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Resumo:
O presente artigo tem como objetivo analisar a atuação do Judiciário na efetivação do direito a saúde,diante do embate entre os princípios constitucionais potencializadores e os restritivos emergentes das demandas que visam a proteção Estatal.
Texto enviado ao JurisWay em 18/02/2014.
Última edição/atualização em 20/02/2014.
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A PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO À SAÚDE
Ailana Santos Ribeiro
Flávia Aparecida Moreira
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a atuação do Judiciário na efetivação do direito a saúde, principalmente diante do embate entre os princípios constitucionais potencializadores e os restritivos emergentes das demandas que visam à prestação positiva Estatal nesse âmbito. Para isso, proceder-se-á, primeiramente, a uma contextualização do direito a saúde e sua abrangência como direito fundamental. Em seguida, serão identificados e analisados os princípios constitucionais em colisão nas decisões judiciais que versam sobre o tema, para, ao final, discorrer acerca dos métodos aplicados na solução dos conflitos principiológicos envolvidos na busca pela tutela jurisdicional do direito pleiteado.
Abstract: This article aims to analyze the role of the Judiciary in the realization of the right to health, especially on the collision between the constitutional principles enhancers and restrictive emerging from demands focused on provide positive State acts in this context. In order to this, firstly, will be effected a contextualization of the right to health and its scope as a fundamental right. Then, will be identified and analyzed the constitutional principles on collision in judicial decisions that deal with the theme. In the end, will be argued about the methods used in the solution of principles conflicts involved in the persecution for legal protection of the right claimed.
I- INTRODUÇÃO
Por força da Constituição Brasileira de 1988 (CF/88), a todos os cidadãos é garantido o direito à saúde, premissa básica para o exercício da cidadania e indispensável no âmbito dos direitos fundamentais de caráter social.
Em um breve traçado histórico, o direito à saúde configura-se como um dos elementos que marcaram a transição do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, que passou a exigir do Estado não mais uma atividade negativa, determinada pela contração da sua atuação nos âmbitos social, político e econômico, e sim, uma ação positiva, apta a propiciar uma efetiva garantia e aplicação dos direitos fundamentais, inclusive, do direito à saúde.
Sob o prisma do Direito, a saúde consiste em um segmento autônomo da Seguridade Social, a qual é definida pela Constituição Federal, em seu artigo 194, caput, como um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Insta realçar que dentre os três relevantes programas sociais abarcados pela Seguridade Social, quais sejam, a previdência social, a assistência social e a saúde, o último traz consigo a finalidade mais ampla, haja vista não apresentar restrição quanto aos seus beneficiários. Isso porque o direito à saúde, conforme previsão expressa do art. 196 da Cf/88, é um direito cujo acesso deve ser garantido de modo universal e igualitário, sem que se opere qualquer distinção, inclusive afeta à condição econômica dos beneficiários.
Em virtude da fundamentalidade do direito, o Estado brasileiro deve fazer todo o possível para promover a saúde. Entretanto essa não é uma responsabilidade restrita ao Poder Executivo. Os demais Poderes também são abarcados pelo dever de tornar as políticas públicas de saúde as mais eficazes e abrangentes possíveis. O Judiciário, nesse aspecto, perante as políticas públicas implementadas, tem o dever de garantir aos cidadãos a efetivação dos direitos subjetivos por ela previstos e constitucionalmente assegurados.
No entanto, para realização efetiva do direito à saúde, o Judiciário deve enfrentar os possíveis embates que podem se instalar entre os princípios norteadores desse direito.
De acordo com o que preleciona Humberto Ávila, os princípios constituem:
“normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária a sua promoção.” (2009, p.183).
Dessa forma, os princípios não fornecem uma solução especifica para o caso concreto, mas ajudam na decisão ao lado de outras razões. Nesse aspecto é que os princípios também se diferem das regras, as quais tem a pretensão de gerar uma solução especifica por serem abarcantes. Além disso, regras são normas descritivas, preveem comportamentos, enquanto que os princípios são finalísticos que dependem dos efeitos da adoção de determinados comportamentos.
Alexy (2008) ao tratar de princípios os definem como mandados de otimização com respeito às possibilidades fáticas e jurídicas. Complementa ainda o doutrinador que diante da colisão entre princípios constitucionais em um determinado caso concreto, deve haver a prevalência de um princípio sobre o outro..
II- DO DIREITO SOCIAL À SAÚDE
Nos termos do art. 197 da Constituição Federal de 1988 são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor nos termos da lei sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
A previsão constitucional do direito à saúde não pode ser subtraída, ainda que por emenda à Constituição, isto é, trata-se de um direito fundamental, cuja prestação jurisdicional vincula os Poderes Públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário), responsáveis pela promoção da saúde, já que doutrinariamente, traduz-se por ser uma “norma tipo princípio de direito fundamental”.
Os direitos sociais, dentre os quais se incluiu o direito a saúde, tem como pressuposto os direitos econômicos, conforme aduz José Afonso da Silva: “sem uma politica econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia não se comporão as premissas necessárias ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e dos mais numerosos”.
O direito a saúde, pertencente aos direitos de segunda dimensão, consubstanciam prestações positivas a serem prestadas pelo Estado na concretização da isonomia substancial e social para a melhoria das condições de vida da sociedade.
Ocorre que Canotilho e Moreira (apud SILVA, 2007), prelecionam que além da natureza positiva, supracitada, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas, há a vertente de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado ou de terceiros que se abstenha de qualquer ato que prejudique à saúde.
Percebe-se que o acesso à saúde é um dever do Estado e direito de todos, que deve ocorrer de maneira universal e igualitária. Nesse sentido, os entes púbicos devem promover politicas sociais e econômicas no intuito de reduzir os riscos de doenças, dentre outras medidas preventivas que assegurem a proteção e recuperação da saúde.
Se por um lado o direito social constitui forma de tutela pessoal, por outro lado o direito econômico tem uma dimensão institucional, conforme discorre Silva (2007). Esse paralelo faz se necessário à compreensão dos mecanismos de garantia do Direito social à saúde, pelo Estado, haja vista que a demanda da população supera o aparato estatal disponível às tarefas satisfatórias, indispensáveis à efetivação do direito, em análise. Isso significa que o Estado carece de estrutura física e de pessoal suficientes ao atendimento das pessoas que lhes solicitam o acesso à saúde.
E que esse impasse tem, antes de tudo, natureza orçamentária, o que por sua vez se vincula ao direito econômico ou à necessidade de realização de uma política econômica capaz de parametrizar recursos financeiros e demandas de direitos em caráter concreto.
Assim, as demandas judicias objetivando a efetivação do direito a saúde alcançam índices crescentes e significativos. Nesse sentido, contrapõe-se o direito fundamental de eficácia jurídica imediata, o qual implica uma atuação positiva do Estado, à própria ineficiência estatal na concretização desse direito, alvo de desafios práticos e teóricos.
III- OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O DIREITO À SAÚDE
Não obstante a proteção constitucional conferida ao direito à saúde, insculpido sob a forma de norma de caráter fundamental, encontra-se em ascendência o número de demandas judiciais que têm como escopo a efetivação do direito à saúde, trazendo em seu bojo uma fundamentação jurídica aportada em princípios constitucionais.
Quando do exercício do direito de defesa pelas partes litigantes, essas demandas travam verdadeiros embates principiológicos, cabendo ao órgão julgador solucionar a colisão de princípios para, então, proferir uma decisão em consonância com as peculiaridades do caso sub judice.
A jurisprudência vigente demonstra que nas demandas judiciais circunspectas ao direito à saúde, os conflitos de maior incidência são os que envolvem os princípios da universalidade, proporcionalidade e reserva do mínimo possível.
3.1 Princípio da Universalidade de Acesso
A garantia de acesso universal às ações e serviços assecuratórios do direito à saúde, tem previsão expressa no art. 196 da CF/88, cujo conteúdo é corroborado pelo art. 2º, § 1º da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90), que assim dispõe:
Art. 2°, § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Essa universalidade de acesso, no plano prático, conforme preleciona Rezende (2003), vincula a Administração Pública, em todas as suas esferas, ao desenvolvimento de políticas públicas que assegurem a toda a população o acesso aos serviços e ações sociais responsáveis por promover a saúde, restando aos indivíduos portadores desse direito, seja de modo coletivo ou individualizado, requerer ao Judiciário a sua efetivação sempre que, pleiteada a sua concessão na esfera administrativa, o Poder Público omitir-se.
No âmbito do direito brasileiro, a universalidade encontra-se diretamente relacionada com a gratuidade no acesso aos serviços, garantida pela política pública instituída através do Sistema Único de Saúde (SUS), teoricamente capacitado a atender a todos, independentemente da condição econômica. Essa opção pelo sistema de acesso universal à saúde, na visão de Ferraz (2008), mostra-se mais adequada por evitar a estigmatização e a baixa qualidade inerente aos serviços públicos que são destinados exclusivamente aos mais pobres.
Nessa perspectiva, a obrigação estatal de propiciar acesso universal igualitário aos bens e serviços pertinentes à saúde, busca prestigiar a diversidade cultural, social, econômica e geográfica presente nos indivíduos e grupos de indivíduos que habitam o território nacional, tornando-se necessária a adoção tanto de medidas genéricas quanto de medidas específicas (destinadas a atender especificidades de grupos, como o de homossexuais) de promoção da saúde.
Ao se analisar o princípio do acesso universal e igualitário como fundamento jurídico para a tutela jurisdicional do direito à saúde, no âmbito de um Estado comprometido com a justiça social, conforme prescreve o art. 193 da CF/88, depara-se com o seguinte impasse: embora universal, o direito à saúde não pode ser exercido de modo ilimitado, irrestrito e irracional pelo indivíduo em face do Estado, em desconsideração e em prejuízo da comunidade.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), tem adotado o posicionamento genérico considerar procedentes as pretensões prestacionais em face do Estado com fundamento, exclusivo ou não, na universalidade de acesso, aplicando, inclusive, multas a parte que se opõem ao princípio em análise com o evidente propósito protelatório.
Entretanto, conforme restará demonstrado adiante, qualquer posicionamento no sentido de aplicação e conflito principiológico jamais deve ser entendido como absoluto, tendo em vista que a cada caso concreto, investido das suas especificidades, um novo sopesamento entre o princípio da universalidade e qualquer outro que seja a esse contraposto pelas partes litigantes deve preceder ao julgamento que decidirá pela concessão ou não da tutela jurisdicional do direito (à saúde) pleiteado.
3.2 Princípio da Reserva do Mínimo Possível
O direito social a saúde na sua condição de direito a prestações tem por objeto prestações estatais, o que revela sua dimensão econômica. Referida dimensão, por sua vez, possui relevância no âmbito da eficácia e efetivação desse direito, o que implica dizer que a efetivação das prestações está condicionada a existência de recursos, os quais irão possibilitar ou não a satisfação da pretensão reclamada. A alocação de recursos é considerada limite fático a efetivação do direito a saúde.
Nesse sentido é que se insere a noção de “reserva do possível”, desenvolvida na Alemanha a partir dos anos de 1970 e que:
“passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a ideia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público.” (A. Krell, apud Sarlet, p.52, 2008).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha ao desenvolver a noção da reserva do possível, teve como arcabouço fático o caso numerus clausus, que versava sobre o direito de acesso ao ensino superior: um pleito de candidatos ao curso de medicina no intuito acesso universal ao curso porque o número de vagas era desproporcional à demanda. A Corte negou o pedido fundamentado que, para acima do mínimo existencial, a efetivação dos direitos sociais fica condicionado à reserva do possível, ou seja, ao remanescente de acordo com as possibilidades.
Tomando por base o julgado da Alemanha que deu origem a esta diretriz, também aplicada no Brasil, essa orienta para a exclusão da aplicação da reserva do possível quando se trata de demandas que objetivem direitos que são objeto do mínimo vital.
Assim, considerando essa noção, as prestações exigidas ao Estado deveriam corresponder aquilo que razoavelmente pode-se exigir da sociedade, não obrigando o Estado a prestar algo que não se encontre num limite entendido como razoável. Ainda, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, há uma dimensão tríplice que envolve a reserva do possível, a qual abrange:
a) “a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.” (2008, p.30).
A reserva do possível atua, então, como limite jurídico e fático do direito fundamental a saúde tanto como pode servir de garantia a esse direito, desde que observados critérios de proporcionalidade.
A problemática de efetivação dos direitos sociais, especialmente a saúde, vincula-se, dessa forma, a deficiências na competência constitucional, uma vez que compete ao legislador a definição dos parâmetros de aplicação dos recursos financeiros no âmbito socioeconômico. Assim, emerge a preocupação com o orçamento público diante da escassez de recursos e do número crescente de demandas. A destinação responsável dos recursos indica a necessidade de busca pelo aprimoramento tanto na esfera administrativa, como na gestão política dos orçamentos públicos.
A aplicação da reserva do possível como argumento para limitação do direito a saúde, conforme preleciona Sarlet e Figueiredo (2008) tem de ser encarada com reserva, para que não se torne somente uma desculpa para omissão estatal na efetivação desse direito. Assim ao poder público cabe o ônus de comprovar a inexistência dos recursos necessários à prestação exigida.
Assim, a abrangência é muito maior do que a simples disponibilidade de recursos financeiros para o custeio de um direito. Inclui-se também o planejamento de da política pública voltada para a saúde, lembrando-se da necessidade de ponderar o limite do razoável na efetivação do direito a saúde, principalmente nos seus aspectos de integralidade e universalidade.
Diante do caráter programático das normas constitucionais referentes à saúde, indiscutível a necessidade de elaboração de políticas públicas abrangentes para concretização desse direito fundamental positivos.
Cabe ao administrador elaborar políticas públicas de atendimento e adotar medidas para que a saúde seja universalmente justa.
Ressalta-se nesse contexto a interferência do Poder Judiciário no âmbito administrativo refletida na fiscalização das diretrizes normativas das políticas públicas.
A “reserva do possível” centra-se, então, na possibilidade de controle judicial das políticas públicas em confronto com a discricionariedade administrativa, é o princípio da proporcionalidade aplicado na interface entre Poder Judiciário e Executivo.
3.3- Princípio da Proporcionalidade
O Princípio da proporcionalidade ganha destaque no Direito Brasileiro por funcionar como mecanismo de controle dos atos do Poder Público. De tal sorte, é recorrente no âmbito de solução de conflitos em várias esferas do Direito.
Sendo um deles o relacionado à própria aplicabilidade do princípio em voga. Nesse sentido, faz-se necessário o entendimento de que apesar de gravitar em torno da palavra “proporção”, seu conceito é bem mais abrangente e requer que haja uma relação de causalidade entre meio e fim.
Por assim ser, “sua aplicação depende de elementos sem os quais não pode ser aplicada.” (Ávila, 2009, p.164). Ou seja, é preciso que se proceda a três exames fundamentais, quais sejam; o da adequação, que significa perguntar se o meio é capaz de promover o fim; o da necessidade, pertinente à ideia de que o fim será alcançado de forma a minimizar os impactos aos direitos fundamentais; e, o da proporcionalidade em sentido estrito, que visa estabelecer uma dosimetria entre a promoção do fim e a adoção do meio.
Logo, “o exame de proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida concreta destinada a realizar uma finalidade.” (Ávila, 2009, p.164). O que implica uma relação meio/fim, sem a qual a discussão de proporcionalidade perderia o sentido.
Continua o ilustre Ávila (2009) a discorrer que o fim consiste em um estado desejável das coisas, e, ainda distingue o que seriam fins internos e fins externos. Isto é, aqueles que estabelecem um resultado a ser alcançado que reside na própria pessoa ou situação objeto de comparação e diferenciação e por outro lado aqueles que não são propriedades ou características dos sujeitos atingidos, mas que se constituem a partir das finalidades designadas ao Estado, com dimensão extrajurídica, respectivamente.
Para compreender a aplicação do principio da proporcionalidade em matéria de Direito à Saúde, basta que se proceda ao exame da adequação, já posta como pilar do exame trifásico desse principio. A adequação, em voga, comporta três aspectos: quantitativo (intensidade), qualitativo (qualidade) e probalístico (certeza). O que significa dizer que sob a ótica quantitativa um meio pode promover, menos, igualmente ou mais um fim do que se fosse escolhido outro meio. Qualitativamente falando, uma solução advinda de um meio poderia vir a ser pior, igualmente, ou melhor, do que outra fundada em outro mecanismo. E ainda que, em matéria de certeza, um meio pode promover com menos, igual ou mais certeza o fim do que outro meio, assim ensina Ávila (2009).
Percebe-se que dificilmente um legislador ou administrador obterá êxito na parametrização desses aspectos inerentes à adequação, ao compará-los. Por assim ser Ávila (2009) ilustra que ao comprar vacinas para combater uma epidemia, nesta escolha do administrador, reside a comparação, suponha-se, entre uma vacina que acaba com todos os sintomas da doença (satisfatória em termos qualitativos), mas que não tem eficácia comprovada para a maioria da população (inferior em termos probalisticos) e outra vacina que, apesar de sanar as principais sequelas da doença (inferior em termos quantitativos) já foi cientificamente testada e demonstrou resultados satisfatórios (superior em termos probalisticos).
Ressalta-se que se ao legislador ou ao administrador for imbuído o dever de escolher os meios mais seguros, melhores e mais intensos de se alcançar um fim em detrimento do dever de tão somente promover um meio que promova o fim, a solução para os conflitos em qualquer ordem seria remota.
Isso porque o aparato do qual dispõe os entes públicos não o permitem faze-lo e ainda devido ao fato das próprias circunstâncias intrínsecas ao caso concreto não permitir que assim o seja. Por fim, haveria uma redução da liberdade de escolha inerente ao sistema de divisão de funções próprias dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário).
Ávila (2009), ainda observa a adequação em três dimensões, quais sejam: abstração/concretude; (a medida será adequada se o fim for possivelmente realizado com sua adoção); generalidade/particularidade (a medida será adequada se o fim for realizado na maioria dos caos com sua adoção); antecedência/posteridade (a medida será adequada se o administrador avaliou e projetou bem a promoção do fim no momento da adoção da medida). Por isso adotar uma medida adequada requer uma análise em que preponderam juízos do tipo probabilístico e indutivo.
Cabe esclarecer que as medidas em que a incompatibilidade entre o meio e o fim seja claramente manifesta são inadequadas. Por assim ser, os reiterados deferimentos de internação concedidos pelo poder judiciário a partir de mandados de injunção, ou de quaisquer outras medidas, se comparados com a estrutura deficitária de hospitais e ausência concreta de vagas e de leitos, mostram-se inadequados. Por outro lado, ao garantir o direito à saúde, o poder judiciário tutela à saúde ainda que por assim fazê-lo estampe as limitações do Estado como garantidor.
Fica demonstrada a complexidade da matéria que analisada pela corte superior, aduz o entendimento jurisprudencial retro transcrito:
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal demonstra, de um lado, a exigência de evidência na declaração de inviabilidade de uma medida por ser ela inadequada e, de outro, a circunstância de o exame de adequação como, de resto, de qualquer postulado, sempre envolver a violação de algum principio constitucional” (ÁVILA, 2009, p.172).
Exposto as considerações sobre a adequação dar-se-á os apontamentos sobre a necessidade, na discussão do principio da proporcionalidade. O que requer conhecer suas etapas de investigação: o exame da igualdade de adequação dos meios e o exame do meio menos restritivo, que visam sucessivamente encontrar os meios alternativos de solução e examinar se os meios alternativos restringem o menos possível os direitos fundamentais, colateralmente afetados, assevera Ávila (2009).
Orienta-se que o controle da necessidade deve limitar-se à anulação do meio escolhido quando há um meio alternativo que, em aspectos considerados fundamentais, promova o fim almejado causando menor lesão de direitos fundamentais, tendo em vista que, ao assim, fazê-lo, respeita-se o principio da separação dos poderes.
Já no que concerne à proporcionalidade em sentido estrito, trata-se de um exame complexo, pois adotar um meio que oferece mais vantagens em detrimento de outro menos vantajoso na persecução de um fim depende de uma avaliação, predominantemente, subjetiva.
E nisso reside dosar, sobretudo, o controle que o poder judiciário exercerá sobre os atos do poder legislativo e do poder executivo na aplicação do postulado da proporcionalidade. A tutela jurisdicional da saúde, pelo poder judiciário constata que nas esferas administrativas algo não anda bem.
Todavia a intensidade com que é feito esse controle, ainda é questionável. “É importante encontrar critérios que aumentem e que restrinjam o controle material a ser exercido pelo poder judiciário.” (Ávila, 2009, p.176). Diante de premissas, muitas vezes, errôneas praticadas pelo legislativo, a medida recomendada não poderia ser diferente. O poder judiciário precisa avaliar os atos do legislativo a fim de garantir que a escolha do meio seja a que melhor promova a finalidade pública que motivou o acionamento da justiça.
Em outras palavras o que se sugere é a intensificação do controle de constitucionalidade. Isso porque o principio democrático só ocorrerá se o poder legislativo acertar em suas escolhas e as direcionar para as finalidades estatais e efetivação dos direitos fundamentais, dentre eles o direito à saúde.
IV- A PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
Ultrapassada a etapa de identificação dos principais princípios constitucionais envolvidos na judicialização do direito à saúde, faz-se necessário proceder à verificação dos meios adequados para solucionar o conflito principiológico em torno do qual orbita o litígio.
Em se tratando de princípios, que nada mais são do que “mandados de otimização”, conforme pondera Alexy (2008), a solução das colisões entre eles deve se ater a realização do direito na sua maior medida possível, dentre as possibilidades fáticas e jurídicas existentes.
Assim, entre a teoria dos princípios e o mecanismo de solução das controvérsias principiológicas, inevitavelmente, estaria a máxima da proporcionalidade. Essa conexão não poderia ser mais estreita:
“a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela. Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza”. (ALEXY, 2008, p. 116/117).
Apesar de não possuir previsão expressa na CF/88, o preceito em comento é um postulado constitucional implícito, fundamentado no próprio Estado de Direito e no princípio da dignidade humana.
Quanto às máximas parciais que compõem o preceito da proporcionalidade, leciona Alexy (2008, p. 118) que a máxima da proporcionalidade em sentido estrito repercute na otimização em face das possibilidades jurídicas, ao passo que as máximas da necessidade e adequação “decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas”.
No que pertine ao preceito parcial da adequação, aduz Leivas (2006) que uma medida estatal é adequada no sentido da proibição da não suficiência caso ela seja apta a alcançar ou promover o objetivo exigido pela norma que obriga o Estado a agir.
Noutro giro, o preceito parcial da necessidade determina que uma medida seja desnecessária quando, por outro meio, é alcançado o objetivo exigido pela norma que obriga o Estado a agir.
Já a proporcionalidade em sentido estrito exige o sopesamento, a ponderação entre princípios colidentes sempre que a possibilidade jurídica para a realização de uma norma fundamental com caráter de princípio vincular-se a um princípio antagônico.
Desse terceiro preceito parcial da máxima da proporcionalidade, decorre a imposição de que, em um caso concreto no qual se retrate a colisão de normas com caráter de princípios constitucionais, sendo elas de mesma hierarquia, a decisão final deverá atender à otimização a harmonização dos direitos que elas conferem.
Para Alexy (2008), uma vez que os princípios constituem mandamentos ideais, acabam por exigir mais do que aquilo que é possível se obter na realidade fática, colidindo com outros princípios e tornando a ponderação a única forma de aplicação capaz de aproximar o dever-prima-facie ideal do dever real e definitivo.
Assim, os princípios garantidores de direitos que impulsionam as ações prestacionais dirigidas contra o Estado exigem, em virtude do seu caráter teleológico, a mais ampla e possível realização de um ideal, isto é, a máxima otimização de um objetivo.
Transportando-se esses ensinamentos para a colisão entre princípios constitucionais circunspectos ao direito fundamental à saúde, pode-se dizer, a título de exemplo, que os princípios da universalidade de acesso e da dignidade da pessoa humana, ao subsidiarem uma pretensão de se obter um medicamento excepcional de altíssimo custo necessário para o tratamento de uma doença grave, que coloca em risco a vida de uma das partes litigantes, são privilegiados por meio de uma decisão judicial favorável, fazendo com que os princípios colidentes da reserva do possível e da proporcionalidade, dentre outros que poderiam assumir caráter antagônico à demanda, sejam afetados apenas moderadamente, permitindo, na prática, a realização do direito à saúde constitucionalmente assegurado.
É dizer: a ponderação ou sopesamento entre os princípios confrontantes é o único mecanismo hábil a considerar e mensurar os graus de satisfação ou não satisfação que poderão ser obtidos pelos meios adequados e necessários possíveis em um caso concreto, permitindo ao Judiciário proferir a decisão que, satisfazendo ou não a pretensão jurisdicional, melhor atenda às garantias constitucionais relacionadas ao direito à saúde.
V- CONCLUSÃO
A garantia do direito à saúde, por depender de uma ação positiva do Estado, deve ser objeto de controle do poder judiciário, ainda que para isso os atos do legislativo requeiram maior acompanhamento.
A previsão constitucional salvaguarda um direito fundamental que por não ser absoluto, deixa margens à discricionariedade do legislador. Sendo a principal delas a discricionariedade para escolher os meios de se chegar a um determinado fim. E quando decorre não somente da proibição de intervenções, como também exigem ações positivas, como é o caso em estudo, ampliam-se as margens de conflito.
Se todos os meios concorrerem para um resultado sem efeitos negativos em outras finalidades e princípios, essa discricionariedade da escolha do meio não suscitará problemas, mas se os diversos meios fomentarem a finalidade em graus distintos, ou se for incerto em que grau eles o fazem, ou se tiverem efeitos negativos em diferentes graus nas outras finalidades ou em outros princípios ou, ainda, se for incerto em que grau isso ocorre, a solução depende de sopesamentos e da possibilidade de identificar os respectivos graus de fomento e de prejuízo em relação a outras finalidades e princípios, ensina Alexy (2008).
Nessa esfera há que se considerar a distinção entre discricionariedade estrutural e epistêmica. Sendo que esta ultima surge quando é incerta a cognição daquilo que é obrigatório, proibido ou facultado em virtude dos direitos fundamentais. e a primeira pressuposto do sopesamento.
Já no que se refere ao principio da proporcionalidade, em níveis de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, reside a discricionariedade epistêmica. O que significa dizer que “o Tribunal Constitucional Federal só poderia admitir a intervenção no direito fundamental se a veracidade das suposições empíricas, das quais a adequação e necessidade dependem fosse sólida” (Alexy, 2008, p.612).
Logo, o sopesamento dos princípios da universalidade, da reserva do mínimo legal e, sobretudo da proporcionalidade, revela-se como instrumento válido à efetivação da tutela jurisdicional do acesso à saúde, desde que, analisados na conjuntura da discricionariedade epistêmica e aplicados ao caso concreto.
Destarte, um meio de solução de conflito é adequado quando atinge o fim almejado. O que se deve verificar é se o ato jurídico é geral ou individual. Pois na primeira hipótese deve-se considerar o ponto de vista, abstrato, geral e prévio, enquanto na segunda hipótese, a análise gravitará em torno do plano concreto, individual e prévio. Em outras palavras, o estudo de caso se diferencia em função dos interesses perseguidos, antes de exigir do julgador a ponderação de princípios é preciso que já esteja determinado se a demanda vinculará interesses individuais ou coletivos.
VI- REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, Tradução: Virgilio Afonso da Silva, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 10ª ed: São Paulo: Malheiros, 2009.
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LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª edição rev. atual. e ampliada. São Paulo: Saraiva 2010.
REZENDE, Conceição Aparecida Pereira. Dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde - SUS. In: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Direito sanitário e saúde pública: manual de atuação jurídica em saúde pública e coletânea de leis e julgados em saúde. Brasília: Síntese, 2003.
SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html. Acesso em 15 de novembro de 2013.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
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