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A função social e os bens móveis


Autoria:

Wilclem De Lázari Araujo


Advogado e Consultor Jurídico. Ex-funcionário público. Escritor e autor de artigos jurídicos em diversas áreas do direito.

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Resumo:

Diversos estudos já foram elaborados com o fulcro de se estabelecer a função social das propriedades móveis. Mas e os bens móveis? Possuem função social? Sofreriam das mesmas limitações?

Texto enviado ao JurisWay em 05/02/2013.

Última edição/atualização em 06/02/2013.



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A FUNÇÃO SOCIAL E OS BENS MÓVEIS

 

 

 

 

Vivemos na era da propriedade em seu sentido social. Diversos estudos e normas já foram elaborados com o fulcro de se estabelecer regras para a utilização das propriedades imóveis, a fim de adequá-las à sua função social. Mas e as propriedades móveis? Um bem móvel possui uma função social? O seu uso deve ser limitado?

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

Desde sempre não se achou um conceito preciso de propriedade, e até em tempos hodiernos não há uma exata definição acerca do termo. Nem mesmo os Romanos atreveram-se a defini-la, tarefa que se iniciou apenas com o advento da Idade Média.

Com pouco esforço conseguimos ver que a propriedade sempre existiu entre o homem, desde a origem da criação das primeiras sociedades. Até mesmo o homem pré-histórico, por sua natureza, exercia sobre suas coisas o direito de propriedade, antes defendido sob a força física e segundo a lei do mais forte, tal qual o é ainda na vida animal. Ainda àquelas sociedades primitivas, que não reconheciam o direito de propriedade privada, era-lhes tido o reconhecimento da propriedade, ainda que coletiva.

E por mais que nos escape uma definição exata e precisa acerca do direito de propriedade, não nos parece que sua importância é diminuída em razão dessa inexatidão, impropriedade que os estudiosos jamais deixaram prevalecer. Diversas são hoje as teses que tentam justificar a propriedade, mas nenhuma delas deixa claro o seu conceito, pela razão de ser o tema parte daqueles em que encontramos fundamento com a própria origem do homem.

Com o passar do tempo, o homem, reconhecendo a propriedade como legítimo direito (alguns dizendo ser este direito divino concedido por Deus aos homens), viu a necessidade de estabelecer regramentos, instituindo que o seu exercício seria adstrito à função social que as coisas possuíam na sociedade.

Assim, passou a focar no que chamamos hoje de função social da propriedade, pois o direito a esta apenas seria exercido se corroborado o fundamento ao qual ela foi estatuída, segundo as diferentes culturas locais, sempre em respeito aos direitos e garantias fundamentais do homem.

O homem proprietário não pode, acertadamente, utilizar de sua propriedade abstraindo-se do pensamento coletivo, pois nenhum direito pode, hoje, ser tido como absoluto, como promiscuamente já se pensou. É esse o ponto que culminou na mudança de paradigma dos direitos das coisas, voltando-os para a função social a que se reserva a propriedade, em alusão à prestigiada máxima latina summum jus, summa injuria (supremo direito, suprema injustiça).

Hodiernamente, pois, muito se estuda a aplicação do princípio da função social aos bens. Mas essa aplicação, em sua maioria direciona-se às propriedades imóveis. Poucos, hoje, discutem a função social do exercício da propriedade dos bens móveis.

Através deste brevíssimo trabalho, demonstraremos a introdução sobre a função social da propriedade contemporânea, além de sua aplicação junto aos bens móveis, relação pouco aplicada e pouco estudada, mas que, como veremos, está presente no nosso cotidiano, ainda que não percebamos.

 

 

1. O que é função social?

 

 

As noções de função do Estado mudaram constantemente ao longo do tempo. Ainda na transição do período moderno para o contemporâneo, via-se a exigência de o Estado não intervir nas relações entre particulares. Assim, apenas agiria nos interesses institucionais do governo, e quando necessário, deixando de lado preocupações referentes às relações privadas, o que se chamou de absenteísmo estatal.

Também ganharam guarida as teorias libertárias, através das quais se pensava que o homem era livre para fazer o que bem entendesse, não necessitando de ajuda ou intervenção do Estado para que sua dignidade fosse consagrada. Muitos, hoje, ainda se dizem partidários da teoria libertária, afirmando ser ideal a sociedade onde não há intervenção estatal.

O professor de filosofia da Universidade de Harvard, Michael Sandel, ensina que “os libertários defendem os mercados livres e se opõem à regulamentação do governo, não em nome da eficiência econômica, e sim em nome da liberdade humana” (2012, p. 78). É a defesa de um Estado mínimo, no qual a liberdade seria um valor individual supremo e impossível de ser violado, em quaisquer hipóteses.

Mas em muitas das vezes, pequenos grupos de pessoas passavam a dominar a sociedade, pois, não havendo a oposição do Estado, muito podiam fazer e conquistar perante as partes mais fracas e menos abastadas.

Ademais, sem intervenção estatal, o ser humano colocaria em prática muitas de suas vontades, contrastantes com os valores morais da coletividade. Estaria o Estado, assim, proibido de exigir tributos ou punir praticantes de canibalismo ou suicídio assistido. Não se poderia, também, proibir a venda de órgãos (SANDEL, 2012, p. 94). São exemplos banais de atos que seriam permitidos perante um Estado Liberal.

Certo é que há a necessidade de intervenção estatal, ainda que mínima, pois muitas das vezes a sociedade, por si só, não é capaz de se autorregular, e as pessoas usariam de suas liberdades para cometer atos contrários à moral e aos bons costumes. Cite-se o exemplo dado acima pelo professor Sandel, referente àqueles que vendem órgãos. Talvez não o façam simplesmente por pensarem ser livres, mas por possuírem alguma condição ou estarem inseridos em determinada situação através da qual tal ato se impõe a eles, por extrema necessidade. Se o Estado agisse, é bem provável que seria diferente.

É pensando dessa forma que a noção de Estado viera a evoluir, consagrando os valores sociais em detrimento da liberdade total do homem. O Estado pode e deve intervir nas relações particulares, eis que sem tal intromissão a coletividade viveria em caos e injustiças. É daí que se depreende a noção do Estado chamado Leviatã, de Thomas, Hobbes, onde a coletividade cede parcela de sua liberdade ao governo, que fica encarregado de lhes garantir a paz social, nos seguintes termos:

 

 

Uma grande multidão institui a uma pessoa, mediante pactos recíprocos uns com os outros, para um nome de cada um como autora, pode usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. (2006, p. 131).

 

 

Portanto, o surgimento do modelo de Estado Social de Direito era inevitável e incomensuravelmente importante para a manutenção dos valores da sociedade. Claro que a liberdade não é e jamais será perdida, mas apenas o Estado será chamado a agir quando o exercício de tal liberdade passe a prejudicar os demais, ou a contrariar a moral ou bons costumes.

E é no Estado Social de Direito que surge o conceito de função social: o poder governamental exige que o exercício das prerrogativas do homem, verbi gratia, o direito de propriedade, seja exercido de acordo com sua função social, ou seja, em benefício da coletividade. Sempre que tal exercício contrarie ou prejudique os demais, estar-se-á desrespeitando a sua função social.

A função social seria então, sucintamente, a conjugação de determinado ato permitido ao homem com o benefício trazido para a sociedade. A propriedade, por exemplo, é permitida, pois traz grandes benefícios à sociedade capitalista, mas quando utilizada em contrariedade com os seus fins, passa a trazer malefícios, por isso a exigência da função social no exercício de tal direito, conforme se verá adiante.

 

 

2. O porquê da função social da propriedade

 

 

Como dito, ao homem é concedido o exercício de suas liberdades, o que, de um ponto de vista, torna uma sociedade mais feliz. Em um grupo onde o direito à liberdade prevalece, há também a existência consecutiva de membros mais contentes e dispostos a agir conforme a moral.

Contudo, no exercício do direito de propriedade, garantido pelo Estado, há prevalência de vontades as quais se esbarram nos direitos coletivos, dentre os quais o da paz e sossego social, além das regras de urbanização. Assim, cada propriedade será utilizada de acordo com o fim para o qual foi criada, em razão de diversos critérios, como localização, necessidades públicas ou até mesmo padrões morais.

A partir dessa ideia, mormente pela promulgação de uma Constituição que preconiza os valores sociais, é que a propriedade deverá atender antes os fins sociais, para depois satisfazer a vontade de seu titular. Um direito individual, seja ele de propriedade ou qualquer outro direito, jamais poderá prevalecer diante do direito coletivo, que é tão visado hoje que tipos de ações para defesa de interesses coletivos ou difusos foram criadas.

Essa a razão da necessidade de imposição da função social no exercício do direito de propriedade.

Assim, DERANI (apud ARAUJO) nos ensina que não é a propriedade que será social, mas o seu uso é que deverá atender a sua função social, ou seja, a relação entre o proprietário e a coisa, pertinente aos direitos reais, restará intacta. Porém, o que se atingirá com a função social será a “relação entre a coisa e o processo das várias utilizações que se possa tirar da coisa” (2011).

Cite-se como exemplo a função social de um sorvete, dado por Eugênio Rosa de Araujo. O consumo deste bem móvel, como função de todo alimento, já exauriu todas as possibilidades de seu uso, não se falando em preenchimento ou não de sua função social. Há, nesse caso, apenas relação da coisa com o proprietário. Diferente é o caso de uma agroindústria, que pode desrespeitar situações não proprietárias, como a relação com o meio ambiente, com o fisco, com os direitos sociais dos empregados, entre outros. O uso da propriedade, no segundo caso, transcende à mera relação entre proprietário e coisa (2011).

Partindo dessa premissa é que temos, de certo modo, a intangibilidade da relação do proprietário com a coisa, desde que este utilize seu bem de forma a não prejudicar sua relação com as outras pessoas da sociedade, ou com o Estado. São essas relações secundárias do direito real de propriedade que serão atingidas pelo princípio da função social.

Portanto, a propriedade, como dito, constitui o mais amplo direito real existente, talvez mais absoluto que direitos obrigacionais ou pessoais, pois é perpétua e se opõe contra tudo e contra todos. Se não existissem restrições ao uso desse direito tão amplo, mormente quando essa utilização ultrapassa a mera relação de direito real, a sociedade certamente não se veria garantida pela paz social, esse que é um objetivo essencial de um Estado Social de Direito contemporâneo.

 

 

3. Os bens móveis e a obediência à função social

 

 

A relação entre os bens móveis e sua função social não é muito discutida entre a doutrina nacional, talvez porque o maior número de impasses e de regramentos esteja destinado a questões ligadas às propriedades imóveis.

Mas o tema merece breves comentários.

Muitas das vezes, conforme comentado outrora, o próprio uso da propriedade já exauri suas potencialidades, como é o caso dos bens não duráveis, ou aqueles fungíveis, principalmente os alimentos, não cabendo falar em função social.

Ademais, ainda que alguns bens não se acabem com o consumo, o seu uso não faz com que a coletividade fique prejudicada, como é o caso de uma carteira ou uma bolsa, bens os quais o seu uso, ainda que absoluto e pleno, jamais vai de encontro com as relações secundárias, quais sejam, aquelas que vão além da ligação coisa vs proprietário.

 Contudo, determinados bens móveis possuem enorme ligação com o princípio da função social, pois o seu uso incorreto infringiria tal máxima. E sempre que falamos de bens móveis de porte maior, lembramos-nos dos automóveis como o grande exemplo.

Quando se utiliza um carro, verbi gratia, com um som alto ou com fulcro de fazer “rachas”, está-se desvirtuando o fim para o qual foi criado o automóvel. Simplesmente ele deveria ter o objetivo de facilitar a vida das pessoas, locomovendo-as de um lugar para o outro sem a perturbação pública.

Ademais, o uso desses veículos após a ingestão de bebida alcoólica gera, igualmente, total incompatibilidade com a sua função social. E a mistura de direção com bebidas desde sempre gerou grande debate por parte da sociedade, o que viera a ocasionar sanções penais e administrativas mais severas para aqueles que dessa forma agissem.

Assim, quaisquer fins que discrepem deste último não estariam alocados dentro da função social deste bem móvel. Um som alto, um “racha” ou a ingestão de bebidas alcoólicas seriam exemplos de não cumprimento da função social dessa propriedade móvel.

Futuramente, não duvidamos que, no caso dos automóveis e demais meios de transporte, mormente em razão do avanço da tecnologia e do rigor das leis ambientais, sejam exigidos limites de emissão de gases poluentes, especialmente porque um bem desse tipo foi criado, como dito, para facilitar a vida das pessoas, e não para prejudicar a daquelas que estão por vir.

O uso de diversos outros bens móveis pode desvirtuar a sua função social. Para se saber quando um bem está de acordo com a sua finalidade coletiva, basta pensarmos sob o determinado espectro: se o seu uso não extrapola os limites da relação coisa VS proprietário, não teremos maiores problemas; se o seu uso pode vir a extrapolar tal limite, basta verificarmos a sua aplicabilidade essencial para a sociedade. Assim, nesta última hipótese, se um bem tem a função principal de transportar pessoas, como no caso de um carro, quaisquer utilizações que visem a divergir desta finalidade deverão ser observadas com acuidade, ou até mesmo sancionadas.

Portanto, no caso de alguns bens móveis, principalmente aqueles de maior porte, como o automóvel, é exigido o cumprimento de sua função social, pois o uso desses sem restrições pode acarretar no desvirtuamento de seu fim, o que perturba a paz pública e os valores coletivos, daí a razão, a nosso ver, dessa exigência.

 

 

CONCLUSÃO

 

 

Por tudo quanto dito, verificamos a inevitável evolução do conceito de propriedade, e da função que vem ocupando na sociedade.

Diversos estudos já se fizeram com relação à função social da propriedade imóvel, seja urbana, seja rural. A própria constituição federal dedicou artigos para ambas as modalidades de propriedade imóvel. Porém, pouco já se viu quanto à análise da função social dos bens móveis. Talvez porque o uso da maioria deles, especialmente os fungíveis, exaure-se com o seu próprio exercício.

Contudo, normas do direito brasileiro que regulam aquelas propriedades móveis de grande porte já se fazem presentes há muito tempo, a fim de garantir a paz social. Seria o caso dos automóveis, que fazem parte da nossa vida e crescem em número de forma incomensurável.

A modernidade, mormente na construção desses bens, fez com que normas de regulação de uso, como o Código de Trânsito Brasileiro, ficassem cada vez mais rígidas, frente ao exorbitante número de acidentes, ocasionados pela má utilização desses bens móveis.

Excetuando-se aqueles que se encerram com o próprio uso, a regra da função social, como exaustivamente dito, deve ser obedecida a qualquer bem móvel, obrigando adequações e sanções para aqueles que extrapolassem a função social dos bens móveis.

Ademais, um bem móvel pode possuir diversas utilizações, que excedem o contexto único de coisa X proprietário. De uma reunião de objetos de metal, móveis por sua definição, construímos uma máquina retroescavadeira, de uso permitido apenas nas hipóteses previamente estabelecidas, e por quem devidamente autorizado, o que viabiliza a prevenção de acidentes e outros prejuízos, passíveis de provocação por bens de tamanho porte.

Um direito de propriedade, ainda que considerado um dos maiores e mais absolutos direitos desde sempre, jamais prevalecerá diante das normas que objetivam a finalidade pública.

Por fim, saliente-se que questões fortemente morais estão envolvidas no estudo presente. A imposição de alguém ou de algo sobre tudo e sobre todos nunca se fizera útil. Aliás, isso se mostra por deveras combatido em grande parte do globo, por conta dos contemporâneos regimes sociabilizados, conforme os quais os Estados atuais governam. O uso racional e social das potencialidades de uma propriedade nada mais faz do que combater sistemas contrários à participação de todos na consecução do bem comum.

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  

ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano: volume 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

 

 

ARAUJO. Eugenio Rosa. A função social da propriedade. Disponível em: . Acesso em: 03 out 2012.

 

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

 

GONÇALVES, Luis da Cunha. Da propriedade e da posse. Lisboa: Edições Ática, 1952.

 

 

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2006.

 

 

SANDEL, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. 6. ed. Trad. Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

 

 

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