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Agora, tanto o HOMEM quanto a MULHER pode cometer o crime de ESTUPRO.


Autoria:

Archimedes Jose Melo Marques


DELEGADO DE POLICIA há mais de 23 anos no Estado de Sergipe. Cargos de Direção Já Ocupados: COPE (Comando de Operações Policiais Especiais ) COPCAL, COPCIN e Corregedor-Geral da Policia Civil de Sergipe (por duas vezes)

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Resumo:

Mostra as modificações advindas da Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009, que transforma todo o sentido do crime de estupro.

Texto enviado ao JurisWay em 01/09/2009.

Última edição/atualização em 03/09/2009.



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(*Archimedes Marques)

 

“Ciência penal não é só a interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo, para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida.” (Nelson Hungria)

 

A recente Lei Ordinária Federal nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, trás no seu bojo profunda e inédita alteração no artigo 213 do nosso Código Penal, ao mesmo tempo em que acrescenta o artigo 217-A nesse Diploma, ambos relacionados ao crime de estupro.

A referida Lei altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, ou seja, o Código Penal Brasileiro. O Título que passou a vigorar com a denominação DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL, além de transformar todo o sentido e significado do seu art. 213, como conseqüência ainda revogou os artigos 214 e 224 do dito Diploma repressivo que tratavam do atentado violento ao pudor e da presunção da violência prevista então na antiga denominação DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES.

A tradição secular vivenciada desde 1940 em que somente podia o homem ser a pessoa ativa e a mulher a pessoa passiva no crime de estupro ganhou nova roupagem e hoje também o homem pode ser o sujeito passivo e até a mulher pode também ser o sujeito ativo em tal delito.

O crime de estupro outrora definido no nosso Diploma Legal estabelecia no conteúdo do seu art. 213: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.”

Assim, estava implícito, que somente a mulher podia ser a vítima, o agente passivo, enquanto que, o homem, somente o homem podia ser o autor, o agente ativo do crime de estupro, vez que, por conjunção carnal entende-se ser a penetração do pênis na vagina, ou seja, somente configurava-se o crime de estupro quando o homem usando da violência ou grave ameaça fazia penetrar o seu pênis na vagina da vítima, admitindo-se também a tentativa quando o ato não fosse concretizado por força de um motivo qualquer, assim como, a co-autoria que podia tanto ser homem ou mulher.

Outro ato sexual violento contra a vontade da vítima diverso da cópula vaginal entre as partes poderia configurar o crime de atentado violento ao pudor que então dispunha o art. 214 do Diploma repressivo: “Constranger alguém, mediante violenta ou grave ameaça a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.”

Assim, no extinto crime de atentado violento ao pudor, tanto o homem quanto a mulher podia ser vítima ou autor daquele delito. O homem podia praticar o atentado violento ao pudor contra a mulher ou contra o próprio homem, enquanto que a mulher podia praticar tal crime contra o homem ou contra a própria mulher.

De um simples cotejo da redação dos dois dispositivos citados, ou seja, dos antigos artigos 213 e 214 do Código Penal, observa-se perfeitamente com a alteração da Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, que houve a supressão do termo “mulher”, e de resto agruparam-se as duas redações transformando-as em uma só, qual seja:

Estupro.

Art.213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Assim, as antigas definições dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, com a nova Lei transformaram-se com a citada junção das suas redações na recente definição do crime de estupro, gerando assim uma nova interpretação jurídica. Quanto à questão da tentativa e co-autoria continua a admitir-se no novo dispositivo penal.

Em decorrência de tal modificação não restou alternativa para a continuidade do art. 214 senão a sua revogação, embora tal revogação não tenha deixado ao desamparo jurídico-penal a figura da futura vítima daquele extinto delito que passou a partir de então a ser vítima do crime de estupro.

Complementando este item é de acolher-se a explicação do colega Delegado de Polícia do Estado de Sergipe THIAGO LUSTOSA LUNA, quando de um dos seus artigos pertinente recentemente publicado: “É importante frisar que não houve abolitio criminis da conduta prevista no artigo 214, a ensejar a aplicação dos efeitos benéficos e retroativos constantes no artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal. Ela apenas foi incorporada ao artigo precedente (213), ou seja, “mudou de endereço”. Nas palavras de Luiz Flavio Gomes: A isso se dá o nome de continuidade normativo-típica. O que era proibido antes continua proibido na nova Lei.”

É bem sabido que a Lei só retroage para beneficiar o réu, e em assim sendo, o novo sentido do crime de estupro que já está em vigor é somente atribuído aos infratores atuais, enquanto que os outros processados ou condenados anteriormente pelo antigo crime de estupro ou pelo extinto crime de atentado violento ao pudor, por não serem beneficiados com a novidade continuam no mesmo patamar jurídico.

A elementar do tipo da ultrapassada denominação relacionada ao crime de estupro, que revelava seu sujeito passivo somente a mulher, fora substituída pela expressão alguém. Tal supressão e substituição destas palavras modificaram todo o sentido desse crime. A partir de então o sexo do ofendido é indiferente para a caracterização do delito. Não exclui o crime a circunstância de ser a vítima menor, inconsciente, débil mental, enfermo, deficiente físico, homossexual ou prostituta... Todos protegidos em sua liberdade sexual. Neste sentido algumas vítimas dessas classes sociais figuram como qualificadora para o autor do delito.

A nova Lei trouxe à baila as figuras qualificadoras do crime de estupro nos próprios §§ 1º e 2º do art. 213 e no recém criado art. 217-A. Sendo esse último relacionado ao estupro de vulnerável.

Enquanto que no estupro de natureza simples (caput do art. 213) o seu agente ativo pode ser condenado a uma pena que varia de 6 a 10 anos de reclusão, com a forma qualificada decorrente da conduta criminosa em que resulta lesão corporal de natureza grave para a vítima, ou sendo essa menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos (§ 1º do art. 213) a pena é acrescida e o autor pode sofrer uma reclusão de 8 a 12 anos. Se da conduta resulta a morte da vítima (§ 2º do art. 213) a pena passa a ser de 12 a 30 anos de reclusão, ou seja, atinge ao máximo da condenação estabelecida no nosso ordenamento jurídico-penal.

Ao novo artigo incorporado ao Código Penal, entende-se:

Estupro de vulnerável.

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

O novo artigo é bem mais objetivo e claro do que o seu antecessor. Subentende-se que a redação e o entendimento do crime de estupro de vulnerável tenha sido retirado, adaptado e melhorado do antigo artigo referente a presunção de violência, também revogado pela nova Lei.

O estupro presumido era previsto anteriormente no art. 224 do Código Penal que possuía a denominação de presunção de violência, englobando também naquele dispositivo os crimes contra os costumes. Tal presunção de estupro era aplicada para o caso da vítima ser menor de 14 anos, e também para o caso da vítima ser alienada ou débil mental, desde que o agente ativo conhecesse dessa condição, ou ainda para o caso em que a vítima não pudesse oferecer resistência ao ato criminoso, ou seja, tal artigo era tão somente e todo ele subjetivo com interpretações dúbias das supostas presunções. Diante das suas constantes suposições dos casos reais ocorridos no seu trâmite, o referido dispositivo legal tornou-se por demais criticado pela doutrina penal. Para alguns juristas o seu teor principal, ou seja, a presunção da violência, não condizia com o nosso Estado Democrático de Direito e por isso seria inconstitucional, embora houvesse Jurisprudências diversas. A sua supressão, a sua revogação, fora de fato, bem vinda pela grande maioria dos juristas brasileiros.

O entendimento do estupro de vulnerável nasceu de forma mais real, mais presente, mais viva, e busca punir toda relação sexual ou ato considerado libidinoso, de qualquer natureza, ocorridos com ou sem consentimento do menor de 14 anos de idade e das outras pessoas citadas portadoras de circunstancias especiais e diferenciadas das consideradas pessoas normais. Para a concretização da infração basta o agente ativo praticar a cópula vaginica (no caso da vítima ser a mulher e o autor ser o homem), ou qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal (nesse caso tanto o homem quanto a mulher pode ser autor ou vítima), não importando o meio usado para a perpetração do ato, se por violência, ameaça, fraude ou consentimento da pessoa passiva. De qualquer forma havendo esses atos sexuais direcionados e realizados com tais pessoas relacionadas, estará caracterizado o crime de estupro de vulnerável.

A vulnerabilidade vem sendo, sem sombras de dúvidas, objeto de preocupação dos Poderes Públicos, com cuidados especiais redobrados pelo Direito Penal, como é o caso aposto.

O § 2º do art. 217-A fora vetado, enquanto que o § 3º fala que se da conduta criminosa resultar lesão corporal de natureza grave para a vítima, então o agente ativo do delito estará sujeito a pena de reclusão de 10 a 20 anos. Já no § 4º está implícito que se do ato criminoso levar a vítima à morte, então o seu agressor estará sujeito a uma pena que varia de 12 a 30 anos de reclusão.

A referida Lei ainda trás no seu art. 234-A o aumento da pena para certas adversidades advindas dos crimes contra a dignidade sexual especificados no seu Título VI, dentre os quais estão contidos os crimes de estupro de natureza simples e o estupro de vulnerável. No item III a pena do autor é aumentada de metade se do crime resultar a gravidez da vítima. Já no item IV que fecha o ciclo do referido artigo, dispõe o aumento da pena de um sexto até a metade, caso o autor do crime, sabedor de doença sexualmente transmissível assim a transmite para a sua vítima.

Em analise da nova denominação do termo estupro, observa-se a igualdade entre o antecessor e atual artigo referente ao ato denominado conjunção carnal, contudo, quanto à introdução na redação do ato libidinoso, significa nas palavras de FERNANDO CAPEZ: “Ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere ao ato, ou seja, a uma realização física completa (...). Por exemplo: agente que realiza masturbação na vítima, introduz o dedo em seu órgão sexual, introduz instrumento postiço em seu órgão genital, realiza coito oral etc.”

Não há como confundir tais atos libidinosos com “apalpadelas, amassos e beijos lascivos”, que segundo CEZAR BITTENCOURT, quando isso ocorre, deve ser enquadrado como contravenção penal (art. 61 LCP).

A Enciclopédia virtual Wikipédia nos ensina que além da cópula vaginal são considerados atos libidinosos: “Contato da boca com o pênis, com a vagina, com os seios ou com o ânus, os que implicam manipulação erótica (por mãos e dedos) destes mesmos órgãos pelo respectivo parceiro, os que implicam introdução o pênis no ânus ou no contato do pênis com os seios, e os que implicam masturbação mútua.

Em decorrência das alterações e supressões ocorridas no Título VI Parte Especial do Código Penal, conseqüentemente o legislador teve que promover as devidas modificações na Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, mais conhecida por Lei dos Crimes Hediondos.

Harmonizando as mudanças do texto com a devida integração sistemática das normas, adaptou-se e incluiu-se na redação dessa Lei o estupro de natureza simples e o estupro de vulnerável que ficaram então apostos no seu art. 1º incisos V e VI respectivamente.

Essa adaptação põe termo em definitivo à celeuma doutrinária que fora criada relativa a questão do então estupro simples ser considerado ou não um crime hediondo, não obstante o próprio STF – Supremo Tribunal Federal, coerente com os princípios legais e coadunando com os seus próprios julgados e a equivalência de Lei, tenha reconhecido e reafirmado o caráter hediondo do crime de estupro.

Agora não resta qualquer dúvida. A extrema representatividade das lesões causadas às vítimas do estupro, trazendo sempre como conseqüência a inaceitável irreversibilidade do dano causado ao emocional do sujeito passivo, é então reconhecida. O ato violento, depravado, sórdido, repugnante, horrendo, pavoroso e, enfim hediondo, fora devidamente qualificado entre os crimes dessa espécie, reparando assim, acima de tudo, que para certas vítimas, quando da conduta dolosa sofrida, fixa-lhes permanentemente um trauma psicológico.

Assim, de acordo com a Lei dos Crimes Hediondos, nos quais estão inclusos os novos delitos de estupro, o seu sujeito ativo, então processado ou condenado, no dizer de JULIO FABRINI MIRABETE: “... não pode ser beneficiado com anistia, graça ou indulto (art.2°, I), não tem direito a fiança e liberdade provisória (art.2º, II), deverá cumprir a pena integralmente em regime fechado (art. 2º, § 1º), sua prisão temporária pode se estender por trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (art. 2º, § 3º) e, em caso de sentença condenatória, o Juiz decidirá fundamentalmente se poderá apelar em liberdade, podendo, pois, negar o benefício ainda que o condenado seja primário e de bons antecedentes.”

Conclui-se, portanto, que com o advento da nova Lei decorrerá muitas indagações ao seu interprete a ser resolvidas nos Tribunais, ao passo que, em virtude da real possibilidade de ambos os sexos participarem como agente ativo ou passivo nos crimes de estupro, não será aberração jurídica alguma, embora soe mal aos nossos ouvidos e atropele a língua portuguesa, constatarmos no cotidiano popular ou na mídia policial: “Jose estuprou João, que tinha estuprado Maria, autora do estupro contra Joana, a estupradora de José.”

 

(*Delegado de Polícia. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública)

archimedes-marques@bol.com.br

 

 

Referencias bibliográfica e sites pesquisados:

 

MESTIERI, João. Do delito de estupro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2002.

ELUF, Luíza Nagib. Crimes contra os Costumes e assédio sexual. São Paulo: J. Brasileira, 1999.

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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte especial. São Paulo: Saraiva, 2006.

BITTENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2008.

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora Atlas, 1996.

GOMES NETO, F.A. Novo Código Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Leia Livros Ltda, 1985.

AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Do homem como sujeito passivo do delito de estupro (Lei nº 12.015/2009). Netlegis, 2009.

ARAUJO, Thiago Lustosa Luna de. O(s) novo(s) crime(s) de estupro: Apontamentos sobre as modificações implementadas pela Lei 12.015. Teresina: Jus Navigandi, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

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