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PSICOPATIA SOB A ÉGIDE DA NEUROPSICOLOGIA FORENSE E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O DIREITO CRIMINAL BRASILEIRO


Autoria:

Tiago Dos Santos Falco


Inspetor Penitenciário. Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Vitória - CESV. Pós-graduando em Criminologia, Direito Penal e Processo Penal pelo Centro de Ensino Superior de Vitória - CESV.

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Resumo:

Objetiva-se com esse estudo apresentar informações específicas sobre as causas, origens e desenvolvimento da psicopatia, o comportamento criminal de um psicopata e como ele vem sendo tratado pelas leis, doutrinas e jurisprudências do Brasil.

Texto enviado ao JurisWay em 19/01/2018.



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1. INTRODUÇÃO

 

 

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (BRASIL. Constituição de República Federativa do Brasil, 1988, art.5°, grifo nosso).

 

 

Desde 1988, nossa carta magna consagra como fundamentais o direito à vida e à segurança, imponto ao Estado o dever de tutelar esses direitos.

Moraes (2017, p.47) ressalta que o “direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”.

Ocorre que as relações humanas são eivadas pela violência, o que ocasiona risco a esses direitos, gerando assim a necessidade de meios de controle social altamente formalizados como por exemplo o Direito Penal (BITENCOURT, 2015). Tal direito cria infrações penais e fixa sanções correspondentes, cujo objetivo, além de limitar o poder punitivo estatal (NUCCI, 2015), se manifesta primordialmente como educativo, caracterizado pela sua finalidade preventiva de motivar o indivíduo a não se afastar do cumprimento destas normas (BITENCOURT, op.cit.).

Não obstante, para se chegar a tal controle social com eficiência, faz-se necessário mergulhar em aguas mais profundas, buscando entender o crime como fenômeno social, estudar o criminoso e acima de tudo os motivos que o levaram a delinquir. Nesse contexto, Penteado Filho (2012) destaca que só entendendo o problema criminal é possível desenvolver sua prevenção e interferir no homem delinquente.

É cediço e rotineiramente veiculado pelas mídias que o Brasil apresenta altos índices de práticas e reincidência criminal, aumento progressivo da população carcerária e consequentemente superlotação do sistema prisional, o que nos conduz ao questionamento do que leva o indivíduo a manifestar comportamentos criminosos, comportamentos esses muitas vezes envoltos de perversidades, insensibilidades, ausências de remorso, futilidades que abalam e comovem grande parte da opinião pública. Naturalmente com a incógnita da motivação também vem a da recuperação e da reinserção social desses indivíduos.

Mas como explicar o que motiva a pessoa a práticas de crimes, às vezes tão cruéis? Parte dessa motivação deita raízes no chamado transtorno da personalidade psicopática, comumente conhecida como psicopatia. Quando pensamos em psicopatia primordialmente nos vem à mente imagens sensacionalistas “hollywoodianas” como assassinatos em série cometidos por loucos lunáticos, homicidas de fácil identificação e que adoram provocar e escapar da polícia. No entanto, na maioria esmagadora das vezes não é assim. Silva (2014, p.19) descreve que “os psicopatas, em sua grande maioria, não são assassinos e vivem como se fossem pessoas comuns”, que podem ser encontrados dentre bons amigos, bons políticos, bons amantes e religiosos. Cita ainda que são homens e mulheres que trabalham, estudam, se casam, tem filhos, podendo pertencer a qualquer nível social, credo ou etnia, porém, que por trás dessa aparência humana escondem verdadeiros “predadores sociais” insensíveis, frios, perversos, impiedosos, desprovidos de sentimento de culpa, compaixão e remorso, cuja ambição é apenas status, poder e benefício próprio. E continua: “Em casos extremos, os psicopatas matam a sangue frio, com requintes de crueldade, sem medo nem arrependimento” (SILVA, 2014, p.19).

Em decorrência de toda esta realidade, a questão a ser respondida neste trabalho é: qual a abordagem e o tratamento que é dispensado pelo ordenamento jurídico criminal brasileiro a infratores psicopatas e como esse transtorno, conforme as definições dadas pela neuropsicologia forense, afeta a justiça criminal brasileira?

Justifica-se a indispensabilidade de entender, dentre tantos outros, esse problema em específico, porque segundo o Professor Ph.D. Huss (2011) uma média de 25% ou uma variação de 15 a 30% da população carcerária são psicopatas. Outrossim é que de acordo com a douta psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva (2014) estudos também revelam ser a taxa de reincidência criminal dos psicopatas o dobro se comparado a criminosos comuns e o triplo em crimes associados a violência. Estendendo o pensamento para fora das grades, Silva também menciona que 4% da população em geral possui transtorno de personalidade psicopática. À primeira vista pode não parecer tão preocupante, mas imagine um estádio de futebol como o Maracanã, cuja capacidade é de 60 mil pessoas. Ali poderiam estar concentrados cerca de 1.500 psicopatas. E se formos pensar que para cada 100 pessoas que esbarramos na rua, 04 podem ser psicopatas, é um número bem assustador!

  Opta-se pelas pesquisas bibliográficas de fontes primárias, tais como doutrinas, legislações, jurisprudências e secundárias como livros e manuais específicos ao tema, realizando uma crítica ao direito criminal atualmente em vigor no Brasil no que tange e sua aplicação aos casos do aludido transtorno.

 

2. PSICOPATIA

2.1 Aspectos Conceituais

A palavra psicopata vem do grego psyche (mente) e pathos (doença) podendo significar mente doente ou doença da mente (SILVA, 2014).

É reconhecido oficialmente pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) pelo termo transtorno de personalidade antissocial­­­ – TPAS, estabelecendo o termo psicopatia como sendo um sinônimo (PENTEADO FILHO, 2012).

Entretanto não há um consenso entre tais sinônimos. Serafim et al. (2015) descreve o TPAS ressaltando características de desprezo ás obrigações sociais e falta de empatia para com os outros, enquanto define a psicopatia como sendo um estado agravado da TPAS, englobando indivíduos com importante tendência a práticas criminais, elevado índice de reincidência, conduta antissocial e indiferença afetiva. Seguindo uma linha de diferenciação parecida, o professor Ph.D. Matthew T. Huss (2011) afirma que, ao contrário da psicopatia que compreende também aspectos de cunho interpessoais/afetivos, o TPAS limita-se somente a aspectos comportamentais como mentir, enganar e roubar. Para fins didáticos acompanharemos o entendimento dicotômico destes dois últimos autores, reconhecendo e fazendo uso dessa distinção.

Apesar de, como dito inicialmente, a palavra estar relacionada ao termo doença, não é assim definida na visão tradicional das doenças mentais, uma vez que esses indivíduos não sofrem delírios ou alucinações, não apresentam intenso sofrimento mental, desorientação e tampouco são considerados loucos (SILVA, 2014).

 Silva (2014, p.38) continua:

 

 

seus atos criminosos não provêm de uma mente adoecida, mas sim de um raciocínio frio e calculista combinado com uma total incapacidade de tratar as outras pessoas como seres humanos pensantes e com sentimentos.

 

 

Uma dentre as maiores autoridades no assunto, o psicólogo canadense Robert Hare (apud Silva, op.cit.), afirma que os psicopatas têm a parte cognitiva ou racional perfeita, tendo total ciência de seus atos, sabendo perfeitamente que estão infringindo regras sociais. Traz a luz que sua deficiência está no campo das emoções e dos afetos, sendo indiferente para eles maltratar, ferir ou até mesmo matar alguém que atravesse seu caminho ou interesse, mesmo que a vítima faça parte de seu convívio íntimo.

 

2.2 Aspectos Neurofisiológicos

2.2.1 SISTEMA LÍMBICO: “A ORIGEM DO MAL”

Denomina-se sistema límbico a região do cérebro responsável por todas as emoções de um indivíduo, tais como alegria, tristeza, medo, culpa dentre outros, tendo por principal estrutura a chamada amígdala, que consiste em uma espécie de “botão de disparo” destas emoções (SILVA, 2014).

Paralelamente ao sistema límbico, encontramos os lobos pré-frontais, região cerebral responsável pela razão. “A interconexão entre a emoção (sistema límbico) e a razão (lobos pré-frontais) é que determina as decisões e os comportamentos socialmente adequados” (Ibidem, p.179). Eis o problema!

Tanto Silva quanto Huss (2011) afirmam que, valendo-se de técnicas de neuroimagens, foi constatado que os psicopatas não usam determinadas partes do cérebro, mais especificamente o sistema límbico e a amígdala, quando sob estímulos emocionais, o que não ocorre em indivíduos normais.

Silva (op.cit., p.181) é incisiva:

 

 

sua amígdala deixa de transmitir, de forma correta, as informações para que o lobo frontal possa desencadear ações ou comportamentos adequados. Chegam menos informações do sistema afetivo/límbico para o centro executivo do cérebro (lobo frontal), o qual, sem dados emocionais, prepara um comportamento lógico, racional, mas desprovido de afeto.

 


Consequentemente, suas ações tendem a escolher o que leva a sua sobrevivência e prazer, sempre se valendo da lei da vantagem, modo esse de pensar que sempre privilegia o indivíduo em detrimento do outro ou do coletivo.

 

2.2.2 DIAGNÓSTICO PERICIAL

            O diagnóstico se dá através do psychopathy checklist, ou PCL, um importantíssimo e sofisticado questionário desenvolvido pelo professor e psicólogo canadense Robert Hare em 1991, cujo objetivo vai desde analisar comportamentos antissociais, até aspectos da personalidade ligados aos sentimentos e relacionamentos interpessoais (Ibidem).

Entretanto, Silva, Serafim et al. (2015) alertam: O exame é uma complexa ferramenta, sendo que sua utilização clínica só deve ser feita por profissionais altamente qualificados, visto que os psicopatas são extremamente manipuladores, podendo obter pleno controle de suas respostas e reações. Veremos melhor no capítulo 4 que o que lhes faltam em sentimentos, surpreendentemente lhes sobram em questões racionais.

 

2.2.3 CURA E OU TRATAMENTO

Chegamos a um ponto de elevada importância, porém não tão animador. Huss e Silva relatam que, experimentalmente, foram realizados tratamentos psicoterapêuticos em grupos de psicopatas, onde, além de não serem verificadas melhoras nesses pacientes, foi constatado que eles pioraram!

Isso se dá porque

 

 

as sessões terapêuticas podem muni-los de recursos preciosos que os aperfeiçoam na arte de manipular e trapacear os outros. Embora eles continuem incapazes de sentir boas emoções, nas terapias, aprendem “racionalmente” o que isso pode significar e não poupam tal conhecimento para usá-lo na primeira oportunidade. [...] De posse dessas informações, abusam de forma quase “profissional” do nosso sentimento de compaixão e da nossa capacidade de ver bondade em tudo (SILVA, op.cit, p.187).

 

 

O tratamento dá a eles uma compreensão das emoções dos outros, o que pode transformar os psicopatas em melhores psicopatas ainda (HUSS, 2011, p.107). Psicoterapias são direcionadas às pessoas em intenso desconforto emocional e por mais bizarro que seja, psicopatas estão inteiramente satisfeitos consigo, não apresentando constrangimentos morais ou sofrimentos emocionais, logo, depreende-se que não é possível tratar um sofrimento inexistente. Silva complementa: “não dispomos de nenhum método eficaz que mude a forma de um psicopata se relacionar com os outros” (op.cit., p.186).

 

2.3 Aspectos Psicológicos

2.3.1 CONSCIÊNCA

Com independência da razão, a consciência é uma espécie de “voz secreta da alma” que nos orienta para o bem, nos impulsiona a tomar decisões irracionais, que circunda nossas atitudes cotidianas como perde uma reunião de negócios porque o filho arde em febre, nos motiva a ações de bravura e auto sacrifício por um ideal ou por outras pessoas, entre muitos outros exemplos (Ibidem).

 

 

a consciência é um senso de responsabilidade e generosidade baseado em vínculos emocionais, de extrema nobreza, com outras criaturas (animais, seres humanos) ou até mesmo com a humanidade e o universo como um todo. (Ibidem, p.28, grifo nosso).

 

 

Aduz a autora que os portadores do transtorno não dispõem de determinado sentido, que são isentos de julgamentos morais internos e de constrangimentos, fazendo o que quiserem de acordo com suas vontades destruidoras. Naturalmente, se certo indivíduo é incapaz de sentir emoções, carecerá também da consciência.

 

2.3.2 PERSONALIDADE PSICOPÁTICA

A personalidade retrata a noção de unidade constitutiva de uma pessoa, com todas as suas características peculiares (temperamento, caráter, inteligência...) inclusive seus comportamentos (SERAFIM et al., 2015). Como explicitado até aqui, no caso da psicopatia, esta unidade sempre compreenderá condutas socialmente reprovaveis, o que os impossibilita do convívio em sociedade. Logo a frente esmiuçaremos as principais características dessa personalidade patológica.

 

2.3.2.1 Egocentrismo e Megalomania

Narcisistas, os psicopatas possuem uma visão supervalorizada de seus valores e de sua importância, têm mania de grandeza, fascínio pelo poder, pelo controle e se acham superiores em relação aos demais indivíduos. Essa soberba resulta em total desrespeito e ignorância aos direitos alheios de quem seja visto como uma ameaça aos seus interesses particulares.

 

 

Para os psicopatas, matar, roubar, estuprar, fraudar etc. não é nada grave. Embora saibam que estão violando os direitos básicos dos outros, por escolha, reconhecem somente as suas próprias regras e leis. (SILVA, 2014, p.71).

 

 

2.3.2.2 Sentimento de Culpa

Possuem absoluta e espantosa ausência de culpa sob os efeitos avassaladores de suas condutas, onde, em suas cabeças, a culpa não passa de uma ilusão, um engodo utilizado pelo sistema para controlar as pessoas. Ressalta a psiquiatra que os psicopatas possuem a capacidade de verbalizar, quase que de forma teatral, o remorso, mas suas ações são capazes de contradizê-los rapidamente.

 

2.3.2.3 Empatia

Talvez seja essa uma das características mais marcantes do ser humano, o que torna o indivíduo de fato “humano” no sentido mais filosófico da palavra. A empatia trata-se da “habilidade de se colocar no lugar do outro, ou seja, de vivenciar o que a outra pessoa sentiria caso estivéssemos na situação e circunstância experimentada por ela” (Ibidem, p.75). É a capacidade de sentir as dores, as felicidades, as tristezas, todas as emoções que incidam sobre nossos pares. Infelizmente, esse sentimento não passa nem perto do “coração” de um psicopata. Silva declara que eles são plenamente indiferentes as paixões e aflições alheias, ainda que se tratem de seus familiares, que em razão dessa ausência de empatia são capazes de torturar e mutilar suas vítimas com a mesma sensação de quem “fatia um filé-mignon”. O frio e a escuridão circundam suas almas.

 

2.3.2.4 Medo

Enquanto que para maioria da população, o medo desencadeia uma série de sensações físicas desagradáveis, para os psicopatas é algo superficial, incompleto e não manifesta qualquer alteração corporal.

 

 

Alguns presidiários identificados como psicopatas foram submetidos à visualização de cenas de conteúdo chocante. Esse conjunto de imagens editadas mostrava, entre outras coisas, corpos decapitados, torturas com eletrochoques, crianças esquálidas com moscas nos olhos e gritos de desesperos. Enquanto as pessoas comuns ficariam arrepiadas e com reações físicas de medo só de imaginar tais situações, esses psicopatas não apresentaram sequer variação dos batimentos cardíacos. (SILVA, 2014, p.81).

 

 

Mas qual seria a importância do medo na vida de um ser humano? Além de influenciar de forma preventiva na prática de atitudes que possam causar arrependimentos posteriores, também inibi tais comportamentos pelo receio das consequências.

Destaco aqui que a ausência deste sentimento afeta diretamente o caráter educativo do sistema penal brasileiro da forma como é projetado, além dos moldes atuais de readaptação social dos apenados.

 

2.3.2.5 Senso Moral

A algum tempo atrás, predominava a ideia de que a capacidade humana de fazer a distinção entre o certo e o errado era aprendido nas relações interpessoais, que a única maneira de indivíduos se tornarem morais seria através da educação e do condicionamento social. Entretanto a autora, abrindo uma lacuna nesse absolutismo sociológico, destaca que estudos mais recentes revelam que a retidão comportamental, as noções básicas do que é justo, a capacidade de avaliação moral humana viera com a própria seleção natural. Ilustra ainda que as referidas capacidades são como se já viessem certificadas de fábrica.

 

 

Em 2007, Felix Werneken e seus colaboradores do Instituto Max Plank de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, realizaram o seguinte experimento: colocaram um chimpanzé em uma jaula em que o animal pudesse observar duas pessoas que simulavam uma discussão. Uma delas estava mais exaltada e, com um tapa, derrubou um pequeno bastão que a outra tinha na mão. Esse objeto, ao cair no chão, rolou e foi parar aos pés do chimpanzé, próximo à jaula. Sem nenhum envolvimento com aquele conflito entre humanos e sem receber nada em troca, o primata não hesitou em agir: pegou o bastão e o devolveu ao seu dono. [...] para ele era a coisa certa a fazer. (SILVA, 2014, p. 170).

 

 

Outras duas experiências que reforçam a tese do senso moral inato foram realizadas.

 

 

No primeiro caso, um macaco precisava acionar uma alavanca localizada dentro de sua jaula para que a porta de outra jaula se abrisse e desse passagem para que um “colega” pudesse alcançar seu alimento. Apesar de não receber nenhuma recompensa com o ato, o macaco não poupou esforços em praticar a boa ação e alimentar seu colega de espécie. (SILVA, 2014, p. 171).

 

 

 O segundo caso

 

 

está relatado no livro Eu, primata, de Frans de Wall (primatólogo da Emory University, Atlanta, Estados Unidos): no zoológico de Twycross (Reino Unido), uma fêmea de bonobo viu um passarinho se ferir ao se chocar contra uma parede de vidro de sua jaula. Ao observar o pássaro, a primata tentou colocá-lo em pé, mas não obteve sucesso. Tentou, então, outra estratégia: pegou o pássaro com muito cuidado, subiu numa árvore, abriu as asas dele com os dedos e tentou fazê-lo voar tal qual um avião de papel. O pássaro, ainda muito fraco, acabou por aterrissar dentro da jaula, sem conseguir se erguer. Foi então que a fêmea de bonobo decidiu montar guarda ao lado do pássaro simplesmente para protegê-lo de seus colegas de cativeiro. No final do dia, o pássaro conseguiu se reerguer e saiu voando. Apenas nesse momento a primata largou seu “posto de solidariedade”. (Ibidem).

 

 

Os experimentos demonstram um senso moral de nascença, o qual se manifesta deixando perceptível a carga emocional que gira em torno dos comportamentos apresentados pelos animais. Obviamente, com o déficit sentimental que o psicopata possui, oriundo de sua disfunção neurofisiológica congênita, e levando-se em consideração que um comportamento socialmente aceitável deriva da influência das emoções sob a razão, não há que se falar em senso moral conato nesses indivíduos.

 

2.3.2.6 Superficialidade e Eloquência

Psicopatas conseguem ser muito espirituosos, articulados e, se lhes interessarem, desenvolver conversas divertidas e agradáveis devido a alta habilidade que eles têm de se informar em variados assuntos, porém, quando testados por especialistas, revelam a superficialidade de seu conteúdo. A douta psiquiatra chama atenção para a total falta de preocupação ou constrangimento que eles exibem ao serem desmascarados, além de apresentarem extrema tranquilidade nestas ocasiões.

Essas características propiciam que se tornem exímios praticantes de crimes como estelionato, corrupção, fraudes, falsidade ideológica, entre outros.

 

2.3.2.7 Mentiras, Trapaças e Manipulações

Diferentemente das mentiras corriqueiras, a mentira psicopática é praticada de forma contumaz, fria, calculada, olhando nos olhos das pessoas sem qualquer introversão. São tão hábeis em mentir, que as vezes se utilizam de pequenas verdades para ganharem credibilidade, podendo enganar até os especialistas mais experientes, reforça a autora.

Tamanha habilidade demonstra tamanha periculosidade e estrago que esses indivíduos podem causar a sociedade se não sofrerem um devido e eficiente tratamento penal.

 

2.3.2.8 Impulsividade

Serafim et al. (2015, p. 249) conceitua a impulsividade como sendo uma “falha em resistir a um impulso, instinto ou tentação que é prejudicial à própria pessoa ou a outros”. A impulsividade psicopática está sempre voltada a satisfação e prazeres próprios, a alívios imediatos, sem qualquer interferência de culpa ou arrependimento e sem nenhuma preocupação com as consequências negativas futuras (SILVA, 2014). Egoisticamente só se preocupam em viver o presente, pouco importando se seus atos vão prejudicar a sociedade ou se acarretam alguma sanção de ordem penal.

 

2.3.2.9 Deficiência de Autocontrole

Psicopatas são extremamente descontrolados, facilmente se ofendem por motivos fúteis reagindo as frustrações com ameaças e violências gratuitas. Salienta a psiquiatra que ao mesmo tempo que sua agressividade é intensa na expressão é indigente na emoção, o que facilita sua rápida recomposição.

 

2.3.2.10 Necessidade de Excitação

Intolerantes ao tédio e rotinas, buscam desenfreadamente situações que os mantenham em estado permanente de alto frenesi, onde acabam por se envolver em situações ilegais, agressões físicas, uso de drogas, desrespeitos a autoridades, direção perigosa, entre outros.

 

2.3.2.11 Falta de Responsabilidade

Psicopatas possuem desprezo por obrigações, não honram compromissos com outras pessoas, facilmente fazem uso indevido de recursos e ou violam políticas de seus trabalhos. No que tange a famílias e amigos, a autora afirma que eles os constituem para construir uma boa imagem perante a sociedade e que não hesitam em usá-los para se safarem de situações difíceis ou auferir vantagens.

 

2.3.2.12 Problemas Comportamentais Precoces

Psicopatas nascem psicopatas e assim permanecem durante toda a sua vida, não havendo possibilidade de um indivíduo se tornar psicopata por mera vontade ou por influência do meio social.

Destaca a psiquiatra que desde muito cedo eles começam a manifestar déficits comportamentais como mentiras recorrentes, violência, roubos, vandalismos, assédio psicológico, bullying, entre outros.

 

2.3.3 COGNIÇÃO X EMOÇÃO: A FÓRMULA DO COMPORTAMENTO SOCIAMENTE ACEITÁVEL

Enquanto descreve a cognição como sendo a capacidade de o sujeito adaptar-se ao ambiente, valendo-se de funções como razão, atenção, raciocínio, planejamento, pensamento, entre outros, Serafim et al. (2015) afirma que a emoção é um fenômeno que exerce importante influência sobre o comportamento humano. A influência das emoções sob a cognição “demandam respostas possíveis, adequadas ou não, que um organismo pode expressar em determinada situação e que, no contexto forense, podem ser imprescindíveis para a tomada de decisão” (Ibidem, p.119). Os autores afirmam, em síntese, que a emoção facilita o processo de tomada de decisão, guiando a cognição e que esse processo é incisivo para a adaptação do indivíduo ao meio.

No mesmo sentido, Silva (2014) afirma que as emoções servem como se fossem um balanceamento se equilibradas com a razão, sendo determinantes para os comportamentos e decisões socialmente aceitáveis.

Como já vimos exaustivamente até aqui, essa fórmula não se completa na cabeça dos psicopatas. Ao mesmo tempo que eles possuem uma cognição perfeita, são deficitários em relação as emoções, e o resultado residual são comportamentos extremamente racionais, frios, calculistas e individualistas.

 

2.3.4 MEIO SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM A PSICOPATIA

A princípio, como já vimos até aqui, o ambiente em nada influência em uma pessoa ser ou se tornar psicopata, pois o indivíduo já nasce assim. Entretanto, Silva (2014) afirma que aspectos de nossa sociedade como a banalização do mal, a inversão de valores morais, a cultura da esperteza comumente chamada de “jeitinho brasileiro” e a forma psicopática que alguns cidadãos normais adotam em seus relacionamentos, favorecem diretamente a criação de um terreno fértil para que os psicopatas pratiquem suas habilidades destrutivas despreocupados e isentos de importunações.

 

 3. PSICOPATIA NO DIREITO PENAL: A CULPABILIDADE DE UM PSICOPATA

3.1 Imputabilidade

            De acordo com Greco (2017, p.169, grifo nosso), a culpabilidade “diz respeito ao juízo de censura, de reprovabilidade que se faz sobre uma conduta típica e ilícita praticada pelo agente”. E continua: “Reprovável ou censurável é aquela conduta levada a efeito pelo agente que, nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo”.

            No mesmo sentido, Miguel Reale Júnior citado por Greco (2017, p.169, grifo nosso) reforça que “reprova-se o agente por ter optado de tal modo que, sendo-lhe possível atuar em conformidade com o direito, haja preferido agir contrariamente ao exigido pela lei’.

Os autores reconhecem que, para uma responsabilização penal e suas respectivas sanções, não basta apenas que uma determinada conduta esteja descrita como crime e nem que o agente a tenha praticado sem um motivo permitido por lei, mas que o agente seja imputável, que tenha agido em plena consciência e capacidade de entender que seus atos eram delitivos. Nucci (2017, p.190) descreve imputabilidade como sendo “o conjunto de condições pessoais que darão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível”. Segundo o autor trata-se de um dos elementos da culpabilidade, que se verificado, enseja a responsabilização penal. Cunha (2016) complementa dizendo que o Estado só poderá impor sanção penal ao agente que tenha potencial consciência da ilicitude e que pudesse, ao tempo do fato, agir de outra forma e não o fez.   

Os referidos conceitos, principalmente os grifados, inferem que a imputabilidade de um ser humano, neste caso do psicopata, encontra-se correlacionada a sua cognição, ou seja, a sua decisão de agir, de preferir atuar de certo modo, de ser racional, exigindo-se assim, que esta cognição opte por uma atuação em conformidade com a lei. Decidindo pelo contrário, o psicopata estará passivamente sujeito a responsabilização penal pela prática de conduta criminal e suas possíveis sanções.

 

3.2 Inimputabilidade

A culpabilidade admite para sua exclusão e para isentar o agente de sanção o chamado instituto da imputabilidade previsto no Código Penal Brasileiro, vejamos:

 

 

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL. Decreto-Lei 2.848, 1940, art.26).

 

 

Bitencourt (2015) menciona que, para o reconhecimento do instituto da inimputabilidade o agente deve reunir aspectos indispensáveis como o biológico, que consiste na doença mental, e psicológico, sendo este a falta de capacidade de entender e de autodeterminar-se de acordo com esse entendimento. Como bem exaurido anteriormente a psicopatia não é doença mental, tampouco diminui ou torna o indivíduo incapaz, uma vez que este goza de plena capacidade cognitiva. Trata-se de um transtorno de personalidade que torna o sujeito deficientemente limitado no campo das emoções, o que sob o conceito de Bitencourt, inviabiliza a aplicação do instituto da inimputabilidade nos casos envolvendo psicopatas. Seguindo o mesmo entendimento, Nucci (2017, p.192, grifo nosso), de forma sucintamente cirúrgica, abrilhanta esse acalorado debate dizendo que “anomalias de personalidade [...] não excluem a culpabilidade, pois não afetam a inteligência, a razão, nem alteram a vontade”, logo não se vislumbra a exclusão de culpabilidade.

O Código Penal prevê que

 

 

Não excluem a imputabilidade penal:

I – a emoção ou a paixão. (BRASIL. Decreto-Lei 2.848, 1940, art.28, grifo nosso).

 

 

Com tal enunciado o referido diploma legal deixa claro que o estado emocional é irrelevante para fins de aferição de culpabilidade, ou seja, o indivíduo aqui é analisado deixando de lado suas emoções, como se elas não existissem. Em grossas palavras, é como se o aludido código tratasse todos os imputáveis como se psicopatas fossem, logo, não nos parece nem de longe razoável e lógico cogitar a aplicação do referido instituto a psicopatas, pois estaríamos dando um tratamento atípico a tais indivíduos.

 

3.3 Semi-Imputabilidade

            Previsto no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, este instituto, ao contrário da inimputabilidade, não visa excluir a culpabilidade do agente, tampouco isenta-lo de pena, prevê apenas a sua redução caso o agente esteja acometido de alguma perturbação ou retardo mental.

 

 

Art. 26. [...]

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL. Decreto-Lei 2.848, 1940, art.26, parágrafo único, grifo nosso).

 

 

Segundo Nucci (2017, p.194) tal perturbação “não deixa de ser também uma forma de doença mental, embora não retirando do agente, completamente, a sua inteligência ou vontade. Partindo deste conceito, não se depreende que psicopatas fazem jus a este benefício de diminuição, pois como já visto exaustivamente, a psicopatia não se classifica como uma moléstia mental, muito menos afeta a capacidade de entendimento do indivíduo.  

           

4. JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRA: PSICOPATAS NO BANCO DOS RÉUS

4.1 Ademar de Jesus da Silva, o “Maníaco de Luziânia”

O pedreiro Ademar de Jesus da Silva, 40 anos, foi protagonista de uma barbárie no estado de Goiânia, cometendo o crime de atentado violento ao pudor contra duas crianças, e posteriormente o homicídio de seis. Entenda o caso:

 

 

2 de novembro de 2005
Ademar de Jesus Silva cometeu o primeiro crime sexual, contra dois meninos de 11 e 13 anos no DF.
10 de fevereiro de 2006
O juiz Gilmar Tadeu Soriano, da Segunda Vara Criminal de Taguatinga, condenou o pedreiro a 15 anos de prisão em regime fechado.
6 de setembro de 2007
Os desembargadores da Segunda Turma Criminal do TJDFT acataram parcialmente a apelação da defesa de Ademar para diminuir a pena do preso, que caiu para 10 anos e 10 meses de reclusão.
28 de maio de 2008
Ademar foi submetido a uma avaliação psicológica com três profissionais. Ao final da consulta, os psicólogos apontaram que: “Entre suas características de destaque, citamos conflitos sérios que favorecem a prática de delitos sexuais. Há sinais inclusive de sadismo, uma perversão sexual em que a busca de prazer se efetua através do sofrimento do outro e de transtorno psicopatológico”. O grupo recomendou a imediata avaliação psiquiátrica do preso e de tratamento psicológico semanal.

18 de maio de 2009
O relatório da médica Ana Cláudia Sampaio informou que Ademar foi avaliado por ela uma única vez e que demonstrava não possuir doença mental nem necessitar de medicação controlada.

9 de novembro de 2009
A promotora Cleonice Maria Resende Varalda pediu uma nova avaliação psiquiátrica do preso para verificar se persistiam os transtornos de sexualidade apontados no exame criminológico, para, só então, o Ministério Público se manifestar sobre a progressão para o regime aberto.
18 de dezembro de 2009
O juiz Luiz Carlos Miranda concedeu o benefício de progressão de regime, permitindo que Ademar cumprisse o resto da pena em domicílio. O magistrado considerou os outros laudos suficientes e não mandou realizar novo exame criminológico. Diante desse argumento, o MP manifestou-se favorável ao benefício.
23 de dezembro de 2009
Ademar aceitou as condições do regime aberto e foi posto em liberdade. (FILGUEIRA, 2010).

 

 

Uma semana após a concessão da liberdade, Ademar cometeu o primeiro do total de 06 homicídios contra jovens, todos do sexo masculino, o qual veio a confessar ulteriormente (FILGUEIRA, 2010). Ressalta o autor que o psicopata já tinha um mandado de prisão expedido na Bahia por tentativa de homicídio.

            Observa-se que o caso seguiu toda a persecução penal de um criminoso imputável, previsto no nosso ordenamento jurídico penal. O réu foi considerado culpável, sofreu o devido processo legal, sentenciado com a devida pena e ainda beneficiado com as progressões de regimes contidas na lei n° 7.210/84 denominada Lei de Execução Penal. Ainda assim, nossos preceitos legais não foram o suficiente para salvaguardar o direito à vida dessas crianças. O próprio juiz do caso se lamentou por não poder punir criminosos desta natureza com mais rigor, chegando a defender na época a mudança da lei para que se admitisse a pena de prisão perpétua (FILGUEIRA, 2010).

 

4.2 Francisco Costa Rocha, o “Chico Picadinho”

 

 

Em agosto de 1966, Chico conheceu Margareth Suida, bailarina austríaca, com 38 anos de idade. Após beberem em um bar, convidou a pretendente para ir ao seu apartamento. [...] durante a relação sexual, Chico avançou sobre o corpo de Margareth, pegando-a pelo pescoço, e, em seguida, enforcando-a com um cinto, ceifando a vida da breve amante. Por não achar a chave do quarto, Chico arrombou a porta e arrastou a ofendida até o banheiro do apartamento, colocando-a na banheira.

Naquele momento, retirando os mamilos de Margareth com uma gilete, Chico iniciou a retaliação: seios, pélvis, músculos, nádegas, alguns jogados em baldes de plástico, outros no vaso sanitário. A perícia constatou que a vítima foi atingida nas regiões dorsal direita, glútea direita, perianal, parte anterior do pescoço, torácica, abdominal, pubiana, coxa esquerda, braço e antebraço esquerdo.

Após o ato, exausto, Francisco acordou no sofá da sala. [...] não demorou muito para a polícia, sem qualquer sinal de resistência, prender Chico – no dia 05 de agosto de 1966.

[...] Assim, Francisco foi condenado a 18 anos de reclusão por homicídio qualificado, somados a mais 2 anos e 6 meses pela destruição do cadáver. Posteriormente, teve a pena comutada para 14 anos e 4 meses de reclusão. [...] Em 1974, oito anos após o primeiro crime, obteve a liberdade, tendo o parecer realizado pelo Instituto de Biotipologia Criminal excluído o diagnóstico de personalidade psicopática.

[...] dois anos e cinco meses após obter a liberdade, Francisco veio a cometer o segundo homicídio, em 1976. Em uma lanchonete conheceu Ângela, prostituta com 34 anos. No apartamento de um amigo de Chico, enquanto mantinha relações sexuais, Ângela foi morta por estrangulamento e a história se repetiria. Chico buscou dar um fim ao corpo da nova vítima; pegou uma faca, um canivete e um serrote. Tirou os seios, abrindo-os pelo ventre, e jogou as vísceras no vaso sanitário, que não demorou a entupir. Retirou os olhos de Ângela e retalhou a boca para diminuir o tamanho do crânio. Colocou os membros em sacos plásticos e malas. Cansado, adormeceu no sofá. Após, fugiu do local, buscando encontrar um velho companheiro de cela que poderia ajudá-lo. Todavia, Francisco, ainda procurando uma saída, foi surpreendido pela polícia e preso novamente.

[...]Em julgamento, a Defesa alegou que o motivo do crime não seria torpe, salientando que Francisco sofria de insanidade mental. Nesse momento, o acusado, após examinado, foi considerado semi-imputável, por se tratar de portador de personalidade psicopática de tipo complexo. Mesmo assim, o Conselho de Sentença condenou Francisco – por quatro a três – a 22 anos e 6 meses de reclusão.

No ano de 1994, Francisco foi submetido a exame psiquiátrico detalhado, o qual culminou na instauração de incidente de sanidade mental e na consequente remoção do mesmo para a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, com o intuito de obter tratamento médico. O Ministério Público, por sua vez, pediu a decretação de interdição em estabelecimento psiquiátrico de regime fechado.

[...] embora extinta a punibilidade na data de 07 de junho de 1998 (inclusive com expedição de alvará de soltura e sentença reconhecendo a extinção da punibilidade), Chico permaneceu sob custódia por força de liminar concedido nos autos do pedido de interdição, que, por sinal, foi julgado procedente em 14 de dezembro de 1998, decretando-se a interdição de Francisco Rocha.

A defesa ainda lutou pela obtenção da liberdade, em razão do cumprimento total da pena, mas o STF, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 82.924-4/SP, negou provimento, por unanimidade de votos (LEMOS et al., 2016).

 

 

Semelhantemente ao caso anterior, Francisco também recebeu a devida persecução penal admitida no direito, entretanto, se sucedeu uma novidade: pelo segundo homicídio foi considerado semi-imputavel por ser portador de psicopatia. Por fim, o psicopata obteve sentença reconhecendo a extinção de punibilidade, encerrando assim a tutela do direito penal ao caso, o qual inclusive culminou com alvará de soltura. Nos chama atenção que após o sucedido, esse homicida frio e cruel estaria de volta as ruas para cometer outros delitos, não fosse o parquet valendo-se de matéria cível para sanar tal limitação do ordenamento criminal.

            Apesar de não ser proposito dessa pesquisa a discussão sob o prisma do direito civil, cumpre apresentar, mesmo que de forma sintética, que atualmente seria um equívoco, com base na Lei 10.216/01, admitir-se uma internação nestes tipos de casos. Apesar da referida lei trazer consigo a hipótese de o procedimento recair sobre “transtornos mentais”, o diploma não apresentou o conceito legal para esse termo utilizado. Ao mesmo tempo, em seus artigos 6° e 8°, submete o procedimento de internação ao requisito de laudo e autorização de médico devidamente registrado em seu conselho. Ora, se a responsabilidade recai sobre profissional médico, sendo este competente para tratar doenças mentais, depreende-se que não estamos falando de “transtorno mental” em seu sentido literal, mas como sinônimo para doença mental. Obviamente, como apresentado anteriormente no caso de Luziânia, o laudo médico virá atestando a ausência de doença, porque não o é, portanto não se cumpre os requisitos da Lei 10.216/01.

 

5. CONCLUSÃO

 Diante do exposto, conclui-se que a psicopatia, como transtorno de personalidade congênito, incurável e intratável, revela-se, sob o ponto de vista doutrinário, como um distúrbio mental não alcançado pelas excludentes de culpabilidade, ou seja, que psicopatas são perfeitamente imputáveis, entretanto, na prática, a jurisprudência ainda assim vem tratando o assunto com divergência. Depreende-se também que a legislação penal brasileira é limitada em munir a justiça criminal com alternativas para uma prestação jurisdicional eficiente nestes casos, haja visto que autoriza a reinserção social desses indivíduos até então não reintegráveis, extremamente perigosos e com altas taxas de reincidências criminais, e por consequência incapacita assim o Poder Judiciário de garantir a tutela da segurança pública e acima de tudo da inviolabilidade do direito à vida.     

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 ago. 2017.

 

BRASIL. Decreto Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 24 ago. 2017.

 

BRASIL. Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2017.

 

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. 4. ed. Salvador: Juspodvim, 2016.

 

FILGUEIRA, Ary. Magistrado responsável pela soltura do assassino confesso dos seis jovens de Luziânia garante ter seguido à risca a lei, 2010. Disponível em:>. Acesso em: 27 out. 2017.

 

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017.  

 

HUSS, Matthew T. . Psicologia forense. Porto Alegre: Artmed, 2011.

 

LEMOS, Eduardo Dallagnol et al. Chico Picadinho: o que seu caso demonstra?, 2016. Disponível em:< https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/361632221/chico-picadinho-o-que-seu-caso-demonstra>. Acesso em: 03 nov. 2017.

 

LEMOS, Eduardo Dallagnol et al. Chico Picadinho: o novo julgamento, 2016. Disponível em:< https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/361923548/chico-picadinho-o-novo-julgamento>. Acesso em: 03 nov. 2017.

 

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

 

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

SERAFIM, Antonio de Pádua et al. Neuropsicologia forense. Porto Alegre: Artmed, 2015.

 

 

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. 4. ed. São Paulo: Globo, 2014.

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