Continuamos a apresentação do Projeto de Código de Processo Penal – Projeto de Lei do Senado nº. 156/2009, que será referido, neste e nos demais artigos que tencionamos divulgar, como PCPP. Ainda estamos enfocando o capítulo que disciplina o inquérito policial (artigos 18 a 43).
A Seção VII do referido capítulo cuida do arquivamento do inquérito policial. De início, é preciso ressaltar que o Senado Federal mudou radicalmente o Anteprojeto, que afastara “o controle judicial do arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação”, reforçando o sistema acusatório. A Comissão Temporária de Estudo da Reforma do Código de Processo Penal, porém, acabou chegando “ao entendimento de que o arquivamento do inquérito deve permanecer com o juiz, mais precisamente, com o juiz das garantias, adotando-se a fórmula do art. 28 do atual CPP”. Essa mudança foi saudada por Alberto Zacharias Toron, em artigo publicado no Boletim do IBBCRIM (edição especial de agosto de 2010), que considerou a proposta do Anteprojeto uma “excrescência”, em face “da inafastabilidade da apreciação pelo Judiciário de qualquer ‘lesão ou ameaça de direito’ (CF, art. 5º, XXXV)”.
O artigo 37, caput, indica as hipóteses que autorizam o Ministério Público requerer o arquivamento do inquérito policial: “insuficiência de elementos de convicção ou por outras razões de direito, seja, ainda, com fundamento na provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena”.
A parte final desse dispositivo contém a grande novidade dessa seção, uma vez que acolhe a tese da prescrição antecipada, em perspectiva ou virtual, que hoje encontra defensores na doutrina e na jurisprudência, mas que é rechaçada pelos Tribunais Superiores, por ausência de previsão legal, como exemplifica este julgado do Supremo Tribunal Federal: “Recentemente, o Plenário desta Suprema Corte, na Repercussão Geral por Questão de Ordem no RE nº 602.527/RS, de Relatoria do Ministro Cezar Peluso (DJe de 18/12/09), reafirmou a jurisprudência no sentido da impossibilidade de aplicação da chamada prescrição antecipada ou em perspectiva por ausência de previsão legal” (1ª Turma – Habeas Corpus nº. 97599/SC – Relator Ministro Dias Toffoli – Acórdão de 09 de março de 2010, publicado no DJe de 15 de abril de 2010, sem grifo no original). Se o PCPP for aprovado e se for mantida a atual redação do artigo 37, caput, essa objeção levantada pelos Tribunais Superiores deixará de existir, o que não significa, porém, caminho aberto para a prescrição antecipada, porque outras teses podem continuar sendo argüidas (violação a princípios constitucionais, por exemplo).
O artigo 37, parágrafo único, do PCPP repete a regra do artigo 28 do Código de Processo Penal (doravante CPP), permitindo ao juiz das garantias, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas no pedido de arquivamento, a remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, para que este (i) ofereça denúncia, (ii) designe outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou (iii) insista no pedido de arquivamento, ao qual estará o juiz obrigado a atender.
Seguindo a sistemática inaugurada pela Lei nº. 11.690/08, o artigo 38 impõe ao juiz das garantias o dever de comunicar o arquivamento do inquérito policial “à vítima, ao investigado e ao delegado de polícia”.
O arquivamento do inquérito policial “por insuficiência de elementos de convicção” não impede que o delegado de polícia realize novas diligências, de ofício ou por requisição do Ministério Público, se houver “notícia de outros elementos informativos”, conforme o artigo 39 do PCPP. É o que prevê, em essência, o artigo 18 do CPP.
O título “da investigação criminal” encontra termo no Capítulo IV, que disciplina a identificação criminal. O artigo 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal preceitua que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”. Esse preceito constitucional foi regulamentado pela Lei nº. 10.054/00, depois substituída pela Lei nº. 12.037/09, ainda em vigor. O PCPP incorporou a matéria nos artigos 40 a 43, praticamente sem qualquer alteração às regras da Lei nº. 12.037/09, ressalvadas pequenas mudanças meramente formais.
O artigo 40 limita-se a repetir o preceito constitucional.
O artigo 41, caput, relaciona os documentos que atestam a identificação civil: carteira de identidade, carteira de trabalho, carteira profissional, passaporte, carteira de identificação funcional ou outro documento público que permita a identificação do indiciado (fórmula que inclui a carteira de habilitação, por exemplo). Em acréscimo, o § 1º equipara aos documentos de identificação civil os documentos de identificação militar, enquanto o § 2º exige que cópia do documento de identificação civil seja mantida “nos autos de prisão em flagrante, quando houver, e no inquérito policial, em duas vias”.
O artigo 42, caput, enumera as hipóteses em que cabe a identificação criminal: (a) quando o documento apresentado pelo indiciado tiver rasura ou indício de falsificação, ou não for suficiente para identificá-lo de forma cabal; (b) quando o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; (c) quando constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; e (d) quando o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais. O juiz das garantias pode determinar a identificação criminal em outras situações, “desde que essencial às investigações”, a pedido do delegado de polícia, do Ministério Público ou da defesa (§ 2º). A realização da identificação criminal depende de despacho motivado do delegado de polícia, o qual deverá tomar “as providências necessárias para evitar constrangimentos ao identificado” (§§ 1º e 5º).
O artigo 43, caput, esclarece que a identificação criminal abrange o processo datiloscópico – a coleta das impressões digitais – e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante ou do inquérito policial. O § 1º proíbe que se mencione a identificação criminal em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, o que está conforme ao princípio da presunção de inocência (ou de não culpabilidade), previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. O § 2º prevê outro direito da pessoa que se submeteu à identificação criminal: requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou do processo, desde que apresente provas de sua identidade civil, nos casos “de não oferecimento da denúncia ou sua rejeição, ou de absolvição”.