se busca uma sentença de mérito.

O princípio da ampla defesa, historicamente de predominância apenas no âmbito judicial, então incorporado pela Constituição Federal de 1988 e inserido no art. 5º, inc. LV, contém a ideia de que todos e em qualquer esfera, judicial ou administrativa, têm o direito amplo e pleno de defender seus interesses.

Conforme descrito por Wambier[59], advogada e professora universitária trata a respeito do direito à ampla defesa dizendo: “estar superada a noção de processo sem contraditório, procedimento de que apenas o credor poderia participar ativamente”. Esta afirmação encontra fundamento nas próprias normas constitucionais, que consagram o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa em todas as formas processuais (CF, art. 5.º, incisos LIV e LV), até mesmo porque se é assegurado ao devedor o princípio do menor sacrifício, seria absurdo não assegurá-lo instrumentos para exercer esse direito.

Esclarece ainda Wambier[60] que a “ampla defesa é um direito indisponível, tendo em vista sua inconteste natureza de interesse público, o que contrasta com a disponibilidade do direito material, permeado pelo interesse privado”.

O princípio processual em estudo não se restringe à defesa da parte, do que trata o princípio do contraditório mais especificamente.

A ampla defesa traz a ideia da defesa do direito e não tão somente da mera defesa processual, mas com larga abrangência no que tange ao direito de ação da parte, incluindo-se aí o direito de recorrer à via arbitral.

Desse modo, se à parte, na busca de seu direito, visualiza a necessidade de buscar a via arbitral, seja por celeridade, economia ou qualquer outra razão, esta lhe é garantida pelo Estado, que regulamentou e proveu esta faculdade às pessoas capazes.

Por outro lado, importante ressaltar que o princípio em questão também assegura à parte a possibilidade de utilizar todos os meios para a garantia de seu direito, sendo a consultoria e o acompanhamento jurídicos alguns dos mais importantes.

 

1.3.6 Princípio da isonomia

 

Diz a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.

A isonomia é a pedra de toque do constitucionalismo dos autênticos Estados Democráticos de Direito e seu reconhecimento no art. 5º da CF/88, dentre direitos e garantias fundamentais, fixa isto de maneira inderrogável. Oportuno citar o pensamento de Grinover[61], et all:

 

A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial.

 

Ressalte-se, entretanto, que a igualdade não deve ser apenas de cunho formal. Daí cumpre distinguir igualdade formal e igualdade substancial. Esta distinção é também dada por Grinover[62], et all:

 

Igualdade formal é a interpretação literal da ideia de que a lei deve tratar todos sem distinção. Embora, de fato, existam vários momentos nos quais tal pensamento deve prevalecer, é preciso recordar que em sociedades complexas, com níveis de disparidade de forças gritantes, impossível falar em democracia real se os mais frágeis não forem contemplados com certos privilégios.

A igualdade substancial reconhece as diferenças e tenta mitigar as carências dos mais necessitados. Trata-se de perspectiva mais voltada para a realidade, mais atenta ao flagelo de alguns e a necessidade de ruptura com ordens acintosamente liberais, individualistas e pouco preocupadas com a sociedade como um todo.

 

Daí a razoável perspectiva de Aristóteles relembrada por Pedro Lenza em sua obra: “tratar os desiguais na medida de suas desigualdades”[63].

 

1.3.7 Princípio do devido processo legal

 

Não seria indevido dizer que o princípio do devido processo legal constitui a base de todos os demais. Para tanto se demonstra o que afirma a Constituição Federal de 1988 no art 5º, inciso LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Trata-se de um princípio que garante aos litigantes todas as garantias e o direito a um processo no qual, ao final, deverá ser proferida sentença justa.

Cumpre dizer que o devido processo legal é um princípio de tanta grandeza que não pode ser estudado apenas como assertiva do Direito Processual. Há também um aspecto substantivo no devido processo legal. Segundo Nelson Nery Júnior[64], esta caracterização ocorre com o devido processo legal “atuando no que respeita ao direito material, e, de outro lado, à tutela daqueles direitos por meio do processo judicial ou administrativo”. Registra Nascimento Filho[65]:

 

A superação do devido processo legal observado como de aplicação exclusivamente processual decorreu de maior intervencionismo do Poder Judiciário nos negócios do Estado, o que se convencionou chamar de ‘governo dos juízes’, limitando a atividade estatal.

 

Por fim, salienta-se que o devido processo legal configura, em verdade, autolimitação ao poder estatal, que não pode editar normas que ofendam a razoabilidade e afrontem as bases do regime democrático.

 


[1] ALBERGARIA, Jason. Noções de criminologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. p. 163.

[2] GAROFALO, R. apud GONZAGA, Daniele Maria (Trad.).  Criminologia. São Paulo: Péritas editora. 1997. p. 42

[3] Ibid, p. 42.

[4] SANTOS, Nivaldo. O Crime Organizado e as prisões no Brasil. Disponível em: https://www2.mp.pa.gov.br. Acesso em 08 de outubro de 2017.

[5] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral. Arts. 1[i] a 120 do CP. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.95-96

[6] Ibid. p.95-96.

[7]  LINTZ, Sebastião. O Crime, a violência e a penal. São Paulo: julex livros. 1987, p. 15.

[8] Ibid. p. 18-19.

[9] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002. p. 53.

[10] OLIVEIRA, Marcel Gomes. A história do delito de homicídio. Disponível em: http://www. Âmbito Juridico.com.br. Acesso em 02 de novembro de 2017.

[11] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002. p. 53.

[12] BUENO, Manoel Carlos. Código de Hamurabi, Manual dos Inquisidores, Lei das XII Tábuas, Lei de Talião 2. ed. Leme/SP: CL EDIJUR, 2012. p.28

[13] GONZAGA. João Bernardino. O Direito Penal indígena: à Época do Descobrimento do Brasil. apud  FÜHRER. Maximiliano Roberto Ernesto. História do Direito Penal – (crime natural e crime de plástico). São Paulo: Malheiros, 2005 p. 24.

[14] FÜHRER. Maximiliano Roberto Ernesto. História do Direito Penal – (crime natural e crime de plástico). São Paulo: Malheiros, 2005 p. 24.

[15]  NUCCI. Guilherme de Souza.  Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 642.

[16] BUENO. Paulo Amador Thomaz Alvas da Cunha. História do Direito Brasileiro: Notícia histórica do direito penal no Brasil. Org. Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Atlas, 2003, p. 146

[17] Ibid, p. 146.

[18] Ibid, p. 146.

[19]  Ibid, p. 146.

[20] BUENO. Paulo Amador Thomaz Alvas da Cunha. História do Direito Brasileiro: Notícia histórica do direito penal no Brasil. Org. Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Atlas, 2003, p. 146.

[21] FERLIN, Danielly. Dos crimes passionais: uma abordagem atual acerca dos componentes do homicídio por amor. Disponível em: <http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-penal/166269-dos-crimes-passionais-uma-abordagem-atual-acerca-dos-componentes-do-homicidio-por-amor.html>. Acesso em: 21 de agosto de 2017.

[22] FERRI, Enrico. O delito passional na civilização contemporânea - Campinas, SP: Servanda Editora, 2009. p. 116.

[23] Ibid. p. 116.

[24] Ibid. p. 116.

[25] FERRI, Enrico. O delito passional na civilização contemporânea - Campinas, SP: Servanda Editora, 2009. p 116 .

[26] ARREGUY Marilia Etienne. Os crimes no triângulo amoroso violenta emoção e paixão na interface da psicanálise com o direito penal. Curitiba: Juruá. 2011. p. 134

[27] ALVARES, Marcos Cesar. Bacharéis, Criminologistas e Juristas: saber jurídico e Nova Escola Penal no Brasil (1889-1930), 2001, p.94.

[28] FERLIN, Danielly. Dos crimes passionais: uma abordagem atual acerca dos componentes do homicídio por amor. Disponível em: <http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-penal/166269-dos-crimes-passionais-uma-abordagem-atual-acerca-dos-componentes-do-homicidio-por-amor.html>. Acesso em: 21 de agosto de 2017.

[29]FÜHRER. Maximiliano Roberto Ernesto. História do Direito Penal – (crime natural e crime de plástico). São Paulo: Malheiros, 2005 p. 32.

[30] LOPES, José Reinaldo de Lima.  O direito na história. São Paulo: Editora Max Linonad, 2002. p.297.

[31] ARREGUY Marilia Etienne. Os crimes no triângulo amoroso violenta emoção e paixão na interface da psicanálise com o direito penal. Curitiba: Juruá. 2011. p. 135,136.

[32] ARREGUY Marilia Etienne. Os crimes no triângulo amoroso violenta emoção e paixão na interface da psicanálise com o direito penal. Curitiba: Juruá. 2011. p. 135,136.

[33] ELUF, Luiza Nagib. Crimes Contra os Costumes e Assédio Sexual: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2003. p. 162.

[34] Ibid, p. 162.

[35] ELUF, Luiza Nagib. Crimes Contra os Costumes e Assédio Sexual: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2003. p. 164.

[36] Ibid, p. 164.

[37] ELUF, Luiza Nagib. Crimes Contra os Costumes e Assédio Sexual: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2003. p. 165.

[38] LUISI. Luiz. Direito Criminal. Vol. II. Vários autores. Cord. José Henrique Pierangeli. Belo Horizonte: Del Rey, 2001 p. 112.

[39] ELUF, Luiza Nagib. Crimes Contra os Costumes e Assédio Sexual: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2003. p. 165.

[40] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Tomo II, 25. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 298

[41] Ibid. p. 298.                                                                                                                                                        

[42] SILVA, Bráulio Figueiredo Da. Criminalidade Urbana Violenta: Uma análise. Espaço – Temporal dos Homicídios em Belo Horizonte. UFMG, Belo Horizonte. Disponível em: http: www.crisp.ufmg.br/braulio. Acesso em 12 de junho de 2017.

[43] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.29.

[44] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. p. 41

[45] Ibid p. 41/42.

[46] ALEXANDRE, Alessandro Rafael Bertollo de. O conceito de crime. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2017.

[47] Ibid.

[48] GRACIA MARTIN, Luis. O horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo. Trad. Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: RT, 2007. p. 52.

[49] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 8. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 70.

[50] NUNES, Rizzatto. O princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010 p. 58

[51] Ibid.  p. 58

 

[52] MIRABETE, Julio Fabbrini, Processo Penal. 20, ed, revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A. – 2010. p. 231

[53] Ibid. p. 231.

[54] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. vol 1. São Paulo: Saraiva, 32. ed., 2010. p. 46.

[55] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: revista dos Tribunais, 2006, p. 48.

[56] Ibid. p. 48.

[57] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: revista dos Tribunais, 2006, p. 48.

[58] Ibid, p. 48.

[59] Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: revista dos Tribunais, 2006, p. 162.

[60] Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: revista dos Tribunais, 2006, p. 162.

[61] GRIONVER, Ada Pellegrin et.all. Teoria geral do processo. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 54.

[62] GRIONVER, Ada Pellegrin et.all. Teoria geral do processo. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 54.

[63] LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24.

[64] NERY JR., NELSON. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.p. 33.

[65] NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios constitucionais do processo civil atual. In “Direito, Estado e Sociedade - Revista do Departamento de Direito da Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro. 20. ed. Rio de Janeiro: PUC, jan/jul. 2002. p. 42.

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