Registro em hospitais vai orientar certificação de produtos
Brasil hoje não tem estatísticas sobre problemas
Na Europa, no ano passado, houve 1,9 mil notificações de produtos considerados de ‘risco grave’
RIO e BRASÍLIA — O governo federal está estudando formas para conseguir acompanhar, com precisão, quantos acidentes, do total de atendimentos realizados na rede pública de saúde, são causados por problemas relacionados ao consumo. A medida busca não apenas embasar a formulação de políticas públicas, mas também orientar os institutos e agências quanto à certificação de produtos e serviços oferecidos no mercado. Para isso, dois ou três hospitais de Brasília receberão nas próximas semanas fichas para identificação dos motivos de um acidente, com o objetivo de saber suas causas e se estão relacionados ao uso adequado de algum produto. E, no ano que vem, quando o Ministério da Saúde realizar o mapeamento que faz a cada três anos em toda a rede pública sobre violência e acidentes, a questão do consumo também será abordada, o que permitirá fazer um retrato do Brasil.
— Há dois anos, tentamos sistematizar informações sobre acidentes de consumo no país. Esboçamos uma ficha para melhor compreensão e formatação do que queremos descobrir. Vamos ver onde estão os problemas, orientar e agir sobre eles — afirma Neilton Araújo de Oliveira, da diretoria de Controle e Monitoramento Sanitário da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). — Esse banco de dados é um instrumento poderoso para avançar numa maior proteção à saúde do consumidor.
Nos EUA, 262 mil acidentes com crianças
Hoje, o país não conhece com clareza dados sobre o número de acidentes ligados ao consumo. O diretor substituto de Avaliação da Conformidade (Dconf) do Inmetro, Paulo Coscarelli, afirma que, nos Estados Unidos, em 2011, 262 mil crianças foram internadas devido a acidentes relacionados ao uso de algum produto. Na Europa, no ano passado, houve 1,9 mil notificações de produtos considerados de “risco grave”. Já o Brasil não tem informações suficientes para traçar o perfil desses acidentes.
— Queremos oferecer ao consumidor um produto que seja seguro, um produto que o consumidor possa usar sem ser exposto a riscos desnecessários — afirmou Coscarelli, em audiência no Senado, como parte da 1ª Semana Nacional de Consumo Seguro e Saúde, que termina hoje em Brasília.
A secretária Nacional do Consumidor, Juliana Pereira, destacou, no Senado, a parceria do Ministério da Saúde com hospitais para que se faça uma fiscalização séria, “para que quem coloca em risco a saúde das crianças, dos consumidores, pague caro”.
E o consumidor tem um papel importante na rede de consumo seguro. Ele precisa reconhecer que, quando um problema ou dano ocorre mesmo que as orientações do fabricante tenham sido seguidas, isso caracteriza um acidente de consumo. O exemplo mais clássico é cortar o dedo ao abrir uma lata.
Juliana lembrou que, muitas vezes, quando sofre um acidente devido ao consumo de algum produto, o consumidor pensa que a culpa é sua.
— E a gente se depara com uma situação em que o barato pode sair muito caro em relação à saúde.
Oliveira, da Anvisa, concorda:
— Um produto seguro evita um acidente. O desafio é mudar a cultura do entendimento do risco. Nos EUA, duas crianças se asfixiaram com a cordinha de uma persiana e a regulamentação do produto foi mudada. Aqui, o consumidor vê o acidente como descuido. Não é descuido, é saúde pública.
Andador pode ser proibido no Brasil
Segundo Andréa Sanchez, diretora de Programas Especiais do Procon-SP, é preciso que o consumidor identifique esses potenciais defeitos e alerte as autoridades para que possam agir e prevenir. E é cada vez mais fundamental a articulação entre os diferentes órgãos para a avaliação de riscos e uma conclusão clara do que deve ser feito, diz Amaury Oliva, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça:
— Saúde é uma questão de Estado. Estamos trabalhando na articulação de todos os órgãos. Hoje, temos esses dados em separado.
Segundo Coscarelli, o Inmetro planeja, nos próximos quatro anos, aumentar em 164 o número de produtos que receberão certificação do órgão. O instituto tem 197 programas que abrangem, ao todo, 440 produtos, de um universo de 15 mil no país. A partir de pesquisas e de relatos dos consumidores, estão na lista de prioridade para receber a certificação produtos infantis e peças automotivas.
A comercialização do andador, por exemplo, pode até ser proibida no país, devido ao risco de acidentes, sobretudo no momento em que a criança chega a uma escada. Coscarelli observou que, no Canadá, o andador não é mais comercializado e que, nos EUA, existem regras claras de venda.
— Vamos fazer essa discussão em 6 de agosto. Podemos banir esse produto do mercado ou elaborar uma regulamentação. No mundo, há vários relatos de acidentes, muitos fatais — ressaltou Coscarelli.
Juliana criticou o fato de muitas empresas colocarem no mercado nacional produtos com qualidade inferior à dos que são exportados. Segundo ela, o governo está em busca de parceiros internacionais para ampliar a certificação dos produtos no país e melhorar a qualidade das relações de consumo.
— Temos que ter a consciência de que o Brasil é uma economia de mercado forte, um player mundial importante, e que o padrão de proteção e segurança tem de acompanhar os melhores do mundo. Chega de ser consumidor de segunda categoria.
Para Carlos Thadeu de Oliveira, diretor do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o cidadão tem que denunciar e registrar os problemas.
— Como o risco é invisível, alguém tem que denunciá-lo para que ele se torne visível.