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Em relação ao caso NARDONI, evidenciado o prejulgamento formado pela mídia, que prendeu, acusou e condenou o casal, antes mesmo de iniciar o processo criminal, analisando-se, apenas do aspecto jurídico, a decretação da prisão preventiva.
Texto enviado ao JurisWay em 13/05/2008.
O assunto do momento, sem a menor sombra de dúvidas, foi o trágico homicídio da menor Isabela Nardoni.
Aqui, não se vai discutir a respeito da autoria do delito, muito menos da crueldade do crime perpetrado, mas, tão somente, aspectos processuais.
Assim, fato é que foi decretada a prisão provisória dos suspeitos, pai e madrasta da criança, posteriormente revogada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo que, após a conclusão do inquérito policial, novamente decretada a prisão, agora preventivamente, pelo Juízo processante.
Ora, a prisão preventiva encontra previsão legal nos arts. 311 e seguintes do Código de Processo Penal, sendo certo que o art. 312, do citado Diploma Processual, assevera: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”
In casu, incontestável a prova da existência do crime, bem assim, de acordo com a prova pericial colhida e de testemunhas ouvidas na fase pré-processual, existem indícios da autoria, ou seja, fatos provados superficialmente, que indiretamente indiquem o acusado.
Cabe analisar com cuidado, contudo, os fundamentos legais para a decretação da chamada “medida odiosa”, até porque, no ordenamento pátrio brasileiro, vige o princípio da presunção de inocência, inserido no art. 5.º, inciso LVII, da Lei Maior, sendo certo que fora tal princípio erigido a dogma constitucional, asseverando que “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Com efeito, deve estar a prisão preventiva atrelada aos fundamentos preconizados no art. 312 do Código de Processo Penal, quais sejam: a garantia da ordem pública ou ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou asseguração de aplicação da lei penal.
Garantia da ordem pública ou econômica está diretamente associada à possibilidade de perpetração de novos ilícitos.
Verdade afirmar, pois, que o acusado não costuma dar publicidade a futuros delitos a serem perpetrados por si, sendo que a vida pregressa, in casu, que poderia fornecer esteio para presumir que tal ocorreria.
Conveniência da instrução criminal está ligada, principalmente, à possibilidade de que o réu venha a ocultar provas ou intimidar testemunhas. Na prática, a prisão não impede que isso ocorra, pois o causado pode se valer de terceiros, na medida em que não fica incomunicável.
Já a asseguração da aplicação da lei penal tem como hipótese típica a revelia do acusado, indicando que pretende se evadir da responsabilização penal, mas também pode ocorrer em hipótese nas quais indícios indicam uma fuga ou esta é facilitada por circunstâncias particulares.
Ora, a prisão preventiva, de natureza cautelar, não é pena, não tem caráter retributivo.
Não serve a prisão preventiva à punição sem processo, mesmo considerada a extrema gravidade do crime imputado, porque terminaria pondo em sacrifício desmedido o princípio constitucional da presunção de inocência.
A prisão preventiva há de ser adotada com parcimônia, para que não se termine por impor ao paciente, desde logo, uma sentença apenadora.
Lembra ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO (in "Presunção de Inocência e Prisão Cautelar", p. 68) que a exemplaridade, como critério de decretação da custódia preventiva, "constitui seguramente a mais grave violação ao princípio da presunção de inocência, porquanto parte justamente da admissão inicial da culpabilidade, e termina por atribuir ao processo uma função meramente formal de legitimação de uma decisão tomada a priori".
A prisão preventiva só se justifica comprovada sua necessidade. E a necessidade da custódia não se tem demonstrado com a invocação da gravidade do delito.
A hediondez do delito não é motivo impeditivo de ser revogada a prisão preventiva, como já decidiu, por diversas vezes, o Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Exige-se concreta motivação do decreto de prisão preventiva, com base em fatos concretos que justifiquem a excepcionalidade da medida, mesmo em sede de delitos hediondos.
Sem a real e efetiva necessidade para o processo, a prisão preventiva seria, no dizer de Fernando Capez "uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado, e, isto sim, violaria o princípio da presunção de inocência”.
Não pode embasar-se o decreto preventivo em conjecturas, valendo frisar que, partindo deste entendimento, qualquer pessoa que tenha cometido um delito, obrigatoriamente deveria ser presa, posto que, do contrário, poderia vir a cometer outro crime, esquecendo-se do princípio constitucional da presunção de inocência, criando o princípio da presunção de reincidência.
Certamente que com o exercício de imaginação e formulação de diversas hipóteses, poderia se concluir de maneiras que viessem a tornar possível a manutenção da prisão provisória. Contudo, imaginação e suposição não são formas permitidas pela lei penal (substantiva ou adjetiva) para que se chegue a decisão em nenhum feito, mormente, em se tratando de liberdade de sujeito não condenado e que por princípio constitucional deve se presumir inocente.
O papel da Justiça é muito importante, ela não pode falhar em sua alta missão de julgar, com absoluta imparcialidade, os seus semelhantes. E a Justiça falhará, desacreditando-se perante a opinião pública, no dia em que deixar-se confundir com a própria opinião pública.
Sobre o tema, vale a transcrição de parte do Parecer do Promotor de Justiça do Estado do Paraná, Dr. SILVIO COUTO NETO, que, nos autos do pedido de revogação de prisão preventiva, tombado sob o n.º 94/99, asseverou:
“Assim, nada justifica que se deva punir com mais ou menos rigor, ou até mesmo, forçar uma custódia legalmente indevida, porque um crime é (ou no caso presente - foi) objeto de atenção pela imprensa, especialmente a poderosa Rede Globo de Televisão.
A imprensa vem causando estragos até mesmo na elaboração de leis, de maneira que o legislador pátrio, no afã de satisfazer a opinião pública, produz diplomas que desestruturam aquele feixe legislativo, com todas as suas ramificações solidárias, que deve ser o ordenamento jurídico. Estamos observando cada dia mais, por conta disso, a desarmonia e a incongruência entre leis, um verdadeiro caos. Sobre tal assunto, Rogério Schietti Machado Cruz, em artigo publicado recentemente no informativo jurídico "O Neófito" afirma que: "muitas leis penais neste país não nascem de prolongados e refletidos estudos sobre o que se pretende elevar à categoria de norma jurídica, mas, amiúde, seguem-se a uma bem escolhida pauta jornalística (geralmente da Rede Globo, ou a um acontecimento específico que, inobstante ser apenas a repetição de fatos já ocorridos e presentes na sociedade, revestem-se de um colorido especial..."
No caso Nardoni, notadamente a mídia televisiva, prendeu, acusou e julgou os acusados, cujo processo penal, com amplitude de defesa e contraditório está apenas por iniciar-se.
Apenas para argumentar, após serem postos em liberdade, revogada que foi a prisão provisória, que fato novo ensejou a decretação da preventiva ?
Vele repetir, não pode a decretação de prisão ser fundamentada em conjecturas, mas sim em elementos fáticos.
Deve-se ressaltar, por fim, que não se está discutindo aqui a hediondez do delito, sequer a autoria, mas, apenas, aspectos nitidamente processuais.
RENATO MENDONÇA
Advogado
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