JurisWay - Sistema Educacional Online
 
É online e gratuito, não perca tempo!
 
Cursos
Certificados
Concursos
OAB
ENEM
Vídeos
Modelos
Perguntas
Eventos
Artigos
Fale Conosco
Mais...
 
Email
Senha
powered by
Google  
 

O CRIME DE QUADRILHA AINDA EXISTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO?


Autoria:

Marcos Antonio Duarte Silva


Doutorando em Ciências Criminais,Mestre em Filosofia do Direito e do Estado(PUC/SP), Especialista em Direito Penal e Processo Penal(Mackenzie), Licenciatura em Filosofia (andamento), Especialização em Filosofia Moderna (em andamento); Especialização em Pedagogia e Filasofia (em andamento), formado em Direito, Professor Universitário, Professor de Pós Graduação; Pesquisador da PUC/SP e da CNPq.

envie um e-mail para este autor

Resumo:

A pergunta sugerida passa a ser pertinente a partir da ótica do julgamento do mensalão e a fórmula achada pelo STF para debelar este crime, da esfera já aceita e imposta por sentença anterior: diante deste quadro aterrador é cabível a pergunta.

Texto enviado ao JurisWay em 16/03/2014.



Indique este texto a seus amigos indique esta página a um amigo



Quer disponibilizar seu artigo no JurisWay?

O CRIME DE QUADRILHA AINDA EXISTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO?

 

RESUMO: A pergunta sugerida passa a ser pertinente a partir da ótica do julgamento do mensalão e a fórmula achada pelo STF para debelar este crime, da esfera já aceita e imposta por sentença anterior: diante deste quadro aterrador não só é cabível a pergunta como buscar uma resposta adequada passa a ser uma necessidade.

PALAVRAS CHAVES: Interpretação; Crime; Direito; Hermenêutica; Jurisprudência.

ABSTRACT: The question suggested becomes relevant from the perspective of the trial and the monthly allowance formula found by the Supreme Court to address this crime, the ball has accepted and imposed by the preceding sentence: before this terrifying picture is not only appropriate to get a question like appropriate response becomes a necessity.

KEYWORDS: Interpretation, Crime, Law, Hermeneutics; Jurisprudence.

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. A forma como se deve analisar e estudar o Direito Penal; 2. Qual o propósito do Direito Penal na sociedade?; 3 – Ainda é possível compreender o que é crime de quadrilha?; Conclusão.

 

Introdução

As conquistas alcançadas pelo Direito produziram equilíbrio e segurança para o desenvolvimento da cultura no Brasil e no mundo com os crimes tipificados no Código Penal servindo de esteio.

Urge perceber ser perda irreparável deste direito adquirido voltar a um passado que vergue estas conquistas e as flexione de forma perigosa. Conviver com a modulação da lei ao bel prazer, nunca foi o exercício mais seguro.

Há de se evitar a todo custo esta volta que funciona como um retrocesso em nome da chamada interpretação extensiva, depondo da hermenêutica, da exegese, dos princípios e da lógica que moldam e dão a característica essencial para tipificação do crime, não deve ser abandonada sem por em risco a segurança jurídica e a interpretação pura da lei.

Diante deste quadro depurado, se faz necessário urgentemente a busca de normas que condicionem esta flexibilidade a regras sancionadoras de abuso extensivo da norma. A simples convivência com o humor, com a necessidade de se obter um resultado, ou ainda pagamento por um favorecimento, ou por não poder ser outro o resultado conspira contra a lisura de qualquer interpretação da lei. É basilar esta questão que deve responder pela ordem jurídica estabelecida.

Destarte, pergunta-se: Até onde uma lei pode ser flexionada? Há uma métrica que deve ser usada para estabelecer o mínimo necessário para o entendimento da lei? São possíveis decisões tão díspares entre aqueles pares que são fundamentalmente interpretes da lei? Qual o propósito máximo do Direito Penal?

1. A forma como se deve analisar e estudar o Direito Penal

Com o findo de manter o equilíbrio, a segurança jurídica e a unidade entre a lei e as decisões foram desenvolvidas regras basilares no âmbito do direito, de maneira particular o penal, para que a distância entre as decisões conduzidas por diferentes juízes não trouxessem embaraço, flexibilidade e excessos. Outrossim, o desenvolvimento da chamada jurisprudência, foram sendo custeadas para não haver disparates nas decisões do mesmo tipo penal, para haver uma sensação certa da chamada justiça, e o dissabor de se vislumbrar atipicidades do mesmo modus operandi se distanciar a cada juízo findo.

Destarte ferramenta como hermenêutica, exegese e os princípios que norteiam a base para fundamentar as decisões exaradas, assumiram este papel de manutenção de equilíbrio e construção do mundo jurídico nacional. Mas o que vem a ser hermenêutica jurídica?

Ciência da interpretação de textos da lei. Tem por objetivo o estudo e a sistematização dos processos a serem aplicados para fixar o sentido e o alcance das normas jurídicas e seu conhecimento adequado, adaptando-se à interpretação dos fatos sociais. (http://www.jusbrasil.com.br/topicos/291791/hermeneutica-juridica).

No conceito exposto cumpre perceber ser a hermenêutica a “ciência da interpretação de textos da lei”, estudo através da “sistematização dos processos a serem aplicados para fixar o sentido e alcance das normas jurídicas”. Com esta exposição é possível entender ser esta ferramenta jurídica para calcar o arcabouço da segurança no texto legal delimitando o “sentido e alcance das normas jurídicas”, e ainda resgatando a “interpretação dos fatos sociais”, como necessários para a compreensão maior do texto legal.

Cumpre dizer da importância do respeito aos limites impostos pela hermenêutica para não se ultrapassar aquilo que o texto legal preleciona. Ora, se na leitura da norma há um direcionamento calcado pela lógica jurídica, respeitando a métrica legal, a interpretação não pode se estender além daquilo que o texto pretendeu proteger. Assim, sem nenhuma fórmula mágica ou maquiavélica deve seguir o direito dentro dos limites previamente impostos e defendidos.

De posse da hermenêutica que sistematiza o estudo, a compreensão e o alcance da lei, se possui um resguardo no que tange o objetivo central imposto pelo legislador para interpretação e, cumprir restritamente o dispositivo normativo.

Há na hermenêutica parte da segurança necessária para não haver excessos e nem desvios do mandamento preceitual.

Outra ferramenta de sumária importância é exegese.

[...] exegese significa ater-se à obra literária minuciosamente, a Escola Exegética tem como base apenas o uso da letra da lei como forma de aplicação do Direito. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_50/artigos/art_rogerio.htm)

O texto escrito em bom vernáculo não pode deixar margem para deduções equivocadas daquilo que o legislador não pretendeu expor. A análise de cada palavra, expressão, sentido, definição faz parte da correta exegese, ultrapassar este limite e desenvolver sentido não almejado, foge da respeitável interpretação e deve ser evitada a todo custo.

Auspiciosamente a exegese usa estritamente a chamada “letra da lei”, para embasar e amplificar o que o legislador ao criar a norma estava tentando afirmar. Por isso, o respeito as palavras, o seu sentido, sua definição tanto no campo da língua pátria como no sentido jurídico é de suma importância para manutenção do teor axiológico do mandamento legal.

Outra ferramenta importante são os princípios, sua forma de sistematizar e conduzir os limites do texto assume o termômetro de resguardar a melhor interpretação dentro do que o legislador estabeleceu sem desvio do teor original.

Mas o que vem a ser princípios no Direito Penal?

O Direito Penal moderno se assenta em determinados princípios fundamentais, próprios do Estado de Direito democrático, entre os quais sobreleva o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou da intervenção legalizada, que tem base constitucional expressa. A sua dicção legal tem sentido amplo: não há crime (infração penal), nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu). (http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAqqIAI/direito-penal-principios)

 

Diante do conceito expresso se observa ser parte integrante do Estado Democrático de Direito a forma do Direito Penal se assegurar através de princípios determinados pela Constituição Federal e, a Declaração dos Direitos do Homem. Este quadro demonstra ser o direito penal brasileiro garantista e sistematizado na forma de princípios basilares norteadores de todo sistema penal.

O princípio basilar é “não há crime sem lei anterior que o defina”. ( art. 1, CP, pp.), ou seja, é função currial do Código Penal, cuidar de definir as condutas criminosas sem permitir que paire sombra de dúvida sob o texto legal. Para tanto, o bom vernáculo é usado, as palavras definidoras são de uso comum, para que mesmo uma pessoa sem o conhecimento legal, ao ler possa facilmente entender o que se pretende impedir naquela conduta definida como crime.

Ademais, há as fontes do direito que ajudam a facilitar o entendimento, a compreensão, e apoiar a tipificação utilizada no código.

E tratando deste tema com muita propriedade, Aníbal Bruno, assim expõe:

Essa ciência do Direito Penal é ciência normativa. O seu objeto de estudo é uma norma de comportamento, norma jurídico-penal. Partindo das normas legais vigentes, para sobre ela construir um corpo de doutrina, descobrindo e formulando conceitos, organizando-os, classificando-os, dando-lhes unidade, a dogmática só tem um caminho natural, que é a lógico. Esse é o método necessário de toda ciência jurídica e, assim, também, do Direito Penal. (Bruno, 2005, p. 14).

 

Na busca desta normatização não podendo abandonar as regras áureas, cumpre se prevenir como afirma o Aníbal, da lógica formal, para não se prender a um elemento fixo de funções dogmáticas. Nesta esteira é de suma importância lembrar-se do que preleciona o supracitado autor:

O penalista, entretanto, mais que qualquer outra categoria de jurista, deve prevenir-se contra o poder absorvente da lógica formal. A ciência do Direito Penal tem exigências particulares, segundo a natureza própria do fenômeno que a norma jurídica que lhe serve de objeto tem de disciplinar, e, se exige do penalista que construa o seu sistema com o rigor técnico com que se elaboram os dos outros ramos do Direito, impõe-lhe não perder de vista a realidade jurídica do seu próprio domínio. Basta refletir em que a norma penal não tem como objeto simples negócios jurídicos, não apenas regular relações, impor vontades e interesses em competição o conveniente equilíbrio, mas combater um fenômeno complexo como o crime, que se lhe apresenta com todo o seu conteúdo humano e social. (Bruno, 2005, p. 14).

Esse texto é tão rico que urge uma análise própria sobre o objeto que repousa o Direito Penal e a forma como se deve desenvolver o método de analisar. Daí a importância de não se abusar da lógica formal, e nem tão pouco utiliza-la como método fim, na análise de questões pertinentes. Buscar a construção com rigor de um sistema técnico, para não perder de vista a realidade jurídica que se propõe no seu “próprio domínio”. Urge ainda ponderar sobre a “norma penal”, não ter como “objeto simples negócios jurídicos”, se ultimando a apenas “regular relações”, mas manter o equilíbrio social, combatendo “fenômeno complexo como o crime”, fator decisivo e sumamente importante no “conteúdo humano e social”.

Outrossim, ainda neste mesmo tema, o pródigo autor explica seu temor ao excesso de construções “lógico-juristas do Direito privado”:

Estará assim, condenada desde logo a transposição ao campo do Direito Penal de construções lógico-jurídicas do Direito privado, como a dogmática tem tentado, ás vezes, por preocupação de unificação sistemática de conceitos e institutos jurídicos, e certas atitudes formais excessivas, estáticas e rígidas, que não se confundem, aliás, com a natural necessidade de construção lógica do sistema. O Direito Penal não é, assim, pura ciência de conceitos, mas completa e fecunda os seus conceitos com uma orientação teleológica inspirada nos dados naturalistas e na realidade social onde a norma tem de atuar; põe-se em contato com a vida, para que nela o Direito realize os seus fins, com a vida, que sugere novos problemas, quando a dogmática já tem encerrado os seus. Mas a construção da ciência do Direito Penal é sempre um trabalho de lógica, de técnica jurídica, em que se utilizam a análise e a síntese, a dedução e a indução, sobre a sua matéria específica, que é a legislação penal vigente. (Bruno, 2005, p. 14,15).

No lauto texto autoexplicativo, se percebe as demais ferramentas a serem utilizadas pelo Direito Penal para seu estudo e compreensão, qual seja: lógica, técnica jurídica, análise, síntese, dedução e a indução. Sem todas estas ferramentas apresentadas o Direito Penal se fragiliza e se expõe a perigo de não servir para seu propósito fundamental.

2 – Qual o propósito do Direito Penal na sociedade?

O Direito Penal surgiu no seio da sociedade como uma necessidade permanente, uma vez haver importância de minimizar os efeitos das tragédias humanas entre as pessoas.

O Direito Penal, segundo JOSÉ FREDERICO MARQUES pode ser conceituado como o "conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena, como conseqüência, e disciplinam também as reações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado”. A finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade, ou nas palavras de LUIZ RÉGIS PRADO, "o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos – essenciais ao indivíduo e à comunidade". A pena é simplesmente uma conseqüência pelo descumprimento de um imperativo legal (norma implícita), não consistindo, assim, na sua finalidade. Com o Direito Penal, visa-se tutelar  todos os bens que, segundo um critério político, que varia de acordo com as mutações experimentadas pela própria sociedade, merecem fazer parte daquele pequeno círculo que, por serem extremamente valiosos, não sob o ponto de vista econômico, mas sim sob o enfoque político, não podem ser suficientemente protegidos pelos demais ramos do Direito.(http://www.idecrim.com.br/index.php/direito/13-direi to-penal). (sic)

Desta forma o Direito Penal tem como função primal proteger os bens imateriais, como saúde, tempo, vida, segurança liberdade, e os materiais, bens e objetos com alguma espécie de valor. Sem poder fugir de sua responsabilidade com o agrupamento de pessoas que as cidades geraram este ramo do direito tenta através de suas normas sancionar normas proibitivas e coercitivas, no intuito de desestimular a ascensão das mais diversas formas estabelecidas no Código Penal de conduta criminosa. Assim, quando a conduta criminosa é punida com as sanções previstas, toda sociedade ganha segurança, pois, quando um crime é justiçado, pelos meios legais, há ordem entre as pessoas e o papel principal de assegurar o cumprimento da lei é alcançado. Da mesma forma quando nada acontece, quando o crime campeia solto na sociedade o prejuízo legal é certo uma vez que haverá uma espécie de certeza de impunidade que deságua numa forma arrojada de incentivo a novas práticas de crimes. Este sem dúvida é o pior dos mundos e é o que toda sociedade que detém um código penal almeja evitar.

A característica do ordenamento jurídico penal que primeiro salta aos olhos é a sua finalidade preventiva: antes de punir, ou com o punir, quer evitar o crime. Com razão assinala Radbruch: “...importa não esquecer que o direito não pretende somente julgar a conduta humana; pretende também determina-la em harmonia com os seus preceitos e impedir toda a conduta contrária a eles”. Com efeito, por meio da elaboração dos tipos delitivos – modelos de comportamento humano – revela o legislador penal, de modo nítido e visível, aos que estejam submetidos às leis do País aquilo que lhes é vigorosamente vedado fazer ou deixar de fazer [...] (Toledo, 2002, p.3).

Neste texto se desprende a forma mais locas que o Direito Penal se apresenta: prevenir, evitar, desestimular, coibir, toda conduta tipificada como delituosa. Nesta base está a segurança que este ramo do direito pretende manter a codificação tipificada dentro da sociedade. Sem este elemento basilar a insegurança permeia e se mantém aviltante, de forma a produzir uma situação impensada e desconfortável para todas as pessoas.

  A ideia de justiça repousa no conceito de equilíbrio, harmonia, sem ela permeando o direito, sem a equidade necessária para se fazer jus a pretensão legal, toda sociedade entra em perigo de estar em rota de colisão. Importa a todo custo não perder os ideais de justiça para todos e aquele imposto em nossa Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” [...] (Constituição Federal do Brasil, art. 5, caput), daí supor que há pessoas que podem praticar crimes sem serem alcançados pela lei, sem serem punidos é o pior dos mundos. A lei é clara e objetiva: “Todos são iguais”, não há espaço para uma interpretação diferente do que o texto oferece.

Fazendo frente a esta ideia, o prof. Bitencourt assim se expressa:

“o Direito Penal não pode a nenhum título e sob o pretexto abrir mão das conquistas históricas consubstanciadas nas garantias fundamentais [...]. Por outro lado, não estamos convencidos de que o Direito Penal, que se fundamenta na culpabilidade, seja instrumento adequadamente eficiente para combater a moderna criminalidade, inclusive a delinquência econômica. A insistência de governantes em utilizar o Direito Penal como panacéia de todos os males não resolverá a insegurança de que é tomada a população, e o máximo que se conseguirá será destruir o Direito Penal se forem eliminados ou desrespeitados os seus princípios fundamentais.” (Bitencourt: 2010, p. 374)  

As conquistas históricas apregoadas no texto exposto também inferem sobre o equilíbrio que deve existir entre a aplicação do direito (o ser) e a tipificação exposta no seu código (o dever ser). Neste ponto repousa todo sistema penal, uma vez ser o garantidor da condução das condutas que a sociedade aceita ou proíbe, não podendo sob hipótese alguma maculado com a desculpa de estar atingindo objetivos sociais. Para ampliar o texto em comento cumpre analisar: “o Direito Penal, que se fundamenta na culpabilidade,” neste ponto se é chamado à atenção apara observar, que em vários crimes esta ideia de “culpabilidade” pode não atingir o objetivo central, ainda nesta esteira continua prodigamente o referido autor: “seja instrumento adequadamente eficiente para combater a moderna criminalidade, inclusive a delinquência econômica”., a preocupação é ressaltada na “moderna criminalidade”, e cita qual espécie “a delinquência econômica”, que pode não ser alcançada se mormente se mantiver esta compreensão diminuta de culpabilidade. Ora, no Direito Penal, assim como no Direito num todo, não se pode vacilar na aplicação de seus preceitos quando agentes públicos estão envolvidos nos chamados “Crimes contra a Administração Pública”, por serem estes agentes componentes do legislativo, executivo, que devem figurar como o de carreira e vida ilibada. Estes tem acesso à máquina estatal em todos os níveis, e devem com isso serem pessoas de são juízo, para não se conduzirem de forma a colocar em xeque, o direito e sua aplicação. Cumpre mesmo sob pena de se tornar repetitivo relembrar o que a Carta Magna imperativamente impõe: “Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. (art. 5, caput, CFB).

Se assim deve ser, ou seja, não haver diferença no tratamento que a lei propõe para nenhuma pessoa, sem distinção “de qualquer natureza”, poderia a justiça brasileira passivamente aceitar tratamento diferenciado para pessoas que compõe o alto escalão do governo, por estes serem pessoas diferenciadas? E o princípio vergado na lei de tratamento igualitário onde ficaria? Ou ainda, qual o grau de confiança restaria se a população percebesse este tratamento mais brando aos agentes públicos em detrimento deles próprios? Estas são as perguntas e existem muitas outras que insistem em povoar a mente daqueles que são apaixonados e estudam o direito como uma forma de equilíbrio social. Não será possível alcançar este ideal se tais situações forem persistindo no seio da sociedade. Haverá certamente, em algum momento uma ruptura, pois, assim como uma barreira de uma hidrelétrica que controla o nível da água para continuar fornecendo energia assim é o direito penal, quando o nível desta água ultrapassa o limite suportável por esta usina, o transbordar fica eminente e impossível de controlar e toda energia que se pretende manter é comprometida instalando o que se chama hoje de moderno “apagão”, ninguém consegue enxergar mais nada e o caos se instala. Este repto deve ser considerado se o desejo de manter as conquistas históricas do direito é ainda o alvo da sociedade brasileira.

Diante deste quadro real as palavras do prof. Bitencourt, parecem ser um alerta do que ainda poderá acontecer se não houver uma descontinuidade urgente na forma da aplicação da lei aos agentes do governo:

“o abandono progressivo das garantias fundamentais do direito penal da culpabilidade, com a desproteção de bens jurídicos individuais determinados, a renúncia dos princípios da proporcionalidade, da presunção de inocência, do devido processo legal etc., e a adoção da responsabilidade objetiva, de crimes de perigo abstrato [...] Na linha de Lei e ordem, sustentando-se a validade de um direito penal funcional, adota-se um moderno utilitarismo penal, isto é, um utilitarismo dividido, parcial, que visa somente a máxima utilidade da minoria, expondo-se, consequentemente, às tentações de autolegitimação e a retrocessos autoritários, bem ao gosto de um direito penal máximo [...]”. ( Bitencourt: 2010, p. 371).

O maior pesadelo de qualquer criminalista é a possibilidade da existência do chamado “direito penal máximo”, isto porque legitima situações impensáveis num Estado Democrático de Direito, sem contar a adoção de “um moderno utilitarismo penal”, servindo apenas um grupo restrito de pessoas, como foi dito, “que visa somente a máxima utilidade da minoria”, levando “ás tentações de autolegitimação e retrocessos autoritários”, e sendo defendido por tribunais com as teses mais mirabolantes possíveis para poder criar a defesa do indefensável, a soltura daquele que deveria estar atrás das grades. Imaginar esta situação nos dias atuais não exige um exercício muito grande, afinal, o tribunal superior que deveriam determinar o tom desta discussão está se vergando a imposições absurdas se recriando da pior forma inimaginada.

3 – Ainda é possível compreender o que é crime de quadrilha?

Esta pergunta há alguns anos atrás não teria espaço mais hoje se tornou pertinente perguntar o que ainda sobrou da tipificação do crime de quadrilha depois do maior julgamento conduzido pelo STF, uma vez alguns votos e ali depositados serem no mínimo flexíveis ao ponto de ser esta indagação legítima.

Vejamos, pois, o que a doutrina majoritária afirma e preceitua:

“Com efeito, o crime de bando ou quadrilha, com sua natureza de infração autônoma, configura-se quando os componentes do grupo formam uma associação organizada, estável e permanente, com programas previamente preparados para a prática de crimes, reiteradamente, com a adesão de todos. O concurso eventual de pessoas, por sua vez, é a consciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na prática da mesma infração penal. A intervenção de inúmeras pessoas, por si só, é insuficiente para caracterizar a formação de quadrilha ou bando, ao contrário do que tem sido, amiudemente, interpretado. A associação de forma estável e permanente, bem como o objetivo de praticar vários crimes, é o que diferencia o crime de quadrilha ou bando do concurso eventual de pessoas (coautoria ou participação). Para a configuração do crime é irrelevante que o bando tenha ou não praticado algum delito.” (Bitencourt: 2010, p. 384.)

O texto tem ideias que devem ser exploradas, “A associação de forma estável e permanente, bem como o objetivo de praticar vários crimes”, ora está é a tônica fundamental para caracterização deste crime: estabilidade, permanência e objetivo de praticar crimes. Mesmo que seja apenas uma ideia teleológica, ainda assim a configuração encontra apoio.

E se não bastasse, o prof. Heleno Fragoso ainda amplifica a ideia e acrescenta elementos importantes:

“Associação é o acordo de vontades, de modo permanente, para consecução de fim comum. Como bem diz MAGGIORE, 360, ‘no fato associativo há algo mais do que o acordo’. O simples acordo para cometer um crime, não é punível. O que transforma o acordo em associação, e o torna punível pelo crime em exame, é a organização com caráter de estabilidade. É assim, uma certa permanência ou estabilidade o que distingue o crime em exame da simples participação criminosa.” (Fragoso:1986, p. 282).

A importância de “associação é o acordo de vontades, de modo permanente”, ora, a quadrilha se une espontaneamente, mas com vontade própria, autônoma, de forma a criar possibilidade de juntos poderem praticar crimes, assim, cada um desta associação, tem sua importância é fundamental para o desenvolvimento do plano maior, ou seja, sua participação torna possível a prática do crime, por isso, se associaram se agruparam. A estabilidade é de suma importância para concretização e permanência do crime em espécie, caso contrário não haveria esta necessidade.

Como o texto propõe “no fato associativo há algo mais do que o acordo”, sim a ideia de praticar crimes. Não é uma simples associação, nem um ajuntamento espontâneo, é com finalidade, com propósito com finalidade real. E se torna sumamente afirmar que uma vez comprovada esta pratica com a “associação permanente” composta, não há como deixar de perceber a finalidade acordada. Fica evidente.

Corroborando ainda com a amplificação do conceito, o eminente Nelson Hungria assim dispõe:

“Há casos em que a pluralidade de agentes é elemento essencial da configuração do crime (crimes coletivos ou de convergência: conspiração, quadrilha ou bando, greve, rixa, motim de presos; crimes bilaterais ou de encontro: adultério, bigamia, corrupção), e tem-se, então, o chamado ‘concurso necessário’ (concursus necessarius ad idem delictum), já não se podendo falar em participação, propriamente, mas em co-execução.”(Hungria: 1955, p. 418).

No caso em espécie o ajuntamento de pessoas, formando uma “associação estável” era mais que importante, era essencial, uma vez para a prática dos crimes conhecidos cada pessoa assumia papel sumamente importante, não podendo ser mudado o núcleo logístico sem prejuízo da demanda criminal. Daí ser fundamental a “pluralidade de agentes” para a execução dos crimes já noticiados. E ainda ampliando o conceito, como discorre Hungria, “já não se podendo falar em participação [...], mas em consecução”, esta compreensão torna o resultado a ser alcançado ainda mais embrionário, mais pungente.

Cumpre salientar o que diz Aníbal Bruno em seu celebrado compêndio:

“Se o concurso de agentes se dirige a um só resultado comum, o crime é um só. Não há que se isolar a parte de cada agente para individualizá-la e torná-la independente. Todos os atos são frações de um conjunto unitário e pelo resultado visado por todos responde cada um dos agentes. E daí que um agente que tenha apenas realizado o que seria, em outras circunstâncias, simples ato preparatório, em si mesmo não punível, responda pelo crime resultante da ação conjunta de todos.”(Bruno: 1967, p. 261).

Na célebre frase extraída deste conceitual texto “Todos os atos são frações de um conjunto unitário e pelo resultado visado por todos responde cada um dos agentes”., ora se há um conjunto unitário, não há de se tentar descaracterizar a associação, se não vejamos, seria fácil, possível se agrupar com uma finalidade e caracterização e mesmo assim, não configurar o chamado crime de quadrilha, pois, como o autor assim preceitua o “resultado visado por todos”, sim todos almejam, trabalham e se propõem a execução até ser levado a cabo o projeto maior: o crime.

É na “ação conjunta de todos”, que a caracterização, que a tipificação se torna possível, não há com todas estas elementares do tipo de se falar em outro se não crime de quadrilha, pois, o dolo elemento decisivo no Direito Penal para configuração do ânimo do agente, é visível e real. Por mais que se possa tentar e até se desenvolver uma tese a despeito de todos estes elementos, só se pode alcançar com isso a certeza de flexibilidade acética e forçar as regras básicas mínimas do direito para tal empreitada. E mesmo que a tese possa sair vitoriosa (como acabou por acontecer), quem perde nestes momentos é a sociedade, que se ver curvada a impressionante disposição de abrandar crimes de agentes públicos que deveriam estar ali com disposição exatamente contrária.

Por fim, e para impor a ideia de uma análise posterior a já consumada e terminativa decisão, se torna indispensável a leitura deste acertado texto extraído do Prof. Luiz Regis Prado:

“As organizações ou associações criminosas, como já se afirmou, não apresentam uma definição ou conceituação pacífica, tampouco de fácil apreensão. Em linhas gerais, costuma-se conceituá-las a partir dos elementos que a caracterizam. Assim, são apontadas como principais características da criminalidade organizada: a) acumulação de poder econômico; b) alto poder de corrupção; c) alto poder de intimidação; d) estrutura piramidal.” (Prado: 2011. p. 381).

Depreendendo deste texto se pode induzir que as “organizações ou associações criminosas”, não têm como condão facilitar a compreensão ou mesmo se mostrar como tal espécie, sua intenção ao se propor se colocar desta forma é gerar a confusão, dificultar o máximo a compreensão de quem tenha o papel de disseca-la. Por isso, para facilitar a compreensão se necessita entender seu mecanismo de funcionamento para extrair desta a possibilidade entendimento. Na auspiciosa explicação subtraí “características da criminalidade organizada”, que são: “a) Acumulação de poder econômico; b) alto poder de corrupção; c) alto poder de intimidação; d)estrutura piramidal”.

Dissecando desta forma permitida pelas regras mais primorosas do Direito Penal, fica evidente ser estes elementos caracterizadores de quadrilha e difícil de entender como se pode desconsiderar, e descaracterizar este crime do julgamento do mensalão, a não ser por motivos não penais, não jurídicos.

Conclusão

A lição apreendida em todo este julgamento deve motivar o pesquisador e estudioso do Direito Penal a não desanimar mais desbaratar nem que pela escrita cavilações que podem embalsamar e por fim a todas as conquistas até aqui alcançadas.  

A escrita ainda é uma arma poderosa nestes tempos. Usemos, pois.

 

Referências Bibliográficas

Bitencourt. Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, parte especial, vol. 4, Ed. Saraiva, São Paulo: 2010.

Bruno. Aníbal, Direito Penal Parte Geral – Tomo I, Ed. Forense, Rio de Janeiro: 2005.

Bruno. Aníbal, Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2º, 3º Ed., 1967.

Fragoso. Heleno Claudio, Lições de Direito Penal, Parte Especial, vol. II, 5º edição, forense, 1986.

Hungria. Nelson, Comentários ao Código Penal, vol. 1, Tomo 2º, 3º Ed., 1955.

 

Prado. Luiz Regis, Direito Penal Econômico: ordem econômica, relações de consumo, sistema financeiro, ordem tributária, sistema previdenciário, lavagem de capitais e crime organizado – 4 ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Importante:
1 - Conforme lei 9.610/98, que dispõe sobre direitos autorais, a reprodução parcial ou integral desta obra sem autorização prévia e expressa do autor constitui ofensa aos seus direitos autorais (art. 29). Em caso de interesse, use o link localizado na parte superior direita da página para entrar em contato com o autor do texto.
2 - Entretanto, de acordo com a lei 9.610/98, art. 46, não constitui ofensa aos direitos autorais a citação de passagens da obra para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor (Marcos Antonio Duarte Silva) e a fonte www.jurisway.org.br.
3 - O JurisWay não interfere nas obras disponibilizadas pelos doutrinadores, razão pela qual refletem exclusivamente as opiniões, ideias e conceitos de seus autores.

Nenhum comentário cadastrado.



Somente usuários cadastrados podem avaliar o conteúdo do JurisWay.

Para comentar este artigo, entre com seu e-mail e senha abaixo ou faço o cadastro no site.

Já sou cadastrado no JurisWay





Esqueceu login/senha?
Lembrete por e-mail

Não sou cadastrado no JurisWay




 
Copyright (c) 2006-2024. JurisWay - Todos os direitos reservados