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É legal o corte de salário em decorrência de greve no serviço público?


Autoria:

Maykell Felipe Moreira


Licenciado em Direito pela Faculd. de Direito do Vale do Rio Doce. Advogado administrativista, do Consumidor, e Concursos. Servidor Público Federal. Ocupou funções de Chefe de Seção Especializada de Benefícios e Sub-Gerente em Unidade da Previdência.

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Resumo:

Abordagem crítica da greve no serviço público sob a égide do RE 693.456/RJ e no MI 708-0 DF.

Texto enviado ao JurisWay em 13/12/2015.

Última edição/atualização em 22/03/2016.



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A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso 'x', dispõe que, a remuneração dos servidores públicos deverá ser "revisada de forma anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices", isso para que lhe seja preservado o valor real da moeda, ou, o poder atuarial, nos emprestando da expressão do art. 40. Mas, afinal, o que é isso? Bem, existe um 'monstrinho' econômico chamado 'inflação', que faz com o preço de todos os insumos e bens de consumo sofram, todos os anos, majoração nos seus preços, e com isso, o poder de compra dos brasileiros acaba por ser mitigado, e é também por esse motivo que ocorrem os reajustes do 'salário mínimo' anualmente, aliás, de modo ínfimo, diga-se de passagem.

O problema é que o reajuste dos servidores públicos - assim como ocorre com aposentados e pensionistas - jamais acompanha o salário mínimo nacional, nem tão quanto acompanha o índice médio de inflação. Com isso, os preços dos bens consumíveis como alimentação, combustível, prestação de serviços básicos como água, energia, telefone, assistência à saúde, educação, são elevados a um certo percentual pecuniário considerável, todavia, a fonte de custeio desses produtos permanece inalterada, sem qualquer modificação ou recomposição, e assim, o comando constitucional cito é desrespeitado e se inicia o chamado processo de 'defasagem salarial', onde o provento termina antes do próprio mês, mal cobrindo as despesas básicas.

Aquele valor pecuniário que, apesar das dificuldades, antes custeava todas essas coisas, agora passa a não custear nem a metade delas. Imaginemos o seguinte exemplo: Um servidor que recebe mil reais mensais, gasta quinhentos com alimentação, trezentos com moradia, cem reais com água e outros cem reais com energia. Por óbvio que esse indivíduo não tem um plano de saúde, seu filho estuda em escola pública, e usa normalmente o SUS, sem contar que lazer para ele significa levar a família uma vez por mês na sorveteria - com direito a uma bola para cada um, nada mais. Agora, imagine que, se passou um ano, e a água subiu para cento e cinquenta reais, a luz que antes era cem reais, foi para duzentos, e a feira do mês passou a somar setecentos reais, o proprietário da casa, por sua vez, resolveu aumentar o aluguel para quinhentos reais, afinal, as despesas dele também subiram e o referido também precisa se readequar à nova realidade. Observe, que esse servidor permaneceu a receber exatamente os mesmos mil reais de salário, por outro lado, as suas contas agora somam um total de 'um mil, quinhentos e cinquenta reais'.

A solução encontrada, de início, por esse servidor, em regra, tem como premissa básica a adoção de condutas paranóicas e desesperadas do tipo 'começar a apagar todas as luzes da casa - mesmo quando há pessoas na sala de televisão -, recolher água no balde para tomar banho, nada de chuveiro quente, substituição do arroz e feijão por um de menor qualidade, ao invés de carne vermelha, asas e sobrecoxas de frango, e porque não ovos cozidos durante toda a semana?! Ele então resolve deixar o seu 'Gol ano 2004/2005' na garagem (cor prata - placa 'vende-se'), e passa a usar apenas a 'motocicleta', dado esta ser mais econômica, mas ao observar que não surte os efeitos desejados, resolve que o melhor mesmo é deixar também a motocicleta na garagem, porque a gasolina está um absurdo, e afinal, uma caminhada faz bem a todo mundo, e assim, vai o nosso amigo servidor tentando apertar as suas novas despesas inflacionadas dentro do seu mesmo salário de dois ou três anos atrás.

Entretanto, chega um momento, que isso começa a ficar impossível de ser suportado, resultando num verdadeiro efeito cascata, e este servidor acaba recorrendo a bancos e financeiras, se endividando todo, e uma hora, muda os filhos de escola, aliena o 'Gol 2005' assim como o faz com a velha motocicleta 125, sai da casa para um barraco, e então decide que não dá mais pra viver dessa forma e precisa fazer algo, afinal a Constituição lhe garante o direito de viver dignamente. Ora, se o trabalho que ele fazia ontem tem o mesmo valor daquele que faz hoje, porque o seu salário já não vale mais a mesma coisa? Onde está a 'revisão salarial anual', onde está o 'equilíbrio econômico dessa relação'? Nesse momento, a classe se reúne, procura o sindicato da categoria que tenta negociar a situação com o Poder Público, mas este inflexível, alega as mesmas 'chorumelas' de sempre: as contas estão apertadas, a arrecadação foi menor que no ano passado, os senadores precisaram trocar os seus carros importados, gastou-se muito com o carnaval, as reformas superfaturadas engoliram a verba pública, os desvios na merenda escolar levaram tudo, e infelizmente, não sobrou para o pessoal da 'linha de frente', para os carregadores de piano, e a partir daí, sem negociações, nasce a greve, temática que passaremos a tratar agora, mais especificamente no que tange aos cortes salariais durante o movimento reivindicatório e a sua abusividade como forma de frustrar o referido direito.

O Tema greve, especialmente no que tange aos 'servidores públicos' é um assunto ainda um tanto polêmico. Primeiro porque, o art. 37, inciso VII dispõe que 'o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica', e segundo, porque essa tão famigerada 'lei específica' nunca foi editada para regulamentar o referido direito, e aí complicava tudo. É que houve um tempo em que se acreditava que o servidor público não tinha o direito de greve, ou tinha mas não podia exercê-lo! Pensa que tortura era isso?! Pior que não ter um direito, é tê-lo mas não poder exercê-lo. É como só poder comer a sobremesa depois do almoço, ou, após o pai, patriarca da casa, chegar do trabalho e inaugurar o banquete! O problema é que o nosso legislativo é um pai que costuma demorar a voltar para casa! Mas e aí, como fica? Bem, a doutrina nos ensina que nenhum direito constante do texto constitucional é destituído de eficácia constitucional, afinal, ele pode até não ter eficácia plena, mas tem ao menos 'eficácia negativa', ou seja, de impedir que normas ou mandamentos que contrariem o seu fim ingressem no ordenamento jurídico e interfiram nesse direito de algum modo.

Pensando nisso, a nossa Corte Constitucional decidiu declarar a omissão legislativa quanto ao dever do nosso Congresso em editar a referida lei que regulamentasse o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, aplicar a este setor, no que couber, a lei paredista do setor privado (Lei nº 7.783/89). O Entendimento do STF é de que a referida norma do art. 37, VII, é uma norma de “eficácia limitada”, ou seja, só deveria produzir 'efeitos plenos' e práticos após regulamentada, todavia, dado o descumprimento do dever legiferante por quase duas décadas, a nossa Corte resolveu descer o 'sarrafo', e: “se é para o bem do povo e da nação, eu legislo!”. Afinal, alguém tinha que fazer alguma coisa, oras, mesmo porque já se iam quase vinte anos sem essa atuação!

Bom, mas aí pairou outra questão: então agora pode o servidor participar tranquilamente de uma greve sem que o Governo corte o seu salário? Essa resposta já não é tão simples assim, pois, o STF seguindo o entendimento do Setor Privado ou Celetista entendeu que, inequivocadamente, a greve é hipótese de 'suspensão do contrato', e todo mundo sabe que essa 'ideia' de suspensão de contrato é uma tremenda coisificação do sentido técnico da expressão 'ausência de salário'! E aí, meu amigo, qual o sentido de entrar no protesto de barriga vazia ou sem o leitinho das crianças! Realmente, não dá!

Nossa crítica é justamente essa: ora, se o servidor público, em caso de ausência ao serviço por um, dois, três ou até vinte e nove dias, sem justificativa, ainda assim, não deve ser demitido, tendo como única e exclusiva punição apenas o corte de salário e uma possível suspensão - que significa ausência do trabalho, do salário, e não contagem para fins de percepção de outros direitos -, qual seria o sentido da greve no serviço público? Já que as consequências são as mesmas do instituto da 'falta injustificada' - ausência do trabalho, do salário, e não contagem para fins de percepção de outros direitos -. Qual a diferença técnica do 'Instituto Constitucional da greve' para o 'Instituto legal da falta injustificada'? Que benefício traria efetivamente? Porque a falta não é um direito, mas a greve sim - e constitucional -, contudo, guardam tamanha similaridade! Seria o fato de que a falta 'ininterrupta' deve ser tolerada até os primeiros 29 dias consecutivos, já a greve não tem prazo? É isso? Bem, a princípio, nos parece tudo muito igual, e não vemos muita distinção prática a ponto de merecer a greve o elevado status de 'direito constitucional'! Poderíamos, como já dito, até afirmar que a greve 'isenta' da punição de uma possível advertência (que significaria 'ausência do trabalho, do salário e não contagem para fins de percepção de outros direitos), todavia, os efeitos da falta injustificada também são praticamente estes - ausência punitiva do trabalho - 'suspensão' -, ausência de salário e não contagem para fins de percepção de outros direitos.

Na verdade, o instituto da greve no serviço público é muito parecido com uma “LIP – Licença para tratar Interesses Particulares”, só que a LIP ainda é um pouquinho mais generosa. Em ambos os casos não haveria trabalho, nem recebimento de salário, nem tão quanto contagem para fins de percepção de outros direitos, ademais, nesta última, o sujeito não é visto como um criminoso, pode viajar com as economias que juntou - uma vez geralmente ser algo programado -, pode sair na rua sem ser ofendido ou ser nomeado de vários estereótipos negativos como aqueles associados a animais silvestres do tipo 'Bradypus tridatylus', e o sujeito ainda pode ir ao cinema, ver o jogo do time de coração, descansar em casa com as pernas pro alto, assistindo TV Justiça no Canal 22, sem participar de protestos vestindo uma blusa preta num calor de 40º, como já dito, e ainda ciente que certamente naquele mês as contas não vão arrochar.

Só quem já participou de um movimento paredista sabe do que falo. “Grevista é tudo vagabundo!”, diz o povo, e lá no fundinho entendo o cidadão ignorante, e tenho que com ele concordar, afinal, raciocina comigo: se o sujeito está sem trabalhar, ninguém lhe respeita, tem seus direitos violados, chega em casa e diz que não tem dinheiro pra colocar comida na mesa nem pra comprar o leite dos meninos, ou esse indivíduo está desempregado ou é mesmo vagabundo! Ou pode ainda se enquadrar numa terceira categoria: grevista ou 'Bradypus tridatylus'. Porque não? Afinal, vivemos no país da 'hipocrisia' e da 'estereotipidez', onde toda a sociedade, aponta um dedo, enquanto os outros quatro se voltam contra ela mesma. As pessoas, estagnadas na luta dos seus direitos, preferem ver os seus pares também esmagados e sucateados pelo Estado, do que tirarem os seus assentos rechonchudos das suas cadeiras e, imitando àqueles, também lutarem pelos interesses das suas classes. Todavia, na lei da mediocridade, é melhor que o outro não avance, do que tentar avançar junto a este.

Inobstante isso, deixando a crítica de lado e retornando ao ponto dos 'descontos salariais', o assunto ainda é muito polêmico e em breve poderemos ter uma reviravolta sobre o mesmo. Na verdade, já era para estarmos tratando disso aqui, todavia, o STF, em julgamento de 02/09/2015, no RE 693.456/RJ - com repercussão geral - cujo relator é o Sr. Ministro Dias Toffoli, suspendeu a sessão, adiando o referido julgamento que visava definir se era ou não possível o desconto dos servidores públicos, dos dias não trabalhados por adesão a movimento grevista. Apesar de o referido relator, ter se mostrado muito favorável aos cortes, avaliando em seu voto, que o corte de ponto de servidores grevistas deveria sim ocorrer, haja vista tratar-se de hipótese de suspensão, onde não havendo trabalho não há que se falar em salário, deixou todavia, uma excepcionalidade, em casos do movimento decorrer de ilegalidades ou abusos cometidos pelo Òrgão Público, o qual se vincula os grevistas, situações que seriam avaliadas por decisão judicial, por outro lado, o ministro Edson Fachin abriu divergência ao assinalar que o desconto obrigatório dos dias parados aniquilaria na prática o direito de greve, se mostrando mais pendente à causa dos trabalhadores estatutários.

O que o Ministro Fachin quis dizer é que, falar a um trabalhador “abandone a greve ou corto o seu salário!”, seria o mesmo que pressioná-lo dizendo 'volte ao trabalho ou sua família não comerá amanhã', sendo uma inequívoca coerção, portanto, que tira o escopo de existir, na Constituição, um instituto chamado de “direito de greve”, afinal, aparentemente só serviria para penalizar o próprio servidor e a população.

Ora, a greve no serviço público não pode ser comparada à greve no Setor privado, isto porque no Setor Privado se busca o lucro, e se os funcionários de uma determinada empresa organizam uma greve, dificilmente isso persistirá além de alguns dias, vindo logo a empresa a sentar e negociar com os trabalhadores, pois para esta há graves prejuízos financeiros tanto na queda das vendas como na linha de produção, devido aos dias de paralisação, todavia, no Setor Público, o Estado não tem essa preocupação, pouco importando se a greve dure dois, três ou seis meses, pois quem sofre as consequências não é diretamente ele, Estado, mas sim a população que deixa de usufruir os serviços essencialmente prestados e o servidor que, em regra, fica sem o seu salário. Ao contrário, muitas vezes o Poder Público até usufrui algo com isso, economizando ou ganhando tempo, por exemplo, ao deixar de pagar os servidores e beneficiários, assim pouco caso faz muitas vezes, e a única arma que o leva a recuar é a pressão social e da mídia gerada em torno dos transtornos causados à população. Ademais, quanto à imagem, geralmente os infratores de direitos são os grevistas, e os governantes procuram posar como heróis que estão profundamente ressentidos com os prejuízos aos cidadãos, quando na realidade, são eles os infratores e descumpridores das condições de trabalho que dão ensejo à abertura de uma deflagração paredista.

Destarte toda a expectativa gerada em torno do julgamento do RE 693.456/RJ, dessa vez a nossa Corte não bateu o martelo, vez que o julgamento foi suspenso motivado por um 'pedido de vistas' do ministro Luiz Roberto Barroso, que levou o processo para casa objetivando dar uma folheada, enquanto pegaria o último capítulo das temporadas de 'Games of thrones', e, 'Apocalipse Zumbi', também conhecido como 'the walking dead', que já estavam para iniciar quando da ocasião da Sessão. Já o Ministro relator, O Exmo. Sr. Min. Dias Toffoli, que de bobo não tem nada, deu algumas saidinhas durante as discussões para pegar ao menos as partes mais interessantes dos seriados, que estavam sendo transmitidos pelos sistemas internos de áudio daquele Pleno, e os demais colegas que não estavam muito ligados, principalmente por serem adeptos de seriados mais clássicos e menos violentos, acabaram passando desapercebidos quanto ao horário. Circulam, inclusive, boatos de que o Ministro Gilmar, fã assíduo das séries, teria ficado profundamente aborrecido com a postura egoísta dos dois primeiros ministros que nada lhe avisaram a respeito do horário. Ademais, nada de concreto, a não ser meras especulações! Só quem assistiu à Sessão sabe do que falo, não passando de uma mera brincadeira com os nossos ilustres representantes judicantes da mais alta Corte, dos quais, aliás, nutro imensa admiração e respeito quanto ao saber jurídico do qual são detentores.

Desse modo, o assunto ainda promete muitas surpresas, e, por enquanto, ficamos na expectativa a respeito de que lado deve se posicionar a Suprema Corte, inobstante isso, até então, entendemos que permanece o entendimento no sentido de que 'não cabem descontos salariais durante a greve', conforme grande parte dos Ministros do Supremo já se manifestaram antes noutras ocasiões, pois isso ofenderia inclusive o próprio escopo do exercício do direito reivindicatório, consubstanciando-se em evidente intuito de impedir ou boicotar o livre exercício desse direito, uma vez que, é nítido que caso se permitisse o corte do salário no interregno do exercício grevítico se estaria a forçar indiretamente que o trabalhador abandonasse o movimento e retornasse ao trabalho, o que também contrariaria diretamente o teor do art. 6º, § 1ª e 2ª da Lei Paredista (7.783, de 28 de junho de 1989 – que diz que é vedado ao empregador “adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.”

Assim, se a instituição empregadora deu causa de algum modo 'arbitrário' às reivindicações da classe, como degradando as condições da relação laboral assumida ou do local de trabalho, atrasando salários, alterando direitos de forma arbitrária, assediando a classe, descumprindo o acordo anterior ou parte deste, ou outras circunstâncias que, moral ou ilegalmente, justifiquem o movimento, entendemos que não há o direito de a instituição efetuar os referidos cortes, todavia, os paredistas deverão buscar esse “salvo conduto” na via judicial, através do mandado de segurança, onde se peça brevidade no julgamento através de um pedido liminar. Isso inclusive ocorreu na última greve do INSS, enquanto algumas unidades de SOGP implantaram os cortes salariais, outras não o fizeram por convicção do princípio da legalidade estrita - ao administrador só cabe fazer o que a lei manda, e não há lei formal e material que o faça até então -, entretanto, aquelas que o fizeram, equivocadamente, ao nosso ver, justificaram-se em 'atos administrativos' de seus superiores hierárquicos, ademais, posteriormente, devido às negociações do movimento paredista, efetuaram a devolução dos valores, firmando compromisso onde, ao final da greve, todos os dias de paralisação e os serviços não atendidos seriam regularizados e postos em dia.

Logicamente, como dito, ninguém deve receber sem ter trabalhado, sem ter dado a sua contrapartida, aliás, alguns até recebem, mas não vem ao caso aqui, eu até poderia responder a um processo por injuria ou difamação - e ir até a 'Brasília' para responder a demandas judiciais não costuma sair barato - se não bastasse, tá na moda isso. Pois bem, o que quero dizer é que, encerrado o movimento grevista, esses servidores devem ter a oportunidade de enfim fazer a reposição dessas horas não laboradas, e só após lhes oferecido essa oportunidade, caso não reponham esse contingente de serviço, neste caso sim, deve haver o corte salarial, por ser o mais justo e juridicamente legal. Para os concurseiros, em provas objetivas, se atenham à letra da lei – greve igual suspensão, igual ausência de salário, principalmente se a banca for a FCC (uma espécie de 'prima jurídica' do Estado, do tipo que estão sempre juntos em projetos admissionais) – todavia, em provas abertas, é importante a discussão.

O assunto, é muito interessante, pois, sai das teorias bibliográficas e se entrelaça na vida real dos trabalhadores e seus familiares, portanto, bom estarmos ligados para as próximas cartadas da Suprema Corte, que em breve deve decidir o assunto, pondo uma pedra no sapato dos servidores (sic), digo: pondo uma pedra sobre a discussão!

Sugerimos ainda a leitura do teor do julgamento da Liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Min. LUIZ FUX, na Reclamação – Rcl. Nº 16535 – onde este ordenou a ‘suspensão de decisão judicial’ que havia determinado o corte do ponto dos professores da rede pública do Estado do Rio de Janeiro. Na ocasião, o referido ministro ainda pontuou que a determinação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

desestimula e desencoraja, ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos servidores, verdadeira garantia constitucional”. Esta liminar foi concedida na Reclamação – Rcl. 16535.

Sobre a matéria, e endossando o nosso entendimento, citamos ainda o brilhante voto do Min. TEORI ZAVASCKI, prolatado no AREsp 132109, em decisao publicada em 03/04/2012, onde o mesmo disse que:

“é pacífico o entendimento de que se cuida de verba alimentar o vencimento do servidor, tanto quanto que o direito de greve não pode deixar de ser titularizado também pelos servidores públicos, não havendo como pretender, tal qual faz o Poder Público, que o corte dos vencimentos, data vênia, seja obrigatório, sem que se fale em retaliação, punição, represália ou modo direto de reduzir a um nada esse legítimo direito consagrado na Constituição da República”.

Em relação ainda à posição da Suprema Corte Constitucional, no cenário atual, o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, no julgamento de Mandado de Injunção que visava suprir a lacuna legislativa no sentido do exercício do direito, fez história ao proferir o fabuloso voto, em Sessão de 19/09/2007 do Tribunal Pleno, ao Julgar o “épico” Mandado de Injunção 708-0 DF, quando de modo muito feliz argumentou:

“Trata-se de mandado de injunção impetrado por SINTEM – SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA contra ato omissivo do Congresso Nacional, consistente na falta de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, VII, da Constituição de 1988. Quanto à remuneração dos dias parados, inspiro-me na redação proposta ao art. 9º do Projeto de Lei 4.497/01, da então Deputada Rita Camata, para determinar que os dias de greve serão contados como de efetivo exercício para todos os efeitos, inclusive remuneratórios, desde que atendidas as exigências acima formuladas, e desde que, após o encerramento da greve, sejam repostas as horas não trabalhadas, de acordo com cronograma estabelecido pela Administração, com a participação da entidade representativa dos servidores.”

Assim, até o momento e enquanto o STF não se pronunciar no Julgamento ora suspenso do RE 693.456/RJ, (com repercussão geral) cujo relator é o Sr. Ministro DIAS TOFFOLI, entendemos que deve prevalecer os entendimentos acima expostos pelos ministros citados, de modo que “durante a greve não pode haver corte salariais”, exceto por decisão judicial que examinando o caso concreto verifique o descumprimento das formalidades e requisitos para deflagração do movimento paredista. Fica a ressalva que, posteriormente ao fim do referido movimento, a administração deve organizar sistema de reposição das horas não trabalhadas, permitindo aos servidores reporem aquelas horas desenvolvidas em prol do movimento, e caso estes não atendam o comando público, nesse caso estará autorizado os descontos.

Desse modo, ao nosso ver, os setores de Recursos Humanos ou atualmente chamados de Sessão Operacional de Gestão de Pessoal – SOGP, tem embasamento legal para não compelirem os seus servidores a retornarem ao trabalho sob a coação de que efetuarão corte salarial em suas folhas, uma vez que, tal conduta poderia configurar inequivocadamente como típico assédio moral enquadrando-se perfeitamente nos termos do art. 6º, § 1ª e 2ª da Lei Paredista (7.783, de 28 de junho de 1989 – que diz que “é vedado ao empregador adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.” Vale salientar ainda que, sob o prisma do 'princípio da legalista administrativa estrita' - onde só se faz o que a lei manda - no atual cenário legislativo, não há um 'dispositivo legal' que ordene os cortes, talvez 'atos internos dos próprios órgãos', mas ato administrativo não é lei, diga-se de passagem, tendo mera função de dar fiel cumprimento aos comandos legais que assim o permitam. Destarte, ocorrendo esse tipo de postura assediosa temos que se caracterizam como verdadeiras ordens manifestamente ilegais, uma vez que, no atual cenário legiferante, ainda não há um comando objetivo e tipificado sobre isso, como já dito, na Administração Pública, se faz apenas o que a lei ordena, e não o que a lei deixa de proibir. Lembrando que ordens superiores são 'atos administrativos' em sentido estrito, e não lei em sentido formal e material.

Por conseguinte, a respeito das ordens manifestamente ilegais, o art. 116, IV e XII da Lei 8.112 (Regime Jurídico dos Servidores Federais), dá o remédio: ordens ilegais devem ser repudiadas pelos destinatários, com a devida comunicação aos setores competentes para apurar seu conteúdo. Ainda em relação às ordens ilegais, há fundamento para a sua não-execução, todavia, o oposto não ocorre: não há como justificar a prática de um ato sem amparo legal. Não há ‘escusa de legalidade’ em nosso ordenamento, como se sabe: a ninguém cabe descumprir o direito, alegando que não o conhece. Em suma, os artigos citados, consubstanciam em escudo e salvaguarda que visam a segurança dos próprios servidores do Setor de Pessoal contra ordens que, atentam contra a sua própria liberdade de exercício profissional. Ao administrador não cabe obedecer ordens que lhe imputem atuar onde a lei não lhe mandou atuar, muito ao contrário, ao administrador só cabe atuar onde, quando e nas hipóteses estritamente discriminadas na lei. É o princípio da estrita legalidade administrativa: o agente público não atua dentro de um ‘vácuo de interpretação’, mas sim dentro de uma ordenança legal positiva, e desconheço qualquer dispositivo que disponha: “durante a greve, as faltas dos servidores envolvidos no movimento cito, devem ser descontadas do seu salário”. Muito pelo contrário, o que temos é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal dizendo que, até o presente momento, só se admite o desconto se, após encerrada a greve, os dias parados não forem compensados. Lembrando ainda que, quando falamos do princípio da 'legalidade estrita' dentro da Administração, falamos de lei em sentido material e formal, ou seja, aquela que passou por todos os trâmites de um processo legislativo constitucional, submetido às duas casas legislativas, portanto, 'ato administrativo interno' ou 'norma administrativa' como preferirem não tem o poder de gerar restrições à direito insculpidos na Carta Magna, como o direito de greve ou mesmo o direito ao recebimento de verba alimentar, mais conhecido como 'salário'.

REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 22ª edição, revista ampliada e atualizada. Ed. Lumen Juris. Rio de janeiro, 2009, pág.95.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil: versão atualizada até a Emenda n. 64/2010. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_04.02.2010/CON1988.pdf. Acesso em: 16.05.14.

_____________http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=298959 (Suspenso julgamento sobre desconto em pagamento de servidores em greve)

_____________http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=251000 (Suspensa decisão que determinou corte do ponto de professores grevistas no RJ).

 

 

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