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"Currículo Cego"


Autoria:

Renato Monteiro Santiago


Advogado. Professor de Direito e Processo do Trabalho. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista-UNIP

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Resumo:

"Currículo Cego": uma ferramenta contra a discriminação ao trabalhador.

Texto enviado ao JurisWay em 20/05/2017.



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“Estrangeiro, gordo, ‘morenote’ (termo espanhol insultuoso para se referir à raça/etinia, origem ou cor), parece o Pancho Villa”. Esse comentário de cunho manifestamente pejorativo e xenofóbico, com clara alusão à raça e etnia, apareceu anotado em um currículo encontrado por um jornalista na rua, jogado no lixo, de uma rede de supermercados espanhola, juntamente com outros 250 currículos com anotações semelhantes.  Tal fato veio à luz após ser revelado pelo jornalista em uma rádio de alcance nacional, o que custou o emprego do responsável pela contratação e abalou a reputação da empresa.

Visando coibir práticas discriminatórias no processo seletivo de trabalho países como Reino Unido, Alemanha, França, Finlândia, Espanha, Suécia e Países Baixos instituíram um programa piloto denominado “currículo cego” (“CV blind” ou “currículum ciego”). Trata-se de um projeto piloto em que as empresas recebem currículos em que não se faz referência a aspectos como nome, apelido, idade, sexo e aparência física dos candidatos.

A experiência pioneira da política de seleção, baseada no “currículo cego”, partiu de um escritório de advocacia, no Reino Unido, no ano de 2014[1].

Indubitavelmente o currículo é a credencial para o inicio de uma relação de trabalho, pois é através dele que se obtém (ou não) a oportunidade de uma entrevista de emprego possibilitando ao trabalhador a demonstração da formação, experiência, habilidades e potencial para a função a que o trabalhador se candidata.

De forma não muito distinta do que ocorre nos países citados, é muito comum no mercado de trabalho brasileiro que profissionais qualificados sejam descartados do processo seletivo nessa primeira fase, sem sequer ser convocados para uma entrevista, em virtude de idade, sexo, idade, aparência física, raça, origem, condição econômica ou social.

O Jurista e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado conceitua discriminação como “conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada”. Em outras palavras a discriminação é um preconceito, rejeição, intolerância, hostilidade, um juízo desqualificador de uma pessoa em razão de uma característica.

Ainda, o referido jurista afirma que a discriminação trabalhista pode ocorrer “no instante da contratação, durante o exercício do contrato e também ao largo da extinção do contrato de trabalho”.

A Constituição Federal prima pelo tratamento da pessoa humana com dignidade (art. 1º, inciso III, CF), e isonômico (art. 5º, “caput”) rechaçando veementemente práticas discriminatórias em diversos dispositivos, em especial, no que tange a relação de trabalho, o seu art. 7º que veda a diferença de salários, de critérios exercícios de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (XXX), de salários e critérios de admissão ao trabalhador com deficiência (XXXI).

Nesse sentido a nossa Lei Maior estabelece proteções antidiscriminatórias contra a mulher como, por exemplo, igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres (art. 5º, I)  proteção do mercado de trabalho da mulher (art. 7º, XX), contra o trabalhador menor de 18 anos (art. 7º, XXX), contra os estrangeiros (art. 5º, “caput”, CF), contra trabalhador com deficiência (art. 7º, XXXI), contra o portador de doença grave ou que cause estigma ou preconceito (art. 3º, IV), dentre outras.

Além disso, a Constituição garante o trabalho como um direito social (art.6º), isto é, direitos de segunda dimensão que se mostram como prestações positivas a serem implementadas pelo Estado Social de Direito com o escopo de concretizar a igualdade substancial e social para o estabelecimento de melhores condições de vida[2].

Segundo José Afonso da Silva, citado prelo Ilustre Prof. Pedro Lenza, os direitos sociais “disciplinam situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto”, sendo que “os direitos econômicos constituirão pressupostos da existência dos direitos sociais, pois sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia não se comportarão as premissas necessárias ao surgimento de um grande regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e dos mais numerosos”.[3]

Sem dúvida o direito ao trabalho é essencial para assegurar a todos uma existência digna, devendo o Estado implementar políticas econômicas que permitam a busca plena pelo emprego (art. 170, VII, CF), ressaltando-se que se trata, inclusive, de um direito fundamento da República (art. 1º, IV).

Vemos, portanto, que o “currículo cego” é uma forma de resguardar a busca plena pelo emprego, a dignidade da pessoa humana, sobretudo, tenha a oportunidade de ingressar ou retornar ao mercado de trabalho sem ser discriminado no primeiro ato de seleção.

É necessário dizer, por fim, que muito embora não seja o foco, se o pretenso empregado for discriminado durante essa fase inicial pelo empregador, incontestavelmente poderá ajuizar reclamação trabalhista para reparação de danos daí decorrente. A prática discriminatória antes da formação do contrato de trabalho é denominada pela doutrina de dano pré-contratual, sendo amplamente reconhecida pela Justiça do Trabalho.

Referências:

El País – jornal eletrônico  -http://economia.elpais.com/economia/2017/05/11/actualidad/1494503283_903495.html

Independent – jornal eletrônico - http://www.independent.co.uk/student/news/exclusive-law-firm-clifford-chance-adopts-cv-blind-policy-to-break-oxbridge-recruitment-bias-9050227.html 

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15.ed. São Paulo: LTr, 2016.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

 



[2] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

[3] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Pág. 1280

 

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