A Nova Lei de Tóxicos entrou em vigor em 08/10/06 e já está causando uma enorme polêmica. Isso porque devido ao emprego de uma técnica legislativa confusa, dúbia, os juristas não estão conseguindo chegar a um consenso com relação à descriminalização do porte de substância entorpecente para uso próprio. Em outras palavras, não se sabe ao certo se a conduta do usuário continua sendo crime no Brasil. Vejamos quais são os motivos dessa dúvida.
Dentre as várias modificações introduzidas pela nova lei está o artigo 28. O referido dispositivo revogou o antigo art. 16 da Lei n° 6.368/76, que se referia ao crime de porte de substância entorpecente para uso próprio. Contudo, o novo artigo não cominou ao porte as penas detenção ou reclusão. As sanções previstas têm cunho sócio educativo, como a prestação de serviços à comunidade, a admoestação verbal ou comparecimento a programa ou curso.
Ao mesmo tempo, a Lei de Introdução ao Código Penal diz que se considera crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente ou cumulativamente com a pena de multa.
Diante disso, surge uma celeuma: ao não prever a pena privativa de liberdade, sob a modalidade de detenção ou reclusão, terá o legislador descriminalizado a conduta do porte de substância entorpecente para uso próprio?
A questão é controversa e ainda gerará muita discussão. Todavia, entendemos que a resposta à questão acima é afirmativa, ou seja, a conduta de portar substância entorpecente para uso próprio não é mais crime no Brasil. Explicaremos de forma sucinta os motivos que nos levaram a tal interpretação.
A lei, por vezes, com a finalidade de eliminar eventuais dúvidas em relação a um determinado tema decide, ela mesma, fazer a sua interpretação. Um exemplo disso é o conceito de funcionário público, definido pelo próprio Código Penal. Outro exemplo é o próprio conceito de crime, que nos é dado pela Lei de Introdução ao Código Penal. Assim, conclui-se que, para fins penais, o conceito de crime será aquele definido pela Lei de Introdução ao Código Penal.
A atividade de interpretação das normas também pode ser dividida em objetiva ou subjetiva. A objetiva consiste em descobrir-se a vontade da lei; a subjetiva, por sua vez, busca saber a vontade do legislador. Contudo, em Direito Penal, o que importa não é o que o legislador queria dizer, mas o que efetivamente disse, sob pena de causar uma imensa insegurança nas relações sociais.
Assim, não importa qual foi o objetivo do legislador brasileiro. O fato é que o mesmo não previu a pena privativa de liberdade, sob as modalidades de detenção ou reclusão, ao porte de substância entorpecente. Tem-se, portanto, que o referido artigo não define o porte de substância entorpecente para uso individual como crime. A conduta em questão seria, na verdade, uma espécie de infração sui generis, diferente de todas as outras existentes no Direito brasileiro.
Muitas pessoas devem estar se perguntando qual a diferença prática entre essa infração sui generis e um crime. Afinal, é notório que a pena de prisão pode ser substituída por prestação de serviços à comunidade quando o crime é de menor potencial ofensivo.
A principal conseqüência prática se relaciona com a certidão de antecedentes criminais. A maioria dos brasileiros, quando parte em busca de um emprego, tem de apresentar à empresa contratante a certidão de antecedentes criminais. E muitas vezes, em um mercado de trabalho tão disputado quanto o atual, o cidadão que já foi condenado pela prática de um crime, e que por isso tem a “ficha suja”, acaba levando desvantagem em relação a seu concorrente.
Logo, se o porte de substância entorpecente não for mais considerado crime, os eventuais condenados continuarão sendo considerados primários e de bons antecedentes, não tendo a chamada “ficha suja”.
Ressaltamos, mais uma vez, tratar-se de questão polêmica. Aliás, uma posição firme em torno da questão só se formará com o tempo, conforme o entendimento que os Tribunais forem adotando diante de casos concretos.